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O RIDÍCULO ONDE NÃO SE FALA RIDÍCULO
Entre as pessoas que convivo, principalmente entre os mais jovens, não se usa a palavra ridículo. Um dia hei de escrever sobre as palavras extintas, mas não agora. Ridículo. Chamar algo de ridículo não pega bem. Tem- se a burra crença de que ao não nomear de ridículo uma pessoa ou uma situação, o ridículo desapareça. Vivemos no momento mais ridículo da história. Bach está banido de Oxford porque alguns alunos foram poupados do merecido rótulo de ridículos. E a entertainer Anitta fez uma palestra em Harvard porque ninguém se sentiu livre para dizer a verdade: Ridículo! ---------- Uma dose generosa de insensatez, pitadas de vaidade e de má educação, mais alguns gramas de estupidez: eis o ridículo. É aquilo que ofende a visão, o ouvido e o paladar. Ofusca a visão, ensurdece a harmonia e enjoa o paladar. ---------------- Estou a ler LUCIEN LEUWEN de Stendhal. 1835. Último livro do grande escritor. O deixou incompleto e não pode o revisar. Lucien é um jovem sem sangue azul, porém rico, muito rico. Se alista para mostrar seu valor ao pai. Aquartelado em Nancy, num tempo sem guerra, morre de tédio. Passa a frequentar a nobreza da cidade. Lucien é republicano assim como Stendhal o foi. Mas sabe disfarçar suas opiniões. Com 23 anos, Lucien é ainda um adolescente. Exibido, porém inocente. Stendhal escreve simples. É moderno. Nada das longas descrições de Flaubert, nada das digressões de Balzac. Stendhal é objetivo. Mas é escritor da era do romance, do século XIX, e por isso nos dá aquele tipo de livro que o século XX não mais poderia ter: o que se saboreia, se admira, se observa, se tem vagar. No tempo do cavalo e do trem, o tempo se acelerava, mas ainda permitia a fruição de um romance. Quando vier a era do avião e do carro, o romance será ruidoso, mais acelerado e de certo modo confuso. Hoje? Hoje tudo é fragmento meu querido.... ------------------ Por que falei do ridículo? Porque em todo o romance o que guia todos é o medo do ridículo. Lucien cai do cavalo duas vezes, usa um uniforme exagerado, se apaixona, gasta exibicionisticamente, e se vê em análises longas onde tudo se resume a: estarei sendo ridículo? Serei alvo de escárnio? Não me comporto como esperam? O século XX verá nascer o desejo de ir contra o que se espera, e o XXI, parece, deseja esquecer a palavra ridículo e com ela o escárnio. Se Lucien e todos os outros não tivessem a os pressionar o medo do ridículo, e de suas filhas, a deselegância e a rispidez; o romance perderia seu sentido. Foi dito e não é novo, que em uma sociedade sem regras não existe o que narrar. Tudo se aplaina em entediante "tanto faz". Sem o ridículo tudo se torna, em graus diversos, ridículo. E se a regra passa a ser o grotesco, não há mais a chance de se produzir sátira ou ironia. Se todos o reis estão nus, gritar que o chefe está sem roupas se torna inutil. ---------------------- Ver Lucien se fazer homem é um prazer sublime.
LUCIEN LEUWEN - STENDHAL
Lucien é o filho mimado de um milionário de Paris. É então, enviado pelo alegre pai, para o exército. Não é tempo de guerra, e ele fica entediado na cidade de Nancy. Lucien na verdade odeia o exército, não a guerra. Sente falta da cidade grande. Para ele, tudo lá parece brega, interiorano, ridículo.
Ele é acossado por seus superiores. Eles lhe invejam o dinheiro. E Lucien tenta travar relações com a aristocracia da cidade. Os aristocratas de Nancy, afetados, esnobes e cheios de medo de uma nova revolução, são decepções sem fim. Lucien odeia seus modos, seus exageros, suas cerimônias e frieza espectral. E eles suspeitam daquele homem sem nome, um sobrenome vulgar, um rico sem passado, um burguês.
O livro fala muito de politica. Logo Stendhal, que dizia ser contra a politica em romances. Há por toda parte o confronto entre republicanos e aristocratas, entre realistas e jacobinos, papistas e ateus. Lucien mal se coloca, ele é colocado.
Romance que Stendhal não terminou, não revisou, o volume tem momentos em que sentimos a falta de um corte, o excesso de uma frase, logo em Stendhal, um autor que nunca comete erros, que é sempre exato em tamanho e preciso em ritmo. Portanto, que não se espere aqui a altura sublime de O VERMELHO E O NEGRO, e nem o milagre em clima e estilo de A CARTUXA DE PARMA. Esses dois são monumentos da humanidade, Lucien é apenas um ensaio para um monumento. Um croqui.
Mesmo assim, há em suas páginas aquela movimentação colorida, viva, de Stendhal. A habilidade em criar personagens profundos em apenas duas linhas. Frases que ficam e duram, cenas que desenvolvem almas e dão ensejo a ações inesperadas. Stendhal nos conduz, como todo grande romancista, pega nossa mão e nos leva.
Depois Lucien se apaixona. E sofre o mal entendido de frases ditas pela metade. É quando o livro brilha menos. Falta a revisão, o rumo do autor. É belo o modo como a mente dos dois amantes se embaralha e se perde. A psicologia de Stendhal é infalível. Mas sentimos que ele derrapa às vezes.
É um livro, longo, que poderia ser perfeito. Como ficou, é tão somente, memorável.
E, claro, um prazer.
Ele é acossado por seus superiores. Eles lhe invejam o dinheiro. E Lucien tenta travar relações com a aristocracia da cidade. Os aristocratas de Nancy, afetados, esnobes e cheios de medo de uma nova revolução, são decepções sem fim. Lucien odeia seus modos, seus exageros, suas cerimônias e frieza espectral. E eles suspeitam daquele homem sem nome, um sobrenome vulgar, um rico sem passado, um burguês.
O livro fala muito de politica. Logo Stendhal, que dizia ser contra a politica em romances. Há por toda parte o confronto entre republicanos e aristocratas, entre realistas e jacobinos, papistas e ateus. Lucien mal se coloca, ele é colocado.
Romance que Stendhal não terminou, não revisou, o volume tem momentos em que sentimos a falta de um corte, o excesso de uma frase, logo em Stendhal, um autor que nunca comete erros, que é sempre exato em tamanho e preciso em ritmo. Portanto, que não se espere aqui a altura sublime de O VERMELHO E O NEGRO, e nem o milagre em clima e estilo de A CARTUXA DE PARMA. Esses dois são monumentos da humanidade, Lucien é apenas um ensaio para um monumento. Um croqui.
Mesmo assim, há em suas páginas aquela movimentação colorida, viva, de Stendhal. A habilidade em criar personagens profundos em apenas duas linhas. Frases que ficam e duram, cenas que desenvolvem almas e dão ensejo a ações inesperadas. Stendhal nos conduz, como todo grande romancista, pega nossa mão e nos leva.
Depois Lucien se apaixona. E sofre o mal entendido de frases ditas pela metade. É quando o livro brilha menos. Falta a revisão, o rumo do autor. É belo o modo como a mente dos dois amantes se embaralha e se perde. A psicologia de Stendhal é infalível. Mas sentimos que ele derrapa às vezes.
É um livro, longo, que poderia ser perfeito. Como ficou, é tão somente, memorável.
E, claro, um prazer.
TOLSTOI E JANE AUSTEN, O ENCANTO DO REAL E A SEDUÇÃO DO EXAGERO
O romantismo vai a falência porque ele se torna fraqueza e não mais sinal de força. A natural tendência humana a facilidade transforma o que era coragem em acomodação e o desafio vira preguiça. O pensamento burguês vence. O homem é uma fera, egoísta e individualista, no mundo é cada um por si. O artista diante desse fato ( ele não tem mais ânimo para ir contra o senso comum, que no capitalismo se torna a fé no individualismo e na disputa ), abre mão do desejo pela beleza via erotismo. O que ele faz? Aceita esse mundo material e entra numa triste competição. A arte do século XX passa a ser uma corrida pelo feio. Quanto mais feia e terrível a obra for mais verdadeira ela é. A vida, vista como mera mercadoria, portanto futil e sem grande valor, passa a ser um pesadelo. O sexo é mero gozo sem transcendência e a literatura um coro de ressentidos. A arte é um retrato de uma vida que vale quase nada. A criatividade só é válida se criar pesadelos.
Allan Bloom tece esse retrato após analisar Tolstoi e Austen a luz de Eros. Ele demonstra o lado mais problemático de Tolstoi. Começa dizendo que sua geração viu Tolstoi como o guia para a vida. ( Bloom nasceu em 1930 ). Mas relendo Anna Karenina, 35 anos depois, ele percebe que o livro mais que um romance é uma pregação sem fim. Tolstoi prega Rousseau. Tenta unir a familia oa erotismo, critica a Rússia européia modernizada à força e elogia a Rússia camponesa, eslava, simples, pura, natural. É o mesmo discurso de Putin. Tolstoi não morreu.
Anna morre porque ela representa a Rússia que acreditou na Europa e Lievin sobrevive por ser o bom russo, o homem rico que descobre a sabedoria do povo. Lievin é Tolstoi. A grandeza do romance reside no fato de que Tolstoi se trai, se apaixona por Anna e acaba fazendo dela uma força irresistível. Ela engole o livro. Anna Karenina é uma enciclopédia sobre todo o mundo, sobre toda a vida e sobre a falência do romantismo. Ao contrário de Stendhal, que em nada acreditava, Tolstoi crê no Deus da natureza, o Deus da reprodução. Todo o livro é construído para enaltecer Lievin, mas acaba sendo de Anna.
Jane Austen nada tem dos exageros de Tolstoi e nem da ambição de Stendhal. Ela aceita a vida como ela é. E por isso, apesar de ser a mais antiga dos quatro gigantes ( Stendhal, Flaubert e Tolstoi ), ela é a mais próxima da nossa vida de hoje. Irônica, ela acena sempre com a sabedoria de quem enxerga todo o ridiculo da vida, mas ela compreende que instituições são necessárias para a vida. Ela sabe que Eros é indomável, mas que ele deve ter um canal por onde fluir e esse canal se chama compromisso. Os casais se analisam, testam, pesam, pensam e aceitam ou não. Familia e dinheiro é o que os move. Austen evita tocar em politica e em igreja, eles são fatos estabelecidos. Inglesa ao extremo, ela é prática. Seu mundo é aquele em que ninguém é herói e ninguém é muito mal. As pessoas têm limites claros. Eros acaba sendo a força que lhes salva do tédio e do vicio.
Burguesa? Não porque Austen se coloca fora desse mundo. Suas heroínas são sempre inconformistas, mas lidam com a vida como ela é e não como querem que ela seja. Não sonham, se viram. Esse o segredo do encanto de Austen.
Allan Bloom tece esse retrato após analisar Tolstoi e Austen a luz de Eros. Ele demonstra o lado mais problemático de Tolstoi. Começa dizendo que sua geração viu Tolstoi como o guia para a vida. ( Bloom nasceu em 1930 ). Mas relendo Anna Karenina, 35 anos depois, ele percebe que o livro mais que um romance é uma pregação sem fim. Tolstoi prega Rousseau. Tenta unir a familia oa erotismo, critica a Rússia européia modernizada à força e elogia a Rússia camponesa, eslava, simples, pura, natural. É o mesmo discurso de Putin. Tolstoi não morreu.
Anna morre porque ela representa a Rússia que acreditou na Europa e Lievin sobrevive por ser o bom russo, o homem rico que descobre a sabedoria do povo. Lievin é Tolstoi. A grandeza do romance reside no fato de que Tolstoi se trai, se apaixona por Anna e acaba fazendo dela uma força irresistível. Ela engole o livro. Anna Karenina é uma enciclopédia sobre todo o mundo, sobre toda a vida e sobre a falência do romantismo. Ao contrário de Stendhal, que em nada acreditava, Tolstoi crê no Deus da natureza, o Deus da reprodução. Todo o livro é construído para enaltecer Lievin, mas acaba sendo de Anna.
Jane Austen nada tem dos exageros de Tolstoi e nem da ambição de Stendhal. Ela aceita a vida como ela é. E por isso, apesar de ser a mais antiga dos quatro gigantes ( Stendhal, Flaubert e Tolstoi ), ela é a mais próxima da nossa vida de hoje. Irônica, ela acena sempre com a sabedoria de quem enxerga todo o ridiculo da vida, mas ela compreende que instituições são necessárias para a vida. Ela sabe que Eros é indomável, mas que ele deve ter um canal por onde fluir e esse canal se chama compromisso. Os casais se analisam, testam, pesam, pensam e aceitam ou não. Familia e dinheiro é o que os move. Austen evita tocar em politica e em igreja, eles são fatos estabelecidos. Inglesa ao extremo, ela é prática. Seu mundo é aquele em que ninguém é herói e ninguém é muito mal. As pessoas têm limites claros. Eros acaba sendo a força que lhes salva do tédio e do vicio.
Burguesa? Não porque Austen se coloca fora desse mundo. Suas heroínas são sempre inconformistas, mas lidam com a vida como ela é e não como querem que ela seja. Não sonham, se viram. Esse o segredo do encanto de Austen.
O VERMELHO E O NEGRO DE STENDHAL, NADA MAIS A DIZER SOBRE O AMOR.
Pascal sempre foi o enigma, o nó do pensamento francês e um de seus postulados é aquele que diz que sem Deus o tédio se torna absoluto. Stendhal é ateu, e sabe que existe uma ânsia dentro do homem que nada de físico pode preencher. O burguês foge dessa ansiedade satisfazendo todos seus desejos. O homem superior sente essa vontade e corre o perigo de perder todo o interesse pelo mundo. A melancolia e o tédio se fazem seus companheiros. Porém existe um modo não religioso de resolver esse vazio, o amor entre homem e mulher. O erotismo.
( Faço aqui um adendo:: Rousseau disse que a alegria plena pode ser vivida ao se conseguir transformar o dever, que nos é dado pela sociedade, em desejo individual. O dever de procriar e ter uma familia se torna um jogo erótico de desejo. Dever que se faz desejo assumido individualmente pelo homem. Hoje não acontece exatamente o oposto? O desejo não se transformou em dever? )
Para Stendhal o amor erótico é um modo de se substituir o impulso da religião, de se alcançar o sublime. Mas, para se poder alcançar essa altura é preciso uma grande dose de amor-próprio, aquela estima a si-mesmo que faz com que o egoísmo natural a todos nós se transforme em vontade de ser reconhecido. Esse desejo de ser reconhecido, reconhecido como ser único, se direciona a pessoa amada. Ela, por ser única, deverá reconhecer o amor de quem a ela se dedica.
Allan Bloom ama Stendhal. Como eu também penso, nenhum autor jamais soube com tanta arte falar sobre o amor para aqueles que amam. Ele jamais é meloso, seu texto é incrivelmente veloz, objetivo. As coisas acontecem com rapidez e em poucas páginas já conhecemos os personagens e por eles estamos seduzidos. Julien Sorel, em O Vermelho e o Negro ama Napoleão. Vindo de meio medíocre, ele em ódio por burgueses, que vivem acomodados na busca do prazer simples, e pela aristocracia, que não o aceita. Por vingança ele seduz a esposa de seu patrão. A conquista como Napoleão, por amor a si-mesmo. Se surpreende ao perceber que ela realmente o ama e ele se derrete no sexo cheio de erotismo dos dois. É descoberto e foge. Seduz a filha nobre de seu próximo empregador. Ela, intelectual revoltada, arma com ele um jogo de poder. Na verdade os dois disputam a liderança, quem é o escravo e quem é o senhor. Um acidente ocorre ao fim, e não irei contar o final. O que posso dizer é que Julien morrerá jovem e Stendhal tirará desse fato toda sua filosofia. O que vale é viver. O burguês vive para viver longamente, o homem superior vive intensamente, sem se preocupar com duração e sim com qualidade. Julien morre feliz, no cadafalso. porque morre conhecendo o amor, pleno de gozo e de certeza de ter vivido.
Não conheço livro mais alegre, nobre, cômico, erótico e romantico.
( Faço aqui um adendo:: Rousseau disse que a alegria plena pode ser vivida ao se conseguir transformar o dever, que nos é dado pela sociedade, em desejo individual. O dever de procriar e ter uma familia se torna um jogo erótico de desejo. Dever que se faz desejo assumido individualmente pelo homem. Hoje não acontece exatamente o oposto? O desejo não se transformou em dever? )
Para Stendhal o amor erótico é um modo de se substituir o impulso da religião, de se alcançar o sublime. Mas, para se poder alcançar essa altura é preciso uma grande dose de amor-próprio, aquela estima a si-mesmo que faz com que o egoísmo natural a todos nós se transforme em vontade de ser reconhecido. Esse desejo de ser reconhecido, reconhecido como ser único, se direciona a pessoa amada. Ela, por ser única, deverá reconhecer o amor de quem a ela se dedica.
Allan Bloom ama Stendhal. Como eu também penso, nenhum autor jamais soube com tanta arte falar sobre o amor para aqueles que amam. Ele jamais é meloso, seu texto é incrivelmente veloz, objetivo. As coisas acontecem com rapidez e em poucas páginas já conhecemos os personagens e por eles estamos seduzidos. Julien Sorel, em O Vermelho e o Negro ama Napoleão. Vindo de meio medíocre, ele em ódio por burgueses, que vivem acomodados na busca do prazer simples, e pela aristocracia, que não o aceita. Por vingança ele seduz a esposa de seu patrão. A conquista como Napoleão, por amor a si-mesmo. Se surpreende ao perceber que ela realmente o ama e ele se derrete no sexo cheio de erotismo dos dois. É descoberto e foge. Seduz a filha nobre de seu próximo empregador. Ela, intelectual revoltada, arma com ele um jogo de poder. Na verdade os dois disputam a liderança, quem é o escravo e quem é o senhor. Um acidente ocorre ao fim, e não irei contar o final. O que posso dizer é que Julien morrerá jovem e Stendhal tirará desse fato toda sua filosofia. O que vale é viver. O burguês vive para viver longamente, o homem superior vive intensamente, sem se preocupar com duração e sim com qualidade. Julien morre feliz, no cadafalso. porque morre conhecendo o amor, pleno de gozo e de certeza de ter vivido.
Não conheço livro mais alegre, nobre, cômico, erótico e romantico.
ROMANCES DE AMOR
Como fiz vários posts sobre o Amor em música, falo agora de livros, poucos, que trazem memórias de amor.
O primeiro de minha vida foi Tom Sawyer. Sim, isso mesmo, o amor de Tom e Becky, o primeiro beijo. Incrível mas eu lembro do exato momento em que li sobre esse beijo: aos 9 anos, debaixo de bananeiras no quintal de casa. Muito calor. Antevi aí meu futuro primeiro beijo. Só não pensei que fosse demorar tanto.
Depois o namoro de Peter Parker e de Gwen Stacy e então os grandes romances.
David Copperfield com Dora, quando ela morre, a primeira página que me fez chorar ( no quarto, lendo de madrugada ). Em seguida o mais perfeito dos romances sobre o amor, O Morro dos Ventos Uivantes, Heathcliff e Catherine, o amor como maldição, como sina, o amor que é dor para sempre. O máximo do romantismo fatalista, um cataclisma na minha mente e alma. O cenário perfeito ( vento frio em campos pantanosos ) a mulher perfeita e o homem "mal" que esconde sua ferida.
Tudo que veio depois foi menos forte. Jake e Lady Brett no Heminguay de O Sol Também se Levanta, o amor impotente, amor irrealizável em meio a fiesta da Espanha. Os amores nas obras-primas de Stendhal, O Vermelho e o Negro e A Cartuxa de Parma, amores irônicos, amores que são como atuações que convencem o próprio ator. E escritos com a maestria do maior estilista.
O amor simples de Kitty e Lievin em Anna Karenina, pois o amor de Anna e Vronsky nunca foi para mim o centro da obra, mas sim o amor de Lievin, que descobre a perfeição na simplicidade de sua mulher. A felicidade nasce após a morte em vida do aturdido Lievin.
Ofélia e Hamlet...Esse amor continua um enigma, pois é impossível saber quem foi Hamlet e porque Ofélia o amava. O desagradável Hamlet.
Os amores dos livros de Jane Austen, tímidos, convencionais, trêmulos e hesitantes. A doce alegria de seus finais práticos, finais que na verdade são elogios ao pragmatismo. Ler Austen é amar suas heroínas e admirar os falsos tolos que são na verdade seus heróis.
Gatsby e sua tragédia. O desajustado que não percebe seu desajuste. O amor como miragem de beleza. Impossível.
Não posso negar a importãncia de A Insustentável Leveza do Ser. Hoje percebo suas falhas, mas na época, anos 80, Tereza foi musa para mim. Aliás, era esse seu nome? Well...Kundera foi por algum tempo um herói.
Estranho....poucos livros me marcaram como 'livros de amor". Falar de Henry James como autor amoroso é absurdo. A questão amorosa é centro de suas obras-primas, mas aquilo é mesmo amor? São personagens tão auto-centrados que fica dificil levar aquele sentimento a sério. Amor? Será? Solidão seria mais correto dizer.
Na verdade meus livros de 'amor" são os poetas. E deles ( Keats, Shelley. Blake, Lorca, Yeats, Rilke ) não vou falar. Estou discorrendo sobre a prosa.
Então nada de Dante e Beatriz.
Volto a Tom Sawyer. O beijo e amor por Becky é parte de um todo. Tom faz estrepulias, foge de casa, recupera dinheiro roubado, briga, se perde em mina abandonada. E ama à Becky cada vez mais. Esse é o roteiro ideal de uma boa história de amor. O arcabouço foi criado a mais de 3000 anos, na Grécia. E não se fez até aqui uma base melhor. O herói que ama e parte, prova sua grandesa e retorna ao amor.
É isso.
FLORENÇA, UM CASO DELICADO- DAVID LEAVITT ( A CIDADE E SUA SÍNDROME )
Florença é uma cidade pequena. Ela pode ser toda percorrida a pé. E nesse espaço pequeno ela comporta um quinto de toda a arte do mundo. Um quinto! Isso provoca uma síndrome conhecida como "Síndrome de Stendhal", o autor francês teria sido o primeiro a descrevê-la. Ela ocorre quando após horas vendo tantas maravilhas, achatado e asfixiado pelo tamanho do que há de genial naquilo tudo, o pobre visitante perde a noção de onde está, quem é e o que faz ali. Uma sensação de que não se é nada, de que a própria vida nada é, de que as obras são maiores que tudo, faz com que a consciência se esfarele. Vem a palpitação, as vertigens e o desmaio. Eis a tal síndrome. E creia, ela não ocorreu só com um romancista francês de mente criativa, ela aconteceu inúmeras vezes. Inclusive neste ano. Vivi uma coisa parecida em Chartres. Um maravilhamento tão intenso que é como se não pudéssemos mais existir. A completa perda do senso do eu-presente.
David Leavitt é um atual bom autor americano. E ele sabe que essa sensação era cotidiana na Renascença. O mundo moderno, não tendo a coragem de vivenciá-la, a nega. De que modo? Vulgarizando a arte. Michelangelo em canecas, bonés e chaveiros. Michelangelo como um artista pop.
O livro não é uma descrição da cidade. Volume da Cia das Letras, da mesma coleção do Flanêur, Florença não é cidade de flanêur. Nela os passeios têm objetivo, é uma cidade pequena, e onde cada rua é uma história. David Leavitt se prende então a história recente da cidade, de 1850 para cá, e eu não sabia: ela é uma cidade "inglesa" e é um tipo de consulado gay.
Inglesa porque desde 1850 todo inglês perseguido por ser excêntrico acabou indo viver em Florença. Em 1920 eram 50.000 numa cidade de 450.000 habitantes. Eram escritores, pintores, poetas e simples vagabundos. A tragédia deles, é que quase todos perderam o que tinham de talento na cidade. Vivendo em lugar onde tudo podia ser feito ( e esse tudo ia desde se casar com sua tia a ter amantes de 12 anos ), eles perdiam a garra e acabavam se tornando um tipo de playboys ultra-esnobes, fofocando uns dos outros todo dia, e escrevendo livros enfadonhos sobre seus casos. E.M. Forster foi o único que não perdeu seu dom, simplesmente por não ter se misturado a colônia inglesa. Os ingleses eram capazes de ficar trinta anos na cidade e continuar tomando chá e comendo sanduíches de pepino. Vinho, café e feijão, jamais! Foster se misturou, provou a cidade, conheceu a vida. David Leavitt dá breves relatos de vários desses autores. Muitos foram amigos de Oscar Wilde, e nem todos eram gays. Huxley esteve por lá, assim como Berenson, que viveu meia vida na cidade.
Florença é considerada a mais esnobe cidade da Itália. A lingua italiana nasceu na cidade e o visitante fica impressionado com a quantidade de nomes famosos que são relembrados em cada esquina. O rio Arno, que corta a cidade em duas, é hoje um pardacento rio imundo, mas mesmo assim as pessoas se encantam com sua cor de café com leite. Se o visitante não se cercar das amarras de sua fraqueza, a cidade o deixará enfeitiçado. Ela coloca todos de joelhos.
Em 1966 uma terrível inundação pegou a cidade inteira. Na TV da Itália, tudo o que se falava era do número de carros levados pelas águas do Arno. Mas, sem internet e sem ninguém planejar, uma quantidade enorme de jovens estudantes da Inglaterra, da Alemanha e até dos EUA se dirigiu para a cidade. O que eles foram fazer? Salvar o tesouro artístico da cidade. Eram filas de jovens, água suja até a barriga, passando de mão em mão, livros, quadros, estatuetas para lugar seguro. Há uma outra história tão bela quanto essa que se passou em 1945. Uma tropa de americanos veio libertar a cidade. Tudo pacificado, eles entram numa granja na periferia de Florença. Três oficiais entram num quarto e acendem a luz. Um deles diz: - Major! Giotto!, o outro fala: - Aqui!!! Botticelli!!! , ao que o major diz: -"E aqui um....Leonardo!!!!...
As obras eram escondidas em casas humildes durante a guerra para não serem levadas pelos alemães. Naquele quarto simples, 45 milhões de dólares, em valores de 1945, estavam nas paredes.
Florença é isso. Uma cidade agarrada a seu passado. Consciente do que foi e que estranhamente sabe que desde 1850 tem como moradores famosos, estrangeiros. A cidade parou de produzir nativos de brilho. Mas, orgulhosa, assoberbada, ela exibe a maior abundância de arte por metro quadrado em todo o globo.
É um belo livrinho!
David Leavitt é um atual bom autor americano. E ele sabe que essa sensação era cotidiana na Renascença. O mundo moderno, não tendo a coragem de vivenciá-la, a nega. De que modo? Vulgarizando a arte. Michelangelo em canecas, bonés e chaveiros. Michelangelo como um artista pop.
O livro não é uma descrição da cidade. Volume da Cia das Letras, da mesma coleção do Flanêur, Florença não é cidade de flanêur. Nela os passeios têm objetivo, é uma cidade pequena, e onde cada rua é uma história. David Leavitt se prende então a história recente da cidade, de 1850 para cá, e eu não sabia: ela é uma cidade "inglesa" e é um tipo de consulado gay.
Inglesa porque desde 1850 todo inglês perseguido por ser excêntrico acabou indo viver em Florença. Em 1920 eram 50.000 numa cidade de 450.000 habitantes. Eram escritores, pintores, poetas e simples vagabundos. A tragédia deles, é que quase todos perderam o que tinham de talento na cidade. Vivendo em lugar onde tudo podia ser feito ( e esse tudo ia desde se casar com sua tia a ter amantes de 12 anos ), eles perdiam a garra e acabavam se tornando um tipo de playboys ultra-esnobes, fofocando uns dos outros todo dia, e escrevendo livros enfadonhos sobre seus casos. E.M. Forster foi o único que não perdeu seu dom, simplesmente por não ter se misturado a colônia inglesa. Os ingleses eram capazes de ficar trinta anos na cidade e continuar tomando chá e comendo sanduíches de pepino. Vinho, café e feijão, jamais! Foster se misturou, provou a cidade, conheceu a vida. David Leavitt dá breves relatos de vários desses autores. Muitos foram amigos de Oscar Wilde, e nem todos eram gays. Huxley esteve por lá, assim como Berenson, que viveu meia vida na cidade.
Florença é considerada a mais esnobe cidade da Itália. A lingua italiana nasceu na cidade e o visitante fica impressionado com a quantidade de nomes famosos que são relembrados em cada esquina. O rio Arno, que corta a cidade em duas, é hoje um pardacento rio imundo, mas mesmo assim as pessoas se encantam com sua cor de café com leite. Se o visitante não se cercar das amarras de sua fraqueza, a cidade o deixará enfeitiçado. Ela coloca todos de joelhos.
Em 1966 uma terrível inundação pegou a cidade inteira. Na TV da Itália, tudo o que se falava era do número de carros levados pelas águas do Arno. Mas, sem internet e sem ninguém planejar, uma quantidade enorme de jovens estudantes da Inglaterra, da Alemanha e até dos EUA se dirigiu para a cidade. O que eles foram fazer? Salvar o tesouro artístico da cidade. Eram filas de jovens, água suja até a barriga, passando de mão em mão, livros, quadros, estatuetas para lugar seguro. Há uma outra história tão bela quanto essa que se passou em 1945. Uma tropa de americanos veio libertar a cidade. Tudo pacificado, eles entram numa granja na periferia de Florença. Três oficiais entram num quarto e acendem a luz. Um deles diz: - Major! Giotto!, o outro fala: - Aqui!!! Botticelli!!! , ao que o major diz: -"E aqui um....Leonardo!!!!...
As obras eram escondidas em casas humildes durante a guerra para não serem levadas pelos alemães. Naquele quarto simples, 45 milhões de dólares, em valores de 1945, estavam nas paredes.
Florença é isso. Uma cidade agarrada a seu passado. Consciente do que foi e que estranhamente sabe que desde 1850 tem como moradores famosos, estrangeiros. A cidade parou de produzir nativos de brilho. Mas, orgulhosa, assoberbada, ela exibe a maior abundância de arte por metro quadrado em todo o globo.
É um belo livrinho!
MAL ESTAR DO HOMEM MODERNO: STENDHAL, O VERMELHO E O NEGRO ( DE UMA AULA DE LITERATURA )
Pouco nos damos conta, mas até os finais do século XVIII inexiste o mal estar do ser perante a realidade. Nos textos pode haver dor e sofrimento, mas ela é provocada por guerras, fomes, injustiças de deuses ou de reis; não há sinal da dor provocada pela inadaptação do homem a seu mundo. Quando a tragédia se dá, então, ela ocorre por uma ação do destino, por uma sina; a partir da modernidade essa tragédia acontece por um mal que acompanha o personagem: o desconforto com a vida. O mal não vem de um azar, de um fato que ocorre, ele passa a existir no meio em que ele se move, habita o mundo real, está na cidade, nas ruas, e mesmo no campo.
De onde vem esse mal e porque ele surge nesse momento?
Para responder a isso precisamos fazer uma pergunta: Qual o maior mal? A morte. O que nos aterroriza na morte? O esquecimento, o deixar de estar aqui, o deixar de ser. Em suma, o tempo como forma de violência impessoal que a tudo leva, destrói e apaga. Essa é a pista:
Por mais doloroso que seja o drama de Hamlet, nada há ali que anuncie a morte daquele mundo. Hamlet sofre e morre, mas ele sabe que seu universo permanecerá. As coisas que ele conheceu e amou, os costumes que o encantavam sobreviverão a ele. Na Inglaterra com a revolução industrial e na França com a revolução tudo isso será perdido. O homem assistirá pela primeira vez a morte de seu mundo ANTES de sua própria morte.
Na Inglaterra essa violência que destrói vilas, estupra bosques e escraviza homens a minas e a fábricas, é mais contida. Ela é temperada por uma sensação de progresso, de enriquecimento, de poder do intelecto. O homem se assusta, perde seu chão, suas referências, mas não perde suas certezas. O rei continua em seu trono e a igreja anglicana continua impassível. É por isso que nunca veremos autores ingleses tão desesperançados quanto aqueles de países subjugados ou destruídos. E nem como os franceses.
Na França o choque foi maior, pois com os lugares e os hábitos se foram também os reis e a igreja. Tudo foi colocado de ponta cabeça em cinco anos: mortes, sangue, traições, o fim de um mundo de certezas e de previsibilidade. O fim absoluto. Quando Napoleão irrompe há a fé de que ele era o motivo de tanta dor, de que ele seria o grande herói a reordenar a vida. Mas ele é derrotado, a depressão se faz desconforto constante. Stendhal é o primeiro a escrever( e sentir ) isso.
Existe uma doença que se chama "SÍNDROME DE STENDHAL", ela é uma incapacidade de se viver em meio a coisas que mudam sem parar e sem motivo. Esse era Stendhal: um apaixonado por Napoleão que o vira ser derrotado e preso. Um homem que apesar de republicano sentia imensa saudade da nobreza monárquica. Ele não aceitava um mundo que VALORIZAVA O QUE UM HOMEM FAZ, E NÃO O QUE ELE ERA.
Em seus romances o herói não pode viver em meio ao tédio, a falta de brilho, a ausência de paixão. Se a vida real é hostil ( ela é feita para aqueles que nunca pensam e nada sabem sentir ), só resta a seus heróis ( como Julien Sorel deste apaixonante O VERMELHO E O NEGRO ) o amor, amor feito de conquista, de desespero, de enfrentamento a ordem burguesa e de derrota final. O herói deve perecer ou não seria um herói. Se vencesse daria valor ao mundo real, morrendo se divorcia desse mundo que o ofende. Julien vive como um Napoleão, enfrenta a vida, conquista, tenta ascender e é derrotado porque DEVE ASSIM O SER. Stendhal redime Napoleão de seus erros. Apesar de admirar a liberdade inglesa, ele não deixa de se indignar com a vitória do pragmatismo britânico.
Desde então, desde os românticos alemães e ingleses, que desejavam voltar a idade média ou viver em comunhão com os anjos, até Stendhal, não existe mais nenhum tipo de arte séria que mostre seus personagens a vontade na vida real. Voce nasce num mundo que corre, vê todas as suas certezas se transformarem em pó e aturdido, tenta encontrar um só ponto de referência, algo de imutável em meio ao furacão. Voce passa a negar a realidade ou a cinicamente glorificar o vazio. Quando Julien Sorel se deixa ser morto ele instaura a época dos derrotados profissionais. Os Cazuzas e as Amys.
Stendhal sentiu tudo isso, intuiu o que aquilo era e deu ao mundo o molde de um tipo de sensibilidade. Sem casa, sem rua e sem abrigo, nos tornamos todos vira-latas.
De onde vem esse mal e porque ele surge nesse momento?
Para responder a isso precisamos fazer uma pergunta: Qual o maior mal? A morte. O que nos aterroriza na morte? O esquecimento, o deixar de estar aqui, o deixar de ser. Em suma, o tempo como forma de violência impessoal que a tudo leva, destrói e apaga. Essa é a pista:
Por mais doloroso que seja o drama de Hamlet, nada há ali que anuncie a morte daquele mundo. Hamlet sofre e morre, mas ele sabe que seu universo permanecerá. As coisas que ele conheceu e amou, os costumes que o encantavam sobreviverão a ele. Na Inglaterra com a revolução industrial e na França com a revolução tudo isso será perdido. O homem assistirá pela primeira vez a morte de seu mundo ANTES de sua própria morte.
Na Inglaterra essa violência que destrói vilas, estupra bosques e escraviza homens a minas e a fábricas, é mais contida. Ela é temperada por uma sensação de progresso, de enriquecimento, de poder do intelecto. O homem se assusta, perde seu chão, suas referências, mas não perde suas certezas. O rei continua em seu trono e a igreja anglicana continua impassível. É por isso que nunca veremos autores ingleses tão desesperançados quanto aqueles de países subjugados ou destruídos. E nem como os franceses.
Na França o choque foi maior, pois com os lugares e os hábitos se foram também os reis e a igreja. Tudo foi colocado de ponta cabeça em cinco anos: mortes, sangue, traições, o fim de um mundo de certezas e de previsibilidade. O fim absoluto. Quando Napoleão irrompe há a fé de que ele era o motivo de tanta dor, de que ele seria o grande herói a reordenar a vida. Mas ele é derrotado, a depressão se faz desconforto constante. Stendhal é o primeiro a escrever( e sentir ) isso.
Existe uma doença que se chama "SÍNDROME DE STENDHAL", ela é uma incapacidade de se viver em meio a coisas que mudam sem parar e sem motivo. Esse era Stendhal: um apaixonado por Napoleão que o vira ser derrotado e preso. Um homem que apesar de republicano sentia imensa saudade da nobreza monárquica. Ele não aceitava um mundo que VALORIZAVA O QUE UM HOMEM FAZ, E NÃO O QUE ELE ERA.
Em seus romances o herói não pode viver em meio ao tédio, a falta de brilho, a ausência de paixão. Se a vida real é hostil ( ela é feita para aqueles que nunca pensam e nada sabem sentir ), só resta a seus heróis ( como Julien Sorel deste apaixonante O VERMELHO E O NEGRO ) o amor, amor feito de conquista, de desespero, de enfrentamento a ordem burguesa e de derrota final. O herói deve perecer ou não seria um herói. Se vencesse daria valor ao mundo real, morrendo se divorcia desse mundo que o ofende. Julien vive como um Napoleão, enfrenta a vida, conquista, tenta ascender e é derrotado porque DEVE ASSIM O SER. Stendhal redime Napoleão de seus erros. Apesar de admirar a liberdade inglesa, ele não deixa de se indignar com a vitória do pragmatismo britânico.
Desde então, desde os românticos alemães e ingleses, que desejavam voltar a idade média ou viver em comunhão com os anjos, até Stendhal, não existe mais nenhum tipo de arte séria que mostre seus personagens a vontade na vida real. Voce nasce num mundo que corre, vê todas as suas certezas se transformarem em pó e aturdido, tenta encontrar um só ponto de referência, algo de imutável em meio ao furacão. Voce passa a negar a realidade ou a cinicamente glorificar o vazio. Quando Julien Sorel se deixa ser morto ele instaura a época dos derrotados profissionais. Os Cazuzas e as Amys.
Stendhal sentiu tudo isso, intuiu o que aquilo era e deu ao mundo o molde de um tipo de sensibilidade. Sem casa, sem rua e sem abrigo, nos tornamos todos vira-latas.
O MELHOR DOS PSICÓLOGOS ( SOBRE A PAIXÃO ) - STENDHAL
Concordo com Harold Bloom ( e tantos outros ), Stendhal é o escritor que melhor analisou a paixão, desde o momento em que ela nasce ( é o único que consegue demonstrar como e porque ela surge ) até sua morte. Apenas Tolstoi lhe faz sombra.
Recordo de momento em minha vida, doente de paixão frustrada, em que comecei a ler O VERMELHO E O NEGRO. Sem muita vontade, achando ser incapaz de concentração, insone. Mas aconteceu a magia: logo em suas primeiras páginas Stendhal me capturou. Alí estava tudo o que eu vivera, eu não estava só. O livro me reergueu e só então percebi o quanto um livro pode ser precioso. Mas o que Stendhal faz é ainda melhor: ele descreve a paixão em profundidade, mas jamais deixa de nos exibir o ridículo que vive ao lado do sublime. Ele não faz sátira, respeita o amor, mas demonstra o quanto nosso sofrimento tem de consciente, de livre-escolha, de masoquismo. Stendhal sabe exatamente onde mora a armadilha.
E sempre é um prazer ler seus livros. A escrita varia entre a alegria solar ( o amor para ele, mesmo se sofredor, é sempre vital, portanto, alegre ) e o sonho. Ele consegue nos fazer mergulhar no delírio da paixão, mas nunca parece "místico" ou poeta, é sempre um realista.
Julien, personagem deste livro, é um frio ambicioso. Ou não? Ele sabe usar o amor, trata-se de um sedutor. Ou não? Essa dubiedade acontece também com as duas personagens femininas centrais. Ficamos em dúvida: aquilo é amor verdadeiro ou é narcisismo? Eles se amam ou se usam para se amar? A vítima é uma vítima ou é uma atriz/autora, presa em sua peça feita de espelhos?
Stendhal usa todos os artifícos do romantismo, mas os analisa, esvazia-os, mostra a bufonaria dos hábitos. Julien paga por seus crimes, mas mesmo o cadafalso é ilusório, teatral, mascarada de convenções.
Como dizem tantos críticos, mais que o amor, Stendhal mostra que é o desejo que sempre nos cega e nos faz errar. E preciosamente, em sua escrita, Stendhal transmite cada meandro, cada fagulha desse desejo, seja o subjetivo desejo pela felicidade, seja o urgente desejo pelo poder. Ele demonstra que amor é carne, é posse, é ter, mas que também pode ser alma, deixar de ser, dar-se e se iludir.
Nietzsche chamava-o de O GRANDE PSICÓLOGO. Percebeu Stendhal que todos os nossos erros nascem de nossa impaciência, que bastava saber esperar e conseguir calar para deixar de errar. Que toda a dor do homem nasce do fato de que somos incapazes de nos aquietar. É urgente que façamos coisas, que matraqueemos, que "vivamos". E toda essa ação, essa falação sem fim nos leva ao erro, principalmente em amor, mundo onde o silêncio e a quietude são regras de ouro.
Tudo o que sofri e tudo o que errei estão em Stendhal. O VERMELHO E O NEGRO, obra-prima de tempo em que o gênio abundava no ocidente, é manual de paixão, auto-ajuda de verdade, monumento à mente sagaz de um homem.
Stendhal sabia tudo.
Recordo de momento em minha vida, doente de paixão frustrada, em que comecei a ler O VERMELHO E O NEGRO. Sem muita vontade, achando ser incapaz de concentração, insone. Mas aconteceu a magia: logo em suas primeiras páginas Stendhal me capturou. Alí estava tudo o que eu vivera, eu não estava só. O livro me reergueu e só então percebi o quanto um livro pode ser precioso. Mas o que Stendhal faz é ainda melhor: ele descreve a paixão em profundidade, mas jamais deixa de nos exibir o ridículo que vive ao lado do sublime. Ele não faz sátira, respeita o amor, mas demonstra o quanto nosso sofrimento tem de consciente, de livre-escolha, de masoquismo. Stendhal sabe exatamente onde mora a armadilha.
E sempre é um prazer ler seus livros. A escrita varia entre a alegria solar ( o amor para ele, mesmo se sofredor, é sempre vital, portanto, alegre ) e o sonho. Ele consegue nos fazer mergulhar no delírio da paixão, mas nunca parece "místico" ou poeta, é sempre um realista.
Julien, personagem deste livro, é um frio ambicioso. Ou não? Ele sabe usar o amor, trata-se de um sedutor. Ou não? Essa dubiedade acontece também com as duas personagens femininas centrais. Ficamos em dúvida: aquilo é amor verdadeiro ou é narcisismo? Eles se amam ou se usam para se amar? A vítima é uma vítima ou é uma atriz/autora, presa em sua peça feita de espelhos?
Stendhal usa todos os artifícos do romantismo, mas os analisa, esvazia-os, mostra a bufonaria dos hábitos. Julien paga por seus crimes, mas mesmo o cadafalso é ilusório, teatral, mascarada de convenções.
Como dizem tantos críticos, mais que o amor, Stendhal mostra que é o desejo que sempre nos cega e nos faz errar. E preciosamente, em sua escrita, Stendhal transmite cada meandro, cada fagulha desse desejo, seja o subjetivo desejo pela felicidade, seja o urgente desejo pelo poder. Ele demonstra que amor é carne, é posse, é ter, mas que também pode ser alma, deixar de ser, dar-se e se iludir.
Nietzsche chamava-o de O GRANDE PSICÓLOGO. Percebeu Stendhal que todos os nossos erros nascem de nossa impaciência, que bastava saber esperar e conseguir calar para deixar de errar. Que toda a dor do homem nasce do fato de que somos incapazes de nos aquietar. É urgente que façamos coisas, que matraqueemos, que "vivamos". E toda essa ação, essa falação sem fim nos leva ao erro, principalmente em amor, mundo onde o silêncio e a quietude são regras de ouro.
Tudo o que sofri e tudo o que errei estão em Stendhal. O VERMELHO E O NEGRO, obra-prima de tempo em que o gênio abundava no ocidente, é manual de paixão, auto-ajuda de verdade, monumento à mente sagaz de um homem.
Stendhal sabia tudo.
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