Mostrando postagens com marcador john banville. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador john banville. Mostrar todas as postagens

MEPHISTO - JOHN BANVILLE

Considero Banville um grande autor. Se voce ir ao índice verá que escrevi bastante sobre esse irlandês. Mas este livro me deixou insatisfeito. Na história de um jovem estranho que se torna um gênio matemático, nada acaba por nos interessar. Não há uma só personagem que fascine o leitor e o texto não tem o ritmo e a perspicácia esperada. Esqueça Mephisto mas não John Banville.

O LIVRO DAS EVIDÊNCIAS - JOHN BANVILLE

   Ora, voce pode pensar, mais um romance de John Banville!!! Não, este livro é de 1989 e foi lançado só agora aqui nos trópicos. E, como tudo de Banville, não se parece com nenhum outro livro dele.
   O narrador é um cara desprezível. Na verdade ele nem desprezível é, ele é odiável. Um aproveitador, ladrão, playboy preguiçoso, vaidoso, egoísta, cruel, assassino. É sempre difícil acompanhar um narrador tão pouco gostável. Mas a prosa do autor é tão bem urdida, tão cheia de sabor, que a gente se deixa levar pelo estilo. Comemos o texto. Mas há um erro fatal na parte final do livro. Após a horrenda descrição de um assassinato, passamos a nos sentir incomodados pelo livro. Até então o romance era movimentado, com algum humor, agilidade. Mas após o ato repugnante, ele passa a ser reflexivo, íntimo, pesado. O prazer de ler diminui, mingua, desaparece. Sentimos pena então. O romance, ebulição de prazer escuro, se torna um triste e modorrento, dostoievskiano pecado.
  É o menos bom dos livros do autor irlandês.
  Mas está longe de ser vulgar.

O VIOLÃO AZUL - JOHN BANVILLE.

   Oliver é um pintor de renome. Que não mais pinta. E ele é também um ladrão de pequenas coisas inúteis. Casado, pai de uma criança que morreu aos 3 anos de idade, ele vive um caso com a esposa de seu melhor amigo. E então acontecem algumas coisas. E Oliver deixa de ser o mesmo.
   Oliver é egoísta. É infantil. Mal tem ideia do que as pessoas querem ou daquilo que elas fazem. E volta à casa de sua infância. O livro, o mais recente de Banville, é belo. E pungente. A escrita é saltitante, o autor está em voo, domina seu dom. Frases instigantes, pensamentos agudos, e momentos de inspiração, muita inspiração. Oliver e sua amante, Polly, são comuns em seus atos. Apesar de artista, Oliver nada tem de excêntrico, brilhante, seus dramas e insights são os nossos. Banville escreve sobre a vida de pessoas banais. Mas o livro nunca é banal.
  O final do livro, após uma sequencia onírica, poética, solta, é, mais uma vez em Banville, sublime. E, mais que isso, após o final sentimos que tudo aquilo que lemos é outra coisa. Nada era o que parecia ser. Banville faz algo de muito difícil, dá uma nova leitura ao seu texto. De forma suave e simples. E terminamos o livro querendo o rememorar. Reler. Reler e reinterpretar tudo aquilo. Pois Oliver, Polly, Gloria, Marcus, Freddie, Percy, Olive, nenhum deles era o que parecia ser.
  A lição do autor é a de que a vida é sempre inacabada, precária, insolente e insofismável.
  Um grande livro.

LUZ ANTIGA - JOHN BANVILLE

   Um velho ator de teatro recorda um caso tórrido que viveu aos 15 anos com a mãe de seu melhor amigo. Ao mesmo tempo ele começa a rodar um filme com uma estrela internacional. E vive o luto por uma filha morta a dez anos atrás. De todas essas correntes narrativas, a que mais tem espaço é a do caso sexual aos 15 anos. E devo dizer que esse é infelizmente o mais chato dos casos. O problema é simples: não há nada de muito interessante nesse caso. Ele é um suburbano hiper excitado e ela é uma dona de casa de 35 anos bem comum. O comum, o banal pode ter encanto e genialidade, se for exposto por ângulo inusitado, mas esse não é o caso. Este livro, escrito em 2012, é o livro mais fraco de Banville, um autor dos melhores em vida.
  O subtexto é o tempo. O modo como nossa memória edita e embaralha as recordações. Confundimos lugares, datas, e mais grave, erramos os participantes de cada momento vivido. O narrador-ator tem surpresas desagradáveis. As coisa foram mais simples do que sua mente romântica quis crer.
  O final do livro, as últimas 15 páginas, são muito tocantes. Mas as outras 300 são difíceis de percorrer. Não por serem exóticas, confusas ou impenetráveis, elas são apenas chatas, terrivelmente chatas. Tão chatas como seria esse ator sessentão se vivo ele fosse.

OS INFINITOS- JOHN BANVILLE....ERAM DEUSES, ERAM HOMENS ERA A VIDA.

   John Banville escreve aqui o melhor romance dos últimos 14 anos. É meu terceiro Banville e é, em suas primeiras página, o que menos promete. Parece bobo com o deus Hermes voando por entre os humanos que se reúnem numa casa de campo inglesa. A sensação é de que se trata de uma sátira sem leveza. Mas rapidamente a coisa muda e começamos a perceber que o romance é uma obra de arte. Mestre da língua, Banville faz poesia em prosa, filosofia em diálogos e diverte em meio a um drama pesado. Esse escritor irlandês, nascido em 1945 e que esteve na Flip, acho que em 2011, merece muito mais fama neste país tolo do que tem tido. Candidato ao Nobel, jamais irá vencer, aposto, é figura central da prosa deste século. Este livro o prova.
  Adam é um velho matemático. Famoso, ele revolucionou a ciência pura, ( ciência pura é aquela que vive no mundo abstrato, onde sua ambição está dentro dela mesma, não é prática. Como a arte, é inutil ). Adam descobriu uma equação que resolve o infinito. Adam está em coma após um derrame. Na casa está sua segunda esposa, alcoólatra. Seu filho, Adam Jr., um alegre e otimista rapaz. A nora, Helen, uma belíssima loura vaidosa, e a filha, Petra, que tem sérios problemas mentais. Há ainda Ivy, a ex-dona da casa, uma nobre falida que agora é empregada da familia, Duffy, um empregado. Depois chegam Grace, um amigo gordinho e desagradável de Adam, e o namorado de Petra, um rapaz frio, vazio, distante. Há ainda Rex, o cachorro, um velho labrador. Com esses elementos, mais a presença do deus grego Hermes, que narra boa parte do livro, e de Zeus, que está sempre desejando Helen, John Banville narra uma história que fala sobre morte, alma, carne, natureza e familia. O tema é pesado, mas, como um mestre, Banville nunca nos deprime. Essa a magia do autor. Ele faz com que um velho em coma narre alguns capítulos, suas sensações, seus pensamentos, e mesmo nesses momentos o que sentimos é maravilhamento, prazer. O livro dá enorme satisfação. Ele fala de chuva, de luto, de desentendimento, e é claro, solar, vivo.
  Todos os personagens são narradores em algum momento. Até o cão tem seus parágrafos. Mas Hermes e Adam são aqueles que mais falam. Vemos a vida pelo ponto de vista de um deus e de um homem em coma, na quase morte. Entramos na abstração da matemática, tomamos contato com  a natureza, com o infinito e com a dor de viver. A morte paira ao lado de cada frase. Deuses sofrem por não poder morrer, homens sofrem por morrer. Apenas os bichos e as crianças muito jovens são felizes. Ignoram que exista a morte.
  Não contarei a surpresa reservada às últimas linhas. Mas posso dizer que quando terminei o livro a minha sensação foi de espanto. A mesma sensação rara de se abrir um presente aos 7 anos no Natal. Um laço se desfez, a caixa se abriu e eu sorri. Um dos mais belos finais que li em minha vida. Uma afirmação do valor da vida. E ao mesmo tempo um tapa na cara. Lindo.
   Livros como esse recuperam nossa fé na literatura, na ficção e no homem. A criatividade, esse dom sem razão, e as palavras, ferramentas que quando bem usadas são encantamento. John Banville conseguiu escrever um romance para adultos, sem nada de fácil em seu texto, que produz o mesmo encanto de um grande livro de poemas. Parece um sonho. Parece uma epifania. Parece o Olimpo.
  E não é.

ECLIPSE- JOHN BANVILLE. EM 2014 A LITERATURA VAI BEM, OBRIGADO.

Um ator tem um branco no palco. Casado, pai de uma menina esquizo, ele vai passar um tempo na velha casa onde cresceu. Lá ele vê fantasmas, discute com a esposa que o visita e trava contatos, indesejados, com pai e filha do lugar. Esse o enredo deste livro do irlandês John Banville, ganhador do Booker Prize com O Mar e um dos melhores autores vivos. Ele tem um dom raro nos autores atuais, a escrita plástica. Como um Henry James mais quente e menos detalhista, ele sabe como descrever uma cor, um brilho, uma variação de clima. Esses os principais personagens, a praia, a praça, a casa, imensa, e as cores cambiantes do mundo. Repare quantas vezes ele fala de brilhos, de vento, de cor. O livro assim se torna colorido, vivo, uma fotografia animada, sentimos gostos, cheiros e mergulhamos dentro de Alex, o ator perdido. 
Alex é um pavão. Ele tem uma vaidade que chega a beira do repulsivo. O tempo todo, e ele sabe disso, ele se observa. Tudo é palco e todos são seus coadjuvantes. E mesmo assim Alex é um personagem cativante. O leitor gosta dele, se interessa pelo que ele pensa e sente. Sem jamais tentar ser simpático, e sem fazer nada de interessante, a não ser ver dois ou três fantasmas, Alex segura e ergue o livro com galhardia de herói e visões de poeta. É um romance profundamente poético, aberto a vida. sensível sem ser meloso ou pomposo. Banville tem vocabulário. Tem ritmo. Tem olho e ouvido. Sua escrita é um banquete de simplicidade sofisticada. 
Alguns trechos são de tristeza perigosa. Pantanosa. E de repente Alex pensa algo que ilumina o porão, seca o pântano e sorrimos. Deprimido? Sim, Alex está deprimido, mas essa melancolia não lhe tira a inteligência. Ele ainda vê a vida em cor e cheiro. A surpresa que o final lhe reserva, surpresa não surpreendente, antes indecente em sua crueldade, o derruba completamente, mas não o destrói. Alex vê coisas. Isso o salvará.
Há livros que intuimos serem para nós. Os lemos, sem ninguém nos indicar, no exato momento em que devemos lê-los. É o caso. Me pego muito identificado com Alex. Em seu passado de criança e em seu modo de ver o mundo. Conheço sua tristeza, seu medo, mas nunca vi um fantasma. Sei até o que é desabar num palco, sentir que se está nú na frente de estranhos. Uma mãe que é viciada em sofrimento e um pai que se esconde. Eu sei o que é tudo isso. E o livro cai em minhas mãos num momento desses, em que sentimos que algo vai acontecer. Nascer. Mudar. Irromper.
Bom poder dizer que se o cinema acabou, a pintura morreu e o rock virou uma farsa, a literatura está firme e forte, inteira, pronta para mais um século de espetáculo e de intimismo. Vale!

CINE FIAMMETTA E A MASTURBAÇÃO EM PINHEIROS

Lendo um livro de John Banville, Eclipse, um livro trágico, belo, de uma sensibilidade úmida, com um caráter pegajoso, me recordo do cine Fiammetta. ( No livro ele fala também de suas experiências, patéticas, em salas de cinema ). O Fiammetta ficava na rua Fradique Coutinho. Fradique...nome estranho que sempre me lembra um pássaro desajeitado. Mistura de Frade  com Dique. Fiammetta viria de Boccaccio? No Decameron tem um personagem com esse nome. Eu ia nas sessões da tarde, matando aula. Os filmes eram horrorosos. Causaria surpresa e muita estranheza se um garoto de 2014 tivesse a experiência estética de um cinema de bairro de 1980. Ele nos acharia idiotas. Ou masoquistas. 
Logo na entrada havia a bilheteria. O preço do bilhete era menor que uma passagem de ônibus. Sempre havia algum velho zanzando pela calçada e dois ou quatro adolescentes comprando balas. O tapete era fedido. Um cheiro de mofo, de suor misturado a pipocas. A sala, enorme e muito escura. Eu me sentava sempre no fundo. O coração disparado. Mais um filme com mulheres peladas. Quinze, vinte pessoas perdidas naquele cinema enorme. Silêncio absoluto, eu tentava sumir em minha tímida condição. Vinha a campainha e o documentário. Uma coisa deprimente, ruidosa, sobre o governo. Depois alguns trailers sem interesse. O Fiammetta tinha um projecionista que não sabia mexer nas lentes do projetor. O filme era sempre desfocado e muito escuro. Recordo de um filme italiano sobre freiras lésbicas. Todo picotado pela censura. escuro, incompreensível, mal se podia ver um peito, uma bunda. O filme, que já era uma tristeza, ficava como um pesadelo, uma mistura de escuridão, freiras, corpos pelados e o cheiro abafado da sala. E claro, pulgas. 
Eu realmente nunca entendi porque insistia em ir naquele inferno. Era sempre uma experiência desmoralizante. De volta à rua, anoitecendo, eu me sentia um pária. Parte daquele mundinho espinhento de masturbadores envergonhados. Sim meu amigo de 2014, a procura por imagens excitantes era um ato público. Não havia a limpa e anônima procura pela internet. Nós, jovens perdidos, andávamos pelas ruas, vagando por salas de cinemas sujos, disfarçando em frente a bancas de jornais, bancas que sempre tinham, vestido com paletó azul com furos de traça, um velho seboso como dono. Passávamos engolindo em seco em frente de um bordel. Masturbadores de rua, adolescentes vermelhos, suados, caspentos, éramos sujos, feios, asquerosos. Nas bancas comprávamos jornais para disfarçar a revista de mulher pelada que ia dobrada no meio do caderno de esportes. Nos cinemas entrávamos correndo para que ninguém nos visse comprando o ingresso e entrando na sala. E mesmo com todo meu saudosismo, não posso dizer que sinto algo de bom nessas lembranças. Era muito sofrido. Era um martírio. E sim, eu tremia de ansiedade ao abrir a revista, ao entrar no cinema. Calafrios, deliciosos, subiam pelo meu corpo. A visão das curvas e sombras femininas, a doce voz da mulher, a presença daquele mistério, um ser que era humano como eu mas que parecia em tudo meu oposto, me dava vertigens, pavor e uma sensação ao mesmo tempo de liberação, de poder começar a ser. 
Quem me dera ser um adolescente hoje. Poder assistir pornografia na segurança do lar, no meu quarto, só e limpo. sem risco e sem embaraço. Dividir esse videos com os amigos e comentar, reassistir no pátio da escola, no recreio. Quantas vezes eu desejasse. A distância de uma teclada. Longe dos velhos encolhidos, dos office-boys cansados, das pulgas e da imagem escura. Longe de 1980.

O MAR- JOHN BANVILLE

   Vencedor do Booker Prize em 2007, este livro apresenta um grande problema: sua metade final. Ele arranca cheio de promessas e de belíssimas imagens, e então cai numa maçaroca de auto-piedade e de vazio sem porque. Se perde. Banville nega aquilo que tem de melhor e aceita a vulgarização da vida e da morte. Faltou coragem a esse bom autor. Se no meu texto abaixo falei que ele era um dos melhores autores vivos, digo agora, ao terminar seu livro, que ele não é um dos melhores. Frustrante.
   Um homem viaja para uma praia. Sua esposa acabou de morrer após longa agonia. Na praia ele se recorda do fim de sua infãncia e de momentos de sua vida adulta. Por todo o primeiro terço do livro, temos uma encantadora sensibilidade. Cheiros, cores e vozes são nos dadas de presente. Banville consegue fazer com que lá estejamos com ele. Mas de repente ele se perde. Abre mão de sua fantasia e sucumbe ao comum, longas descrições do nada, de fatos sem o menor interesse e sem arte. Quando Banville perde o interesse pelo jovem personagem o livro sucumbe.
   Bons livros crescem durante a leitura. Livros excelentes já começam em alto estilo e conseguem subir ainda mais. Obras de gênio continuam a crescer após fecharmos a capa. Este não é ruim, é impotente. Promete e desiste. Contenta-se com muito pouco.
   Pena.

SOBRE A CASA DA JOÃO MOURA EM PINHEIROS

Voce olhava pelo portão alto e o que via?
Uma alameda ladeada por árvores altas que sombreavam o cascalho do chão. Depois um gramado e a casa que começava com uma escadaria de mármore branco e dava seu primeiro sinal em azulejos azuis e janelas de vidro colorido. Tudo ali era detalhe e a casa nos convidava a pensar e a ver. Formara gerações, histórias sendo vividas e pedindo para que as revivêssemos. Dava para se escutar as vozes das crianças que brincavam ao redor dos muros e a buzina de um Ford que passava sonolento pela rua.
Mas é hoje e o que importa é o que é visto neste momento. A casa quebrava a monotonia de ruas idênticas, descartáveis em sua procissão de prédios sujos, caixotes de concreto e sobradinhos aos pedaços. Ruas alinhadas ao acaso, postes intrusos e fios que embaralham a vista. Mas ao avistar aquele portão de ferro, alto e com a sombra de cipestres e pinheiros, voce parava e tinha o convite de reentrar numa narrativa. A casa existia, se afirmava como história, dizia das mãos que a fizeram e dos olhares que a acariciaram. A música risonha de suas tardes de sábado em que as crianças se sujavam no quintal e folgavam antes do banho na banheira rosa, e os chás da tarde em que a avó pensava nos chás de outro tempo. Missas de domingo e o leite entregue pela carroça com um cavalo negro. Nos quartos havia o som das tábuas do piso, elas rangiam e anunciavam os passos do pai de bigodes duros.
A rua se adormecia.
Hoje entre o lixo de papéis velhos e de carros sebentos, a casa sobrevivia lembrando a quem soubesse lembrar de que homens são uma história. Homens narram e quando deixam de narrar morrem. Mesmo que continuem a comer e a dormir, estão mortos. Homens sem história são carcaças. Um mecanismo de presentes sem fim, destruindo e fazendo, erguendo e desfazendo, esquecendo sem parar nunca de esquecer. As pessoas passam pela rua, agora, e não ficam. Suas vozes não permanecem. A casa permanecia. Nos lembrava de que alguma coisa deve perdurar. Testemunhas existem. Trazem a afirmação de que a vida agora poderia ser mais. Se a vida era mais sendo menos, ela agora poderia ser muito mais sendo um pouco menos. A casa cantava baixinho nas noites que de tão iluminadas destruíram as sombras.
Então agora eu olho o portão e o que vejo?
A alameda enlameada e as árvores como galinhas de granja que esperam a hora. Meus olhos percebem um monte de tijolos e mais nada. Tudo o que era contado se transformou em silêncio. A melancolia de histórias antigas estapeada e feita apreensão de novo decreto. O ar toma o espaço onde lembretes vicejavam. O cuidado de uma narrativa, agora violada. Marcas de rodas onde antes pés descalços se pertenciam.
O homem odeia a beleza porque ela o recorda seu triste fracasso. O fracasso humilhante de não saber ver. O homem que olhava e nada ouvia naquela casa, obteve sua suja vingança. Reduziu a nobreza à altura de sua insignificância. O caso não é mais o de não conseguirmos construir a beleza, a coisa piorou, e hoje não sabemos amar a beleza. Aquele monte de tijolos é como uma antiga princesa estuprada e caída numa rua qualquer. É como o riso de dentes podres de um rufião vingativo.
No lugar da casa me dizem que será feito um shopping center.
Ando lendo John Banville. Pode colocá-lo entre os três maiores autores vivos. Ele sente como eu.