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PARAÍSO INFERNAL ( ONLY ANGELS HAVE WINGS ), O MUNDO DE HOWARD HAWKS

   Em dois minutos de filme estamos dentro do mundo de Howard Hawks: vemos um país fictício, uma praia que existe só em Hollywood, gente que não se parece com gente de lugar nenhum e um navio que chega ao porto, um navio que traz mais gente de ficção ao país da imaginação. Esse é o mundo do Howard Hawks maduro, aquele dos últimos vinte anos de vida. Este filme, de 1939, foi feito muito antes dessa fase em sua carreira, mas ele já anuncia o que seria o mais constante Hawks style.
  Uma americana desce do navio. Jean Arthur. E ela faz a típica mulher Hawksiana: Tem um passado meio marginal. É forte e independente. Fala o que pensa. E está sempre alegre, apesar da sombra que lhe faz companhia. Essa mulher conhece um grupo de homens. Neste filme, um grupo de aviadores. Eles arriscam a vida entregando cartas numa rota perigosa. É o mundo do melhor livro de Saint Exupéry, Correio Sul. Temos então mais outra marca de Hawks: o grupo de amigos que enfrenta o perigo estoicamente. E por ser um filme típico desse diretor, o filme não terá um alvo. Ele meio que se espalha em pequenos acontecimentos do dia a dia. Um dia a dia excepcional, mas é cotidiano para aqueles homens. Mundo masculino, porém sacudido por uma mulher tão forte quanto eles. Dentro desse mundo há um veterano em decadência física, Thomas Mitchel, um piloto acusado de covardia que deverá se redimir, Richard Barthelmess ( soberbo ), a esposa sexy desse piloto, Rita Hayworth ( nunca mais tão bonita ), e o chefe do grupo, o mais estoico e mais amargo entre eles, Cary Grant ( num papel pouco Cary Grant, e atuando de uma forma contida que convence e muito ).
  Se eu contar o que acontece no filme irei falar várias coisas. Mas nenhuma delas poderei chamar de o centro do filme. Howard Hawks não faz filmes com um centro. Rio Lobo, Rio Bravo, Red River, Hatari!, todos são filmes sem um centro, sem um enredo central. Todos são sobre grupos de homens. Todos são tratados sublimes sobre a amizade e a lealdade. John Ford, o diretor que mais invejava e admirava Hawks, tem sempre O Tema. Rastros de Ódio é sobre um cowboy indo resgatar uma menina. E assim são todos os seus filmes. Por isso Tarantino lembra tanto Hawks em modo de pensar um roteiro: ele também não tem um tema definido. São temas. Ou, para quem não gosta, é um monte de papo furado.
  Fala-se muito nos filmes de Hawks. Ele ama o diálogo. E essas falas não carregam mensagem alguma. É conversa. Apenas conversa. O sentido não está no que se fala. Ele está em como se fala e com quem se fala. O sentido é o ato de falar, não a palavra. Por isso eu amo tanto seus filmes. Ele não explicita nada, mas também não esconde. Seus filmes são o que vemos e só o que vemos. E que prazer eu sinto em os ver!
  A maior beleza é poder ver aquelas pessoas existirem. Alguém disse que em Hatari! sentimos amor por um café da manhã. A melhor cena do filme é ver John Wayne e seus amigos tomando café todas as manhãs. Concordo plenamente. Somos convidados àquele grupo. E nos sentimos bem dentro dele.
  Eu seria desonesto se falasse que Hawks nos ensina a ter coragem, a ser viril, a ter estoicismo. Isso é para Ford ou Huston. Hawks não quer ensinar, ele quer deixar um testemunho. Esses aviadores nos apaixonam. Antes o apaixonaram.
  Durante o filme, foi a segunda vez que o vi, a cópia é perfeita, cheguei a pensar: Que coisa! Este talvez seja agora meu filme favorito! Nenhum filme de Hawks será o favorito de ninguém. Isso porque eles não são SENSACIONAIS.  Mas vários filmes dele estarão entre os mais queridos. Pois eles são um remédio. Nos fazem bem.
  Eu realmente amo esse diretor.