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CHESTERTON E OS ESCRITORES
Li ontem uma frase maravilhosa de Chesterton: "Tenho vergonha da maioria dos meus colegas escritores. Respeito e amo muito mais a opinião do povo, dos trabalhadores mais humildes, que as frases pomposas e tolas dos autores de livros." Na fase final de minha vida, talvez meus últimos vinte anos, descobri que há muito mais o que aprender com um varredor de rua ou um técnico que instala os fios da minha rua, que com 99% dos autores vaidosos dos livros que enfeitam a página virtual de uma livraria. Preciso dizer porque? ------------- Eu fui como eles. Eu citava, achando ser isso alguma sabedoria, o autor da moda ou da anti moda. E ignorava que tudo que esse autor sabia era aquilo que havia lido de outro autor. Se eu fosse mais fundo, veria que a sabedoria desses autores era uma corrente sem fim de páginas aborrecidas que se vendiam como "vida real". Mas Chesterton nem fala de sabedoria. O que ele fala é da repugnante tirania intelectual desses escribas. Eles são vaidosos, e não admitem que alguém não pague tributo à sua inteligência. Têm a flácida autoridade da página impressa, um tipo de status que morreu e virou fetiche. Não querem perceber, em 2021, que escritores são importantes hoje apenas para outros escritores ( importantes enquanto gurus, guias, líderes ). Um bom autor, e existem e sempre irão existir, é importante como uma pessoa que escreve coisas boas. Fora disso, ele é tão relevante quanto o padeiro ou o borracheiro. Amo escritores que criam páginas. Odeio homens que se vêm como reis em meio à plebe ignorante. Chesterton sabia disso. Heminguay também. --------------- Heminguay foi execrado por não suportar a companhia de seus colegas. Inventaram até que ele queria esconder uma homossexualidade latente ( esse é o motivo cliché de todo famoso que foge da imprensa ). Heminguay preferia andar e beber com caçadores, toureiros, velhos pescadores e prostitutas que com Fitzgerald, Dos Passos ou Steinbeck. Na boa: eu também. Que deus me livre de ter como amigo um mala como Fitzgerald, um chato como John dos Passos ou um revolucionário chorão como Steinbeck. Dos três, Fitzgerald é o único que gosto como autor, COMO AUTOR, não como ser humano ou autoridade no que quer que seja. Heminguay, como Chesterton, entendeu o vazio vaidoso de seus colegas, mas ao contrário de Chesterton, que simplesmente se afastou e viveu a vida, Heminguay os agredia sem parar. Heminguay não era ressentido ( ele elogiava sempre Joyce e Tolsotoi, para ele: dois homens de verdade ), ele apenas via a vacuidade. Não há nada mais ridículo sobre a Terra que um intelectual que se acha superior a qualquer outro homem. A mensagem de Heminguay era: Voce, escrevinhador como eu, é apenas um frangote inutil que não sabe viver sem um frentista ou um sapateiro. A mensagem de Chesterton era: O que um homem que sabe apenas aquilo que leu e que foi educado a crer no que lê, sabe sobre a vida real? -------------- Wittgeinstein viveu a mesma certeza. Por isso brigava consigo mesmo. ------------------------ No círculo cômico dos inteligentes, a vida hoje é uma mistura de circo com muro de lamentações, no mundo dos meus alunos e de seus pais, ela é aquilo que sempre foi: dor e alegria, desejo e medo em doses quase iguais. Excetuando os quatro ou cinco perdidos em aulas de filosofia que ensinam a obedecer e jamais a pensar, eles são aquilo que sempre foram: gozadores, piadistas, bagunceiros, irresponsáveis, indisciplinados. E quer saber? Graças a Deus.
CHESTERTON NO MINISTÉRIO DA CULTURA
Um jornal noticia que o ministro da cultura segue o escritor católico inglês Chesterton. Claro que não leio o tal artiguete por absoluta falta de interesse. Um jornalistinha de um tabloide carioca jamais poderá escrever nada que valha algo sobre Chesterton. Ele não foi formatado para essa missão. ------------ Falo isso porque eu já fui como esse jornalistinha. Ouvir o nome de Chesterton me causava risos e saber que ele era católico, e pior, não escondia isso!, me deixava bravinho. Eu tinha a certeza de que NENHUMA PESSOA QUE ACREDITAVA EM DEUS PODERIA SER CONSIDERADA MINIMAMENTE INTELIGENTE. E ponto final. ---------------- Então descobri Chesterton. Como? O lendo. Apenas isso. E então minha vida mudou. Tudo que sou hoje, que me tornei após os 50 anos de idade, devo a Chesterton. Ele desconstruiu tudo aquilo que haviam colocado sobre mim. Fez com que eu lembrasse quem eu era. Ler Chesterton foi como ler um velho tio que havia ido viajar e voltara após 40 anos de ausência. Ele fez com que eu perdesse A VERGONHA DE SER EU MESMO. Pouca coisa? ------------- Ele foi o primeiro a me dar a consciência de que aquilo que eu pensava ser a verdade, nada mais era que a versão de um lado das coisas. Chesterton me exibiu o outro lado. A escolha quem fez fui eu. E ainda a faço, todo dia. -------------- Um ministério da cultura baseado em Chesterton faz exatamente o que eles têm feito ( e que a midia de esquerda faz questão de ignorar ), ou seja, valorizar o pequeno, o discreto e o esquecido, e ignorar o sensacional, o central e o muito conhecido. Nesse ministério a chance de voce ver um filme produzido por um playboy da zona sul é menos que zero. Esqueça o show do cantor veterano e rico. Nada de peças de ator de TV. Chesterton sabia que esses não precisam de atenção, já têm. ------------------- Chesterton focava nas famílias. Para ele o que dava caráter à um povo não era o grande artista ou o grande filósofo. Nem mesmo o heroi de guerra. Era a família. Explico. A Inglaterra não é Shakespeare. Não é Locke. Não é Nelson. Esses são seres extraordinários, universais. A Inglaterra é, e deve sua grandeza, a família comun do interior do Yorkshire, do subúrbio de Leeds, de Leicester e de Hampstead. O caráter e a força moral de uma nação vive dentro da casa de uma família comum. Conhecer o que é a Inglaterra não é ler Dickens ou ver um filme de Ken Loach. Isso é excessão, mesmo sendo arte que procura ser realista, ela é uma visão particular com um objetivo em mente. Conhecer uma família é escutar essa família, ver sua vida, AMAR O QUE ELA É E NÃO O QUE VOCE QUERIA OU PENSA QUE ELA SEJA. Pareceria piegas dizer que de anos para cá eu amo cada vez mais a família comum do Brasil. Mas é o que sinto e sobre esse sentimento nada posso fazer. Ele acontece. --------------- Quando alguém deseja destruir uma nação seu alvo, se o inimigo for esperto, é a família. Hitler ao bombardear Londres ficava furioso ao ver que as famílias se uniam e lutavam juntas, sem perder a calma. O que ele esperava era o Kaos sob as bombas, famílias desesperadas brigando entre si. ------------- Todo movimento interno de destruição de uma sociedade tem por alvo a família. A instituição familiar é bombardeada dia e noite, chamada de "fábrica de mentiras", ou "ninho de neuroses", quando na verdade ela é a única defesa contra a mentira e a neurose. Suspeite sempre de quem odeia a família. Essa pessoa odeia todos voces. ----------------------- Portanto tal ministério focará na família. Será um departamento voltado à preservação e ao auxílio a cultura familiar. A música que uma família comum ouve. As peças que uma comunidade quer. O reparo das igrejas esquecidas. O retorno das bandinhas da cidade. A cultura da pequena comunidade, familiar, e não a da grande cidade, sensacional. ------------- Ninguém é obrigado a gostar da música que 80% das famílias escuta. Ou dos filmes que elas amam. A questão não é essa. O que se discute aqui é o RESPEITO A ESSAS CULTURAS. O ministério, ao modo Chesterton, não atenta ao que o próprio ministério deseja, mas antes, atende ao que as famílias querem. Atenção aqui! Não se trata da família ficcional, a família simples de araque que foi inventada pela elite revolucionária do Leblon. Para esses fantasistas, famílias simples são apenas as da favela que têm filho na prisão e filha prostituta ( se eles soubessem como esse estereótipo irrita o povo.... ). Ou pior, para o Leblon, família brasileira sempre tem sotaque baiano e vive no Pelourinho. ----------------- A tal família comum é aquela que vive ao seu lado. Um pai que se mata de trabalhar. Uma mãe que além do trabalho, faz cursos e cuida dos filhos. A família que crê em Deus ( são a hiper maioria, sinto muito bb ), ouve sertanejo-pagode e funk, ama futebol e churrasco, fala palavrão e sonha em ter uma casa melhor. Família que defende a mãe com a vida. Que se benze. E que deseja uma cultura que a eleve e a divirta, que a enalteça e a aqueça. Esse é o país-Brasil. Segundo Chesterton, esse é o retrato e o tesouro de uma nação. Deve ser preservada, e não revolucionada. ------------------ Para encerrar: no dia da posse do atual presidente, sobre a mesa e na estante do escritório, havia a biografia de Churchill e um livro de Chesterton. A mensagem estava dada. Mas parece que os cabecinhas só atentaram para o Pai Nosso.
A FÁBRICA DE PECADOS
Roger Scrutton diz numa palestra que a esquerda se tornou uma espécie de fábrica de reivindicações. O menu de pedidos cresce sem parar e nada indica que tenha um limite. Como exemplo ele dá a questão gay. Qualquer outro assunto pode ser utilizado.
Primeiro se pedem direitos iguais. Justíssimo. Depois o casamento gay civil. Justo. Então o casamento religioso. Aí já parece coisa estranha. Pra quê? Mudar uma tradição dentro de uma instituição que existe em função da manutenção da tradição? Então o que acontece? Antes, se voce era a favor dos direitos civis LGBTS, ok, voce era deixado em paz. Mas agora se voce não é a favor do casamento gay na igreja, igreja que era até ontem o mal, voce é homofóbico. Mesmo que seja a favor de todo o resto da agenda. Então voce é obrigado a estar em constante reciclagem, aceitando de forma passiva reivindicação sobre reivindicação. Na verdade a filosofia da esquerda é uma só: Observar até onde o tecido social resiste. Puxar o limite ao máximo. Como desejo de criança mimada, os pedidos jamais terão um fim, porque não pedem satisfação, pedem subversão.
A vigilância sobre todos é constante. Tudo que voce faz ou aprecia hoje, poderá amanhã ser considerado pecado. Este livro pode ser denunciado como machista ou racista, este compositor poderá ter viés fascista e sua postura poderá ser considerada errada. O denuncismo, palavra bonita para dedo durismo, impera.
Meu avô caçava lebres em Portugal e meu tio serviu o exército na África. Hoje meu tio seria um colonialista assassino ( ele não chegou a matar ninguém, mas levou uma granada no lombo e ficou sem o baço ). Meu avô seria um assassino de lebres. Que Moçambique deveria ser livre é óbvio. Mas uma análise mais profunda revela que meu tio não esteve lá porque quis. Mais ainda, nenhum ser humano pode ser reduzido ao que ele fez durante um ano de sua vida. Por isso a pena de morte é injusta. Meu tio pagou qualquer erro com a quase morte no hospital e a invalidez consequente. E se voce usar a tese do nazismo, de que então um soldado nazista pode ser absolvido, eu digo que sim, foi isso o que aconteceu. Os comandantes não podem ser absolvidos, pois eles tinham o massacre como objetivo de vida, o soldado não. 99% deles mal sabiam onde estavam e em quem estavam atirando. A guerra é confusa para o soldado. Isso poucos filmes mostram. Eles atiram como autômatos. O bom soldado não pensa, reage. Veja como o tema é difícil e inconclusivo. Muito mais fácil dizer: Soldado colonialista = assassino, e durma em paz.
Pare e imagine que em 2050 todos nós seremos considerados primitivos. Comedores de pobres bichos indefesos. Poluidores. Gente que queimava combustível, usava madeira e plástico. Seremos tão massacrados quanto o povo que vivia no tempo da escravidão e nada fazia contra esse crime. Iremos ser rotulados. Nossa vida será vista como um pecado sem fim. Nosso legado será podado.
Chesterton tem uma bela imagem que é mais ou menos assim: Imagine que um colibri, um belo dia, começasse a fazer pequenas estátuas de um colibri. E depois passasse a anotar como foi seu dia. O que voce pensaria? Que ali estava acontecendo um milagre. E que aquele colibri era um tipo de deus, ou um enviado dos seres superiores. Então me diga porque voce acha que o ser-humano, que é esse colibri, é uma animal tão nocivo e inferior?
Chesterton disse isso como denúncia da mania moderna de condenar o homem como o grande mal do planeta. Hoje, em 2020, essa tendência aumentou muito. A natureza é vista como mundo perfeito e o homem seria o vírus que veio botar fim à tudo. Será?
Estrelas morrem todo dia e pelo que se sabe, não há nenhum humano lá. A primeira dificuldade é aceitar que o fim é parte da natureza. Tudo termina, mesmo sem o homem. Tigres comem cervos ainda vivos. Leões matam filhotes de elefantes órfãos. Leopardos não dividem a água com zebras doentes. Macacos cruzam com todas as fêmeas. Se somos parte da natureza, somos assim. Egoístas. Mas somos mais que isso. Sinto dizer algo tão pouco da moda, mas somos melhores. Melhores pelo simples fato de esticarmos a mão para puxar um cervo fora do rio cheio de jacarés. Por ajudarmos quem não é de nossa espécie. De nossa tribo. De nossa família.
OH! mas o homem, miserável, pode destruir o planeta! Sim. Ele pode. E ele é tão maravilhoso que ainda não fez isso. Mesmo podendo fazer. Animal que tem livre arbítrio. Animal que é o único a apreciar não só o que ele fez, o que lhe pertence, mas até mesmo aquilo que jamais será dele. Ser que se interessa pelo que não é ele mesmo. Um milagre. Único bicho que se distrai da luta por comida. Que ousa não comer. Ousa não cruzar. Ousa ser não animal.
O homem cria. Eis seu milagre. Faz da pedra uma enxada e da terra, tinta. Faz do inanimado um foguete, uma vacina, música. Ele cria. Ele modifica. Ele se vê. Vasculha sua alma.
Mas hoje é moda dizer que não. A Terra não precisa de nós. Os bichos vivem sem nós. Modo simplório de pensar. Pouco trabalhoso. Sem nós a Terra nem Terra seria. Um pedaço de pó com umas coisas vivas repetindo por tempo indefinido atos sempre iguais. Esses bichos seriam extintos mesmo sem nossa ajuda. Como foram dinossauros. Esses bichos morreriam em secas. Morreriam em nevascas. Morreriam na queda de meteoros. Sem nossa ajuda.
Estamos aqui. E apesar do meu avô caçar lebres e meu pai ter tido pássaros em gaiolas, somos o milagre. Somos o único milagre na Terra. E isso não é um erro.
Primeiro se pedem direitos iguais. Justíssimo. Depois o casamento gay civil. Justo. Então o casamento religioso. Aí já parece coisa estranha. Pra quê? Mudar uma tradição dentro de uma instituição que existe em função da manutenção da tradição? Então o que acontece? Antes, se voce era a favor dos direitos civis LGBTS, ok, voce era deixado em paz. Mas agora se voce não é a favor do casamento gay na igreja, igreja que era até ontem o mal, voce é homofóbico. Mesmo que seja a favor de todo o resto da agenda. Então voce é obrigado a estar em constante reciclagem, aceitando de forma passiva reivindicação sobre reivindicação. Na verdade a filosofia da esquerda é uma só: Observar até onde o tecido social resiste. Puxar o limite ao máximo. Como desejo de criança mimada, os pedidos jamais terão um fim, porque não pedem satisfação, pedem subversão.
A vigilância sobre todos é constante. Tudo que voce faz ou aprecia hoje, poderá amanhã ser considerado pecado. Este livro pode ser denunciado como machista ou racista, este compositor poderá ter viés fascista e sua postura poderá ser considerada errada. O denuncismo, palavra bonita para dedo durismo, impera.
Meu avô caçava lebres em Portugal e meu tio serviu o exército na África. Hoje meu tio seria um colonialista assassino ( ele não chegou a matar ninguém, mas levou uma granada no lombo e ficou sem o baço ). Meu avô seria um assassino de lebres. Que Moçambique deveria ser livre é óbvio. Mas uma análise mais profunda revela que meu tio não esteve lá porque quis. Mais ainda, nenhum ser humano pode ser reduzido ao que ele fez durante um ano de sua vida. Por isso a pena de morte é injusta. Meu tio pagou qualquer erro com a quase morte no hospital e a invalidez consequente. E se voce usar a tese do nazismo, de que então um soldado nazista pode ser absolvido, eu digo que sim, foi isso o que aconteceu. Os comandantes não podem ser absolvidos, pois eles tinham o massacre como objetivo de vida, o soldado não. 99% deles mal sabiam onde estavam e em quem estavam atirando. A guerra é confusa para o soldado. Isso poucos filmes mostram. Eles atiram como autômatos. O bom soldado não pensa, reage. Veja como o tema é difícil e inconclusivo. Muito mais fácil dizer: Soldado colonialista = assassino, e durma em paz.
Pare e imagine que em 2050 todos nós seremos considerados primitivos. Comedores de pobres bichos indefesos. Poluidores. Gente que queimava combustível, usava madeira e plástico. Seremos tão massacrados quanto o povo que vivia no tempo da escravidão e nada fazia contra esse crime. Iremos ser rotulados. Nossa vida será vista como um pecado sem fim. Nosso legado será podado.
Chesterton tem uma bela imagem que é mais ou menos assim: Imagine que um colibri, um belo dia, começasse a fazer pequenas estátuas de um colibri. E depois passasse a anotar como foi seu dia. O que voce pensaria? Que ali estava acontecendo um milagre. E que aquele colibri era um tipo de deus, ou um enviado dos seres superiores. Então me diga porque voce acha que o ser-humano, que é esse colibri, é uma animal tão nocivo e inferior?
Chesterton disse isso como denúncia da mania moderna de condenar o homem como o grande mal do planeta. Hoje, em 2020, essa tendência aumentou muito. A natureza é vista como mundo perfeito e o homem seria o vírus que veio botar fim à tudo. Será?
Estrelas morrem todo dia e pelo que se sabe, não há nenhum humano lá. A primeira dificuldade é aceitar que o fim é parte da natureza. Tudo termina, mesmo sem o homem. Tigres comem cervos ainda vivos. Leões matam filhotes de elefantes órfãos. Leopardos não dividem a água com zebras doentes. Macacos cruzam com todas as fêmeas. Se somos parte da natureza, somos assim. Egoístas. Mas somos mais que isso. Sinto dizer algo tão pouco da moda, mas somos melhores. Melhores pelo simples fato de esticarmos a mão para puxar um cervo fora do rio cheio de jacarés. Por ajudarmos quem não é de nossa espécie. De nossa tribo. De nossa família.
OH! mas o homem, miserável, pode destruir o planeta! Sim. Ele pode. E ele é tão maravilhoso que ainda não fez isso. Mesmo podendo fazer. Animal que tem livre arbítrio. Animal que é o único a apreciar não só o que ele fez, o que lhe pertence, mas até mesmo aquilo que jamais será dele. Ser que se interessa pelo que não é ele mesmo. Um milagre. Único bicho que se distrai da luta por comida. Que ousa não comer. Ousa não cruzar. Ousa ser não animal.
O homem cria. Eis seu milagre. Faz da pedra uma enxada e da terra, tinta. Faz do inanimado um foguete, uma vacina, música. Ele cria. Ele modifica. Ele se vê. Vasculha sua alma.
Mas hoje é moda dizer que não. A Terra não precisa de nós. Os bichos vivem sem nós. Modo simplório de pensar. Pouco trabalhoso. Sem nós a Terra nem Terra seria. Um pedaço de pó com umas coisas vivas repetindo por tempo indefinido atos sempre iguais. Esses bichos seriam extintos mesmo sem nossa ajuda. Como foram dinossauros. Esses bichos morreriam em secas. Morreriam em nevascas. Morreriam na queda de meteoros. Sem nossa ajuda.
Estamos aqui. E apesar do meu avô caçar lebres e meu pai ter tido pássaros em gaiolas, somos o milagre. Somos o único milagre na Terra. E isso não é um erro.
ROGER SCRUTTON
Roger Scrutton morreu ontem e este texto é escrito sob a influência de um artigo lido ontem. Enviado por um amigo, ele me fez perceber uma contradição no pensamento de Scrutton: ele é conservador, mas possui ao mesmo tempo o ressentimento típico da esquerda. Explico para voce...
No pensamento da esquerda, como dito pelo próprio Scrutton, há a dor de não se sentir confortável dentro do mundo como ele é. Daí o desejo de o destruir. O ressentimento é aquele de quem vive imerso numa cultura vista como repressora, tola e profundamente enganosa. Scrutton tinha esse sentimento dentro de si, e por isso era um conservador ilegítimo. Várias vezes ele fala do desencanto da vida, da derrota do mundo ideal, do sentimento de fim de época. Ora, nada mais romântico e portanto menos conservador que se sentir ausente da realidade, derrotado, fora de lugar. Roger Scrutton era então um conservador pessimista, algo que nunca existiu.
Isso se dava por dois motivos: Scrutton duvidava da existência de Deus. E pior, não conseguia crer na eternidade da alma. Um conservador sem Deus e sem alma imortal perde toda sua confiança. O mundo o ameaça e ele se vê preso dentro do mundo inseguro da esquerda.
Nada irrita mais um socialista que a confiança risonha do conservador. Para o conservador, o mundo é o que é e deve ser como é. Isso porque ele foi feito por Deus e Deus faz o que deve ser feito. Pobres serão socorridos, o mal será combatido, mas tudo dentro da fé. O conservador não quer destruir o mundo, não deseja reescrever a história, ele pensa em conservar e terminar a obra de Deus. Sua confiança vem de acreditar ser imortal e jamais duvida de que seu pensamento é, portanto, eterno. Chesterton e Burke possuíam essa risonha confiança. Scrutton nunca. Incapaz de crer, ele baseia toda sua fé no amor ao lar inglês, aos costumes antigos, às velhas comunidades. É pouco. E ele sabe disso.
De todo modo, ler Scrutton, foi e é, para mim, um imenso prazer. Sua escrita é sedutora, e se ele não é um conservador autêntico, ele abre nossos olhos colonizados, para a existência de todo um universo intelectual não explorado. Crescemos neste trópico crendo que a única verdade vivia na esquerda e que o pensamento da direita seria sempre raso, tolo, pouco relevante. Scrutton me fez perceber que na realidade o pensamento da esquerda se tornou automático, preguiçoso, ultrapassado. A esquerda não pensa mais, ela apenas repete slogans.
Meu sentimento de coração sempre foi conservador porque eu sempre vi a história como a saga de grandes homens e não um movimento exato e constante. Assim como prefiro consertar e reparar que destruir e recomeçar. A tara latino americana pelo eterno recomeço é o que nos faz pobres e vazios de história. Mas, como Scrutton, tenho imensa dificuldades com Deus e a eternidade. Não consigo ter a tranquila fé do bom conservador. A certeza. O sentimento de que tudo é para sempre e tudo é como deve ser.
Espero que Chesterton esteja certo. E que Scrutton tenha encontrado a eternidade. E esteja dando gargalhadas vendo, afinal, que Marx e Foucault eram apenas dois invejosos.
Eles eram. Eles são.
No pensamento da esquerda, como dito pelo próprio Scrutton, há a dor de não se sentir confortável dentro do mundo como ele é. Daí o desejo de o destruir. O ressentimento é aquele de quem vive imerso numa cultura vista como repressora, tola e profundamente enganosa. Scrutton tinha esse sentimento dentro de si, e por isso era um conservador ilegítimo. Várias vezes ele fala do desencanto da vida, da derrota do mundo ideal, do sentimento de fim de época. Ora, nada mais romântico e portanto menos conservador que se sentir ausente da realidade, derrotado, fora de lugar. Roger Scrutton era então um conservador pessimista, algo que nunca existiu.
Isso se dava por dois motivos: Scrutton duvidava da existência de Deus. E pior, não conseguia crer na eternidade da alma. Um conservador sem Deus e sem alma imortal perde toda sua confiança. O mundo o ameaça e ele se vê preso dentro do mundo inseguro da esquerda.
Nada irrita mais um socialista que a confiança risonha do conservador. Para o conservador, o mundo é o que é e deve ser como é. Isso porque ele foi feito por Deus e Deus faz o que deve ser feito. Pobres serão socorridos, o mal será combatido, mas tudo dentro da fé. O conservador não quer destruir o mundo, não deseja reescrever a história, ele pensa em conservar e terminar a obra de Deus. Sua confiança vem de acreditar ser imortal e jamais duvida de que seu pensamento é, portanto, eterno. Chesterton e Burke possuíam essa risonha confiança. Scrutton nunca. Incapaz de crer, ele baseia toda sua fé no amor ao lar inglês, aos costumes antigos, às velhas comunidades. É pouco. E ele sabe disso.
De todo modo, ler Scrutton, foi e é, para mim, um imenso prazer. Sua escrita é sedutora, e se ele não é um conservador autêntico, ele abre nossos olhos colonizados, para a existência de todo um universo intelectual não explorado. Crescemos neste trópico crendo que a única verdade vivia na esquerda e que o pensamento da direita seria sempre raso, tolo, pouco relevante. Scrutton me fez perceber que na realidade o pensamento da esquerda se tornou automático, preguiçoso, ultrapassado. A esquerda não pensa mais, ela apenas repete slogans.
Meu sentimento de coração sempre foi conservador porque eu sempre vi a história como a saga de grandes homens e não um movimento exato e constante. Assim como prefiro consertar e reparar que destruir e recomeçar. A tara latino americana pelo eterno recomeço é o que nos faz pobres e vazios de história. Mas, como Scrutton, tenho imensa dificuldades com Deus e a eternidade. Não consigo ter a tranquila fé do bom conservador. A certeza. O sentimento de que tudo é para sempre e tudo é como deve ser.
Espero que Chesterton esteja certo. E que Scrutton tenha encontrado a eternidade. E esteja dando gargalhadas vendo, afinal, que Marx e Foucault eram apenas dois invejosos.
Eles eram. Eles são.
O NAPOLEÃO DE NOTTING HILL - CHESTERTON
Escrito no começo do século XX, este romance de Chesterton é passado em 1984. Mas, ao contrário de Verne, Orwell, Wells e Huxley, o interesse de Chesterton não é mostrar a ciência do futuro. O que ele exibe é seu palpite sobre como estaria a alma do mundo em 84. Para tanto, a Londres do futuro ainda tem carruagens, calçadas de madeira e fraques com cartolas. Esse lado exterior pouco importa; o autor acerta na antevisão do espírito de 1984. ( Não exatamente 84...digamos 2017 ).
O mundo se globalizou. Em 1984 não existem mais nações. O planeta é uma coisa homogênea. Com isso, as pessoas também se homogeneizaram, e assim, vivem em absoluta indiferença. Viver é tão seguro que nada mais pode surpreender. O rei é escolhido por sorteio. Tanto faz quem seja rei. Mas então acontece algo de novo...
O novo rei tem senso de humor. E o humor, que havia sido esquecido, passa a reger os atos do rei. Ele obriga as pessoas a usarem roupas engraçadas, a repetirem cerimônias engraçadas. A rirem. ( Ninguém ri. O rei palhaço se torna um tipo de bobo de sua corte ).
Depois surge o fanático e é então que as coisas mudam.
Adam Wayne é um prefeito. E ele leva aquilo que o rei diz como piada a sério. Para Wayne, cada roupa, cada bandeira, cada gesto tem um significado. A vida para Wayne é símbolo e ele consegue ler e levar em conta todo símbolo.
Isso faz com que ele declare guerra aos outros bairros. E essa guerra muda o mundo.
Chesterton defende a guerra. Não, não é questão de defender ou não a guerra. Sejamos adultos. Chesterton apenas nos lembra que a guerra fez o mundo e que ela é uma parte de nossa alma. Se não a aceitamos, passamos a viver a guerra ruim, falsa, desleal, a guerra da mentira. Se aceitamos toda a história e toda a verdade da guerra, passamos a nos ver como guerreiros, e como tal, a vida se torna heráldica. Cores passam a ser palavras, desenhos e bandeiras falam à alma, gestos são carregados de vida e de morte, a fala se torna poesia. Os atos da vida deixam de ser apenas atos e passam a ser eventos. A vida deixa de ser rotina e passa a ser luta.
Chesterton sabia que um mundo sem inimigos, sem rivalidades, sem dor, sem risco, é um mundo onde a vida não vale a pena. O momento em que vivemos joga essa verdade em nossa cara. Jovens se tornam terroristas por não perceberem onde ser jovens. Acompanhamos notícias de cometas, discos voadores, vida fora da Terra, na esperança de que algo de significativo aconteça. Até uma guerra tola nuclear nos dá uma certa esperança de que um evento enfim mude a vida. Estamos presos na segurança da vida prevista, lógica, banal. Esses fatos tentam jogar sujeira na limpeza ocidental.
Chesterton previu que ser patriota, ser guerreiro, seria uma vergonha e não orgulho. Isso em 1904. A moderna guerra de 1914 e depois o horror de 1939 não o fariam mudar de ideia. Porque ele veria na guerra moderna a guerra sem confronto, a guerra covarde, guerra da máquina e não do homem. Pois não se esqueça que para ele, guerra é defender sua casa, seu vizinho, preservar sua praça, sua escola e levar no corpo as cores e os símbolos de seu bairro. Morrer por essas coisas. Fazer com que seu passado, o passado de sua gente sobreviva. A guerra como luta por preservar. E não como fim de tudo.
É isso. A guerra que eu lutaria. A guerra que lutarei. Aquela que sempre lutei.
O mundo se globalizou. Em 1984 não existem mais nações. O planeta é uma coisa homogênea. Com isso, as pessoas também se homogeneizaram, e assim, vivem em absoluta indiferença. Viver é tão seguro que nada mais pode surpreender. O rei é escolhido por sorteio. Tanto faz quem seja rei. Mas então acontece algo de novo...
O novo rei tem senso de humor. E o humor, que havia sido esquecido, passa a reger os atos do rei. Ele obriga as pessoas a usarem roupas engraçadas, a repetirem cerimônias engraçadas. A rirem. ( Ninguém ri. O rei palhaço se torna um tipo de bobo de sua corte ).
Depois surge o fanático e é então que as coisas mudam.
Adam Wayne é um prefeito. E ele leva aquilo que o rei diz como piada a sério. Para Wayne, cada roupa, cada bandeira, cada gesto tem um significado. A vida para Wayne é símbolo e ele consegue ler e levar em conta todo símbolo.
Isso faz com que ele declare guerra aos outros bairros. E essa guerra muda o mundo.
Chesterton defende a guerra. Não, não é questão de defender ou não a guerra. Sejamos adultos. Chesterton apenas nos lembra que a guerra fez o mundo e que ela é uma parte de nossa alma. Se não a aceitamos, passamos a viver a guerra ruim, falsa, desleal, a guerra da mentira. Se aceitamos toda a história e toda a verdade da guerra, passamos a nos ver como guerreiros, e como tal, a vida se torna heráldica. Cores passam a ser palavras, desenhos e bandeiras falam à alma, gestos são carregados de vida e de morte, a fala se torna poesia. Os atos da vida deixam de ser apenas atos e passam a ser eventos. A vida deixa de ser rotina e passa a ser luta.
Chesterton sabia que um mundo sem inimigos, sem rivalidades, sem dor, sem risco, é um mundo onde a vida não vale a pena. O momento em que vivemos joga essa verdade em nossa cara. Jovens se tornam terroristas por não perceberem onde ser jovens. Acompanhamos notícias de cometas, discos voadores, vida fora da Terra, na esperança de que algo de significativo aconteça. Até uma guerra tola nuclear nos dá uma certa esperança de que um evento enfim mude a vida. Estamos presos na segurança da vida prevista, lógica, banal. Esses fatos tentam jogar sujeira na limpeza ocidental.
Chesterton previu que ser patriota, ser guerreiro, seria uma vergonha e não orgulho. Isso em 1904. A moderna guerra de 1914 e depois o horror de 1939 não o fariam mudar de ideia. Porque ele veria na guerra moderna a guerra sem confronto, a guerra covarde, guerra da máquina e não do homem. Pois não se esqueça que para ele, guerra é defender sua casa, seu vizinho, preservar sua praça, sua escola e levar no corpo as cores e os símbolos de seu bairro. Morrer por essas coisas. Fazer com que seu passado, o passado de sua gente sobreviva. A guerra como luta por preservar. E não como fim de tudo.
É isso. A guerra que eu lutaria. A guerra que lutarei. Aquela que sempre lutei.
O DEFENSOR + TIPOS VARIADOS - CHESTERTON
Voce começa a ler, se tiver jeito pra coisa, lá pelos seus 9 anos de idade. As lendas de Carlos Magno e mais Stevenson e Twain foram meus primeiros livros amados. Desses a gente nunca esquece. Depois a gente se apaixona por autores que duram um verão ou um inverno. Lembro que um dia pensei que iria amar Lorca, Milan Kundera, Camus, Pessoa, pra sempre. Ficaram na memória. Como ficaram tantos outros. Alguns a gente descobre que era só aquilo mesmo, amor de verdade, mas passageiro. Já outros foram amor fake, um engano. Penso em Sartre como fake, Nietzsche, autores com sedução fácil, juvenil, enganosa.
Digo tudo isso porque sei ser impossível a um iniciante gostar ou sequer ler Chesterton. Ele é bem humorado mas não é simpático. Isso acontece porque ele exige muito de quem o lê. O estilo de Chesterton, todo calcado em paradoxos, pede atenção a cada palavra. Se voce se distrai, pronto, todo o sentido da frase se vai. Ele também exige paciência. Escreve como um glutão, devagar e com gosto. Os textos nunca são longos, mas todos parecem pesados. Isso porque são densos, gordurosos, cheios de temperos. Dos temperos, o mais usado é o humor, um humor irônico, sutil, agudo, mas nunca maldoso.
Aqui temos um livro que une seus dois primeiros livros. O Defensor, como deveria ser, defende coisas que em 1905 seriam pouco defensáveis ( acho que mudou pouco desde então ). Chesterton defende o romance barato, pastoras de porcelana, a publicidade, a gíria, os bebês, as coisas feias, o romance policial e muitas outras belas invenções. Lê-se com prazer, as frases inesquecíveis e certeiras surgem em meio ao texto. E sempre usando o paradoxo, condição na qual ele foi mestre.
Por exemplo, ele diz que bebês são adoráveis por serem sérios. Bebês olham a vida, as coisas, com seriedade. Miram tudo com o olhar do verdadeiro interesse e por isso são felizes. Cada objeto é para eles um caso de estudo apurado. E por isso os amamos. Sabemos que nosso interesse pelas coisas se foi a muito. Mal as notamos.
Em um outro texto, ele defende a supremacia da superficialidade sobre a profundidade. Pois o conhecimento superficial é o mais próximo da verdade, daquilo que o outro é. Quando nos aprofundamos começamos a elaborar teses e explicações, e assim perdemos a bela superficialidade honesta das coisas e das pessoas.
Chesterton defende o bom senso. Sempre o bom senso. E para ele, o bom senso mora sempre com a maioria do povo. O povo sabe a verdade pelo costume e pela tradição. O intelectual é apenas um adolescente desajustado que luta para impor ao mundo real a visão de sua alma individual. O artista, veja bem, tem o poder de traduzir em imagens ou em palavras aquilo que o povo tem dentro de si. Ou ao redor de si. O intelectual, ou o artista intelectualizado, nada sabe sobre o povo. Muito menos sobre o mundo. E por isso não aceita aquilo que desconhece e teme conhecer. Cria um mundo falso. O mundo onde tudo é cinza e a noite jamais chega.
Em Tipos Variados, Chesterton analisa rapidamente alguns escritores, politicos e pensadores de seu interesse. Parte de Charlotte Bronte e passa por Stevenson, Tennyson... Mostra os defeitos do fim da vida de Tolstoi, escreve uma homenagem belíssima a rainha Vitória, comenta e ridiculariza o Kaiser Guilherme. Em todos os textos ele escancara o não óbvio, ilumina aquilo que não esperávamos ver ou topar. Como o fato de Bronte ter criado a primeira heroína feia da história ( Jane Eyre ), Stevenson ser tão bom em tudo que escrevia que fazia os críticos se perderem sem conseguir o definir, ou demonstrar que a rainha Vitória foi grande por saber sair do caminho. ( É seu melhor texto. Ele ama Vitória e não disfarça isso. Mas analisa com frieza ).
Para nós, brasileiros, talvez o texto mais útil seja aquele sobre Alfred, o Grande; o primeiro rei inglês. Quando ele fala do mito que cria um povo entendemos todos os erros de nossa país. Para Chesterton, não há grande nação sem um grande mito. E não importa se esse mito aconteceu de fato ou não; o que importa é o fato do povo o ter abraçado como uma verdade maior que a história dos documentos.
Fato a se jamais esquecer: ele diz que toda escritura que funda ou dá força à um povo é sempre um livro pela metade, ou fragmentado. Platão, Buda, Cristo, Homero, Sócrates, são todos livros, vidas, histórias contadas pela metade, com lacunas, com páginas perdidas. E por isso são obras maiores que livros fechados, completos, acabados.
Nada se funda sobre papel impresso.
A voz do povo é a voz de quem narra na rua.
Digo tudo isso porque sei ser impossível a um iniciante gostar ou sequer ler Chesterton. Ele é bem humorado mas não é simpático. Isso acontece porque ele exige muito de quem o lê. O estilo de Chesterton, todo calcado em paradoxos, pede atenção a cada palavra. Se voce se distrai, pronto, todo o sentido da frase se vai. Ele também exige paciência. Escreve como um glutão, devagar e com gosto. Os textos nunca são longos, mas todos parecem pesados. Isso porque são densos, gordurosos, cheios de temperos. Dos temperos, o mais usado é o humor, um humor irônico, sutil, agudo, mas nunca maldoso.
Aqui temos um livro que une seus dois primeiros livros. O Defensor, como deveria ser, defende coisas que em 1905 seriam pouco defensáveis ( acho que mudou pouco desde então ). Chesterton defende o romance barato, pastoras de porcelana, a publicidade, a gíria, os bebês, as coisas feias, o romance policial e muitas outras belas invenções. Lê-se com prazer, as frases inesquecíveis e certeiras surgem em meio ao texto. E sempre usando o paradoxo, condição na qual ele foi mestre.
Por exemplo, ele diz que bebês são adoráveis por serem sérios. Bebês olham a vida, as coisas, com seriedade. Miram tudo com o olhar do verdadeiro interesse e por isso são felizes. Cada objeto é para eles um caso de estudo apurado. E por isso os amamos. Sabemos que nosso interesse pelas coisas se foi a muito. Mal as notamos.
Em um outro texto, ele defende a supremacia da superficialidade sobre a profundidade. Pois o conhecimento superficial é o mais próximo da verdade, daquilo que o outro é. Quando nos aprofundamos começamos a elaborar teses e explicações, e assim perdemos a bela superficialidade honesta das coisas e das pessoas.
Chesterton defende o bom senso. Sempre o bom senso. E para ele, o bom senso mora sempre com a maioria do povo. O povo sabe a verdade pelo costume e pela tradição. O intelectual é apenas um adolescente desajustado que luta para impor ao mundo real a visão de sua alma individual. O artista, veja bem, tem o poder de traduzir em imagens ou em palavras aquilo que o povo tem dentro de si. Ou ao redor de si. O intelectual, ou o artista intelectualizado, nada sabe sobre o povo. Muito menos sobre o mundo. E por isso não aceita aquilo que desconhece e teme conhecer. Cria um mundo falso. O mundo onde tudo é cinza e a noite jamais chega.
Em Tipos Variados, Chesterton analisa rapidamente alguns escritores, politicos e pensadores de seu interesse. Parte de Charlotte Bronte e passa por Stevenson, Tennyson... Mostra os defeitos do fim da vida de Tolstoi, escreve uma homenagem belíssima a rainha Vitória, comenta e ridiculariza o Kaiser Guilherme. Em todos os textos ele escancara o não óbvio, ilumina aquilo que não esperávamos ver ou topar. Como o fato de Bronte ter criado a primeira heroína feia da história ( Jane Eyre ), Stevenson ser tão bom em tudo que escrevia que fazia os críticos se perderem sem conseguir o definir, ou demonstrar que a rainha Vitória foi grande por saber sair do caminho. ( É seu melhor texto. Ele ama Vitória e não disfarça isso. Mas analisa com frieza ).
Para nós, brasileiros, talvez o texto mais útil seja aquele sobre Alfred, o Grande; o primeiro rei inglês. Quando ele fala do mito que cria um povo entendemos todos os erros de nossa país. Para Chesterton, não há grande nação sem um grande mito. E não importa se esse mito aconteceu de fato ou não; o que importa é o fato do povo o ter abraçado como uma verdade maior que a história dos documentos.
Fato a se jamais esquecer: ele diz que toda escritura que funda ou dá força à um povo é sempre um livro pela metade, ou fragmentado. Platão, Buda, Cristo, Homero, Sócrates, são todos livros, vidas, histórias contadas pela metade, com lacunas, com páginas perdidas. E por isso são obras maiores que livros fechados, completos, acabados.
Nada se funda sobre papel impresso.
A voz do povo é a voz de quem narra na rua.
CIDADE DOS DESILUDIDOS ( FAT CITY ), UM DOS GRANDES FILMES DE JOHN HUSTON.
Chesterton diz que no inferno o pior sofrimento é a falta de esperança. Huston foi o diretor daqueles que a perderam. Dentre sua imensa variedade de temas, o ponto em comum é esse, ele fala dos desesperançados. Do Falcão Maltês até Os Mortos, esse seu interesse central.
Este filme, de 1972, começa com uma das mais belas canções de Kris Kristofferson. "Ajude-me a atravessar a Noite", um country tão bonito que Bryan Ferry o regravou em 1974. Enquanto a música ecoa, vemos cenas de Stockton, gente pobre nas ruas, cenário de terceiro mundo. Numa academia, um cara, Stacy Keach, boxeia. Ele se aproxima de um garoto, Jeff Bridges, eles lutam, e o veterano dá ao novato a ideia de se tornar lutador. Até o fim do filme os dois não se verão mais.
O novato passa a treinar, luta algumas lutas fuleiras, perde, ganha, perde mais. O veterano tenta voltar e é surrado. Além disso ele bebe muito, ganha trocados colhendo cebolas, e mora com uma mulher, Susan Tyrrell. Nunca vi na história do cinema um casal mais lamentável. Ela é chorona, bêbada, feia de dar medo, de uma mediocridade que beira a caricatura. Não sei se Susan Tyrrell tem uma interpretação genial, ou se é tão ruim que se torna sublime. É aterrorizante.
Huston diz em sua biografia que ele queria Marlon Brando ou Paul Newman para o papel que foi para Keach, ator da moda na época. Huston detestou o trabalho com Keach. Injusto. Ele está ok. Se a gente ficar pensando no que Newman e Brando poderiam ter feito com um papel tão rico...bem, aí seremos injustos com Stacy Keach. Quanto a Jeff Bridges, engraçado pensar que dali a pouco mais de 30 anos ele seria "O Dude". Seu personagem pode ter sido "O Dude" aos 19 anos.
O filme é hipnotizante. Ele anda com a segurança de um diretor gigante que dessa vez está a fim de filmar. ( 50% dos filmes de John Huston foram feitos só pra pagar dívidas ). E há a cena final:
Os dois boxeadores se encontram na rua. Vão à um bar. E lá dentro temos uma das mais perfeitas e reveladoras cenas do cinema. Um tipo de cena que só poderia ter sido feita nos anos 70, o auge do pessimismo em filmes. Essa cena eleva o filme, até então ótimo, para o patamar do genial.
Veja,
PS: Os coadjuvantes, gente como o dono da academia, o garoto negro lutador...são dignos do melhor neo-realismo italiano. De Sica os adoraria!
Este filme, de 1972, começa com uma das mais belas canções de Kris Kristofferson. "Ajude-me a atravessar a Noite", um country tão bonito que Bryan Ferry o regravou em 1974. Enquanto a música ecoa, vemos cenas de Stockton, gente pobre nas ruas, cenário de terceiro mundo. Numa academia, um cara, Stacy Keach, boxeia. Ele se aproxima de um garoto, Jeff Bridges, eles lutam, e o veterano dá ao novato a ideia de se tornar lutador. Até o fim do filme os dois não se verão mais.
O novato passa a treinar, luta algumas lutas fuleiras, perde, ganha, perde mais. O veterano tenta voltar e é surrado. Além disso ele bebe muito, ganha trocados colhendo cebolas, e mora com uma mulher, Susan Tyrrell. Nunca vi na história do cinema um casal mais lamentável. Ela é chorona, bêbada, feia de dar medo, de uma mediocridade que beira a caricatura. Não sei se Susan Tyrrell tem uma interpretação genial, ou se é tão ruim que se torna sublime. É aterrorizante.
Huston diz em sua biografia que ele queria Marlon Brando ou Paul Newman para o papel que foi para Keach, ator da moda na época. Huston detestou o trabalho com Keach. Injusto. Ele está ok. Se a gente ficar pensando no que Newman e Brando poderiam ter feito com um papel tão rico...bem, aí seremos injustos com Stacy Keach. Quanto a Jeff Bridges, engraçado pensar que dali a pouco mais de 30 anos ele seria "O Dude". Seu personagem pode ter sido "O Dude" aos 19 anos.
O filme é hipnotizante. Ele anda com a segurança de um diretor gigante que dessa vez está a fim de filmar. ( 50% dos filmes de John Huston foram feitos só pra pagar dívidas ). E há a cena final:
Os dois boxeadores se encontram na rua. Vão à um bar. E lá dentro temos uma das mais perfeitas e reveladoras cenas do cinema. Um tipo de cena que só poderia ter sido feita nos anos 70, o auge do pessimismo em filmes. Essa cena eleva o filme, até então ótimo, para o patamar do genial.
Veja,
PS: Os coadjuvantes, gente como o dono da academia, o garoto negro lutador...são dignos do melhor neo-realismo italiano. De Sica os adoraria!
PONDÉ
Houve um tempo em que eu lia e escrevia sobre Pondé. Mas me desinteressei. Tive uma sensação de que ele começava a se repetir e pior, parecia querer criar choque. O texto sobre o Natal, acho que em 2012, me deixou chateado e desisti.
Agora vejo uma entrevista com ele e fico impressionado. O caminho que ele segue é muito parecido com o meu. Ele vê a absurda pretensão dos "puros", o perigo dos grupos e que, como filosofia, o cristianismo é muito mais sofisticado que qualquer outra corrente de pensamento. Pelo simples fato de que o cristão sério, verdadeiro, se entende como ser imperfeito, falho, e assim ele não pode se guiar por sua própria opinião. A vaidade se coloca como mal maior e o ego como a grande infelicidade. Esse, modo de viver que confesso ainda estar longe de alcançar, seria o caminho virtuoso.
Me impressiona também o fato de Pondé perceber que ciência é também questão de fé. Você crê no big bang ou na evolução e assim joga todo o resto fora. A dúvida se desfaz. Crer em Darwin ou em Freud se torna um consolo. Idêntico a fé em Deus. Consolo e modo de não se inquietar. Com a diferença de que o cristianismo te dá um código de postura perante a vida, a dor e o próximo. A ciência não.
E para minha grande satisfação Pondé cita Chesterton, o mais belo dos pensadores! Bem vindo de volta a meu coração homem!
Agora vejo uma entrevista com ele e fico impressionado. O caminho que ele segue é muito parecido com o meu. Ele vê a absurda pretensão dos "puros", o perigo dos grupos e que, como filosofia, o cristianismo é muito mais sofisticado que qualquer outra corrente de pensamento. Pelo simples fato de que o cristão sério, verdadeiro, se entende como ser imperfeito, falho, e assim ele não pode se guiar por sua própria opinião. A vaidade se coloca como mal maior e o ego como a grande infelicidade. Esse, modo de viver que confesso ainda estar longe de alcançar, seria o caminho virtuoso.
Me impressiona também o fato de Pondé perceber que ciência é também questão de fé. Você crê no big bang ou na evolução e assim joga todo o resto fora. A dúvida se desfaz. Crer em Darwin ou em Freud se torna um consolo. Idêntico a fé em Deus. Consolo e modo de não se inquietar. Com a diferença de que o cristianismo te dá um código de postura perante a vida, a dor e o próximo. A ciência não.
E para minha grande satisfação Pondé cita Chesterton, o mais belo dos pensadores! Bem vindo de volta a meu coração homem!
CONSIDERANDO TODAS AS COISAS- GK CHESTERTON
Artigos de jornal escritos por Chesterton por volta de 1907. São textos enxutos que nos ensinam a raciocinar. O brilhante autor inglês comenta tudo, e sempre com seu humor afiado, leve. E profundo. Os temas vão desde livros de autoajuda, à política parlamentar. Chesterton tem posições claras: ele leva sempre em consideração aquilo que o povo ama e deseja. Ele dá belas estocadas nos aristocratas, demagogos, falsos artistas.
São tantas frases e conclusões brilhantes que prefiro não destacar nenhuma. Leia o livro, ele saiu agora e é fácil de achar. Todos os artigos são interessantes e não perderam sua atualidade. Ele percebe o ponto tolo de coisas que parecem certas e superiores. Diz que para se saber para onde vai o mundo basta se observar aquilo que o povo lê, pensa, vê. Os intelectuais vivem em um mundo fechado, morto, auto referente. O povo, bem ou mal, constrói o futuro. Erram, acertam, mas são eles que nos informam a história. Chesterton é um democrata radical.
Não resisto é digo que sobre os livros de auto ajuda ele diz que eles promovem o culto religioso ao dinheiro, reduzem todo o sucesso da vida ao ganho monetário. E são escritos por fracassados que nem mesmo sabem escrever. É nessa linha a filosofia de Chesterton, ele joga diante de nós o lógico que insistimos em não ver.
Este livro evita o lado religioso de Chesterton. Ele deixa claro seu catolicismo, mas acima de tudo é um racionalista lógico, demonstra que tudo é uma questão de querer acreditar, seja ciência ou história. E defende a moral humana contra o sofismo. Existem regras que são certas porque funcionam. E nenhum exercício mental consegue as cancelar. Matar sempre é um mal. Mentir também.
Mais escritores deveriam ser como este moralista. Chesterton nos faz espertos e alegres.
São tantas frases e conclusões brilhantes que prefiro não destacar nenhuma. Leia o livro, ele saiu agora e é fácil de achar. Todos os artigos são interessantes e não perderam sua atualidade. Ele percebe o ponto tolo de coisas que parecem certas e superiores. Diz que para se saber para onde vai o mundo basta se observar aquilo que o povo lê, pensa, vê. Os intelectuais vivem em um mundo fechado, morto, auto referente. O povo, bem ou mal, constrói o futuro. Erram, acertam, mas são eles que nos informam a história. Chesterton é um democrata radical.
Não resisto é digo que sobre os livros de auto ajuda ele diz que eles promovem o culto religioso ao dinheiro, reduzem todo o sucesso da vida ao ganho monetário. E são escritos por fracassados que nem mesmo sabem escrever. É nessa linha a filosofia de Chesterton, ele joga diante de nós o lógico que insistimos em não ver.
Este livro evita o lado religioso de Chesterton. Ele deixa claro seu catolicismo, mas acima de tudo é um racionalista lógico, demonstra que tudo é uma questão de querer acreditar, seja ciência ou história. E defende a moral humana contra o sofismo. Existem regras que são certas porque funcionam. E nenhum exercício mental consegue as cancelar. Matar sempre é um mal. Mentir também.
Mais escritores deveriam ser como este moralista. Chesterton nos faz espertos e alegres.
REPARAÇÃO, UMA OBRA DE IAN McEWAN
Crianças, como disse Chesterton, não mentem. Elas são absolutamente fiéis ao que percebem. Sabem, ainda, olhar a vida. Pouco distraídas pelas coisas que os adultos pensam, livres para sentir e observar, elas reagem sem filtros. Por isso a mentira de Briony é dúbia. Ela fala exatamente o que viu. Seu testemunho é descrição de um ato. Nada para ela é mentira.
Em minhas aulas de literatura se enfatiza o quanto é dificil escrever sob mais de um ponto de vista. É uma arte refinada que se tem perdido, a arte de criar várias visões concomitantes sobre o mesmo ato. Ian McEwan faz isso com naturalidade e por isso é um mestre. Como Henry James, com quem muito se parece não em tema, mas no modo de escrever, ele nos confunde ao descrever várias verdades. Ela sabe que a verdade depende de se querer crer nela. E que toda verdade depende de se saber olhar. Nunca de se saber pensar. Briony diz a sua verdade. E destrói duas vidas. Ela é inocente.
Escrever uma frase que seja original. Descrever uma rua ou um clima de um modo novo. Essa a marca de um grande autor. Assisti um filme com Clive Owen onde um professor de literatura, feito com garbo por Owen, recita o final de Rabbit Run de John Updike. Li esse livro em 2009 e só uma vez. Pois bem, a escrita é tão forte que imediatamente identifiquei o livro. A frase, belíssima, estava guardada numa folha especial em minha memória. E eu nem sabia disso. Mas lá estava. Ian McEwan é do tamanho de Updike. Talvez tão grande quanto Bellow. Com certeza é o maior autor vivo da lingua inglesa. E nunca vai ser nobelizado.
Há um momento no livro em que os dois amantes se encontram na rua. E ambos se sentem constrangidos. Por anos eles se amaram via correio e agora temem se ver e se intimidar pela emoção. Esse encontro, coisa de 4 páginas, é descrito de um modo tão delicado, tão verdadeiro e com tanto amor pelos dois que ao ler eu senti estar diante de um quase milagre. Isso é coisa de imenso talento. O livro, e várias outras cenas provam isso, é uma obra-prima e viverá enquanto alguém souber ler. O final, em que percebemos que o que lemos foi contado por Briony anciã e prestes a perder a memória, é outro momento de brilho gigantesco. Briony gostaria de ter salvado dos dois amantes. Mas ela não pode.
Foi feito um filme sobre este livro. Joe Wright o fez. Adorei. Mas, claro, o livro vai muito mais longe. O filme é um trailer do livro. Um lindo trailer.
O filme de Owen termina com o professor lendo um belo trecho de Ian McEwan ( pois é, que coincidência não? ). Ian fala do que seja a arte. A arte é a fala de homens imperfeitos que tentam alcançar a perfeição. E que nesse processo, fadado ao fracasso, nós, leitores, somos erguidos e ao ler tomamos contato com aquilo que temos de MELHOR.
Ian McEwan é um nobre portanto. A arte, mesmo a mais realista e pessimista, existe para nos aperfeiçoar. Para nos tirar de um mundo incompreensível e nos levar a tomar contato com o melhor. Veja, para nos erguer, não para erguer o mundo. Para nos transformar, não para nos fazer entender a vida.
Este livro, triste, belo, cruel, feio, sempre perfeito, é uma obra-prima.
Vale!
Em minhas aulas de literatura se enfatiza o quanto é dificil escrever sob mais de um ponto de vista. É uma arte refinada que se tem perdido, a arte de criar várias visões concomitantes sobre o mesmo ato. Ian McEwan faz isso com naturalidade e por isso é um mestre. Como Henry James, com quem muito se parece não em tema, mas no modo de escrever, ele nos confunde ao descrever várias verdades. Ela sabe que a verdade depende de se querer crer nela. E que toda verdade depende de se saber olhar. Nunca de se saber pensar. Briony diz a sua verdade. E destrói duas vidas. Ela é inocente.
Escrever uma frase que seja original. Descrever uma rua ou um clima de um modo novo. Essa a marca de um grande autor. Assisti um filme com Clive Owen onde um professor de literatura, feito com garbo por Owen, recita o final de Rabbit Run de John Updike. Li esse livro em 2009 e só uma vez. Pois bem, a escrita é tão forte que imediatamente identifiquei o livro. A frase, belíssima, estava guardada numa folha especial em minha memória. E eu nem sabia disso. Mas lá estava. Ian McEwan é do tamanho de Updike. Talvez tão grande quanto Bellow. Com certeza é o maior autor vivo da lingua inglesa. E nunca vai ser nobelizado.
Há um momento no livro em que os dois amantes se encontram na rua. E ambos se sentem constrangidos. Por anos eles se amaram via correio e agora temem se ver e se intimidar pela emoção. Esse encontro, coisa de 4 páginas, é descrito de um modo tão delicado, tão verdadeiro e com tanto amor pelos dois que ao ler eu senti estar diante de um quase milagre. Isso é coisa de imenso talento. O livro, e várias outras cenas provam isso, é uma obra-prima e viverá enquanto alguém souber ler. O final, em que percebemos que o que lemos foi contado por Briony anciã e prestes a perder a memória, é outro momento de brilho gigantesco. Briony gostaria de ter salvado dos dois amantes. Mas ela não pode.
Foi feito um filme sobre este livro. Joe Wright o fez. Adorei. Mas, claro, o livro vai muito mais longe. O filme é um trailer do livro. Um lindo trailer.
O filme de Owen termina com o professor lendo um belo trecho de Ian McEwan ( pois é, que coincidência não? ). Ian fala do que seja a arte. A arte é a fala de homens imperfeitos que tentam alcançar a perfeição. E que nesse processo, fadado ao fracasso, nós, leitores, somos erguidos e ao ler tomamos contato com aquilo que temos de MELHOR.
Ian McEwan é um nobre portanto. A arte, mesmo a mais realista e pessimista, existe para nos aperfeiçoar. Para nos tirar de um mundo incompreensível e nos levar a tomar contato com o melhor. Veja, para nos erguer, não para erguer o mundo. Para nos transformar, não para nos fazer entender a vida.
Este livro, triste, belo, cruel, feio, sempre perfeito, é uma obra-prima.
Vale!
A HISTÓRIA DO MUNDO DO OCIDENTE ( QUEM DISSE QUE O ORIENTE É MELHOR ).
Povo. Entre eles nascem histórias. E fofocas. Que se espalham. Havia uma caixa de onde o sol saiu. Houve um deus que comeu seus filhos. Somos o sonho de um príncipe. Mitos, lendas, heróis, deuses, explicações. Eles nascem sem parar.
Ao mesmo tempo surgem uns poucos dentre poucos. Que perguntam e não inventam. Nasce a filosofia. Com uma diferença absoluta daquilo que entendemos hoje por filosofia: ela não discute a religião do povo. A aceita como ponto pacífico. A filosofia investiga a matéria e apenas a matéria. E acaba por pressentir aquilo que os mitos já sabiam: somos estrangeiros.
O que nos alucina não é o fato de um macaco ter algo de parecido conosco. Não é o fato de um olhar de cão poder revelar amizade ou companheirismo "quase humano". O que nos deixa aturdidos é o quanto estamos distantes dos animais. Se macacos usam gravetos para comer ou choram seus mortos, jamais os veremos honrar um deus macaco ou parar para estudar uma colônia de vespas. E aí mora uma diferença intransponível: os bichos são o máximo do pragmatismo, nós somos o extremo do anti-pragmatismo.
Um animal vive para ficar vivo. Come quando tem comida, dorme quando tem sono e defeca ao ter vontade. Cruza com a fêmea que o aceitar. Não abstrai, não delega, não se perde em divagações. Pois o simples fato de alguém pensar no pragmatismo já revela um espírito pouco pragmático. Animais estão em casa. Homens nunca. E é ilusão pensar que foi o progresso ou a ciência que nos tirou do centro do conforto terrestre. Nunca estivemos em casa. O mais primitivo dos homens cria seus mitos para explicar seu desconforto. O mais antigo dos homens olha o mundo de fora, o observa, o estuda, modifica o meio, tenta se adaptar. Não existe homem sem criatividade, o trabalho para tentar fazer do meio algo que seja dele. Um bicho nasce sendo de seu meio. Ele não sonha com outro mundo. Ele está sempre onde deve estar, na Terra.
Quando pensamos num ET pensamos num irmão.
Uma sociedade começa a decair quando o povo deixa de produzir histórias. Quando o desejo de explicar é ocupado pelo desejo de gozar. Intelectuais podem falar e falar, criar milhares de teorias, mas o homem se perde quando desiste de seus mitos, de sua religião e de sua estranheza. Tornar-se um bicho ou ser um Homem-Livre, duas metas que levam ao vazio.
O homem-livre seria um homem só. Mesmo em meio a ações em grupo, ele sempre seria só com sua filosofia e sua vontade. E um homem-bicho, feito de instintos e pragmatismo seria menos que um homem, seria um alienado. Um aleijado.
Tudo isto é o centro do Homem Eterno, excelente livro de Chesterton que procura resumir a história mental da Europa. No final ele, sempre um ex-ateu, católico militante, imagina o que seria a Europa sem o cristianismo. Uma colcha de retalhos. Uma espécie de India com milhares de religiões, milhões de mitos, línguas e povos dispersos, e como no Oriente, tomados de absoluta passividade. Pois não há a menor dúvida de que apesar de sua beleza poética, budismo, bramanismo, zoroastrismo assim como as religiões romana e grega convidam a negação do mundo real. Todas falam que o mundo é ou um sonho ruim ou um teatro onde os deuses comandam o destino de todos. Será o cristianismo a primeira religião a aceitar o mundo como real e eterno, a vida como boa e ruim, e o homem como dono de seu destino. Esses 3 novos pensamentos fazem do caldeirão pagão europeu aquilo que chamamos de mundo ocidental. Essa filosofia da ação, da militância, do agir no real, será compartilhada pelo Islã, fé que Chesterton respeita muito por ver nela uma irmã.
Não se iludam. Não pensem que nosso mundo foi criado por um filósofo grego, um poeta espanhol ou um rei eslavo. Nosso mundo é criação de dois mil anos de pregadores em ação, repetindo a mesma lei, convertendo, irmanando e criando o mundo da Palavra na Palavra e através da Palavra. O mundo da escrita, do livro, do sermão, do púlpito e do trabalho sem fim.
Ao mesmo tempo surgem uns poucos dentre poucos. Que perguntam e não inventam. Nasce a filosofia. Com uma diferença absoluta daquilo que entendemos hoje por filosofia: ela não discute a religião do povo. A aceita como ponto pacífico. A filosofia investiga a matéria e apenas a matéria. E acaba por pressentir aquilo que os mitos já sabiam: somos estrangeiros.
O que nos alucina não é o fato de um macaco ter algo de parecido conosco. Não é o fato de um olhar de cão poder revelar amizade ou companheirismo "quase humano". O que nos deixa aturdidos é o quanto estamos distantes dos animais. Se macacos usam gravetos para comer ou choram seus mortos, jamais os veremos honrar um deus macaco ou parar para estudar uma colônia de vespas. E aí mora uma diferença intransponível: os bichos são o máximo do pragmatismo, nós somos o extremo do anti-pragmatismo.
Um animal vive para ficar vivo. Come quando tem comida, dorme quando tem sono e defeca ao ter vontade. Cruza com a fêmea que o aceitar. Não abstrai, não delega, não se perde em divagações. Pois o simples fato de alguém pensar no pragmatismo já revela um espírito pouco pragmático. Animais estão em casa. Homens nunca. E é ilusão pensar que foi o progresso ou a ciência que nos tirou do centro do conforto terrestre. Nunca estivemos em casa. O mais primitivo dos homens cria seus mitos para explicar seu desconforto. O mais antigo dos homens olha o mundo de fora, o observa, o estuda, modifica o meio, tenta se adaptar. Não existe homem sem criatividade, o trabalho para tentar fazer do meio algo que seja dele. Um bicho nasce sendo de seu meio. Ele não sonha com outro mundo. Ele está sempre onde deve estar, na Terra.
Quando pensamos num ET pensamos num irmão.
Uma sociedade começa a decair quando o povo deixa de produzir histórias. Quando o desejo de explicar é ocupado pelo desejo de gozar. Intelectuais podem falar e falar, criar milhares de teorias, mas o homem se perde quando desiste de seus mitos, de sua religião e de sua estranheza. Tornar-se um bicho ou ser um Homem-Livre, duas metas que levam ao vazio.
O homem-livre seria um homem só. Mesmo em meio a ações em grupo, ele sempre seria só com sua filosofia e sua vontade. E um homem-bicho, feito de instintos e pragmatismo seria menos que um homem, seria um alienado. Um aleijado.
Tudo isto é o centro do Homem Eterno, excelente livro de Chesterton que procura resumir a história mental da Europa. No final ele, sempre um ex-ateu, católico militante, imagina o que seria a Europa sem o cristianismo. Uma colcha de retalhos. Uma espécie de India com milhares de religiões, milhões de mitos, línguas e povos dispersos, e como no Oriente, tomados de absoluta passividade. Pois não há a menor dúvida de que apesar de sua beleza poética, budismo, bramanismo, zoroastrismo assim como as religiões romana e grega convidam a negação do mundo real. Todas falam que o mundo é ou um sonho ruim ou um teatro onde os deuses comandam o destino de todos. Será o cristianismo a primeira religião a aceitar o mundo como real e eterno, a vida como boa e ruim, e o homem como dono de seu destino. Esses 3 novos pensamentos fazem do caldeirão pagão europeu aquilo que chamamos de mundo ocidental. Essa filosofia da ação, da militância, do agir no real, será compartilhada pelo Islã, fé que Chesterton respeita muito por ver nela uma irmã.
Não se iludam. Não pensem que nosso mundo foi criado por um filósofo grego, um poeta espanhol ou um rei eslavo. Nosso mundo é criação de dois mil anos de pregadores em ação, repetindo a mesma lei, convertendo, irmanando e criando o mundo da Palavra na Palavra e através da Palavra. O mundo da escrita, do livro, do sermão, do púlpito e do trabalho sem fim.
NATAL EM AGOSTO ( LENDO CHESTERTON )
A maior das revoluções veio. Um Deus nasce como homem. Eis a primeira inversão. A segunda é esta, nasce sem estrondo, nasce discreto, pobre, filho da base social. O triângulo se inverte: Deus vem de baixo e não do alto.
Com isso surgem mais coisas inéditas. Uma criança é sagrada, uma criança é Deus. E se ela é Deus ela é filho e Pai de sua mãe. Ao mesmo tempo. E Ela será uma criança-criança, crescerá como homem, terá brinquedos, aprenderá brincadeiras, irá comer e irá sonhar. Só aqui encontramos várias revoluções. Pela primeira vez o pobre é protagonista. Pela primeira vez uma criança é Deus. E pela primeira vez a história se faz entre os mais humildes, aqueles que ninguém vê.
Ao mesmo tempo 3 reis magos vêm vê-lo. São 3 filósofos em busca da sabedoria. Cruzam terras na ânsia de encontrar a Resposta. E o que encontram é uma caverna, palha, animais e um casal pobre e renegado. E no centro do mistério um bebê. Se ajoelham porque os 3 percebem. O mundo de Pã está morto. Já havia ocorrido a queda da bela mitologia romana, aquela do Lar, e já nascera a mitologia romana do mal, a que sacrificava humanos e exaltava a crueldade e a luxúria. Essa morria naquela caverna. O mundo tinha seu recomeço. O mundo é aquela criança.
A partir dali nunca mais se mataria com alegria. Nunca mais se louvaria o mal de modo inconsciente. Nunca mais se olharia um pobre como uma coisa. Sim, o mal vive até hoje, luta por vencer, mas ele encontrou seu adversário, seu oposto. O mal hoje sabe que é Mal. Antes o mal era o mal sem juízo ou culpa. Bem ou mal eram uma coisa só. Sacrifícios humanos, escravos, quem se importava?
Passamos a sentir a dor de uma criança que morre de fome. Isso era inédito. Pois nem a crença no mundo como uma ilusão budista, e nem o confucionismo, com seu respeito aos mortos e a disciplina, duas belas filosofias mais antigas que o Bebê, nenhuma delas dava qualquer atenção para a criança faminta ou ao pastor doente. Nobres, bons, mas distantes.
O Deus na caverna trouxe a Divindade ao mundo da matéria. Deus podia ser visto como homem. Estava aqui, entre nós, nos olhando, nos dando conselhos, sofrendo voluntariamente entre nossas dores.
Nessa minha explanação, tirada do belíssimo livro de Chesterton, O HOMEM ETERNO, há material para dois mil anos de teses e de filosofias. Toda essa inversão de valores, todo esse modo novo de sentir a vida foi a maior das revoluções. E todas as que vieram depois, humanas, feita por crentes ou por ateus, tiveram sempre a ansiedade de repetir a cena do menino nascido numa caverna. Zerar a história, trazer ao centro os mais desprezados, irmanar e comungar, vencer o mal.
Somos, nós ocidentais, todos cristãos. Mesmo aqueles que odeiam o cristianismo. Porque todos nascemos naquela caverna. Vemos o mundo daquele modo e nos sentimos culpados ao fazer o mal. Matar, roubar, judiar, nunca mais foi ato de alegria inconsciente.
Isso tudo é o Natal. O dia em que o mínimo se transformou em mais.
( Mas existe O MAL. E sobre isso escrevo outro dia. )
Com isso surgem mais coisas inéditas. Uma criança é sagrada, uma criança é Deus. E se ela é Deus ela é filho e Pai de sua mãe. Ao mesmo tempo. E Ela será uma criança-criança, crescerá como homem, terá brinquedos, aprenderá brincadeiras, irá comer e irá sonhar. Só aqui encontramos várias revoluções. Pela primeira vez o pobre é protagonista. Pela primeira vez uma criança é Deus. E pela primeira vez a história se faz entre os mais humildes, aqueles que ninguém vê.
Ao mesmo tempo 3 reis magos vêm vê-lo. São 3 filósofos em busca da sabedoria. Cruzam terras na ânsia de encontrar a Resposta. E o que encontram é uma caverna, palha, animais e um casal pobre e renegado. E no centro do mistério um bebê. Se ajoelham porque os 3 percebem. O mundo de Pã está morto. Já havia ocorrido a queda da bela mitologia romana, aquela do Lar, e já nascera a mitologia romana do mal, a que sacrificava humanos e exaltava a crueldade e a luxúria. Essa morria naquela caverna. O mundo tinha seu recomeço. O mundo é aquela criança.
A partir dali nunca mais se mataria com alegria. Nunca mais se louvaria o mal de modo inconsciente. Nunca mais se olharia um pobre como uma coisa. Sim, o mal vive até hoje, luta por vencer, mas ele encontrou seu adversário, seu oposto. O mal hoje sabe que é Mal. Antes o mal era o mal sem juízo ou culpa. Bem ou mal eram uma coisa só. Sacrifícios humanos, escravos, quem se importava?
Passamos a sentir a dor de uma criança que morre de fome. Isso era inédito. Pois nem a crença no mundo como uma ilusão budista, e nem o confucionismo, com seu respeito aos mortos e a disciplina, duas belas filosofias mais antigas que o Bebê, nenhuma delas dava qualquer atenção para a criança faminta ou ao pastor doente. Nobres, bons, mas distantes.
O Deus na caverna trouxe a Divindade ao mundo da matéria. Deus podia ser visto como homem. Estava aqui, entre nós, nos olhando, nos dando conselhos, sofrendo voluntariamente entre nossas dores.
Nessa minha explanação, tirada do belíssimo livro de Chesterton, O HOMEM ETERNO, há material para dois mil anos de teses e de filosofias. Toda essa inversão de valores, todo esse modo novo de sentir a vida foi a maior das revoluções. E todas as que vieram depois, humanas, feita por crentes ou por ateus, tiveram sempre a ansiedade de repetir a cena do menino nascido numa caverna. Zerar a história, trazer ao centro os mais desprezados, irmanar e comungar, vencer o mal.
Somos, nós ocidentais, todos cristãos. Mesmo aqueles que odeiam o cristianismo. Porque todos nascemos naquela caverna. Vemos o mundo daquele modo e nos sentimos culpados ao fazer o mal. Matar, roubar, judiar, nunca mais foi ato de alegria inconsciente.
Isso tudo é o Natal. O dia em que o mínimo se transformou em mais.
( Mas existe O MAL. E sobre isso escrevo outro dia. )
O HOMEM ETERNO- G.K. CHESTERTON
Será que se de nosso tempo restassem para o futuro apenas as pinturas de Picasso, as pessoas do ano 3000 pensariam que em 2014 todos se vestiam, se pintavam e eram como as caras e corpos das obras do espanhol ? E mais sinistro seria se elas imaginassem que os restos da Torre Eiffel tivessem um simbolismo além daquilo que ela é, simples beleza e exibição de riqueza. Porque imaginar que as pinturas numa caverna pré-histórica sejam mais que aquilo que são: belos desenhos. Talvez uma brincadeira, desenhos feitos para matar o tempo, embelezamento, arte pura e simples.
Olhamos os rostos das pinturas egipcias e achamos que eles tinham as caras que estão lá representadas. Porque? Aquilo é representação, ou alguém em 2014 tem a cara do Wolverine? A questão é, o que sabemos sobre os homens do passado? Quase nada.
E o melhor, segundo Chesterton, seria pensar neles como aquilo que são com certeza, Humanos. Desde sempre humanos, como eu e como voce.
Então vamos parar com essa tolice de imaginar que o homem que criou a roda era um quase-fera que grunhia e criava sem querer. Ele era um homem que pensava. Curioso, pegava coisas e as experimentava. Pesquisava. Tentava. Era, como nós, um criador. E ria. Se divertia. Tinha humor.
Tendemos a sempre pensar no passado com seriedade. Pois bem, se os homens do passado eram mais infantis eles então brincavam mais. E se fossem como nós, e eram, tinham senso de humor. Pois não pensem que os gregos cultuavam Hera ou Apolo como nós cultuamos Deus ou Allah. Eles tinham religião, eles tinham mito, mas não igreja. Os deuses eram mitos. Histórias que eles sabiam ser fantásticas e que os divertiam. Eles as criavam ao bel prazer. E tinham religião, coisas mais sagradas, sérias, e que nome não tinham. Estranho observar que subjacente às doidas lendas de Zeus, existem os ritos muito mais sérios de fertilidade, de sacrifício e de morte. Religião, a tentativa bem sucedida de transformar matéria. Mas não havia igreja. A Grécia era uma confusão de deuses, ritos, festas e tradições.
Os gregos eram organizados em politica, no estado, mas eram anarquistas em casa.
Interessante o que Chesterton percebe: povos que são apegados a familia costumam ter um estado anárquico e povos pouco apegados a familia criam estados fortes. Pois ao contrário de Atenas, Roma era anárquica. Governos caíam, senadores eram mortos e mesmo assim ela crescia. Porque romanos amavam sua terra. Amavam sua familia e amavam os deuses do lar. Se eles importaram Jupiter e Vênus, eram os secretos deuses do lar que os emocionavam. Esse trecho do livro é belíssimo.
Chesterton se divertiria muito com as bobagens escritas sobre as guerras entre Israel e árabes. O inglês dá risadas para o marxismo. Ele diz que razões econômicas existem em qualquer guerra, mas NUNCA são a razão principal. O que leva um soldado à guerra não é o soldo, o que leva um líder a declarar guerra não é uma mina de ouro. ( Isso tudo vem junto mas não é o que traz a guerra ), a batalha se faz quando uma nação encontra diante de si uma outra nação que a nega, que ameaça tudo aquilo em que ela crê, que ameaça sua certeza histórica e que traz assim o perigo da destruição de seu lar. Um soldado luta por sua casa, por aquilo que ele entende ser seu lar. Um país luta por destruir sua antítese, seu oposto. Os americanos podem lutar pelo petróleo do Iraque, mas acima de tudo lutam contra um mundo que lhes é horroroso, um modo de pensar que nega tudo em que eles acreditam. Lutam para sobreviver. Para poder continuar a crer em si-mesmo.
Como aconteceu com Roma. Os romanos tinham de aniquilar Cartago pelo fato de que Cartago matava crianças em sacrifício, comungavam com forças místicas que negavam tudo o que Roma professava e odiavam o modo familiar de Roma. Roma venceu. E o mundo nunca mais foi o mesmo.
Chesterton diz que é hora de parar com a mania científica. Um cientista explicando um totem ou um mito é como um poeta tentar explicar a divisão celular. Um totem é uma experiência estética e só pode ser entendido como arte. Um mito é sempre poesia e só pode ser explicado por poetas. Cientistas transformarão tudo naquilo que eles sabem, fórmulas de ação e reação.
Adoro Chesterton porque ele duvida. Inverte o que todos repetem e mostra a papagaice do que se tornou senso-comum.
Homens da caverna não eram feras assustadas, egipcios nunca foram seres rígidos de pintura, gregos não acreditavam em nada, romanos eram bons e calorosos, bárbaros eram brincalhões e os povos primitivos das Américas nada tinham de inocentes.
Excelente.
Olhamos os rostos das pinturas egipcias e achamos que eles tinham as caras que estão lá representadas. Porque? Aquilo é representação, ou alguém em 2014 tem a cara do Wolverine? A questão é, o que sabemos sobre os homens do passado? Quase nada.
E o melhor, segundo Chesterton, seria pensar neles como aquilo que são com certeza, Humanos. Desde sempre humanos, como eu e como voce.
Então vamos parar com essa tolice de imaginar que o homem que criou a roda era um quase-fera que grunhia e criava sem querer. Ele era um homem que pensava. Curioso, pegava coisas e as experimentava. Pesquisava. Tentava. Era, como nós, um criador. E ria. Se divertia. Tinha humor.
Tendemos a sempre pensar no passado com seriedade. Pois bem, se os homens do passado eram mais infantis eles então brincavam mais. E se fossem como nós, e eram, tinham senso de humor. Pois não pensem que os gregos cultuavam Hera ou Apolo como nós cultuamos Deus ou Allah. Eles tinham religião, eles tinham mito, mas não igreja. Os deuses eram mitos. Histórias que eles sabiam ser fantásticas e que os divertiam. Eles as criavam ao bel prazer. E tinham religião, coisas mais sagradas, sérias, e que nome não tinham. Estranho observar que subjacente às doidas lendas de Zeus, existem os ritos muito mais sérios de fertilidade, de sacrifício e de morte. Religião, a tentativa bem sucedida de transformar matéria. Mas não havia igreja. A Grécia era uma confusão de deuses, ritos, festas e tradições.
Os gregos eram organizados em politica, no estado, mas eram anarquistas em casa.
Interessante o que Chesterton percebe: povos que são apegados a familia costumam ter um estado anárquico e povos pouco apegados a familia criam estados fortes. Pois ao contrário de Atenas, Roma era anárquica. Governos caíam, senadores eram mortos e mesmo assim ela crescia. Porque romanos amavam sua terra. Amavam sua familia e amavam os deuses do lar. Se eles importaram Jupiter e Vênus, eram os secretos deuses do lar que os emocionavam. Esse trecho do livro é belíssimo.
Chesterton se divertiria muito com as bobagens escritas sobre as guerras entre Israel e árabes. O inglês dá risadas para o marxismo. Ele diz que razões econômicas existem em qualquer guerra, mas NUNCA são a razão principal. O que leva um soldado à guerra não é o soldo, o que leva um líder a declarar guerra não é uma mina de ouro. ( Isso tudo vem junto mas não é o que traz a guerra ), a batalha se faz quando uma nação encontra diante de si uma outra nação que a nega, que ameaça tudo aquilo em que ela crê, que ameaça sua certeza histórica e que traz assim o perigo da destruição de seu lar. Um soldado luta por sua casa, por aquilo que ele entende ser seu lar. Um país luta por destruir sua antítese, seu oposto. Os americanos podem lutar pelo petróleo do Iraque, mas acima de tudo lutam contra um mundo que lhes é horroroso, um modo de pensar que nega tudo em que eles acreditam. Lutam para sobreviver. Para poder continuar a crer em si-mesmo.
Como aconteceu com Roma. Os romanos tinham de aniquilar Cartago pelo fato de que Cartago matava crianças em sacrifício, comungavam com forças místicas que negavam tudo o que Roma professava e odiavam o modo familiar de Roma. Roma venceu. E o mundo nunca mais foi o mesmo.
Chesterton diz que é hora de parar com a mania científica. Um cientista explicando um totem ou um mito é como um poeta tentar explicar a divisão celular. Um totem é uma experiência estética e só pode ser entendido como arte. Um mito é sempre poesia e só pode ser explicado por poetas. Cientistas transformarão tudo naquilo que eles sabem, fórmulas de ação e reação.
Adoro Chesterton porque ele duvida. Inverte o que todos repetem e mostra a papagaice do que se tornou senso-comum.
Homens da caverna não eram feras assustadas, egipcios nunca foram seres rígidos de pintura, gregos não acreditavam em nada, romanos eram bons e calorosos, bárbaros eram brincalhões e os povos primitivos das Américas nada tinham de inocentes.
Excelente.
UM ESCRITOR DA SABEDORIA E DO BOM HUMOR: GILBERT KEITH CHESTERTON
Sou eu o homem que com maior ousadia descobriu aquilo que a muito já havia sido descoberto.
Esse o mote do livro, brilhante, de G.K.Chesterton. Não conheço pensamento mais claro. Ele pega aquilo que temos PREGUIÇA de pensar, que temos dado como certo, e com simples bom-senso, mostra seu erro. Dessa forma Chesterton provoca um nó em sua cabeça e mesmo que voce seja um escravo do pensamento escuro e aprisionador, algo em voce balança ao término de sua exultante leitura.
Chesterton foi uma raridade no século XX. Um escritor que foi um homem feliz. Seu método é racional. Ele pega o que é comumente dito e o leva ao pé da letra. Então compara esse pensamento com aquilo que as pessoas têm como excêntrico e demonstra assim que o que é dado como certo pode ser muito errado. E o excêntrico pode ser o muito claro. Seu estilo é aquele do bonachão professor de Oxford. Não, ele nunca lecionou. Foi jornalista e em seguida escritor de sucesso. Seus debates com amigos ilustres ( Bernard Shaw, H G Wells ) eram transmitidos ao vivo pela BBC. Grande sucesso também fez o debate com Bertrand Russel. Chesterton venceu todos. Sua bússola, ele logo o diz, é o conto de fadas. Sim, contra a ciência e o materialismo ele usa a moral do conto de fadas. O racionalismo de Branca de Neve ou do Gato de Botas ( e ele demonstra onde mora a razão pura e prática desses contos ), contra Darwin e Schopenhauer. O modo como ele demole Darwin é fabuloso.
Livros como Zorba, poemas de Yeats, o encontro com o pensamento de Montaigne, o teatro de Shakespeare, a leitura de Bergson, todos esses momentos decisivos ( e posso incluir ainda Eliot, Keats, Whitman, Huxley ), foram passos rumo ao encontro com uma consciência maior em minha vida de leitor. Sair da vida pequena e caminhar a uma vida grande. Chesterton é a coroação desse caminho, é a cura de descaminhos. Em um mundo melhor todos leriam Chesterton. Como teriam lido Emerson. Leriam mais Stendhal.
Melhor pegar frases do livro aleatoriamente. ( Coloco-as em negrito ).
As pessoas não conhecem o mundo em que vivem e por isso acreditam em meia dúzia de máximas sem pensar nelas.
Dizem que um homem bem sucedido é aquele que crê em si-mesmo. Pois eu digo que os homens que creem em si-mesmo estão todos no hospicio. Os que lá não estão, e sei que são muitos, podem ser encontrados em bares suspeitos e ruas mal frequentadas, É o poeta "genial"que agora se acha um perseguido, a estrela do cinema que nunca foi descoberta, o filósofo revolucionário que nunca foi entendido. A auto-confiança é a característica de todo fracassado.
Os contos de fada duram para sempre porque eles têm um herói que é um ser humano normal vivendo aventuras incríveis. Os romances modernos têm um herói anormal vivendo um história banal.
Todos os gênios foram pessoas absolutamente normais com ideias originais. Pessoas originais com ideias normais são os charlatães.
Dizem que o hospício está cheio de misticos, de poetas. Mentira. A loucura é feita de um excesso de ordem, de zelo, de razão. No hospicio moram banqueiros, administradores e advogados. O poeta convive muito bem com a riqueza, com a complexidade do mundo. Ele é são. A poesia e o misticismo podem curar a loucura, a matemática e o xadrez nunca.
O mundo do doido é sempre pequeno e nesse pequeno mundo tudo tem sua lógica. O mundo do poeta e do mistico está sempre em expansão. Ele cresce sem cessar e nesse crescimento não se procura lógica embora exista razão.
Materialistas fecham caminhos. Para eles vários pensamentos são tabú. Não posso pensar nisso, não posso pensar naquilo. Isto não é racional, isto não é moderno.
O pensamento mistico abre portas. Posso pensar em tudo. Nada pode ser estranho e nada é impossível.
Homens que acreditam em si-mesmo, autores que acreditam no super-homem de Nietzsche, escritores que escrevem sobre seu Eu, todos vivem em vácuo imenso. Nada criam porque nada olham. Seu olhar está sempre para dentro. O mundo lhes é indiferente.
O mundo moderno não é mau. Na verdade ele é excessivamente bonzinho.
O mundo moderno tem a seguinte e absurda teoria: a de que é mais fácil perdoar os pecados se crermos que não existem pecados para perdoar. É um erro duplo. Absolve o mau achando-o normal e tira de nós a chance de provar a virtude do perdão.
Se o homem quiser tornar o mundo grande deve tornar a si mesmo pequeno. Essa a virtude da humildade.
Na busca do prazer e no gozo absoluto perdemos o principal fator do prazer e do gozar, a surpresa.
Os humildes criam os mais altos sonhos. Os egocêntricos os destroem.
O homem antes duvidava de si, mas nunca da verdade. Agora ele duvida da verdade e jamais de si.
É inutil falar na rivalidade entre fé e razão. Pois a razão, como tudo o mais, é uma questão de fé.
O cristianismo é a única religião voltada para fora. Ela olha o exterior e trabalha sobre a matéria. É a religião dos olhos.
A teoria da evolução nos dá a licença para sermos tigres ou leões.
Não me impressiona o quanto um macaco se parece com um humano, o que me deixa abismado é a imensa e inenarrável diferença que há entre nós e eles.
Pregar o egoísmo é praticar o altruísmo, eis a contradição de Nietzsche, um homem fraco que amava o que ele pensava ser um forte. O verdadeiro egoísta não sai a rua para pregar, ele despreza a rua.
Cientistas modernos dizem que somos guiados por genes. Deus nos deu o livre arbítrio. Podemos escolher o bem ou o mal. Onde a liberdade?
A vida é em si um milagre. O pensamento é uma magia e a vontade é um mistério. O que importa não é o porque de o espaço ser infinito ou não, mas o porquê do homem desejar saber. Esse querer saber, essa vontade de ser sempre mais e melhor, essa ânsia por ir além, esse é o milagre.
Isso tudo é uma fração minúscula do que esse livro contém. E Chesterton não escreve aforismos. Cada uma dessas frases é fruto de um raciocínio, de uma razão que é exposta. Ele nos convence. Faz filosofia.
Lê-lo é como beber, como sonhar, como comer. Um prazer, uma coisa da vida, natural. Se algum escritor pode merecer o título de sábio, esse é o grande Gilbert Keith Chesterton.
Esse o mote do livro, brilhante, de G.K.Chesterton. Não conheço pensamento mais claro. Ele pega aquilo que temos PREGUIÇA de pensar, que temos dado como certo, e com simples bom-senso, mostra seu erro. Dessa forma Chesterton provoca um nó em sua cabeça e mesmo que voce seja um escravo do pensamento escuro e aprisionador, algo em voce balança ao término de sua exultante leitura.
Chesterton foi uma raridade no século XX. Um escritor que foi um homem feliz. Seu método é racional. Ele pega o que é comumente dito e o leva ao pé da letra. Então compara esse pensamento com aquilo que as pessoas têm como excêntrico e demonstra assim que o que é dado como certo pode ser muito errado. E o excêntrico pode ser o muito claro. Seu estilo é aquele do bonachão professor de Oxford. Não, ele nunca lecionou. Foi jornalista e em seguida escritor de sucesso. Seus debates com amigos ilustres ( Bernard Shaw, H G Wells ) eram transmitidos ao vivo pela BBC. Grande sucesso também fez o debate com Bertrand Russel. Chesterton venceu todos. Sua bússola, ele logo o diz, é o conto de fadas. Sim, contra a ciência e o materialismo ele usa a moral do conto de fadas. O racionalismo de Branca de Neve ou do Gato de Botas ( e ele demonstra onde mora a razão pura e prática desses contos ), contra Darwin e Schopenhauer. O modo como ele demole Darwin é fabuloso.
Livros como Zorba, poemas de Yeats, o encontro com o pensamento de Montaigne, o teatro de Shakespeare, a leitura de Bergson, todos esses momentos decisivos ( e posso incluir ainda Eliot, Keats, Whitman, Huxley ), foram passos rumo ao encontro com uma consciência maior em minha vida de leitor. Sair da vida pequena e caminhar a uma vida grande. Chesterton é a coroação desse caminho, é a cura de descaminhos. Em um mundo melhor todos leriam Chesterton. Como teriam lido Emerson. Leriam mais Stendhal.
Melhor pegar frases do livro aleatoriamente. ( Coloco-as em negrito ).
As pessoas não conhecem o mundo em que vivem e por isso acreditam em meia dúzia de máximas sem pensar nelas.
Dizem que um homem bem sucedido é aquele que crê em si-mesmo. Pois eu digo que os homens que creem em si-mesmo estão todos no hospicio. Os que lá não estão, e sei que são muitos, podem ser encontrados em bares suspeitos e ruas mal frequentadas, É o poeta "genial"que agora se acha um perseguido, a estrela do cinema que nunca foi descoberta, o filósofo revolucionário que nunca foi entendido. A auto-confiança é a característica de todo fracassado.
Os contos de fada duram para sempre porque eles têm um herói que é um ser humano normal vivendo aventuras incríveis. Os romances modernos têm um herói anormal vivendo um história banal.
Todos os gênios foram pessoas absolutamente normais com ideias originais. Pessoas originais com ideias normais são os charlatães.
Dizem que o hospício está cheio de misticos, de poetas. Mentira. A loucura é feita de um excesso de ordem, de zelo, de razão. No hospicio moram banqueiros, administradores e advogados. O poeta convive muito bem com a riqueza, com a complexidade do mundo. Ele é são. A poesia e o misticismo podem curar a loucura, a matemática e o xadrez nunca.
O mundo do doido é sempre pequeno e nesse pequeno mundo tudo tem sua lógica. O mundo do poeta e do mistico está sempre em expansão. Ele cresce sem cessar e nesse crescimento não se procura lógica embora exista razão.
Materialistas fecham caminhos. Para eles vários pensamentos são tabú. Não posso pensar nisso, não posso pensar naquilo. Isto não é racional, isto não é moderno.
O pensamento mistico abre portas. Posso pensar em tudo. Nada pode ser estranho e nada é impossível.
Homens que acreditam em si-mesmo, autores que acreditam no super-homem de Nietzsche, escritores que escrevem sobre seu Eu, todos vivem em vácuo imenso. Nada criam porque nada olham. Seu olhar está sempre para dentro. O mundo lhes é indiferente.
O mundo moderno não é mau. Na verdade ele é excessivamente bonzinho.
O mundo moderno tem a seguinte e absurda teoria: a de que é mais fácil perdoar os pecados se crermos que não existem pecados para perdoar. É um erro duplo. Absolve o mau achando-o normal e tira de nós a chance de provar a virtude do perdão.
Se o homem quiser tornar o mundo grande deve tornar a si mesmo pequeno. Essa a virtude da humildade.
Na busca do prazer e no gozo absoluto perdemos o principal fator do prazer e do gozar, a surpresa.
Os humildes criam os mais altos sonhos. Os egocêntricos os destroem.
O homem antes duvidava de si, mas nunca da verdade. Agora ele duvida da verdade e jamais de si.
É inutil falar na rivalidade entre fé e razão. Pois a razão, como tudo o mais, é uma questão de fé.
O cristianismo é a única religião voltada para fora. Ela olha o exterior e trabalha sobre a matéria. É a religião dos olhos.
A teoria da evolução nos dá a licença para sermos tigres ou leões.
Não me impressiona o quanto um macaco se parece com um humano, o que me deixa abismado é a imensa e inenarrável diferença que há entre nós e eles.
Pregar o egoísmo é praticar o altruísmo, eis a contradição de Nietzsche, um homem fraco que amava o que ele pensava ser um forte. O verdadeiro egoísta não sai a rua para pregar, ele despreza a rua.
Cientistas modernos dizem que somos guiados por genes. Deus nos deu o livre arbítrio. Podemos escolher o bem ou o mal. Onde a liberdade?
A vida é em si um milagre. O pensamento é uma magia e a vontade é um mistério. O que importa não é o porque de o espaço ser infinito ou não, mas o porquê do homem desejar saber. Esse querer saber, essa vontade de ser sempre mais e melhor, essa ânsia por ir além, esse é o milagre.
Isso tudo é uma fração minúscula do que esse livro contém. E Chesterton não escreve aforismos. Cada uma dessas frases é fruto de um raciocínio, de uma razão que é exposta. Ele nos convence. Faz filosofia.
Lê-lo é como beber, como sonhar, como comer. Um prazer, uma coisa da vida, natural. Se algum escritor pode merecer o título de sábio, esse é o grande Gilbert Keith Chesterton.
O SENHOR DOS ANÉIS COMPREENDIDO
Para os gnósticos a Terra é um campo de batalha. O Mal, presente em toda a matéria, é combatido o tempo todo pelo bem, presente no espírito. Egoísmo, crueldade, desejo de poder, ambição, esses os componentes do mal. Coragem, honra, auto-sacrifício, espírito de grupo, esses são os dons com que se combate esse mal. A Guerra acontece, desde sempre e sem tréguas, na Alma de cada Homem.
Chesterton, com seus amigos C.S.Lewis e Tolkien, fez parte no começo do século XX do movimento de resgate do cristianismo primitivo, corrente essa que tem muito do gnosticismo herege. Quando assisti pela primeira vez a saga do Anel eu nada sabia. Para mim se tratava apenas de mais um pastiche que misturava Star Wars com Excalibur de John Boorman. Eu não sabia que Excalibur e Star Wars é que derivavam de Tolkien. E que Tolkien fazia tamanho sucesso por intuitivamente ir ao cerne de uma necessidade humana: Transcendência.
Você pode sentir Transcendência em graus variáveis. A maioria passa pela vida sem repetir mais de uma vez. E a primeira é sempre na infância pré-linguagem. Você pode procurar, inconscientemente, essa sensação em filmes, na visão do cosmos, em música ou numa droga. Em viagens de aventura, no Amor, ou até mesmo no sexo ( talvez a forma mais procurada hoje e uma das mais falíveis ). Saiba que por mais material que essa busca seja, o fundo é sempre o mesmo: Liberação do fluxo da vida, livre fluir das imagens e dos sentimentos do espírito, uso de toda a potencialidade que todos sentimos ter. Sim, a religião sempre se propôs a dar essa transcendência. As Igrejas, são a droga sintética dessa busca. Não há receita, não há regra. Cada um que ache seu caminho. O fim é o mesmo: o Bem.
A Saga do Anel fala disso. Frodo carrega ( como Cristo ), o Mal do Mundo nas costas. Recebe uma missão não desejada, sofre tentações, dúvidas, quase desiste. Mas ele é Bom. E seus discípulos o ajudam.
Peter Jackson conseguiu fazer um filme cheio de conteúdo e ao mesmo tempo cheio de ação. É uma saga digna de David Lean. Filosófica e com um senso de beleza maravilhoso. E o principal, a obra atingiu em cheio uma necessidade do público, e quando isso ocorre temos o fenômeno, o filme que consegue atingir crianças, adultos, analfabetos e cultos, homens e mulheres. Para quem busca profundidade em filmes filipinos, dinmarqueses ou mexicanos, eis aqui o cinema pop em alto grau cultural. Há muito mais o que pensar e discutir aqui que em toda a obra daquele geniozinho óbvio e plagiador.
O mal em nós junta hordas escuras e procura fazer de sombra tudo o que nos é mais caro. Cabe a cada um unir forças e os combater. Creia, a luz existe e ela é aquilo que chamamos de inspiração, fé, criatividade, transcendência.
AUTOBIOGRAFIA- GILBERT KEITH CHESTERTON, UM PERFEITO RETRATO DA INFÂNCIA
Nada de datas aqui. Esta biografia é mais um tipo de conversa que um relato de uma vida. Chesterton vai falando de seus amigos, conta um ou outro acontecimento e só. Se voce quer ler uma bio convencional, esta não. Porém...não me diga que voce não sabe quem é Chesterton? Acima de tudo foi um polemista. Jornalista, mantinha na imprensa polêmicas com Shaw e Wells. Chamava-os de amigos, amigos que tinham só um problema: não sabiam pensar.
Chesterton começou a se destacar na guerra dos Boêrs. Toda a nação, inclusive Shaw e Wells, eram pró-Inglaterra, pró-guerra; pois Chesterton foi pró-Holanda. Ele dizia que a guerra só era justa quando defensiva, guerra colonial jamais. Ele se dizia um nacionalista anti-imperialista. O império destruiria a alma do povo inglês, do gentil e calmo povo inglês.
Chesterton em politica tinha uma posição original, era a favor da propriedade, da propriedade do pobre. O pobre deveria ter seu corpo, seu mundo preservado. Ter direito ao tempo, a sua tradição, a seu modo de viver. Ele odiava a ganância, a americanização, o acúmulo de coisas que traziam mais coisas que tentavam consertar as outras coisas. Percebia a morte da fruição, do prazer com aquilo que se tem. Para ele o maior dos temas filosóficos era o da satisfação: conseguir ter satisfação com a satisfação. Saber usufruir da satisfação no momento presente. Para ele, como penso também, o materialismo, de forma perversa, fechou nossos olhos para a realidade. Estranho não? O que deveria ser uma filosofia ancorada no real, nos cegou para a realidade do visível e do agora. Somos incapazes de ver uma flor como aquilo que ela é. Vemos uma espécie, uma metáfora, um ser mortal, um orgão, um detalhe insignificante, um nome, mas jamais uma simples e bela flor.
Autor policial, contista, romancista, jornalista, radialista, Chesterton foi famoso, feliz, otimista, péssimo aluno. Odiava escolas, honrarias e agnósticos. Para ele a religião era o centro do humano, todos os valores que definem o que é ser homem sendo herdeiros de verdades da religião. Mas, negando a moda de seu tempo, Chesterton não idolatrava religiões exóticas, espíritas ou mágicas, ele se converteu ao catolicismo romano, certo de que nada pode ser melhor que uma fé que nos renova a cada missa. Ele via na confissão, ato que só existe no catolicismo, a oportunidade maravilhosa de remissão, de retorno a pureza, algo que nenhuma outra fé ou ciência pode ousar prometer. O catolicismo ousa, é a mais ousada das práticas. E liberal. Chesterton graceja, afinal ele é um humorista, ao contar que católicos podem fumar, beber e comer carne. Mas não se iluda, sua fé é verdadeira, séria e bastante lógica.
O começo do livro tem impressões vagas sobre a infância. Nunca li nada que descrevesse melhor o que recordo da "minha" infância. A ideia é simples e contrária ao estabelecido: crianças nunca vivem num mundo de fantasia. Adultos moram no mundo das ideias, num mundo de padrões pré-moldados e de modas filosóficas. A criança vive no aqui e no agora. Ela vê cada coisa como ela é e tem plena presença no tempo que dura. Adultos que perdem o contato com esse mundo perdem o contato com a realidade. Imagem que recordo de minha meninice: a luz branca de que fala Chesterton, luz que banha as coisas de uma presença definitiva e inquestionável. É na adolescencia que enlouquecemos e perdemos a realidade. Passamos a descrer de tudo, dos sentidos, da lei, da história, das crianças e dos adultos. Para ele, ser teen é ser snob ( e ele foi um teen muuuuuito teen ), é se achar superior a tudo, não se interessar por nada.
Chesterton diz que adultos felizes brincam. Sabem que o mundo adulto nada significa diante da infância. Lá estão os fatos, não como raízes da vida adulta, mas como fatos mais verdadeiros.
Ele foi um aluno preguiçoso, péssimo. Desconfiava de tudo, inclusive da desconfiança. E cedo descobriu o prazer da discussão. E de Zola e Flaubert, de Wilde a Baudelaire, ele percebeu que ser moderno é simplesmente ser um ingênuo pessimista. Todo modernismo está cheio de tristeza e de pessimismo, mas, e daí vem a ingenuidade, o artista moderno não crê no mal, ele vê o mundo em relatividade, o bem e o mal como coisas sem valor. Chesterton vai contra isso. Ele afirma que o mal existe, e mais que isso, que somos livres para escolher. Que se escolhemos o mal, a culpa é toda nossa. Ela não é da familia ou do meio, é de quem a executa.
Chesterton tem uma hierarquia de bens, sendo a familia o bem supremo. Para ele, não roubamos e não mentimos por honra da familia. Sem ela, tudo rui e tudo se torna relativo. Como eu, ele se coloca contra os pessimistas, percebendo que eles fogem da realidade ao afirmar uma ideia a priori. O pessimismo é uma capa de covardia que traveste um assustado e espantado ser em artista moderno.
Uma observação de Chesterton: toda criança brinca dentro de limites e de regras. Cria um espaço. A liberdade deve ser assim, a liberdade sem limites "dentro" de nós e fora, a segurança de um limite. Cidades grandes fazem exatamente o oposto, criam limites internos no cidadão e acabam com as barreiras corporais.
Ele lamenta a Inglaterra numa bela imagem: ela deixou de ser um país de casas e jardins e se tornou uma nação de lojas e de bancos.
Bedford Park, bairro londrino onde viviam os excêntricos. Casas tortas, disformes, gente com roupas cuidadosas vestidas descuidadamente, bairro que deveria ser o futuro, onde vivia seu amigo Yeats. Chesterton fala que a era vitoriana foi a era do agnosticismo, onde Thomas Huxley percebeu que todos acreditavam no Império por não ter mais nada em que acreditar. É no século XIX que surge a figura do ateu respeitável: centrado, pessimista, descrente do homem, sem entusiasmo, muito cheio de talentos mas sem gênio. Participante e bastante monótono. Entediado. Em oposição a esse homem vitoriano, Chesterton coloca Willie Yeats, o homem medieval, que seria encantado, vagando otimista, crendo no homem, cheio de entusiasmo, individualista e usufruindo A EXPERIÊNCIA DE VIVER: MEDO E ÊXTASE.
Ele ainda falará de seus amigos, de politica, do que seja a maturidade e de sua obra. Mas o melhor é essa primeira parte. Um homem que amava comer, beber, fumar e sua familia, um humorista, um católico inglês, um patriota que era pró-Irlanda, e que temia a Alemanha ( um país bárbaro para ele ) e amava a França. Uma bio caótica, gorda, vagueante, sinuosa.
ATENÇÃO: Cuidado com essa edição, nova, da Ecclesiae. Ela é péssima! Tem erros e mais erros de pontuação, de concordância e de tradução. Uma segunda edição será bem vinda.
Chesterton começou a se destacar na guerra dos Boêrs. Toda a nação, inclusive Shaw e Wells, eram pró-Inglaterra, pró-guerra; pois Chesterton foi pró-Holanda. Ele dizia que a guerra só era justa quando defensiva, guerra colonial jamais. Ele se dizia um nacionalista anti-imperialista. O império destruiria a alma do povo inglês, do gentil e calmo povo inglês.
Chesterton em politica tinha uma posição original, era a favor da propriedade, da propriedade do pobre. O pobre deveria ter seu corpo, seu mundo preservado. Ter direito ao tempo, a sua tradição, a seu modo de viver. Ele odiava a ganância, a americanização, o acúmulo de coisas que traziam mais coisas que tentavam consertar as outras coisas. Percebia a morte da fruição, do prazer com aquilo que se tem. Para ele o maior dos temas filosóficos era o da satisfação: conseguir ter satisfação com a satisfação. Saber usufruir da satisfação no momento presente. Para ele, como penso também, o materialismo, de forma perversa, fechou nossos olhos para a realidade. Estranho não? O que deveria ser uma filosofia ancorada no real, nos cegou para a realidade do visível e do agora. Somos incapazes de ver uma flor como aquilo que ela é. Vemos uma espécie, uma metáfora, um ser mortal, um orgão, um detalhe insignificante, um nome, mas jamais uma simples e bela flor.
Autor policial, contista, romancista, jornalista, radialista, Chesterton foi famoso, feliz, otimista, péssimo aluno. Odiava escolas, honrarias e agnósticos. Para ele a religião era o centro do humano, todos os valores que definem o que é ser homem sendo herdeiros de verdades da religião. Mas, negando a moda de seu tempo, Chesterton não idolatrava religiões exóticas, espíritas ou mágicas, ele se converteu ao catolicismo romano, certo de que nada pode ser melhor que uma fé que nos renova a cada missa. Ele via na confissão, ato que só existe no catolicismo, a oportunidade maravilhosa de remissão, de retorno a pureza, algo que nenhuma outra fé ou ciência pode ousar prometer. O catolicismo ousa, é a mais ousada das práticas. E liberal. Chesterton graceja, afinal ele é um humorista, ao contar que católicos podem fumar, beber e comer carne. Mas não se iluda, sua fé é verdadeira, séria e bastante lógica.
O começo do livro tem impressões vagas sobre a infância. Nunca li nada que descrevesse melhor o que recordo da "minha" infância. A ideia é simples e contrária ao estabelecido: crianças nunca vivem num mundo de fantasia. Adultos moram no mundo das ideias, num mundo de padrões pré-moldados e de modas filosóficas. A criança vive no aqui e no agora. Ela vê cada coisa como ela é e tem plena presença no tempo que dura. Adultos que perdem o contato com esse mundo perdem o contato com a realidade. Imagem que recordo de minha meninice: a luz branca de que fala Chesterton, luz que banha as coisas de uma presença definitiva e inquestionável. É na adolescencia que enlouquecemos e perdemos a realidade. Passamos a descrer de tudo, dos sentidos, da lei, da história, das crianças e dos adultos. Para ele, ser teen é ser snob ( e ele foi um teen muuuuuito teen ), é se achar superior a tudo, não se interessar por nada.
Chesterton diz que adultos felizes brincam. Sabem que o mundo adulto nada significa diante da infância. Lá estão os fatos, não como raízes da vida adulta, mas como fatos mais verdadeiros.
Ele foi um aluno preguiçoso, péssimo. Desconfiava de tudo, inclusive da desconfiança. E cedo descobriu o prazer da discussão. E de Zola e Flaubert, de Wilde a Baudelaire, ele percebeu que ser moderno é simplesmente ser um ingênuo pessimista. Todo modernismo está cheio de tristeza e de pessimismo, mas, e daí vem a ingenuidade, o artista moderno não crê no mal, ele vê o mundo em relatividade, o bem e o mal como coisas sem valor. Chesterton vai contra isso. Ele afirma que o mal existe, e mais que isso, que somos livres para escolher. Que se escolhemos o mal, a culpa é toda nossa. Ela não é da familia ou do meio, é de quem a executa.
Chesterton tem uma hierarquia de bens, sendo a familia o bem supremo. Para ele, não roubamos e não mentimos por honra da familia. Sem ela, tudo rui e tudo se torna relativo. Como eu, ele se coloca contra os pessimistas, percebendo que eles fogem da realidade ao afirmar uma ideia a priori. O pessimismo é uma capa de covardia que traveste um assustado e espantado ser em artista moderno.
Uma observação de Chesterton: toda criança brinca dentro de limites e de regras. Cria um espaço. A liberdade deve ser assim, a liberdade sem limites "dentro" de nós e fora, a segurança de um limite. Cidades grandes fazem exatamente o oposto, criam limites internos no cidadão e acabam com as barreiras corporais.
Ele lamenta a Inglaterra numa bela imagem: ela deixou de ser um país de casas e jardins e se tornou uma nação de lojas e de bancos.
Bedford Park, bairro londrino onde viviam os excêntricos. Casas tortas, disformes, gente com roupas cuidadosas vestidas descuidadamente, bairro que deveria ser o futuro, onde vivia seu amigo Yeats. Chesterton fala que a era vitoriana foi a era do agnosticismo, onde Thomas Huxley percebeu que todos acreditavam no Império por não ter mais nada em que acreditar. É no século XIX que surge a figura do ateu respeitável: centrado, pessimista, descrente do homem, sem entusiasmo, muito cheio de talentos mas sem gênio. Participante e bastante monótono. Entediado. Em oposição a esse homem vitoriano, Chesterton coloca Willie Yeats, o homem medieval, que seria encantado, vagando otimista, crendo no homem, cheio de entusiasmo, individualista e usufruindo A EXPERIÊNCIA DE VIVER: MEDO E ÊXTASE.
Ele ainda falará de seus amigos, de politica, do que seja a maturidade e de sua obra. Mas o melhor é essa primeira parte. Um homem que amava comer, beber, fumar e sua familia, um humorista, um católico inglês, um patriota que era pró-Irlanda, e que temia a Alemanha ( um país bárbaro para ele ) e amava a França. Uma bio caótica, gorda, vagueante, sinuosa.
ATENÇÃO: Cuidado com essa edição, nova, da Ecclesiae. Ela é péssima! Tem erros e mais erros de pontuação, de concordância e de tradução. Uma segunda edição será bem vinda.
O TEMPERO DA VIDA- G.K.CHESTERTON
É sempre um prazer encontrar um autor que pensa, em muitas coisas, mas é claro que não em tudo, como voce. Chesterton tem uma visão de vida que em muito se parece com a minha. Ele faz crítica dura a toda a modernidade, explica o porque de suas críticas, e ao mesmo tempo jamais cai em amargor. Fosse amargo Chesterton cairia em contradição, pois o que ele mais critica na modernidade é exatamente seu amargor.
Chesterton tornou-se mania na Inglaterra de cem anos atrás com seus livros policiais em que o "herói" era o pacato Padre Brown. Por detrás da simplicidade desses livros havia a exposição da filosofia do autor. Chesterton polemizava com coragem, ele era anti-capitalista e anti-comunista, abominava Freud e as seitas religiosas, entrava em atrito com Shaw e Russell, não gostava de toda filosofia materialista.
Este livro traz textos publicados na imprensa, de 1905 até 1935. Alguns depois fizeram parte de um programa de rádio que ele tinha na BBC. As ideias defendidas neste livro são excitantes e provocadoras. O que as prejudica é o fato de terem sido pensadas para a imprensa; suas teses mereciam um muito maior desenvolvimento.
A escrita funciona porque os temas são sempre muito graves, mas o estilo é sempre bem humorado. Exatamente o contrário do que se faz hoje na imprensa, onde se escreve banalidade com enorme seriedade. ( E no cinema também. Histórias idiotas tratadas com rigor de um recém formado ).
Mas de onde vem a ideia de Chesterton de que a modernidade fracassou? É muito simples, aliás, a tese que ele sempre defende é a de que tudo é sempre óbvio, os só-cabeça é que pensam sem parar, jamais descansam e acabam por pensar demais e por pensar mal. A modernidade produz em sua maioria, poemas e romances sem esperança, sem sentido, sem porque e sem utilidade. Isso tudo ainda poderia ser redimido se fosse belo, mas além de tudo há a descrença na beleza. A coisa é lógica, um mundo e uma época que produz tanta desilusão é consequentemente uma idade de profunda tristeza. Para saber qual o nivel de felicidade de um povo basta olhar o que esse povo escreve, canta e pinta. A arte moderna oscila entre o desespero, a tristeza e a ansiedade histérica.
Autores felizes como Dickens, Thackeray ou poetas como Shelley e Holderlin seriam silenciados na modernidade. Chesterton, cristão radical que é, diz que a era mais feliz da humanidade foi aquela que os materialistas mais abominam: a idade média. Por ter sido uma época em que o dinheiro ainda valia pouco, a produção ainda era de quem produzia e onde a carne e o espírito ainda conviviam em razoável harmonia.
Há um texto em que ele fala de algo que me deu o que pensar. Falando sobre Darwin, ele diz que o darwinismo deveria se restringir só àquilo que é de sua competência, a biologia. Se Darwin vira filosofia aplicável a tudo, se o evolucionismo pode explicar tudo ( e é o que acontece hoje, em 2012 ), então a ética e a moral serão jogadas no lixo. Todo ato imoral e não-ético poderá ser desculpado como degrau evolutivo. O ladrão esperto de hoje pode ser o próximo passo da evolução. O mais forte e o mais bonito serão a ponta da evolução. Valores humanos e não biológicos, como moral, ética e arte serão negligenciados. Ou pior, entrarão na falsa lógica evolucionista.
Na estrada da simplicidade, Chesterton fala das crianças e das mulheres. Mulheres e crianças sendo vistas pela sociedade masculina como seres pouco racionais, emotivos, intuitivos. Chesterton pergunta então, e porque crianças, mulheres e os pobres também, seriam os errados? Quem disse que a intuição feminina ou o mundo cheio de sentido das crianças é o "mundo falso"? A mulher como o humano que está totalmente ligado a natureza, dona do dom da vida, da alimentação, ligada a ciclos, a marés, a sonhos. E a criança, supersticiosa, que crê em magia, em azar, em sinais, em lugares sagrados e secretos. Os pobres, que vivem na simplicidade da conta exata, sabendo tirar muito do quase nada. Porque eles estão errados? Porque são vistos como fracassos, como tolos ou como fracos?
Inspírados textos de Gilbert Keith Chesterton, que fala da divisão da vida moderna, vida que divide tudo em fragmentos, que desfaz casamentos eternos, que separa aquilo que separado perde todo o sentido.
Num café da Espanha ele assiste a um casal e seu filho. O pai, que olha a criança com adoração, dá um gole de sua cerveja ao menino. A mãe ri, e dá outro gole ao filho também. O garoto então se senta no colo do pai e brinca com seu bigode. Lá não existe um Édipo que possa os fragmentar, não existe uma tolice americana que dite algo contra o álcool dado a crianças. O mundo moderno não vive ali, aquela familia é antiga como a vida, bela como o mundo, perfeita como o amor.
É esse o universo que Chesterton defende. É esse o único mundo onde a felicidade pode existir. Todo o resto é brinquedo de cabeças sem descanso.
Chesterton tornou-se mania na Inglaterra de cem anos atrás com seus livros policiais em que o "herói" era o pacato Padre Brown. Por detrás da simplicidade desses livros havia a exposição da filosofia do autor. Chesterton polemizava com coragem, ele era anti-capitalista e anti-comunista, abominava Freud e as seitas religiosas, entrava em atrito com Shaw e Russell, não gostava de toda filosofia materialista.
Este livro traz textos publicados na imprensa, de 1905 até 1935. Alguns depois fizeram parte de um programa de rádio que ele tinha na BBC. As ideias defendidas neste livro são excitantes e provocadoras. O que as prejudica é o fato de terem sido pensadas para a imprensa; suas teses mereciam um muito maior desenvolvimento.
A escrita funciona porque os temas são sempre muito graves, mas o estilo é sempre bem humorado. Exatamente o contrário do que se faz hoje na imprensa, onde se escreve banalidade com enorme seriedade. ( E no cinema também. Histórias idiotas tratadas com rigor de um recém formado ).
Mas de onde vem a ideia de Chesterton de que a modernidade fracassou? É muito simples, aliás, a tese que ele sempre defende é a de que tudo é sempre óbvio, os só-cabeça é que pensam sem parar, jamais descansam e acabam por pensar demais e por pensar mal. A modernidade produz em sua maioria, poemas e romances sem esperança, sem sentido, sem porque e sem utilidade. Isso tudo ainda poderia ser redimido se fosse belo, mas além de tudo há a descrença na beleza. A coisa é lógica, um mundo e uma época que produz tanta desilusão é consequentemente uma idade de profunda tristeza. Para saber qual o nivel de felicidade de um povo basta olhar o que esse povo escreve, canta e pinta. A arte moderna oscila entre o desespero, a tristeza e a ansiedade histérica.
Autores felizes como Dickens, Thackeray ou poetas como Shelley e Holderlin seriam silenciados na modernidade. Chesterton, cristão radical que é, diz que a era mais feliz da humanidade foi aquela que os materialistas mais abominam: a idade média. Por ter sido uma época em que o dinheiro ainda valia pouco, a produção ainda era de quem produzia e onde a carne e o espírito ainda conviviam em razoável harmonia.
Há um texto em que ele fala de algo que me deu o que pensar. Falando sobre Darwin, ele diz que o darwinismo deveria se restringir só àquilo que é de sua competência, a biologia. Se Darwin vira filosofia aplicável a tudo, se o evolucionismo pode explicar tudo ( e é o que acontece hoje, em 2012 ), então a ética e a moral serão jogadas no lixo. Todo ato imoral e não-ético poderá ser desculpado como degrau evolutivo. O ladrão esperto de hoje pode ser o próximo passo da evolução. O mais forte e o mais bonito serão a ponta da evolução. Valores humanos e não biológicos, como moral, ética e arte serão negligenciados. Ou pior, entrarão na falsa lógica evolucionista.
Na estrada da simplicidade, Chesterton fala das crianças e das mulheres. Mulheres e crianças sendo vistas pela sociedade masculina como seres pouco racionais, emotivos, intuitivos. Chesterton pergunta então, e porque crianças, mulheres e os pobres também, seriam os errados? Quem disse que a intuição feminina ou o mundo cheio de sentido das crianças é o "mundo falso"? A mulher como o humano que está totalmente ligado a natureza, dona do dom da vida, da alimentação, ligada a ciclos, a marés, a sonhos. E a criança, supersticiosa, que crê em magia, em azar, em sinais, em lugares sagrados e secretos. Os pobres, que vivem na simplicidade da conta exata, sabendo tirar muito do quase nada. Porque eles estão errados? Porque são vistos como fracassos, como tolos ou como fracos?
Inspírados textos de Gilbert Keith Chesterton, que fala da divisão da vida moderna, vida que divide tudo em fragmentos, que desfaz casamentos eternos, que separa aquilo que separado perde todo o sentido.
Num café da Espanha ele assiste a um casal e seu filho. O pai, que olha a criança com adoração, dá um gole de sua cerveja ao menino. A mãe ri, e dá outro gole ao filho também. O garoto então se senta no colo do pai e brinca com seu bigode. Lá não existe um Édipo que possa os fragmentar, não existe uma tolice americana que dite algo contra o álcool dado a crianças. O mundo moderno não vive ali, aquela familia é antiga como a vida, bela como o mundo, perfeita como o amor.
É esse o universo que Chesterton defende. É esse o único mundo onde a felicidade pode existir. Todo o resto é brinquedo de cabeças sem descanso.
EXATAMENTE COMO A VIDA REAL
Uma coisa que me dá o que pensar: porque as pessoas percebem tanto mérito em filmes e livros que "são exatamente como a vida real"? Qual o mérito em se criar algo que nada mais é que uma cópia daquilo que a vida já criou? O máximo que uma obra realista pode atingir é saber olhar bem.
Mas posso unir isso a mania de biografias e posso ir ainda mais longe e ir até os reality shows. Do extremo realismo às biografias e ao reality show o caminho é o mesmo, a via que declama em alto e bom som que só o que é "a verdade" tem valor e pode ser util.
Quando um autor como Dickens cria mais de dez mil personagens, todos "irrealistas", o que ocorre? Dickens está negando a vida e criando gente que nada tem a ver com o real? Ou seria o contrário?
Toda obra excessivamente realista tem algo de hospitalar. De quase sem vida, quando não, de morto. O escritor recolhe dejetos, fatos "´já acontecidos", e portanto, passados, e os fixa em linhas ou imagens. O mesmo ocorre com as biografias. Sempre passam a sensação de serem testamentos ditados por um moribundo. Um testemunho vindo do leito, leis cheias de "verdade". Que verdades são essas? Desde quando dizer a verdade é ser verdadeiro?
Quando um autor poderosamente imaginativo cria personagens, lugares e ações, ele cria "a vida". Esse escritor, digamos Dickens, repete a criação que a natureza opera, do nada ou do vazio, cria personalidade. O movimento é o oposto do realismo, da reportagem ou da biografia. Neles voce participa da memória de um fato terminado, morto. No artista original, voce toma parte na criação presente, na liberdade de dar vida e sentido a uma narração.
Nos acostumamos ao pequeno, ao pouco ambicioso. Autores criativos são vastos e me parece que eles assustam aos pequenos leitores de hoje. A criação deles é vasta demais, exigente demais, complexa demais. Mas é Chesterton que me alerta para o fato principal: autores como Dickens ( e Rabelais, e Swift ), são alegres demais.
Eles trazem o dom da fertilidade, da fecundidade. Tocam o papel e criam, e criar vida é sempre um ato de alegria. Seus livros pulam, uivam, dançam, dialogam, dão prazer e dão ideias.
Pessoas educadas ( ou domesticadas? ), a crer que "arte" seria um espelho da vida, e que vida seria tédio e atos minúsculos, jamais conseguirão tolerar os exageros de sentimento, apetite e de criação de Dickens ( e Balzac, e Cervantes ).
Um artista sempre foi Prometeu. Um homem ladrão, que com o fogo na mão tentava dar luz e calor para a humanidade.
Hoje, reduzido a um tipo de repórter do vazio e do não-ocorrido, ou um retratista do já terminado, um jornalista-divulgador da "verdade", ele carrega fogo apagado, impotência fria, tristeza de quem não sabe mais fazer viver, criar, inventar, ser feliz.
Mas posso unir isso a mania de biografias e posso ir ainda mais longe e ir até os reality shows. Do extremo realismo às biografias e ao reality show o caminho é o mesmo, a via que declama em alto e bom som que só o que é "a verdade" tem valor e pode ser util.
Quando um autor como Dickens cria mais de dez mil personagens, todos "irrealistas", o que ocorre? Dickens está negando a vida e criando gente que nada tem a ver com o real? Ou seria o contrário?
Toda obra excessivamente realista tem algo de hospitalar. De quase sem vida, quando não, de morto. O escritor recolhe dejetos, fatos "´já acontecidos", e portanto, passados, e os fixa em linhas ou imagens. O mesmo ocorre com as biografias. Sempre passam a sensação de serem testamentos ditados por um moribundo. Um testemunho vindo do leito, leis cheias de "verdade". Que verdades são essas? Desde quando dizer a verdade é ser verdadeiro?
Quando um autor poderosamente imaginativo cria personagens, lugares e ações, ele cria "a vida". Esse escritor, digamos Dickens, repete a criação que a natureza opera, do nada ou do vazio, cria personalidade. O movimento é o oposto do realismo, da reportagem ou da biografia. Neles voce participa da memória de um fato terminado, morto. No artista original, voce toma parte na criação presente, na liberdade de dar vida e sentido a uma narração.
Nos acostumamos ao pequeno, ao pouco ambicioso. Autores criativos são vastos e me parece que eles assustam aos pequenos leitores de hoje. A criação deles é vasta demais, exigente demais, complexa demais. Mas é Chesterton que me alerta para o fato principal: autores como Dickens ( e Rabelais, e Swift ), são alegres demais.
Eles trazem o dom da fertilidade, da fecundidade. Tocam o papel e criam, e criar vida é sempre um ato de alegria. Seus livros pulam, uivam, dançam, dialogam, dão prazer e dão ideias.
Pessoas educadas ( ou domesticadas? ), a crer que "arte" seria um espelho da vida, e que vida seria tédio e atos minúsculos, jamais conseguirão tolerar os exageros de sentimento, apetite e de criação de Dickens ( e Balzac, e Cervantes ).
Um artista sempre foi Prometeu. Um homem ladrão, que com o fogo na mão tentava dar luz e calor para a humanidade.
Hoje, reduzido a um tipo de repórter do vazio e do não-ocorrido, ou um retratista do já terminado, um jornalista-divulgador da "verdade", ele carrega fogo apagado, impotência fria, tristeza de quem não sabe mais fazer viver, criar, inventar, ser feliz.
PEDACINHOS DE VIDA= PEDAÇÕES DE COVARDIA
Chesterton tem humor, mas não é simpático. Não espere nada de confortável nele. E nem de liberal oco. No livro que estou lendo há uma ideia que nos deveria ser óbvia, mas que de tão clara se torna esquecível. A ideia, antipática, é a de que o erro da arte moderna é o de crer que a vida pode ser fragmentada.
Sim, voce pode cortar uma vida em pedaços e misturar tudo. Voce pode transformar uma história em pedacinhos desconexos. Mas ao fazer isso voce paga um preço: voce mata a vida. A vida é um fluxo constante. A história é um fluir e se voce corta esse fluxo a história morre.
Chesterton usa um exemplo que nos recusamos a aceitar. Se voce tem vários flertes, vários casos, voce não tem na verdade vários flertes e vários casos. O que voce tem é um grande flerte e um grande caso. Voce carrega a história de cada um desses flertes e casos. Não existe algo como "um encontro inconsequente". Todo encontro é consequente e sem perceber ele lhe fará pagar seu preço. Ideia antipática né?
Não gostamos de ser lembrados disso. De que cada ato tem sua história e de que todas essas histórias formam um única história, a sua. De que na vida real, e ela não é a vida de livros modernos ou de filmes contados ao contrário, existe um inicio e um fim. E que eles são consequentes. A cada erro cabe uma dor e a cada acerto uma alegria. E que é impossível se ter uma historinha aqui e outra ali, todas são a grande e única narrativa.
Esse é o fascinio da tragédia. Toda tragédia é a história correndo em sua fluidez indomável e cobrando o preço do ato feito. Nosso tempo, covarde, tem horror a tragédia. Temos a ilusão de que ao cortar a vida em pedacinhos poderemos ter pequenas dores. Casinhos ruins rendem dores suportáveis.
Ironia dos deuses: Eis a nossa tragédia. A trágica fuga, constante e apavorada, da vida.
Sim, voce pode cortar uma vida em pedaços e misturar tudo. Voce pode transformar uma história em pedacinhos desconexos. Mas ao fazer isso voce paga um preço: voce mata a vida. A vida é um fluxo constante. A história é um fluir e se voce corta esse fluxo a história morre.
Chesterton usa um exemplo que nos recusamos a aceitar. Se voce tem vários flertes, vários casos, voce não tem na verdade vários flertes e vários casos. O que voce tem é um grande flerte e um grande caso. Voce carrega a história de cada um desses flertes e casos. Não existe algo como "um encontro inconsequente". Todo encontro é consequente e sem perceber ele lhe fará pagar seu preço. Ideia antipática né?
Não gostamos de ser lembrados disso. De que cada ato tem sua história e de que todas essas histórias formam um única história, a sua. De que na vida real, e ela não é a vida de livros modernos ou de filmes contados ao contrário, existe um inicio e um fim. E que eles são consequentes. A cada erro cabe uma dor e a cada acerto uma alegria. E que é impossível se ter uma historinha aqui e outra ali, todas são a grande e única narrativa.
Esse é o fascinio da tragédia. Toda tragédia é a história correndo em sua fluidez indomável e cobrando o preço do ato feito. Nosso tempo, covarde, tem horror a tragédia. Temos a ilusão de que ao cortar a vida em pedacinhos poderemos ter pequenas dores. Casinhos ruins rendem dores suportáveis.
Ironia dos deuses: Eis a nossa tragédia. A trágica fuga, constante e apavorada, da vida.
O HOMEM QUE ERA QUINTA-FEIRA- G.K. CHESTERTON
Um embate entre um poeta anarquista e um policial democrata. Por artimanhas do destino, o policial se vê nas redes de um movimento que visa levar o anarquismo a toda a Europa. O livro, que começa com belas tintas de humor, vai se tornando cada vez mais negro. Paranóico até. Chesterton, polemista conservador, toma partido: ele é pela ordem. O tempo mostrou que ele estava certo. Todos esses ismos da época parecem hoje pueris. Pior, seus "bons propósitos" se mostraram falsos.
Há uma fuga pela Inglaterra. Fogem dos anarquistas que se espalham pelos campos. Chesterton é também contra os modernos. Percebe no modernismo uma enfadonha anarquia. Nisso ele errou. O modernismo era muito mais que anarquismo. Well.... é um romance de antecipação, é inevitável o erro. De qualquer modo é ainda bastante lido hoje em dia, em que pese estar longe de ser uma obra fundamental.
Bons tempos em que best-seller era alguém como Chesterton ( ou Maugham, ou Pearl Buck, ou Orwell, ou Exupery, ou Conan Doyle... ).
Há uma fuga pela Inglaterra. Fogem dos anarquistas que se espalham pelos campos. Chesterton é também contra os modernos. Percebe no modernismo uma enfadonha anarquia. Nisso ele errou. O modernismo era muito mais que anarquismo. Well.... é um romance de antecipação, é inevitável o erro. De qualquer modo é ainda bastante lido hoje em dia, em que pese estar longe de ser uma obra fundamental.
Bons tempos em que best-seller era alguém como Chesterton ( ou Maugham, ou Pearl Buck, ou Orwell, ou Exupery, ou Conan Doyle... ).
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