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A INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS - SIGMUND FREUD. A SAUDADE DA ÉPOCA DA RAINHA VITÓRIA
A popularidade de Freud se deve a um fato muito simples, é divertido ler seu livro. Ele tem tudo aquilo que fazia e faz o sucesso de um volume, tem suspense, sexo, mistério e algum horror. E parece moderno. É uma leitura voluptuosa. Como é a leitura de seu contemporâneo Sherlock Holmes. Freud é o Holmes da alma e como tal deve ser lido. Ele vai ao local do crime, recolhe pistas e soluciona o mistério. Por ser o autor do livro, é claro que ele sempre consegue resolver o problema. Freud, como dizia Bloom, é um romancista. A psicanálise, longe de ser uma ciência, é tentativa de transformar romance em vida real. Ela é aquilo que Freud dizia ser a religião, um consolo para a dor. E como tal, tem sua validade, pois às vezes ela alivia. Mesmo que para isso devamos crer naquilo que o autor narra. ----------------------- Meu amor pela psicologia foi conscientizada na noite em que vi, aos 15 anos, o filme Freud de John Huston pela primeira vez. O que me atraiu no filme foi sua ambientação tão vitoriana ( não conheço filme mais Europa 1890 que esse ), seu clima de filme de Sherlock Holmes e o heroísmo destemido de Freud. Ele parece um heroi. O heroi feito sob medida para um pensador, um heroi que age pela palavra. -------------------- Dizer que um sonho é SEMPRE a realização de um desejo é tão arbitrário quanto dizer que um sonho é a materialização de lembranças de outra vida. Não, não ria. Eu posso dizer que essas lembranças foram transformadas e censuradas e que surgem, em sua verdade, apenas com a ajuda de um xamã. É isso que incomoda em Freud. Tudo o que ele diz nos seduz, e algumas coisas eu julgo muito verdadeiras ( o ódio entre irmãos, a rivalidade entre machos, a criança capeta ), mas são verdades conhecidas desde sempre, Freud apenas as sexualizou. Ele poderia ter dito que uma criança tem um instinto de duende, ou de bicho selvagem, o resultado seria o mesmo que dizer que ela já tem desejo sexual. A criança se apega ao seio da mãe porque é macio e doce, não necessariamente porque ela tem desejos incestuosos. Assim como mostra o pênis como ato que faz os adultos reagirem à ela. Claro, essa é apenas minha visão. Mas o que lemos é também apenas a visão de um homem, Freud. A diferença é que ele é um gênio da escrita, e eu não. --------------------- Freud cria um mundo onde tudo faz sentido. Como Conan Doyle ou Henry James, as coisas se encaixam e aquilo que não se encaixaria é jogado fora. Se a doença mental é a perda da capacidade de fazer sentido, entrar no mundo de Freud pode ser curativo. Ele te dará um sentido. Ou não. Depende de sua disposição a crer nele. Há um momento em que ele fala de que Édipo fora interpretado erroneamente como uma parábola que descreve o poder do destino sobre os homens...well...qual a prova de que a visão de Freud seja a correta? ----------------- Jung perto de Freud é incomparavelmente pior autor. Nada há nele de romancista. E nem de cientista ( nenhum dos dois faz ciência ). Mas eu me acostumei a ver cada dado dito por Jung ser exaustivamente demonstrado por N relatos buscados na mitologia, religião, antropologia e filosofia. Jung é tão chato por isso, ele não narra nada, apenas enfileira suposições. Freud é totalmente o oposto. Ele pesquisa casos, encontra pistas e ilumina soluções. É o heroi de seu livro. ---------------- Não pense que estou, como fazem Nabokov ou Scrutton, condenando a arte do psicanalista. Eles são extremamente uteis e fiz terapia por anos. Admiro muito aqueles que são corretos. Um bom profissional traz consolo, sentido, faz com que o kaos mental se organize rumo a um objetivo. Não importa se Freud descreveu nossa mente como aquilo que ela é de fato. O que interessa é saber que ele inaugura algo que tem ajudado muita gente. ------------------- Se lido como uma interessante peça de arte da escrita, este é um grande livro. Lido como a verdade revelada, não faz muito sentido.
SCHOPENHAUER
O que é uma Nuvem? Quando voce a olha ela pode ser cinza, branca, laranja, rosa. Ela pode ter milhares de formatos. Mas a Nuvem será sempre a mesma: conjunto de gotículas no céu. Sua cor e sua forma são apenas momentos no tempo e no espaço. A nuvem, todas as nuvens, são sempre a mesma. O que importa, sua ESSÊNCIA, não muda. O que a Nuvem é, ela é para sempre. Eis a explicação que faz Schopenhauer para o Mundo das Ideias de Platão. As ideias são o mundo essencial e se abstrairmos o tempo e o espaço podemos entender o que são as realidades eternas. --------------- O mesmo vale para um rio, uma Montanha, e uma Pessoa. Elimine o tempo e o espaço de Antonio. O que ele será? Um Homem. Como eu e como voce. Essencialmente. Sua essência humana é imutável, constante, eterna. Podemos então dizer que o homem de 1.200 DC ou o homem de 2023 são idênticos. Retire coisas temporais como modo de falar, de vestir, retire o lugar, e voce terá o mesmo ser em sua essência. E esse nunca mudou e nem irá mudar um dia. Continua sendo uma pessoa que come, dorme, sonha, tem medo, reage ao medo, ataca, mata, deseja, faz sexo, ama, sente ciumes, inveja, tem filhos, mente. Tem um pai e uma mãe, crê ou descrê de Deus. Inventa. Faz guerra e paz. Defeca. Xinga. Anda em grupos. Foge das feras. Fica doente e morre. Tudo isso pode ser feito num castelo ou em frente a um computador, vestido com uma toga ou como drag queen, não importa nada esse momento no tempo e no espaço, em essência nada mudou, é o mesmo Ser nas mesmas condições. ------------- O vento muda a forma da nuvem, mas ela é ainda uma nuvem. O espaço faz o rio virar cachoeira ou inundar, mas é ainda e sempre um rio. ------------------- Demorou muito para que eu lesse Schopenhauer. Isso porque ele é um filósofo tão fora de moda neste século como é Nietzsche ( ser fora de moda em tempos medíocres é na verdade um ótimo sinal ). Se Nietzsche é fora de moda por advogar o individualismo radical, Schopenhauer é deixado de lado hoje por dizer que a tal mutabilidade da vida é uma ilusão. E em tempo que adora se sentir dono de seu corpo e de sua alma, dizer que nada muda é irritar profundamente os deslumbrados do querer é poder. -------------- Ah sim, Schopenhauer dizia que a Vontade é a única coisa que move a vida, que faz ela acontecer e existir. Mas não se deslumbre, essa vontade é impessoal. Vontade inconsciente, irrefreável, irracional. Persistimos na vida. Por que? Não importa. A Vontade move as estrelas. Por mais que Desejemos ser saudáveis, bons ou belos, a Vontade faz de nós aquilo que somos: Humanos. Era por isso que Freud tanto amava Schopenhauer. Substitua Vontade por Libido ou Desejo e voce terá a base de todo Freud. Somos todos dominados pela Vontade. Nietzsche chamaria de Vontade de Poder. ------------------------ Faça um exercício. Olhe para algo. Digamos uma mesa ou um livro. Elimine de seu olhar a consciência da utilidade desse objeto. Esqueça sua história. E principalmente abstraia a Relação que voce tem com ele. Voce não gosta ou desgosta daquilo. Não o conhece. Não sabe para quê ele serve. Pois sua utilidade, sua relação com voce é apenas uma contingência no tempo. Abstraindo tudo isso o que voce vê naquele Livro ou naquela Mesa? Sua essência. Um livro. Uma mesa. Como todos e todas são. Pois aparências mudam, mas não muda aquilo que aquilo é. -------------- Vamos mais ao fundo? Eu estou na escola que estudei em 1974. Mas hoje é 2023. Quase 50 anos mais tarde. Em 1974 eu tinha 12 anos. E as meninas não falavam palavrão. Usavam saia xadrez. Meias brancas. Hoje, 2023, elas falam palavrão e eu sou um velho. Elas usam calças rasgadas e chinelos. Perdem a virgindade aos 12 anos. Mas se eu olhar para elas e abstrair o que sinto, esquecer a minha história de vida, seus movimentos no tempo, sua superficialidade espacial, o que verei? Irei perceber que a Luana de 2023 é a Marcia de 1974. O mesmo medo. A mesma vaidade. O olhar e o tom da voz. A presença e o andar. A Essência. Mudou a gíria, roupa, o costume social, mas não aquilo que elas são: Humanas. Humanos jovens. Elas crescem. Comem muito. Sentem curiosidade. Não querem e querem ser adultos. Brincam. Riem. Pulam. E sentem desejo pelos meninos. ---------------------- Sendo mais radical. Se eu olhar para a mulher que hoje amo, e abstrair dela nossa história, a relação que tenho com ela, chegarei a essência dessa mulher. E entenderei que ela é a mesma que amei aos 20 anos, quando ela nem mesmo havia nascido. Em toda mulher que amei havia a mesma essência: o feminino que ansio possuir. Quem amei foi a mulher. --------------------- Há um momento em que Schopenhauer tem um insight magnífico. É quando ele explica o porque de nossas lembranças sempre parecerem tão boas e o passado se revestir de cores agradáveis para 99% das pessoas. Principalmente a infancia. Diz o filósofo: Na memória conseguimos sem esforço ver as coisas fora de tempo e sem relação conosco. Ao recordar uma tarde do passado, quando tínhamos 12 anos, não pensamos na utilidade daquela tarde, não queremos obter nada dela, o que vemos é uma tarde, voce nela, e um ato que nela aconteceu. Conseguimos então observar aquela cena, aquele passado, em sua essência, pois por ser passado nada queremos lá fazer ou mudar. Sentimos que o passado era melhor porque abstraimos o tempo e o espaço dele e podemos viver a essência daquilo que lembramos. E viver na essência é ter paz. ------------------------ Mudando de tema, saiba que Schopenhauer foi o primeiro filósofo a considerar a Música como a maior das artes. E ele explica o porque: Se a vida é Vontade, viver é estar sempre preso a um ciclo onde queremos-obtemos-queremos de novo-obtemos e queremos mais uma vez...sem fim. Se conseguimos sair desse ciclo sentimos tédio e do tédio vem o desespero. Se não saímos do ciclo, e quase ninguém sai, sentimos a eterna insatisfação. Pois bem, a Música é a única arte que nos alivia desse ciclo. Pois sua construção é o próprio ciclo. A música é COMO A VONTADE. E então, no texto, Schopenhauer passa a descrever como se escreve e se desenvolve uma peça musical. A construção de um desejo, a satisfação desse desejo, a repetição, a satisfação. O ciclo musical refletindo a condição essencial da vida de todos nós. Ela cria um caminho, um desejo, o resolve e então faz com que ele retorne. A música está tão inserida em nossa essência que é a única arte que pode ser usufruida diariamente sem com isso se desgastar. Queremos ouvir a mesma canção milhares de vezes, todo dia, ação que não acontece com um livro ou uma escultura. A música não nos cansa. Isso porque ela caminha ao nosso lado. Há nela o desvelar do que é superfluo e a revelação da verdade. ( óbvio que ele falava de Beethoven, e eu não sei se um funk de 2023 fala algo que não seja temporal e espacial ). ------------------- Schopenhauer amava a filosofia hindu e na sua ideia de essencia há muito de budismo. Tendo vivido no tempo de Goethe e de Beethoven, o filósofo encontrou fama apenas nos últimos dez anos de sua vida. Ele abriu caminho para a segunda onda do romantismo e deu espaço para a hiper valorização do músico como artista maior ( após sua morte teríamos o advento de Wagner e de Liszt ). Para encerrar, se voce pensa em ler Schopenhauer, aviso que como a maioria dos filódofos, sua escrita não é artística, portanto não agradável. Mas vale à pena. O fato de 2023 evitar sua leitura mostra o quanto este nosso tempo procura viver na aparência e jamais na essência.
VOLTAIRE E A ÚNICA LIBERDADE QUE MERECE ESSE NOME
" Posso não concordar com nada do que voce diz, mas morrerei defendendo seu direito de dizer o que voce quiser". Essa frase é de Voltaire e é a definição de liberdade de opinião. Não há como relativizar isso, quem o fizer estará assumindo a posição de censor. É iluminismo, a filosofia que construiu o modo de ser do ocidente por 200 anos. O fato de um ministro se dizer iluminista e ao mesmo tempo censurar 15 deputados faz dele um cínico. Ou algo pior, um fascista. Mal caráter ao extremo, ele usa o rótulo de Voltaire para iludir os asnos. Mas mesmo sendo um crápula, ele tem todo o direito de falar as besteiras podres que quiser. O que não pode é fazer calar, pois assim ele destroi a liberdade, e pior ainda, compromete todo o acordo social. ----------------- Eu me sinto ofendido ao ser diariamente chamado de nazista, mas nunca disse um CALA A BOCA. Para idiotices voce tem duas escolhas: as ignora ou argumenta exibindo a verdade. Cabe ao opositor aceitar a informação ou negar. Isso é a civilidade que empurra a sociedade para a luz. Iluminismo: ouvir cada opinião e tirar daí uma ideia. 99% será lixo, mas voce saberá em que estado as pessoas estão e concluirá qual a ideia menos idiota. Fatos, ações, consequências, esses são os sinais da verdade. A censura interrompe o diálogo, nega a descoberta ( todo censor teme algo a ser iluminado, por isso corta o caminho, interrompe a averiguação ). O censor se torna A VERDADE, o que é sempre um absurdo pois não há como uma pessoa ser depositário de toda a verdade. Quem se submete à isso se torna uma criança, um autômato que recebe na boca sua ração diária de pseudo verdades. Voltaire aceitava toda opinião, mesmo as criminosas como as de Sade, porque sabia que não há como Saber se negando parte da realidade. Freud levou isso adiante ao afirmar que a censura interna nos faz doentes. Uma sociedade censurada é sempre doente. Psicoses sociais irrompem. Sem parar. --------------------- Os mais maldosos dizem que se deve calar as vozes que são contra a liberdade. E então, se dando um poder absoluto, dizem defender a liberdade interrompendo a liberdade. É um paradoxo ridículo e bastante medíocre, intelectualmente de uma pobreza atroz. Uma desculpa para o SADISMO DA CENSURA. Sim, pois em todo cala a boca há um desejo sádico de poder. E acima de tudo o pavor da verdade. Pessoas que são contra a liberdade têm todo o direito de ser contra a liberdade. Não há crime em se pensar diferente, em se falar besteiras, em se expressar. Reprimidas, Freud outra vez, elas não deixam de existir, se tornam terror. ---------------- A internet trouxe a possibilidade, rica, humana, de se exibir toda opinião. Isso apavorou a imprensa, dona da verdade desde sempre. Mas também facilitou a censura, pois bloquear uma pessoa na rede é muito mais fácil que nas ruas. O ostracismo é não ter rede social, antes era ser preso ou exilado. Volto a dizer, temos mais de 15 deputados censurados e exilados das redes. Seu crime foi criticar, com palavras, uma pessoa, o censor. Sem julgamento, sem acesso aos autos, sem chance de defesa, foram CENSURADOS por aquele que acusam de ser um CENSOR. Sim, o Brasil é uma republiqueta latino americana. Se a acusação deles era mentirosa, acaba de ser validada. Seria supremamente educativo um debate sobre a verdade e a mentira, um julgamento, ouvir as partes, mas o que se viu foi um: CALE SUA BOCA. Fim. E ao final, um censor ousa dizer ser ILUMINISTA. Voltaire teria muito o que dizer. Exilado na Inglaterra, claro. ---------------------- É um absurdo se enfiar um crucifixo na vagina. Mas jamais me passou pela cabeça pedir a censura à isso. O que posso, e devo fazer, é mostrar o quanto isso é MAU, incivilizado, injusto e ofensivo. Desrespeitoso e preconceituoso. Há nesse ato obsceno a chance de afirmar e defender minha fé. Um cala a boca nada resolve. Nega o problema. Mas este é um pensamento sofisticado demais para censores bananeiros. Ou pior, para bandidos fantasiados de "gente fina".
ATRAVÉS DE UM ESPELHO - BERGMAN E SEU DEMÔNIO
Filme de 1961. Temos Harriet Andersson. Que não é mais a menina de Monika e o Desejo. E nem mais o monstro sensual dos anos 50. Aqui ela consegue parecer pesada, densa, terrivelmente grave. O resto do elenco tem Max Von Sydow, como um frio e ao mesmo tempo perdido professor. Gunnar Bjorstrand é o pai, e o filme é dele. Há ainda Lars Passgard, ator que não se firmou na trupe de Bergman, como o irmão de Harriet. Gunnar esteve em quase todos os filmes dos anos 50 do diretor sueco. Este filme, que começa com cello de Bach e imagens de um mar cinzento em uma ilha vazia, fala de loucura. ----------------- Desde a algum tempo nos acostumamos a ver artistas ateus ignorarem Deus. Infantis, eles negam sua existência como ideia central da nossa civilização. Crianças negam aquilo que não entendem. Acreditam que fechando os olhos para uma coisa, ela deixa de existir. Por isso estranhamos que um ateu como Bergman se ocupe tanto com Deus. Ele não crê, mas não nega sua importância. Ele, adulto que é, O discute. ------------------- Harriet acabou de sair de uma clínica. E volta a enlouquecer. Vemos momento a momento sua agonia. E ao mesmo tempo, a reação da família. O marido que tenta manter a cabeça no lugar. O pai que covardemente se afasta. E o irmão, que afunda no sofrimento do amor pela irmã. Em um quarto abandonado, ela começa a ter contato com alguma coisa. Algo que vive por detrás das paredes. ( Fosse um filme de 2021, essa entidade seria um ser de outra dimensão. Nós substituimos Deus por um ET. Tudo para parecer mais cinetífico ). Ao fim do filme ela vê essa entidade e enlouquece. Um helicóptero vem a levar embora. ---------------- Uma aranha. Deus é como uma aranha. O rosto impassível. Os olhos frios e impessoais. A vida é sua teia. Somos aqueles que cairam nela. Horror absoluto. ---------------- O filme está longe de ser perfeito. Há algumas cenas que soam artificiais, forçadas. Mas é uma obra prima. A cena dentro do barco, a barriga da Baleia de Jonas, é uma das coisas mais belas e fortes já filmadas. O desamparo de quem viu Deus. E encontrou Nele nada do que esperava. --------------- Após a partida da filha, o pai e o filho conversam junto a uma janela. Afinal, Deus existe? O pai, numa fala artificial, porém de beleza sublime, diz que o amor que sentimos é uma manifestação da existência de Deus. Que o amor é Deus afinal. O pai parte e o filho, sozinho, diz: EU FALEI COM MEU PAI. Para quem como eu, viveu uma relação de amor profundo e odio ferino com seu pai, essa é uma das mais comoventes falas de toda a história do cinema. Bergman criou todo o filme para essa fala final. A obra se trata disso: dois filhos a procura do pai que sempre se faz ausente. -------------- Desde Freud o valor da mãe tem sido hiper valorizado e nesse processo, o pai foi posto de lado. Se tornou um tipo de ator coadjuvante, um São José apagado diante de Maria. Mas, pelo menos para os meninos, a relação pai e filho é crucial para qualquer chance de alegria e saúde mental. A tragédia de nosso tempo é a ausência do pai, seja ele Deus, pai biológico ou avô. O guia, o protetor, o heroi, o aglutinador. E também o rival declarado, o excitador de vontades, o ponto a ser superado. Sem o pai há um vacuo, vazio a ser preenchido por qualquer coisa. Inclusive uma aranha. ------------------ Só alguém que chegou perto da loucura escreve algo assim. Minha teoria boba de que Bergman nunca sofreu como sua arte nos faz crer, cai por terra. Sim, ele esteve perto da aranha horror. E saiu para nos dizer que FALOU COM SEU PAI. Abraço meu travesseiro e choro sem pudor algum. Nobreza nada mais é que dizer, sozinho e sem testemunhas, perdão meu pai. Onde voce está? Que falta voce me faz. Salve-me. Salve-me. Salve-me. Este filme é uma missa solene. Por isso Bach. Harriet é o médium e seu irmão, um anjo. O marido é um homem comum. E o pai...ah o pai....é o deus que foge, que nos escapa, que se vai. Se isto não é uma obra prima elas não existem.
O CASTELO MAL ASSOMBRADO E OUTROS CONTOS - E.T.A. HOFFMANN. O PONTO MÁXIMO DO ROMANTISMO.
Ao contrário do que muitos pensam, existem pouquíssimos filmes genuinamente românticos. Um dos motivos é que a alma romântica é
acima de tudo, solitária, e o cinema é a mais socializante das artes. Milhões de filmes falam de amor, ou são góticos, ou falam de uma
vida romântica, mas muito raros são aqueles que são feitos dentro de um espírito romântico. O Atalante é o maior exemplo dentre todos.
Michael Powell fez um filme chave chamado OS CONTOS DE HOFFMANN, baseado o roteiro numa ópera de Offenbach que por sua vez se baseia no
autor alemão. Vejam o filme se quiserem entrar no clima. Powell consegue parecer romântico. Não só nesse como em The Red Shoes.
Der Sandmann é o primeiro conto do livro. Freud tinha fixação por esse conto. O vienense dizia estar no conto a primeira discrição consciente
de uma neurose. Hoffmann fora o primeiro homem, antes do próprio Freud, a entender que fantasmas, medos súbitos, loucura, histeria, não eram
manifestações de fora, mas sim criações de estados mentais. O horror não era uma ação externa, nem um ato da natureza, era reflexo daquilo que
vivia dentro de nossa alma. Sandmann fala de um homem que tem toda sua vida destruída pelo medo do Homem de Areia. Ele crê desde criança nesse
homem do mal, e assim faz com que para ele o Sandmann seja real. Hoffmann é grande escritor e nos deixa sem saber se o advogado era de fato o
mal ou se o pobre personagem é que o via como tal.
Hoffmann além de escritor foi músico e pintor, e foi ele quem chamou a atenção da Europa para a genialidade de Beethoven. Mas seu ídolo era
Mozart, e temos dois contos sobre música. Em um deles há a aparição de um fantasma durante uma apresentação do Don Giovanni. No outro é a própria
música que surge como algo do além.
O último e mais longo conto é o que dá nome ao livro. Engenhoso e sempre irônico, Hoffmann mostra o crime como desencadeador de maldições sem fim.
Sua influência sobre Poe é imensa. Mas Hoffmann é bem melhor. Poe parece sempre apressado e às vezes se repete. Hoffmann escreve bem.
Otto Maria Carpeaux na sua HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL coloca Hoffmann nas alturas. Para ele foi o alemão quem criou o romantismo em prosa. Deu
nascimento a Walter Scott e Gogol. Li-o com grande prazer. Quero mais.
FREUD EDIPIANO: ÚLTIMA AULA DO CURSO SOBRE.
O professor conta para a sala, mais de 50 pessoas, hipnotizadas, a história do mito de Édipo. E percebo como deveria ser mágica a época em que bons narradores contavam histórias de forma oral, ao lado do fogo ou à beira do rio. O foco da história: Édipo como alguém que faz perguntas, alguém que quer saber. ( Evito dizer à sala que minha visão do mito é a de que ele mata o pai= Deus, e esposa a mãe=ciência, e isso leva à sua cegueira; ou então o pai como Deus e a mãe como a natureza física ).
Tirando o foco do escândalo, o professor nos leva às 3 fases de uma criança: o tempo do "o quê é isso?", depois o por quê, e afinal o não avassalador. Mas, filosofa natural como toda criança é, quando ela pergunta o quê é o mar, não é ao mar físico que ela se refere, mas sim o quê significa o mar. Ele é água e sal, e tem peixes, mas daí vem a questão: "por quê ele existe?". Lembro bem que minhas questões, aos 3 anos, eram básicas: De onde vim, onde eu estava antes de vir, para onde eu ia, e principalmente: Se o amor de meus pais por mim seria eterno.
Segundo o professor, essas questões são comuns à todas as crianças em certa época de suas vidas. E em certo momento todas elas são respondidas com o Não. Você não poderá ter o amor de seus pais para sempre, você nunca terá certeza de nada, e há coisas que voce jamais saberá. É esse Não que formula a lei da civilização e é esse Não que dá sentido à procura. Mas...
Vivemos em um tempo que odeia o Não. Achamos que todo não é arbitrário e que tudo pode se tornar sim. Não aceitamos o impossível. Não aceitamos aquilo que não tem cura, não tem solução, não pode ser vencido. Nem a morte aceitamos mais. Pior, mesmo a fase do Por Quê tem sido asfixiada. Nas redes sociais, na mídia, nas conversas, ninguém mais pergunta o por quê das coisas, o que se deseja é saber o quê é. Pontos de afirmação e nunca interrogações. A civilização, no seu geral, e mais que todos o Brasil, está ancorado na fase dos 12-16 meses de idade: "Quê é isso?", sem conseguir ou desejar alcançar o "Por quê isso?".
Quanto as escolas...Bem, o necessário seria dizer aos alunos Por Quê é importante ir à escola. E NUNCA responder com coisas que nada significam, tipo: Porque precisa, Porque vai ser útil, Porque um dia voce vai entender. Jovens não se importam com aquilo que não tem valor existencial. A matemática terá valor se ela fizer sentido para sua vida e não se ela for apenas útil. O utilitarismo da escola mata o sentido que ela pode ter. Ou deveria ter.
Saber tudo o que aqui foi dito nada tem de útil.
Mas faz todo o sentido para mim.
Tirando o foco do escândalo, o professor nos leva às 3 fases de uma criança: o tempo do "o quê é isso?", depois o por quê, e afinal o não avassalador. Mas, filosofa natural como toda criança é, quando ela pergunta o quê é o mar, não é ao mar físico que ela se refere, mas sim o quê significa o mar. Ele é água e sal, e tem peixes, mas daí vem a questão: "por quê ele existe?". Lembro bem que minhas questões, aos 3 anos, eram básicas: De onde vim, onde eu estava antes de vir, para onde eu ia, e principalmente: Se o amor de meus pais por mim seria eterno.
Segundo o professor, essas questões são comuns à todas as crianças em certa época de suas vidas. E em certo momento todas elas são respondidas com o Não. Você não poderá ter o amor de seus pais para sempre, você nunca terá certeza de nada, e há coisas que voce jamais saberá. É esse Não que formula a lei da civilização e é esse Não que dá sentido à procura. Mas...
Vivemos em um tempo que odeia o Não. Achamos que todo não é arbitrário e que tudo pode se tornar sim. Não aceitamos o impossível. Não aceitamos aquilo que não tem cura, não tem solução, não pode ser vencido. Nem a morte aceitamos mais. Pior, mesmo a fase do Por Quê tem sido asfixiada. Nas redes sociais, na mídia, nas conversas, ninguém mais pergunta o por quê das coisas, o que se deseja é saber o quê é. Pontos de afirmação e nunca interrogações. A civilização, no seu geral, e mais que todos o Brasil, está ancorado na fase dos 12-16 meses de idade: "Quê é isso?", sem conseguir ou desejar alcançar o "Por quê isso?".
Quanto as escolas...Bem, o necessário seria dizer aos alunos Por Quê é importante ir à escola. E NUNCA responder com coisas que nada significam, tipo: Porque precisa, Porque vai ser útil, Porque um dia voce vai entender. Jovens não se importam com aquilo que não tem valor existencial. A matemática terá valor se ela fizer sentido para sua vida e não se ela for apenas útil. O utilitarismo da escola mata o sentido que ela pode ter. Ou deveria ter.
Saber tudo o que aqui foi dito nada tem de útil.
Mas faz todo o sentido para mim.
UMA AULA SOBRE FREUD QUE HABILITA FREUD PARA MIM ( SE É QUE FREUD FOI ASSIM ).
Vamos direto ao ponto: Nossos instintos estão relegados à simples função vegetativa. Nossos olhos piscam, nosso estômago digere, nosso coração dispara ao sentir medo. E então, falemos do medo. O medo é instintivo a qualquer animal. E quando se sente medo ou se foge ou se ataca. Mas não o homem. Nosso medo precisa ter um porque, precisa ser entendido, combatido e refletido. Então não será mais um instinto, será uma série de narrativas, uma história. O homem é então o único animal que transformou o instinto em palavras. Não se sente medo, se sente medo "de algo", "de um certo modo" e "porque tal coisa representa tal perigo". Conheço bem o medo, não o escolhi à toa. Quando vivenciei o medo sem porque, puro instinto solto, só voltei a sossegar ao saber o porque e o como desse medo "irracional".
O homem não nega o instinto. Ele simplesmente o perdeu. Na verdade amamos o instinto, idealizamos a vida instintiva, usamos a palavra a toda hora, mas eles foram educados, racionalizados, contidos, e quando as palavras, a razão toma o instinto, ele morre.
Um aluno pergunta se a linguagem não seria "instintiva". Não, pois instinto não se aprende, e o bebê aprende a falar. ( Instinto é aquilo que não se aprende, que não varia em tempo e lugar, que é comum a todos os homens em qualquer tempo, e que se faz sempre do mesmo modo, sem evolução ou variação. Por exemplo, todo leão caça do mesmo modo, todo lobo vive na mesma ordem social, todo elefante cria os filhos do mesmo modo, todo gato mia nas mesmas situações, não importa se em 500ac ou 2017, todos fazem tudo sempre do mesmo modo ).
Outro aluno pergunta se os bichos seriam felizes. A resposta é que se ser feliz é viver de acordo com seu sistema vegetativo, sim, animais são plenamente adaptados e felizes, DESDE QUE não tenham contato com humanos, pois nós reprimimos seus instintos.
Ver um gato dormir, um sabiá comer, um tigre caçar, é ver um ser plenamente livre, em uso completo de tudo aquilo que ele é. Um homem jamais terá essa chance, pois ele dorme pensando, come sonhando com outros planos ou desejos e não caça, e se o fizesse teria montes de vontades e medos misturados ao ato. Nunca somos plenos, pelo simples fato de que pensamos.
Mas esse fato é inescapável, portanto, podemos viver razoavelmente bem apenas pelo uso das palavras. Se somos "amaldiçoados" pelo conhecimento, é esse conhecimento nossa maior arma. O que nos tirou do Eden é ao mesmo tempo nossa salvação.
Mas há um fato que se sobressai cada vez mais: nossos instintos, tão fracos, precisam cada vez mais de motivação-pulsão. Comer precisa de variedade, temperos, novidades; o sexo precisa de aditivos, rotatividade, brinquedos, clima; e o próprio instinto de viver e de sobreviver passa a necessitar de motivações, metas e respostas. O sexo instintivo não requer troca de parceiro, ou climas ou imagens; idem para a fome ou a vontade de viver. O instinto requer satisfação simples, e se possível sem variação. Um leão será feliz com a mesma carne por toda a vida e um boi cruzará com qualquer vaca. Mas o homem, com seu instinto fraco-domesticado-mudo ( instinto não fala ), precisa de pimenta e de erotismo.
As palavras nos levaram ao paradoxo do suicídio, à anorexia, ao tédio e a depressão. O paradoxo de querer morrer, de recusar comida, de sentir vazio perante o universo e a não sentir desejo cercado por coisas que se desejou.
A linguagem fez de nós ETs em nosso mundo e estrangeiros em nosso corpo. A minhoca em seu jardim está em casa. Completamente em casa. Já nós, quando dizemos "casa", criamos um conceito de "casa", e perdemos essa "casa" para sempre.
Nosso mundo é feito de palavras. E por isso voce está aqui e nunca ali.
O homem não nega o instinto. Ele simplesmente o perdeu. Na verdade amamos o instinto, idealizamos a vida instintiva, usamos a palavra a toda hora, mas eles foram educados, racionalizados, contidos, e quando as palavras, a razão toma o instinto, ele morre.
Um aluno pergunta se a linguagem não seria "instintiva". Não, pois instinto não se aprende, e o bebê aprende a falar. ( Instinto é aquilo que não se aprende, que não varia em tempo e lugar, que é comum a todos os homens em qualquer tempo, e que se faz sempre do mesmo modo, sem evolução ou variação. Por exemplo, todo leão caça do mesmo modo, todo lobo vive na mesma ordem social, todo elefante cria os filhos do mesmo modo, todo gato mia nas mesmas situações, não importa se em 500ac ou 2017, todos fazem tudo sempre do mesmo modo ).
Outro aluno pergunta se os bichos seriam felizes. A resposta é que se ser feliz é viver de acordo com seu sistema vegetativo, sim, animais são plenamente adaptados e felizes, DESDE QUE não tenham contato com humanos, pois nós reprimimos seus instintos.
Ver um gato dormir, um sabiá comer, um tigre caçar, é ver um ser plenamente livre, em uso completo de tudo aquilo que ele é. Um homem jamais terá essa chance, pois ele dorme pensando, come sonhando com outros planos ou desejos e não caça, e se o fizesse teria montes de vontades e medos misturados ao ato. Nunca somos plenos, pelo simples fato de que pensamos.
Mas esse fato é inescapável, portanto, podemos viver razoavelmente bem apenas pelo uso das palavras. Se somos "amaldiçoados" pelo conhecimento, é esse conhecimento nossa maior arma. O que nos tirou do Eden é ao mesmo tempo nossa salvação.
Mas há um fato que se sobressai cada vez mais: nossos instintos, tão fracos, precisam cada vez mais de motivação-pulsão. Comer precisa de variedade, temperos, novidades; o sexo precisa de aditivos, rotatividade, brinquedos, clima; e o próprio instinto de viver e de sobreviver passa a necessitar de motivações, metas e respostas. O sexo instintivo não requer troca de parceiro, ou climas ou imagens; idem para a fome ou a vontade de viver. O instinto requer satisfação simples, e se possível sem variação. Um leão será feliz com a mesma carne por toda a vida e um boi cruzará com qualquer vaca. Mas o homem, com seu instinto fraco-domesticado-mudo ( instinto não fala ), precisa de pimenta e de erotismo.
As palavras nos levaram ao paradoxo do suicídio, à anorexia, ao tédio e a depressão. O paradoxo de querer morrer, de recusar comida, de sentir vazio perante o universo e a não sentir desejo cercado por coisas que se desejou.
A linguagem fez de nós ETs em nosso mundo e estrangeiros em nosso corpo. A minhoca em seu jardim está em casa. Completamente em casa. Já nós, quando dizemos "casa", criamos um conceito de "casa", e perdemos essa "casa" para sempre.
Nosso mundo é feito de palavras. E por isso voce está aqui e nunca ali.
CS LEWIS DIZ O QUE FOI A IDADE MÉDIA.
Contos e poemas fantásticos são uma parte da idade média. Assim como peças religiosas. O que Lewis destaca, em suas últimas aulas, é que o ponto central do pensamento medieval é o desejo de ordenar, catalogar, salva o universo. ( Salvar no sentido que hoje damos a "salvar um texto ou uma foto no arquivo de nosso computador ). Lewis diz que nenhuma invenção moderna deixaria o homem medieval mais feliz que a enciclopédia. Com sua ordem, índice e abrangência, ela pareceria ao medieval a realização suprema de um sonho.
O homem medieval amava o livro. E acreditava em tudo que estava escrito. Para ele, se estava num volume, era uma verdade. Mas esse homem conhecia textos que se negavam, que brigavam entre si, e daí vinha a vontade de os ordenar, de construir um pensamento, um sistema que os abrangesse, em ordem e sem conflito. Essa é a raiz de toda filosofia medieval, a ordem, a classificação, a criação de um tipo de sistema onde tudo se encaixa. Hierarquicamente.
Esse PANO DE FUNDO, preste atenção nessa frase, PANO DE FUNDO, criou a ordem heráldica para a guerra, criou o amor cortês para o sexo e toda a cerimônia da igreja para a religião. Um pano de fundo feito de ordem, ritos, deveres, costumes, a serem usados a fim de dar um sistema coeso àquilo que antes lhes parecia caótico.
A Divina Comédia é o ápice desse modo de pensamento, a transformação do além em um sistema ordenado, mecânico, coeso, infalível. Longe da ideia popular, de que o homem medieval era um tipo de beberrão infantil, ele era um amante de sistemas, um buscador de ordem, um construtor de catedrais.
PANO DE FUNDO. Lewis diz que se o pano de fundo de toda obra medieval é o sistema, no século XX é Freud. Toda obra traz as teorias de Freud como pano de fundo, como um tipo de cenário onde o drama acontece. Interessante ele observar, e acertar, que logo esse pano de fundo poderia ser trocado por Einstein. Ou seja, a relatividade e a ciência como pano de fundo às obras da arte e do pensamento.
Outro fato é que Lewis conta que toda grande obra vai contra esse pano de fundo. Desse modo, Freud seria destruído pelos grandes pensadores ou artistas, assim como os sistemas seriam corrompidos por Shakespeare após a idade média.
O homem medieval amava o livro. E acreditava em tudo que estava escrito. Para ele, se estava num volume, era uma verdade. Mas esse homem conhecia textos que se negavam, que brigavam entre si, e daí vinha a vontade de os ordenar, de construir um pensamento, um sistema que os abrangesse, em ordem e sem conflito. Essa é a raiz de toda filosofia medieval, a ordem, a classificação, a criação de um tipo de sistema onde tudo se encaixa. Hierarquicamente.
Esse PANO DE FUNDO, preste atenção nessa frase, PANO DE FUNDO, criou a ordem heráldica para a guerra, criou o amor cortês para o sexo e toda a cerimônia da igreja para a religião. Um pano de fundo feito de ordem, ritos, deveres, costumes, a serem usados a fim de dar um sistema coeso àquilo que antes lhes parecia caótico.
A Divina Comédia é o ápice desse modo de pensamento, a transformação do além em um sistema ordenado, mecânico, coeso, infalível. Longe da ideia popular, de que o homem medieval era um tipo de beberrão infantil, ele era um amante de sistemas, um buscador de ordem, um construtor de catedrais.
PANO DE FUNDO. Lewis diz que se o pano de fundo de toda obra medieval é o sistema, no século XX é Freud. Toda obra traz as teorias de Freud como pano de fundo, como um tipo de cenário onde o drama acontece. Interessante ele observar, e acertar, que logo esse pano de fundo poderia ser trocado por Einstein. Ou seja, a relatividade e a ciência como pano de fundo às obras da arte e do pensamento.
Outro fato é que Lewis conta que toda grande obra vai contra esse pano de fundo. Desse modo, Freud seria destruído pelos grandes pensadores ou artistas, assim como os sistemas seriam corrompidos por Shakespeare após a idade média.
HAMLET, FREUD E COUTINHO.
Vivemos num tempo sem tragédias. Temos dramas, temos azar, frustrações, mas não tragédias. Para a tragédia existir é preciso que existam deuses. É necessário o diálogo com algo de superior a voce mesmo, alguma coisa que lhe submeta. Se acima de nós existe apenas o vazio, não há tragédia, há apenas a solidão e o drama individual. Porque o trágico é uma dor que atinge todos nós. Na particularidade da tragédia individual reside a dor de todos. O drama é um drama. A tragédia é um símbolo universal. Dor comum. Comunitária.
Um escritor da Folha diz que Freud errou porque não há nenhuma narrativa na vida humana. Que ele ( Coutinho ), teve 4 psicanalistas, e com cada um deles a narrativa foi diferente. A vida é um acidente, a narrativa é uma ficção, sempre.
Coutinho acerta o alvo mas erra o caminho. Freud errou porque confundiu seu particular com o geral. Deu a sua vida a generalidade da verdade. Sua terapia é conversa entre amigos, apenas isso. Substituiu o pastor por um doutor. Igreja para ateus. Mas a narrativa existe, caro Coutinho. Várias narrativas e todas são válidas. Essa confusão não significa que elas sejam falsas. Elas são confusas, apenas. O próprio ato de existir sem narrativa já é um tipo de narrativa.
Andei revendo o Hamlet de Olivier. Uma narrativa, a de Hamlet, que não é a única possível. Um modo de agir, o de Hamlet, que é apenas um entre vários possíveis. Hamlet é uma virtualidade. E Olivier escolheu o viés freudiano, viés que era moda em 1948. Um caso edipiano. Assim, toda a grandiosidade cosmológica da peça é reduzida a fricotes familiares. O filme é bom porque a fotografia, os sets e a música são sublimes. Mas Olivier errou. Seu Hamlet é um drama e nunca uma tragédia.
Um escritor da Folha diz que Freud errou porque não há nenhuma narrativa na vida humana. Que ele ( Coutinho ), teve 4 psicanalistas, e com cada um deles a narrativa foi diferente. A vida é um acidente, a narrativa é uma ficção, sempre.
Coutinho acerta o alvo mas erra o caminho. Freud errou porque confundiu seu particular com o geral. Deu a sua vida a generalidade da verdade. Sua terapia é conversa entre amigos, apenas isso. Substituiu o pastor por um doutor. Igreja para ateus. Mas a narrativa existe, caro Coutinho. Várias narrativas e todas são válidas. Essa confusão não significa que elas sejam falsas. Elas são confusas, apenas. O próprio ato de existir sem narrativa já é um tipo de narrativa.
Andei revendo o Hamlet de Olivier. Uma narrativa, a de Hamlet, que não é a única possível. Um modo de agir, o de Hamlet, que é apenas um entre vários possíveis. Hamlet é uma virtualidade. E Olivier escolheu o viés freudiano, viés que era moda em 1948. Um caso edipiano. Assim, toda a grandiosidade cosmológica da peça é reduzida a fricotes familiares. O filme é bom porque a fotografia, os sets e a música são sublimes. Mas Olivier errou. Seu Hamlet é um drama e nunca uma tragédia.
O MACACO MUTANTE
Ando lendo algumas coisas sobre a origem do homem. Como tudo que se propõe a ser científico, nenhuma conclusão é tirada, e observo que todas as descobertas podem ser ficções, meros desejos transformados em pistas. Mas, se tratados como boa ficção, as tais descobertas são inspiradoras. E é para isso que leio ciência, e tenho lido muito, para aumentar minha criatividade. Essas descobertas, que são na verdade criações, aumentam a percepção de nossa própria invenção. Foi assim com Freud em 1900, é assim com a física quântica hoje; eles abrem possibilidades de novos modos de narrar. E isso, ao contrário do que deseja a ciência, nada tem a ver com a "verdade". São "verdades", outras verdades.
O símio que viria a ser o homem teria se originado de uma única tribo africana. O que faria de nós todos um tipo de família. As uniões entre irmãos, primos e afins fez com que muitas mutações dessem em nada, mas algumas foram uteis e passaram a ser encorajadas. Essa tribo migrou para onde hoje é a Europa, e na região da atual Hungria, teve um salto evolutivo súbito. A linguagem simbólica passa a ser utilizada. Logo surge a palavra. E com ela o que conhecemos como modo humano de pensar. Essa tribo africana, que agora é europeia, convive com os neandertais, mais toscos, e que desaparecem a seguir. Os homo sapiens se espalham pela Asia, e o resto todos sabem.
Muito bacana né. Mas porque houve a escolha ninguém explica. Como mutações foram encorajadas se símios mal sabem o que seja "escolher". O que provocou esse súbito salto que fez com que de repente os ainda amacacados passassem a pensar em termos de futuro, passado, escolhas, representações simbólicas, vida e morte, religião e arte... E, o mais perturbador, por que essa coisa de se colocar a Europa como centro do salto simbólico...
Na realidade acho tudo mera aposta, apenas isso. O que me atrai é entrar dentro da ficção e como se tudo isso fosse um romance, aceitar esse mundo e passar a lidar com ele. Então vamos lá:
Dentro dessa tribo, não mais que 500 macacos, um nasceu por acaso com forte propensão ao isolamento, outro era hiper agressivo, e uma tinha as mãos deformadas. Desses mutantes sobreviventes se originaram aquilo que chamaríamos de artistas, filósofos e inventores. A história humana se confunde então com algo não muito mais sofisticado que os X Men ou os bruxos de Harry Potter. Legal isso né não...
Um Ser criador, que fabricou um ser original que deu origem ao homem, e que por seu erro nos fez piores do que poderíamos ter sido, me parece algo bem mais sofisticado ou no mínimo tão crível quanto a tribo mutante africana. Mas se eu endossar esse Ser serei chamado por meus colegas de mais um "mero crente", enquanto que se eu endossar a hipótese do macaco mutante ou do ET emigrante serei muito mais estimulado. Coisas do século XXI, o século sem vergonha onde tudo pode ser levado a sério desde que pareça NOVO.
Mas é uma bela e estimulante ficção essa coisa do X Monkey!
O símio que viria a ser o homem teria se originado de uma única tribo africana. O que faria de nós todos um tipo de família. As uniões entre irmãos, primos e afins fez com que muitas mutações dessem em nada, mas algumas foram uteis e passaram a ser encorajadas. Essa tribo migrou para onde hoje é a Europa, e na região da atual Hungria, teve um salto evolutivo súbito. A linguagem simbólica passa a ser utilizada. Logo surge a palavra. E com ela o que conhecemos como modo humano de pensar. Essa tribo africana, que agora é europeia, convive com os neandertais, mais toscos, e que desaparecem a seguir. Os homo sapiens se espalham pela Asia, e o resto todos sabem.
Muito bacana né. Mas porque houve a escolha ninguém explica. Como mutações foram encorajadas se símios mal sabem o que seja "escolher". O que provocou esse súbito salto que fez com que de repente os ainda amacacados passassem a pensar em termos de futuro, passado, escolhas, representações simbólicas, vida e morte, religião e arte... E, o mais perturbador, por que essa coisa de se colocar a Europa como centro do salto simbólico...
Na realidade acho tudo mera aposta, apenas isso. O que me atrai é entrar dentro da ficção e como se tudo isso fosse um romance, aceitar esse mundo e passar a lidar com ele. Então vamos lá:
Dentro dessa tribo, não mais que 500 macacos, um nasceu por acaso com forte propensão ao isolamento, outro era hiper agressivo, e uma tinha as mãos deformadas. Desses mutantes sobreviventes se originaram aquilo que chamaríamos de artistas, filósofos e inventores. A história humana se confunde então com algo não muito mais sofisticado que os X Men ou os bruxos de Harry Potter. Legal isso né não...
Um Ser criador, que fabricou um ser original que deu origem ao homem, e que por seu erro nos fez piores do que poderíamos ter sido, me parece algo bem mais sofisticado ou no mínimo tão crível quanto a tribo mutante africana. Mas se eu endossar esse Ser serei chamado por meus colegas de mais um "mero crente", enquanto que se eu endossar a hipótese do macaco mutante ou do ET emigrante serei muito mais estimulado. Coisas do século XXI, o século sem vergonha onde tudo pode ser levado a sério desde que pareça NOVO.
Mas é uma bela e estimulante ficção essa coisa do X Monkey!
CRÍTICA LITERÁRIA FREUDIANA, UMA AULA LINDA.
Uma aula soberba sobre crítica literária. O professor, o mais enciclopédico possível, nos dá uma visão do modo psicanalítico de se analisar a literatura. Para tanto, ele nos traduz termos germânicos, conta fatos da vida de Freud, e exemplifica as interpretações que o homem de Viena dava a certos autores.
A aula é fascinante e percebo, com alegria, que superei a muito essa visão empobrecedora freudiana. Sigmund foi um grande cara. Mas seus problemas emocionais ( uma resistência doentia em baixar a guarda e aceitar os limites da razão ), além de um narcisismo que via em todos um espelho de si-mesmo, fizeram de suas teorias uma espécie de consolo racional explicativo para todos aqueles que temem a vida. Ele dá farrapos de teorias jamais provadas, joga hipóteses maravilhosamente bem engendradas, pílulas de liberdade redutora para os que morrem de pavor do não-explicável.
Fã extremado de Goethe, ele sonhava em ser o titã do século XX. E ao mesmo tempo invejava Goethe por ser tão "alemão". De tudo que o professor disse, destaco dois temas dentre vários.
Freud achava que o impulso criativo nascia de um sofrimento. A dor fazia com que um homem criasse. Essa é uma visão assustadoramente não-imaginativa. Freud tinha uma bela imaginação, mas ele acreditava que sua imaginação era a verdade. Pensava então que esse mistério, a arte, era um tipo de compensação. Incrível ele ter escrito tamanha tolice. Existem artistas felizes assim como existem infelizes que trabalham em banco. Glamurizar a tristeza é jogo feito por todos, artistas ou não. Há artistas que são absolutamente livres, há pessoas reprimidas que não criam arte ou fantasias. Difícil comentar uma teoria tão pobre.
Pior é a teoria do "medo de ser enterrado vivo". Essa neura, que atacou Poe, Kafka e Chopin, dá ao sofredor a obsessão de se imaginar enterrado e acordando no caixão. Um pavor imenso. Freud dizia que isso era o medo de voltar ao útero, o medo de estar vivo num buraco....como diria Francis: Well....
Existe uma outra tentativa de explicação que conto aqui:
O medo de ser enterrado vivo é, lógico, medo de ser colocado dentro da Terra. Paralisado num caixão, no escuro, você não pode fugir, está numa armadilha. Escuro é contrário a luz, luz é sinônimo de razão, estar no escuro, preso, é como perder sua luz e sua liberdade, ou seja, a razão. Medo que nasce em pessoas que não aceitam sua condição terrestre, essa neurose joga na mente da pessoa a surpresa de se ver como é: terrestre, limitado, preso na vida que nasce do chão, joguete nas mãos do destino, falível.
Contrária da volta ao útero, essa fobia é medo do futuro e do presente, sentir-se preso a sua condição amarrada, no escuro dos instintos. Nada de mamãe. Nada de infância. O contrário disso.
Quero deixar claro que o professor falou, e muito, sobre as teorias de Sigmund e não a criticou, a crítica é minha. A aula era sobre teoria freudiana e não sobre crítica à essa teoria.
Ele nos falou ainda sobre um sonho de Da Vinci, em que através dele Freud chega a conclusão de que ele era gay. E também uma lembrança de Goethe, em que lendo esse texto Freud descobre ser Goethe muito amado pela mãe. O doutor se via quase como um deus. Descobrir tudo sobre alguém que você nunca viu, analisar uma personalidade inteira via um simples fragmento escrito ( Freud nunca leva em conta a mentira da criação ), é mais que uma análise, é um milagre! Da Vinci era um tipo de rival de Freud, um gênio que queria saber tudo, e o vienense o desqualifica numa visão preconceituosa. E Goethe era sua anima, ele luta para ver coincidências entre os dois.
Muito divertida essa aula.
PS: Dedico este texto a meu amigo Léo.
A aula é fascinante e percebo, com alegria, que superei a muito essa visão empobrecedora freudiana. Sigmund foi um grande cara. Mas seus problemas emocionais ( uma resistência doentia em baixar a guarda e aceitar os limites da razão ), além de um narcisismo que via em todos um espelho de si-mesmo, fizeram de suas teorias uma espécie de consolo racional explicativo para todos aqueles que temem a vida. Ele dá farrapos de teorias jamais provadas, joga hipóteses maravilhosamente bem engendradas, pílulas de liberdade redutora para os que morrem de pavor do não-explicável.
Fã extremado de Goethe, ele sonhava em ser o titã do século XX. E ao mesmo tempo invejava Goethe por ser tão "alemão". De tudo que o professor disse, destaco dois temas dentre vários.
Freud achava que o impulso criativo nascia de um sofrimento. A dor fazia com que um homem criasse. Essa é uma visão assustadoramente não-imaginativa. Freud tinha uma bela imaginação, mas ele acreditava que sua imaginação era a verdade. Pensava então que esse mistério, a arte, era um tipo de compensação. Incrível ele ter escrito tamanha tolice. Existem artistas felizes assim como existem infelizes que trabalham em banco. Glamurizar a tristeza é jogo feito por todos, artistas ou não. Há artistas que são absolutamente livres, há pessoas reprimidas que não criam arte ou fantasias. Difícil comentar uma teoria tão pobre.
Pior é a teoria do "medo de ser enterrado vivo". Essa neura, que atacou Poe, Kafka e Chopin, dá ao sofredor a obsessão de se imaginar enterrado e acordando no caixão. Um pavor imenso. Freud dizia que isso era o medo de voltar ao útero, o medo de estar vivo num buraco....como diria Francis: Well....
Existe uma outra tentativa de explicação que conto aqui:
O medo de ser enterrado vivo é, lógico, medo de ser colocado dentro da Terra. Paralisado num caixão, no escuro, você não pode fugir, está numa armadilha. Escuro é contrário a luz, luz é sinônimo de razão, estar no escuro, preso, é como perder sua luz e sua liberdade, ou seja, a razão. Medo que nasce em pessoas que não aceitam sua condição terrestre, essa neurose joga na mente da pessoa a surpresa de se ver como é: terrestre, limitado, preso na vida que nasce do chão, joguete nas mãos do destino, falível.
Contrária da volta ao útero, essa fobia é medo do futuro e do presente, sentir-se preso a sua condição amarrada, no escuro dos instintos. Nada de mamãe. Nada de infância. O contrário disso.
Quero deixar claro que o professor falou, e muito, sobre as teorias de Sigmund e não a criticou, a crítica é minha. A aula era sobre teoria freudiana e não sobre crítica à essa teoria.
Ele nos falou ainda sobre um sonho de Da Vinci, em que através dele Freud chega a conclusão de que ele era gay. E também uma lembrança de Goethe, em que lendo esse texto Freud descobre ser Goethe muito amado pela mãe. O doutor se via quase como um deus. Descobrir tudo sobre alguém que você nunca viu, analisar uma personalidade inteira via um simples fragmento escrito ( Freud nunca leva em conta a mentira da criação ), é mais que uma análise, é um milagre! Da Vinci era um tipo de rival de Freud, um gênio que queria saber tudo, e o vienense o desqualifica numa visão preconceituosa. E Goethe era sua anima, ele luta para ver coincidências entre os dois.
Muito divertida essa aula.
PS: Dedico este texto a meu amigo Léo.
PSICOLOGIA E ALQUIMIA- CARL GUSTAV JUNG, NEM TANTO EXOTÉRICO ASSIM...
Quando nossa razão se depara com alguma coisa irracional o medo nasce. E se essa irrazão não for logo domesticada e diminuída, para caber dentro de alguma gaveta classificatória, o medo vira pavor. Para lidar com a falta de razão da vida, alguns criam toda uma filosofia, outros mergulham numa religião e há quem se arvore dono da verdade última. O absurdo é que nossa inteligência tem limites óbvios e a vida escapa.
Para lidar com o irracional Freud inventou toda uma rede de teorias e de postulados sem nenhuma chance de verificação empírica. Sua dificuldade em aceitar a validade da fé fez com que ele desse o nome de ciência a algo que nada tem de científico, antes sendo uma igreja. A psicanálise só pode funcionar se o paciente tiver fé na teoria e no pastor. Deverá se agarrar aos dois como um crente confia em seu pastor. Vendo de fora, nada prova a existência de complexo de Ëdipo, castração ou transferência. Espero que os doutores tenham desenvolvido e ido muito além da dupla Freud-Lacan. Do modo como eles postularam a coisa é pura vaidade pseudo-científica.
O mesmo acontece com Jung. Sua teoria irá agradar a quem tiver a pré-disposição de o aceitar. Meu espírito ama o artístico, para esse tipo de gosto, Jung cai melhor que Freud, que nada entendia de criatividade. Mas nada no que ele escreve pode ser provado, então se dá o mesmo, tudo passa a ser uma questão de fé. Talvez a vantagem sobre Freud é que para Jung fé não é um palavrão. A fé é positiva, real, e pode ser considerada em igualdade com a ciência. O melhor em Jung é que ele nunca nega o óbvio, que seja, Deus existe, mesmo sendo uma criação maravilhosa da mente universal. Deus deve então ser sempre considerado, seja na mente, nos costumes e na história. O cristianismo formou a nossa sociedade, o modo como damos valor as coisas, o modo como agimos e como percebemos a vida. Formou nossa sociedade em termos ideais, pois o paganismo sempre irrompe como a grande força visceral do homem.
Mas há um problema nisso tudo: o cristianismo jamais venceu o paganismo. Ser cristão sempre foi um ideal distante e a igreja, sabendo disso, da impossibilidade de se tornar cristão, espertamente, fez dois movimentos: simplificou e humanizou o cristianismo, e principalmente adaptou o impulso pagão a fé cristã.
O livro, árduo, pois Jung, e ele sabia disso, escreve mal, Freud é muito melhor escritor, postula que dentro de nosso ser existe esse inconsciente pagão. Simplificando Jung, eu diria que é como se houvesse uma zona escura, no centro de nós, onde o fato de eu ser Paulo, brasileiro, vivendo em 2014, nada importa. Essa zona negra, inconsciente geral e universal, igual em todos nós desde sempre e para sempre, não reconhece tempo e espaço. Nela o eu nada é. O conflito se faz aí: um eu que luta para ser racional, educado e ter um ser-si-mesmo, e o inconsciente, escuro, insondável e que irrompe em momentos de extremo pavor. Ou de fulgurante encanto.
Jung criou essa bela teoria observando símbolos comuns a todos os seres e todas as épocas. Costumes que se repetem, atos que se fazem sem um porque. Escrito antes da segunda-guerra, a teoria alcançaria popularidade máxima no pós-guerra. O nazismo, pagão e escuro, é a confirmação da teoria. Ou não.
E a alquimia nisso?
Alguns homens, antes filósofos, hoje artistas ou cientistas, sentem a proximidade do inconsciente. Vivem quase na fronteira. Para tentar entender o que os aflige, eles procuram penetrar e compreender essa área de sua alma. Alguns, talvez Blake, Dante, Picasso, conseguem entrar nessa região e retornar. Atente ao fato que não há como compartilhar essa experiência. Como falar de um mundo além do verbo?
Os alquimistas eram homens que tentavam encontrar a chave do inconsciente via ação manual, ambiente e trabalho árduo. Misturando sangue e mercúrio, fervendo e destilando, lendo e lendo e lendo, mergulhando cada vez mais em seu inconsciente, eles acabavam por ter visões: a transformação do chumbo em ouro, a visita de um unicórnio, um anjo, o elixir da luz escura. Por volta de 1700 a razão divide a mente humana: de um lado a ciência e de outro a irrazão. A alquimia passa a ser chalatanismo, magia para se ganhar dinheiro. ( Algo parecido com aquilo que se tornou a astrologia antes e a igreja agora ).
Recordo que aos 7 anos meu brinquedo favorito era um estojo de quimica. Eu me trancava no porão de casa e ficava todo o dia misturando cores. Vendo vapores. Sentindo cheiros. Meio tonto, a grande viagem da brincadeira não era tentar fazer aquilo que vinha no folheto de receitas do brinquedo, mas sim crer que seria possível criar um monstro, uma explosão ou uma coisa NOVA. Nesse movimento de mãos, mente e criatividade minha mente se deixava aumentar e a viagem começava: para dentro, sempre para dentro, em meu porão.
É isso. É mais ou menos isso.
Para lidar com o irracional Freud inventou toda uma rede de teorias e de postulados sem nenhuma chance de verificação empírica. Sua dificuldade em aceitar a validade da fé fez com que ele desse o nome de ciência a algo que nada tem de científico, antes sendo uma igreja. A psicanálise só pode funcionar se o paciente tiver fé na teoria e no pastor. Deverá se agarrar aos dois como um crente confia em seu pastor. Vendo de fora, nada prova a existência de complexo de Ëdipo, castração ou transferência. Espero que os doutores tenham desenvolvido e ido muito além da dupla Freud-Lacan. Do modo como eles postularam a coisa é pura vaidade pseudo-científica.
O mesmo acontece com Jung. Sua teoria irá agradar a quem tiver a pré-disposição de o aceitar. Meu espírito ama o artístico, para esse tipo de gosto, Jung cai melhor que Freud, que nada entendia de criatividade. Mas nada no que ele escreve pode ser provado, então se dá o mesmo, tudo passa a ser uma questão de fé. Talvez a vantagem sobre Freud é que para Jung fé não é um palavrão. A fé é positiva, real, e pode ser considerada em igualdade com a ciência. O melhor em Jung é que ele nunca nega o óbvio, que seja, Deus existe, mesmo sendo uma criação maravilhosa da mente universal. Deus deve então ser sempre considerado, seja na mente, nos costumes e na história. O cristianismo formou a nossa sociedade, o modo como damos valor as coisas, o modo como agimos e como percebemos a vida. Formou nossa sociedade em termos ideais, pois o paganismo sempre irrompe como a grande força visceral do homem.
Mas há um problema nisso tudo: o cristianismo jamais venceu o paganismo. Ser cristão sempre foi um ideal distante e a igreja, sabendo disso, da impossibilidade de se tornar cristão, espertamente, fez dois movimentos: simplificou e humanizou o cristianismo, e principalmente adaptou o impulso pagão a fé cristã.
O livro, árduo, pois Jung, e ele sabia disso, escreve mal, Freud é muito melhor escritor, postula que dentro de nosso ser existe esse inconsciente pagão. Simplificando Jung, eu diria que é como se houvesse uma zona escura, no centro de nós, onde o fato de eu ser Paulo, brasileiro, vivendo em 2014, nada importa. Essa zona negra, inconsciente geral e universal, igual em todos nós desde sempre e para sempre, não reconhece tempo e espaço. Nela o eu nada é. O conflito se faz aí: um eu que luta para ser racional, educado e ter um ser-si-mesmo, e o inconsciente, escuro, insondável e que irrompe em momentos de extremo pavor. Ou de fulgurante encanto.
Jung criou essa bela teoria observando símbolos comuns a todos os seres e todas as épocas. Costumes que se repetem, atos que se fazem sem um porque. Escrito antes da segunda-guerra, a teoria alcançaria popularidade máxima no pós-guerra. O nazismo, pagão e escuro, é a confirmação da teoria. Ou não.
E a alquimia nisso?
Alguns homens, antes filósofos, hoje artistas ou cientistas, sentem a proximidade do inconsciente. Vivem quase na fronteira. Para tentar entender o que os aflige, eles procuram penetrar e compreender essa área de sua alma. Alguns, talvez Blake, Dante, Picasso, conseguem entrar nessa região e retornar. Atente ao fato que não há como compartilhar essa experiência. Como falar de um mundo além do verbo?
Os alquimistas eram homens que tentavam encontrar a chave do inconsciente via ação manual, ambiente e trabalho árduo. Misturando sangue e mercúrio, fervendo e destilando, lendo e lendo e lendo, mergulhando cada vez mais em seu inconsciente, eles acabavam por ter visões: a transformação do chumbo em ouro, a visita de um unicórnio, um anjo, o elixir da luz escura. Por volta de 1700 a razão divide a mente humana: de um lado a ciência e de outro a irrazão. A alquimia passa a ser chalatanismo, magia para se ganhar dinheiro. ( Algo parecido com aquilo que se tornou a astrologia antes e a igreja agora ).
Recordo que aos 7 anos meu brinquedo favorito era um estojo de quimica. Eu me trancava no porão de casa e ficava todo o dia misturando cores. Vendo vapores. Sentindo cheiros. Meio tonto, a grande viagem da brincadeira não era tentar fazer aquilo que vinha no folheto de receitas do brinquedo, mas sim crer que seria possível criar um monstro, uma explosão ou uma coisa NOVA. Nesse movimento de mãos, mente e criatividade minha mente se deixava aumentar e a viagem começava: para dentro, sempre para dentro, em meu porão.
É isso. É mais ou menos isso.
AO LONGO DO RIOCORRENTE- RICHARD ELLMANN, WILDE-YEATS-JOYCE-FREUD-ELIOT
Coletânea de ensaios sobre autores do período 1890/1910, o que une os autores estudados, Yeats, Eliot, Joyce, Pound e Freud é seu amor pelo simbolismo, a criação e o uso de símbolos arcaicos, utilizados para dar luz ao "desconforto diante da vida material". Dessa forma, todos eles criaram uma espécie de mitologia particular, ferramentas para dar sentido àquilo que os aturdia.
Richard Ellmann, americano, biógrafo e excelente crítico, foi professor em Yale e Oxford. É dele a icônica biografia de Oscar Wilde e também as definitivas sobre James Joyce e Yeats. O modo de abordagem de Ellmann propõe uma nova visão, que se ignore os chavões grudados ao autor e que se perceba, sem medo, a verdade óbvia. Verdade que foi esquecida com o tempo. A montanha de estudos banais feitos sobre cada um desses autores perpetuou certos fatos que reduziram sua complexidade. Foi tatuado em Yeats o perfil de autor folclórico, cantor de fadas e de heróis, exotérico espiritualista, nacionalista iralndês. O livro tem três textos sobre o poeta e mostra o quanto esse perfil é redutor ao extremo. William Butler Yeats sentia o desconforto da "vida imperfeita", mas jamais foi um exotérico como o foi Mallarmé. A linguagem de Yeats é sempre centrada na vida material. Ele não cria códigos cifrados, enigmas de sentido obscuro, como faz o francês. Yeats, sempre apaixonado pela vida dos sentidos, tenta encontrar o sagrado na carne, a perfeição na vida. Toda sua produção nada tem de abstrata-pura.
Muito conhecida é a história do amor de Yeats por Maud Gonne. O amor do poeta pela rebelde iralndesa, o amor do puro espirito pela mulher de ação. Bobagem! Ellmann entrevista Maud Gonne e nota que os dois chegaram a ser amantes. Assim como a vida de Yeats foi repleta de casos sexuais. Fascinado pela vida sensual, Yeats procurava separar as duas vidas possíveis: a da perfeição, que seria possível apenas na arte e na alma, e a vida bela porém imperfeita da carne. A luta entre essas duas forças se trava em toda sua obra. Uma luta sem vencedor ou vencido.
Ellmann escreve o mais belo capítulo do livro ao visitar a casa de Georgie, a esposa de Yeats. Já octogenária, os dois remexem nos arquivos, brincam com objetos, recordam. Muito mais jovem que Yeats ( ele se casou apenas aos 52 anos e manteve casos até o fim ), Georgie era o oposto do poeta. Ela se mostra uma mulher firme, decidida, teimosa. E uma inteligente leitora do marido. Segundo Yeats, ela lhe deu paz, conforto, e opiniões brilhantes sobre poesia, ocultismo e filosofia. O que se depreende da vida do poeta é sua sorte. Yeats viveu uma vida rica. Plena, maravilhosa.
O livro vai nesse objetivo. Todos os analisados ( com exceção de Freud ), foram amigos. Ou no mínimo se encontraram por algumas vezes e se influenciaram. Oscar Wilde começa o primeiro capítulo. Sua influência por toda a inteligência do final do século XIX é gigantesca. Dele deriva Yeats ( que se apaixonou pela casa de Wilde quando o visitou ainda muito jovem ), de Yeats vem Pound e de Pound Joyce. Pound foi secretário de Yeats e amigo de Joyce. Joyce foi fã de Yeats e depois o negou. E Eliot foi discípulo e crítico de todos eles. Foi um momento muito interessante. Ellmann demonstra a conciência que todos tinham do período. 1900 foi um marco. O velho é jogado fora de forma deliberada. Eles escrevem que o cinetificismo do século XIX não mais lhes serve. Que o positivismo, o realismo, são passado-morto. Tudo agora é novo. Freud se encaixa nesse contexto, Seus textos são parte desse simbolismo, tentativa de demonstrar a falencia da razão pura. Embate entre carne e alma, limite e desejo, imperfeição e perfeição, belo e feio, Apolo e Dionísio.
Richard Ellmann, americano, biógrafo e excelente crítico, foi professor em Yale e Oxford. É dele a icônica biografia de Oscar Wilde e também as definitivas sobre James Joyce e Yeats. O modo de abordagem de Ellmann propõe uma nova visão, que se ignore os chavões grudados ao autor e que se perceba, sem medo, a verdade óbvia. Verdade que foi esquecida com o tempo. A montanha de estudos banais feitos sobre cada um desses autores perpetuou certos fatos que reduziram sua complexidade. Foi tatuado em Yeats o perfil de autor folclórico, cantor de fadas e de heróis, exotérico espiritualista, nacionalista iralndês. O livro tem três textos sobre o poeta e mostra o quanto esse perfil é redutor ao extremo. William Butler Yeats sentia o desconforto da "vida imperfeita", mas jamais foi um exotérico como o foi Mallarmé. A linguagem de Yeats é sempre centrada na vida material. Ele não cria códigos cifrados, enigmas de sentido obscuro, como faz o francês. Yeats, sempre apaixonado pela vida dos sentidos, tenta encontrar o sagrado na carne, a perfeição na vida. Toda sua produção nada tem de abstrata-pura.
Muito conhecida é a história do amor de Yeats por Maud Gonne. O amor do poeta pela rebelde iralndesa, o amor do puro espirito pela mulher de ação. Bobagem! Ellmann entrevista Maud Gonne e nota que os dois chegaram a ser amantes. Assim como a vida de Yeats foi repleta de casos sexuais. Fascinado pela vida sensual, Yeats procurava separar as duas vidas possíveis: a da perfeição, que seria possível apenas na arte e na alma, e a vida bela porém imperfeita da carne. A luta entre essas duas forças se trava em toda sua obra. Uma luta sem vencedor ou vencido.
Ellmann escreve o mais belo capítulo do livro ao visitar a casa de Georgie, a esposa de Yeats. Já octogenária, os dois remexem nos arquivos, brincam com objetos, recordam. Muito mais jovem que Yeats ( ele se casou apenas aos 52 anos e manteve casos até o fim ), Georgie era o oposto do poeta. Ela se mostra uma mulher firme, decidida, teimosa. E uma inteligente leitora do marido. Segundo Yeats, ela lhe deu paz, conforto, e opiniões brilhantes sobre poesia, ocultismo e filosofia. O que se depreende da vida do poeta é sua sorte. Yeats viveu uma vida rica. Plena, maravilhosa.
O livro vai nesse objetivo. Todos os analisados ( com exceção de Freud ), foram amigos. Ou no mínimo se encontraram por algumas vezes e se influenciaram. Oscar Wilde começa o primeiro capítulo. Sua influência por toda a inteligência do final do século XIX é gigantesca. Dele deriva Yeats ( que se apaixonou pela casa de Wilde quando o visitou ainda muito jovem ), de Yeats vem Pound e de Pound Joyce. Pound foi secretário de Yeats e amigo de Joyce. Joyce foi fã de Yeats e depois o negou. E Eliot foi discípulo e crítico de todos eles. Foi um momento muito interessante. Ellmann demonstra a conciência que todos tinham do período. 1900 foi um marco. O velho é jogado fora de forma deliberada. Eles escrevem que o cinetificismo do século XIX não mais lhes serve. Que o positivismo, o realismo, são passado-morto. Tudo agora é novo. Freud se encaixa nesse contexto, Seus textos são parte desse simbolismo, tentativa de demonstrar a falencia da razão pura. Embate entre carne e alma, limite e desejo, imperfeição e perfeição, belo e feio, Apolo e Dionísio.
OZON/ FREUD/ BILLY CRYSTAL/ LANCASTER/ BORZAGE
UMA FAMILIA EM APUROS de Andy Fickman com Billy Crystal, Bette Midler e Marisa Tomei
Avôs alegres e soltos e netos de vida programada e utilitária. Óbvio que os avôs irão salvar a vida chata dos netos. O roteiro nada tem de novo. Mas o filme se mantém ok. Porque? Billy Crystal é um tremendo comediante! E Bette Midler sempre foi uma diva. Tomei, ainda bonita, é a filha dos dois e mãe dos tais netos problemáticos. Nota 4.
ANGÉLICA E O SULTÃO de Bernard Borderie com Michele Mercier e Robert Hossein
Um pavor! Este filme foi um hit na França dos anos 60. Tanto que foram feitas cinco sequências. Nos anos 70, na Tv Tupi, ele foi um dos primeiros a despertar minha "paixão" por um símbolo sexual. Lembro de assistir escondido, de madrugada. Visto agora é uma imensa decepção! Tem a pior trilha sonora da história, ação mediocre e nenhuma emoção. E Michele nem era tão bonita! Nota ZERO.
FREUD ALÉM DA ALMA de John Huston com Montgomery Clift, Susannah York e Larry Parks
Existem momentos em nossa vida que são decisivos. Houve uma madrugada quando eu tinha 15 anos que foi assim. Na Globo passou, era segunda-feira, este filme no Corujão. Porque o assisiti? Uma bela crítica no JT. Fiquei abestalhado quando o vi. Tudo nele me enfeitiçou: o p/b genial e austero de Oswald Morris, a trilha sonora de Jerry Goldsmith, trilha que usa até mesmo música eletrônica-concreta. O romantismo rebelde do homem inovador contra tudo e contra todos, a incompreensão de seus colegas. O tom sofrido de Clift, numa atuação que joga em nossa cara um misto de inteligência e perdição. É um Freud sempre crível. A beleza dos pesadelos vienenses.... Lembro que não consegui dormir. Esperei minha mãe acordar para lhe dizer, às seis da manhã, que meu futuro se decidira: eu iria ser um psicólogo. Freud se tornou um de meus ídolos por vinte anos. Depois percebi que meu ídolo era na verdade John Huston que fizera o filme. O filme passou esta semana em versão dublada na Cultura. Pensei em não o rever. Freud a muito se tornou um passado morto para mim. Mas não resisto. O filme volta a me enfeitiçar. E noto então que o que me seduzira fora a narrativa, a saga do intelectual contra o mundo, a saga da curiosidade em sua jornada e principalmente o soberbo e sublime clima vitoriano que o filme exala. Não me fiz psicólogo e não lamento isso. Me fiz um tipo de vitoriano. O filme antecipou sentimentos que eu encontraria em Henry James. Esteticamente é um primor. Huston, diretor de homens solitários contra seu meio, diretor dos derrotados, venceu. Nota DEZ!
STREET ANGEL de Frank Borzage com Janet Gaynor e Charles Farrell
Gaynor ganhou o Oscar de atriz em 1929 por este filme. Que é um belo exemplo de filme silencioso. A câmera desliza, rola por ruas e fachadas, voa. Janet é uma moça sem lar que se une a trupe de circo. Há um bocado de alegria no filme. Uma alegria tristonha. Borzage foi um dos primeiros grandes do cinema americano. Os rostos são fascinantes. Nota 7.
O ESPADACHIM NEGRO de Tay Garnett com Alan Ladd e Patricia Medina
Boa aventura medieval. Há ritmo na história chavão do ferreiro pobre que se disfarça de cavaleiro negro para se vingar de injustiças. Eu adoro filmes que usam espadas, muralhas e cavalos. Aqui temos tudo isso. Ladd não convence muito como herói medieval, ele é muito baixo e meio americano demais, mas a coisa funciona por causa de sua rapidez e falta de seriedade. Nota 5.
DENTRO DE CASA de François Ozon com Fabrice Luchinni, Emmanuelle Beart e Kristin Scott Thomas
Tenho me "obrigado" a acompanhar o cinema atual. Tento ficar razoavelmente por dentro daquilo que rola nas telas deste século. E está na hora de confessar...não é fácil ! Tenho sido condescendente com filmes feitos de 2000 para cá. Quero gostar deles. Não os comparo aos clássicos. Os comparo com filmes de seu tempo. Mas, para ser sincero, isso começa a me enjoar. Quando entrei na era do dvd, passei três maravilhosos anos em que descobri 80% dos clássicos do cinema. Minha paixão foi lá em cima ! Que noites fantásticas ao lado dos filmes dos anos 30, 40, 50... Mas agora...É tudo tão pobre! Veja este filme: Um suspensezinho muito do comum que alguns críticos, e eu os entendo, colocam em alto posto. Não é um filme ruim. Apenas banal. Um aluno enrola um professor com redações que contam seu envolvimento com familia de amigo. É só isso. Devo dizer que o filminho cansa aos 40 minutos. Nota 3.
BASTA, EU SOU A LEI de Burt Kennedy com Robert Mitchum, George Kennedy e Martin Balsam
Mitchum já era um veterano neste western que brinca com a velhice. Ele é um xerife que é aposentado por idade. Mas acaba por se unir a ex-rival e juntos eles salvam a cidade. Como se pode notar, o tom é leve, mas o tema é sério: a idade dos heróis, o momento em que o velho mundo dos cowboys morre e eles são afastados. Pode-se dizer que o filme fala também do fim do filme de western também. É um bom filme. Mitchum atua de seu modo distanciado. Kennedy está ótimo. Nota 6.
APACHE de Robert Aldrich com Burt Lancaster
Dificil aceitar Burt como um apache. É um filme duro em seu começo. Vemos os apaches como judeus em campo nazista. Burt Lancaster é Masai, que foge a pé do exilio e volta a sua terra. Os brancos o perseguem. Aldrich foi um excelente e forte diretor. Sua filmografia é repleta de presentes dados ao público. De "Baby Jane" à "The Dirty Dozen". Ele se perde aqui ao esticar demais as cenas de romance. O filme cai e não se ergue mais. Pena. Nota 4.
O DESEJO DE PINTAR - CHARLES BAUDELAIRE
Mario Vale, pintor e desenhista, executa belas imagens e ainda traduz o poeta francês, primeiro homem de nosso tempo, neste livreto bonito e puro. São textos em prosa com alma de poesia, ou poemas não acabados. Vale pega-os, verte-os e pinta-os. Nós os lemos. E se os lermos com vagar, entramos na coisa.
Baudelaire foi o primeiro flanêur. Como costumo fazer em meus dias tontos, ele andava pelas ruas de Paris, aterrado, abismado e maravilhado. Em meio a podre febre moderna, recolhia fragmentos de beleza, e eternizava essa beleza secreta e morta em textos que propunham o spleen. Duende. Doente.
Chineses usam gatos como relógios. Percebem as horas nas pupilas brancas dos felinos quietos. Porque o tempo é uma pupila de gato chinês: sempre o mesmo e só usa o relógio-nosso quem é escravo do tempo.
E o amor faz de nós, enfim, livres do senhor das horas.
Um anjo-poeta perde a sua aura. Rico poema prosado, em que há reflexos da atual teoria Benjaminiana da perda da aura da arte e ainda dos anjos de Asas do Desejo, o mais Baudelaire dos filmes, feito estranhamente pelo hiper-alemão Wenders. O anjo perde a aura e contente vive a sujeira do mundo real.
Baudelaire tinha medo e asco do pó e da velocidade. Era um dandy. Cáspite!!! O homem era um dandy, um poeta sem asas e um flanêur!!!! Ele era o nobre possível em tempos que abominam tudo o que é especial.
Vê paisagens em janelas fechadas e ama a morte. Foi Baudelaire a base de Freud para o impulso da morte. Para o poeta, a morte é amor, amor é desejo de morrer sob o olhar de quem amamos. Todo apaixonado é um suicida. Crer em psicanálise é acreditar em Baudelaire.
Para ele, voce cria a verdade ao criar a fantasia. Fantasia que é muito mais real que aquilo que vive fora de nós. Porque na verdade o fora não vive. Quem pode provar a verdade de qualquer coisa que não seja nossa?
Então ele anda pela vida recolhendo imaginações e vendo a si-mesmo em tudo. Sua poesia é desejo de provar a vida. Impossível. Quem nunca desejou pintar....viveu?
Baudelaire foi o primeiro flanêur. Como costumo fazer em meus dias tontos, ele andava pelas ruas de Paris, aterrado, abismado e maravilhado. Em meio a podre febre moderna, recolhia fragmentos de beleza, e eternizava essa beleza secreta e morta em textos que propunham o spleen. Duende. Doente.
Chineses usam gatos como relógios. Percebem as horas nas pupilas brancas dos felinos quietos. Porque o tempo é uma pupila de gato chinês: sempre o mesmo e só usa o relógio-nosso quem é escravo do tempo.
E o amor faz de nós, enfim, livres do senhor das horas.
Um anjo-poeta perde a sua aura. Rico poema prosado, em que há reflexos da atual teoria Benjaminiana da perda da aura da arte e ainda dos anjos de Asas do Desejo, o mais Baudelaire dos filmes, feito estranhamente pelo hiper-alemão Wenders. O anjo perde a aura e contente vive a sujeira do mundo real.
Baudelaire tinha medo e asco do pó e da velocidade. Era um dandy. Cáspite!!! O homem era um dandy, um poeta sem asas e um flanêur!!!! Ele era o nobre possível em tempos que abominam tudo o que é especial.
Vê paisagens em janelas fechadas e ama a morte. Foi Baudelaire a base de Freud para o impulso da morte. Para o poeta, a morte é amor, amor é desejo de morrer sob o olhar de quem amamos. Todo apaixonado é um suicida. Crer em psicanálise é acreditar em Baudelaire.
Para ele, voce cria a verdade ao criar a fantasia. Fantasia que é muito mais real que aquilo que vive fora de nós. Porque na verdade o fora não vive. Quem pode provar a verdade de qualquer coisa que não seja nossa?
Então ele anda pela vida recolhendo imaginações e vendo a si-mesmo em tudo. Sua poesia é desejo de provar a vida. Impossível. Quem nunca desejou pintar....viveu?
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