VITIMAS

   Um livro de Dalrymple em que ele explica o sentimentalismo do mundo de hoje. O fato de que pensamos com os sentimentos, o que não é pensar. Julgamos tudo por aquilo que sentimos. O ato de pensar com a razão, com a lógica, se perdeu. Analisamos com o coração. E só com o coração.
  Nesse mundo sentimental, tudo é inocência. Temos pena. Muita pena. Rousseau e os românticos trouxeram a ideia de que todo homem é por natureza inocente, bom e pacífico, e que a sociedade o corrompe. Daí a ideia geral de que a vítima é o nobre do mundo da bondade.
  Hoje todos são vítimas e ninguém tem culpa nenhuma sobre coisa alguma. A condição de vítima se tornou mérito.
  Dalrymple cita Sylvia Plath. Uma poeta ok, mas que se tornou mito por ser mulher, suicida, vítima do patriarcado, da repressão à mulher.
  Não li o livro todo ainda. Mas Dalrymple fala do óbvio que poucos percebem. De que a arte hoje se ocupa quase todo o tempo de vítimas falando sobre vítimas. E que mesmo a arte do passado é vista hoje sob a ótica do vitimismo. Desse modo, Mozart, que nada tinha de vítima, vira hoje um mártir do sofrimento. John Keats, um poeta feliz, é visto como um pobre sofredor que morreu cedo.
  Penso em gente como Jim Morrison, Cobain, Ian Curtis, James Dean, Marilyn, o que eles seriam se tivessem sobrevivido. Muito, muito de sua fama vem da sua condição de "vítima". Do que: da tal sociedade.
  Os montes de escritores cujo maior mérito é serem apenas filhos de um país pobre ou parecerem infelizes. Autores vítimas, assuntos sobre vítimas, leitores que se pensam vítimas. Todos inocentes.
  O cristianismo ( atenção: Dalrymple não é religioso ), fala em culpa, exatamente o oposto. Nascemos todos culpados e devemos fazer obras que nos livrem da culpa. O pensamento vitimista é seu oposto: nascemos puros e devemos nos preservar do mal que vem sempre de fora. Esse modo de pensar conduz, inevitavelmente, à indiferença. Olhamos o mal como algo distante de nós, algo que é "da sociedade", e o máximo que podemos fazer é ficar longe, não nos sujar.
  Nesse "não se sujar" surge a raiz da coisa: somos todos babys limpinhos, vivemos em um mundo que conhece um conforto jamais sonhado. E com todo filho mimado, culpamos sempre "a vida" por tudo de errado que fazemos, vemos, ou deixamos de fazer. Somos inocentes. E se infelizes, somos vítimas.
 A responsabilidade inexiste.
 E cultuaremos cada vez mais quem nos lembrar daquilo que somos: frágeis, infelizes, vítimas.