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TAMBÉM O CISNE MORRE - ALDOUS HUXLEY
Huxley esteve em Hollywood nos anos de 30 e 40. Na verdade foi morar por lá como roteirista. Deu palpites em muitos roteiros que não levam seu nome e nas horas vagas, escreveu romances. Este é de 1939, pouco antes de ADMIRÁVEL MUNDO NOVO. -------------- Aqui ele já percebe a aramdilha que fora armada para o homem do século XX ( e XXI ). A ditadura do prazer faria com que as pessoas abrissem mão de tudo: honra, liberdade, verdade, laços familiares, sentido d vida, tudo em nome do prazer, um prazer que seria sempre ilusório, pouco durável e portanto sempre em fuga. Ajoelhados perante aquele que lhes dá o prazer, prazer este puramente sensorial-físico, o ser humano seria para sempre um poço de ansiedade, espremido entre o medo de perder o prazer e a submissão a quem o proporciona. ----------------- Há um personagem aqui, um gordinho meio padre meio carpinteiro, bastante artificial pois ninguém conversa daquele modo, que é porta voz de Huxley. Ele diz que inclusive a religião e a ideologia política fazem parte desse tipo de prazer barato, ambos dando ao ansioso a ilusão de fazer parte de uma irmandade e de possuir uma missão na vida. Imenso prazer esse. ---------------------- O livro foi escrito durante a guerra civil da Espanha e Huxley condena os fascistas, lógico, mas não defende os republicanos. Ele sabe que se mantidos no poder, os republicanos fariam o mesmo que Franco e sua gangue, ou seja, prisões, assassinatos, exílios, crimes. Para ele, TODA ideologia é criminosa pois tira do homem sua única chance de felicidade, a independência. ------------------- A trama? Weeeellll...Huxley, como Orson Welles, ficou impressionado com Hearst e sua Shangrila. Então Huxley escreve sobre um bilionário americano, brega, que vive entre Vermmeers, Rafaellos e El Grecos. Coleciona objetos antigos, enche os jardins de estátuas e tem uma biblioteca de sonho. Aterrorizado pela ideia da morte, ele tem uma laboratório onde tenta se desenvolver um soro que prolongue a vida. Uma jovem é sua amante. Há ainda um inglês que vem catalogar uma nova coleção de manuscritos raros, um jovem cientista idealista e o tal pároco. --------------- Na primeira parte é uma sátira ao nível Evelyn Waugh. Huxley ri da loucura americana. Mas depois o romance se torna pregação filosófica e por fim um drama de mistério. Huxley era o tipo do cérebro que podia escrever o que quisesse, sua falha era o excesso de pregação. Se em A ILHA isso destroi a obra, aqui ela se salva. É um belo romance. -------------------- Diz-se aqui que tudo aquilo que pode ser descrito ou pensado dentro da gramática, por palavras, nada vale, pois é puramente humano. Teria Huxley lido Wittgeinstein????? Para Huxley, temos 3 níveis: o animal, que é válido e puro, mundo de instintos e de fomes, o médio, o pior, que é o humano, totalmente ligado ao tempo e ao prazer sem sentido, e o nível 3, fora do tempo, eterno e divino. Complicado? Não acho. Talvez porque eu já tenha sentido na carne cada um desses níveis. Talvez um dia eu fale sobre.
ESPIONAGEM NA INGLATERRA E UM LIVRO MUITO PERIGOSO
Acabo de ler que um dos serviços de contra espionagem inglês possui um comunicado onde se lê: " Qualquer pessoa que for vista com o livro 1984 de Orwell, ou obras de Joseph Conrad, Tolkien, CS Lewis será considerada uma perigosa extremista de direita. Livros que pregam a contra revolução não podem ser tolerados. " Pasmado? Eu não. Esse movimento não é novo e durante a pandemia foi bastante solidificado. Na crise do vírus, governos perceberam que a população é hoje facilmente comandada. Quem foi e é crítico será sempre chamado de extremista. E de direita, porque quem não aceita a "união pelo bem " só pode ser um egoísta e todo egoísta é direitista. ---------------- Um técnico mostra na NET, com imagens, que a AI, a inteligência artificial que começa a ser dada agora para uso geral, já está ideologizada. Se voce pede para o cérebro eletrônico criar um poema sobre Bolsonaro, ele responde não poder criar nada que seja sobre política. Mas se voce pede um sobre Lula, ele te dá um longo poema sobre o heroi. ---------------- Eu não fico surpreso e nem alarmado. O bom senso prevalecerá. A incompetência da esquerda destroi a ela mesma. Aliás, acabo de reler mais um livro de Evelyn Waugh, e ele não entra na lista da Inglaterra porque ninguém mais o lê. MALÍCIA NEGRA foi escrito em um tempo em que as pessoas discutiam, não cancelavam e fingiam ignorar. Seria interessante ver um lacrador de 2023, um típico comedor de ostras da Vila Madalena lendo este livro. Como um nazista, ele provavelmente o queimaria na calçada. A sátira demolidora de Waugh fala de um imaginário país africano onde a crueldade e a corrupção impera. O presidente só se preocupa em parecer chique e fino, gasta fortunas em decoração e palácios, seus aliados o traem por qualquer quantia, o exército é antigo e sem disciplina, os estrangeiros brancos vivem em ócio impotente e loucos para fugir do lugar, cenas e mais cenas de assassinatos, roubos, fugas, troca de favores. Fome e miséria para o povo, uma nova limusine para o líder. Waugh jamais pensa estar sendo racista, ele simplesmente cria uma ficção que espelha a realidade. A África dos anos 60 era exatamente aquilo e escrever sobre o que se via não era ofensivo ou proibido. Não era coisa de chato de direita. Era a época de Idi Amin comendo a carne de seus rivais e de guerrilhas dizimando quem não lutasse por elas. Não houve um só país da Africa negra que não fosse vítima de líderes metidos à besta. Waugh nos faz sentir nojo e rir amargo. Sim, o livro é uma comédia. -------------------- Estou surpreso por ainda não terem se metido a criticar Jung por sua fé na INDIVIDUAÇÃO. Talvez porque Jung foi tomado por charlatâes que só percebem nele aquilo que desejam ver. Já Eliot, assumidamente conservador, é complicado demais para um militante censor e por isso ainda não foi atacado. Toda censura é burra e ao mirar em Orwell ou Tolkien eles esquecem do muito mais perigoso, para eles, Nietzsche, o homem que pregava o indivíduo sobre tudo o mais. Literatura de valor é sempre anti grupal e aqueles que tentaram ou foram fortemente socialistas envelheceram rapidamente: Gorki, Brecht, Shaw. Neruda só é lido na América do Sul, continente que nunca irá sair de 1968, e Saramago já começa a exibir teias de aranha em sebos. Mesmo autores "de esquerda branda", quando lidos com isenção, revelam, se são muito bons, um individualismo imenso, um descompromisso com revoluções, uma desconfiança às promessas de união pelo bem. Os ingleses vão ter de queimar mais livros que os nazis queimaram em 38.
O BEM AMADO - EVELYN WAUGH
Waugh foi um dos grandes escritores ingleses do século XX e até os anos de 1980 era muito famoso. Depois, como aconteceu com 90% dos escritores do mundo, ele sumiu dos cadernos culturais. Waugh era um satirista, na bela tradição britânica de Swift e Sterne. Dele já li tudo e releio este curto volume sobre a California. ---------------- Tendo ido à Hollywood nos anos 40. Waugh trouxe de lá as piores impressões. Ele não suportou tanta infantilidade. Os americanos do oeste lhe pareceram pouco mais que crianças bonitinhas, apenas isso. Tudo o que falavam, pensavam ou queriam era digno de um aluno de 7 anos razoavelmente dotado. Eram acima de tudo ingênuos, crédulos, faceis de manipular. Pois bem. Com esse pensamento, Waugh poderia escrever sobre o cinema de lá, ou a politica, ou um pseudo policial. Mas não. Ele foi no amago do humor muito negro, seu tema são os maquiadores de cadáveres. ---------------- A ação fala de um inglês, jovem, que vive por lá. Poeta, ele ganha a vida como funcionário de um cemitério de bichos. Esse jovem se apaixona por uma genial maquiadora de cadáveres humanos. Forma-se um triãngulo, pois ela é noiva de seu chefe, o gênio do embalsamento. Waugh usa esse ambiente para revelar o grotesco de uma sociedade que ama apenas o que parece bom, oposto radical da velha Europa, cínica, amoral, decadente, maliciosa, adulta, má. Sim, Waugh confessa que é um tipo de novela de Henry James maldosa. Ao final, como em James, a americana sofre por sua imaturidade e seu auto engano, e o inglês se revela um malandro sem sentimento algum. Ele se dá bem, pois explora a tolice dos americanos, e aos californianos resta apenas continuar sua vida "linda" de gurus, novas religiões, cadáveres sorridentes e cachorros humanizados. --------------- Waugh deve ter sido um cara mau, muito mau. Paulo Francis dizia que ele era. Sua obra, que eu amo, o confirma.
DEUS E OS ESCRITORES
Um amigo me manda uma crônica escrita por Antonio Lobo Antunes. Nela, o português fala de ter revisto uma entrevista feita na BBC por Evelyn Waugh. No início, Antonio celebra a alegria de se ver um jornalista inteligente, coisa cada vez mais rara, entrevistando um escritor do tamanho de Waugh. O inglês foi um autor famoso, dono de um caráter muito dificil, e que produziu livros que adoro e que guardo como tesouros. Mal humorado, agressivo, Waugh era amigo de Graham Greene, outro inglês católico. Antonio conta que ao final da entrevista, o entrevistador pergunta, depois de morto, como Waugh gostaria que seus leitores o lembrassem. Segundo Antonio, Waugh faz cara de criança e repete duas vezes, "Que rezem por mim". -------------------------- Eis o momento em que Antonio se emociona. Ele nos conta que Aristoteles relata em certa obra seus 10 autores favoritos. Todos esses dez não têm uma só obra que sobreviveu até nosso tempo. Antonio, dizendo que aquela é a melhor entrevista que já viu, fala que Waugh não espera nada da posteridade. Tudo o que ele deseja é a salvação de sua alma. Em pura sinceridade ele se desnuda, e revela ser um homem antes de um autor. Antonio lembra-se então do momento em que teve uma epifania e sentiu sua eternidade. Como um grão, mas um grão eterno. Um grão sem obra e sem nome, porém eterno como grão, grão que sente paixão, sedento e sem fim.
AS DUAS MORTES DE CERTOS AUTORES
Muito mais chata que a notícia da morte de um autor é quando voce percebe que existem autores que morrem duas vezes. Talvez o maior exemplo mundial seja Bernard Shaw. Voce pode não saber, mas até os anos 60 Shaw era considerado o segundo maior autor teatral da história. Apenas Shakespeare era mais encenado que ele. Ganhou o Nobel, viveu quase 100 anos e morreu como um tipo de centro luminoso das letra inglesas. Mas, desde sua morte, nos anos de 1950, sua obre entrou em ostracismo. Não é nem o caso de se dizer que nosso tempo está errado. Na verdade Shaw era novidadeiro. Suas peças, muitas, defendem a liberação feminina, direitos trabalhistas, fim ao sistema de classes, liberdade sexual. Quando esses temas passaram a ser tratados de modo muito mais explícito e feroz por gente como Albee e Osborne, Shaw se tornou passado. André Gide é um caso diferente. Ele foi até os anos de 1960 o gigante das letras francesas. Vivo até seus 90 anos, lúcido, homossexual, foi amigo de Wilde, escreveu relatos honestos sobre o mundo gay, sobre a igreja, sobre a crise da moralidade. Mas, atacado pelos escritores políticos de então, Gide foi chamado de individualista, desinteressado por política, anódino. Seu estilo, refinado, não o ajudou. Ao contrário de Shaw, eu aposto que se ainda houver leitura séria nos anos de 2030 ele pode voltar. Herman Hesse é outro autor que um dia, principalmente nos anos hippies, foi chamado de gênio. Hoje voce só o encontra em sebos. Seus livros sumiram. Nas letras alemãs de 1940-1950, a grande discussão era descobrir quem era maior: Hesse ou Mann. Hoje parece uma heresia essa comparação. Robert Musil tomou o posto de Hesse. Lawrence Durrel é um inglês que morreu nos anos de 1980 e que hoje está criando mofo nos sebos. Ele era muito levado a sério. Livros sobre sexo e demonismo, mas que hoje parecem soft. Passado o escândalo, restou um autor competente, mas que não consegue público agora. Posso falar de muitos outros. Gente de fama intelectual imensa. Tipo Gabriela Mistral, John Galsworthy ou Pearl Buck. Todos com Nobeis. Milan Kundera já foi mega considerado e é claro que após morrer, Sam Shepard caminha ao esquecimento. Esses casos não são como Graham Greene ou Evelyn Waugh. Greene e Waugh tiveram sucesso demais, acima de suas espectativas durante um certo tempo. Mas jamais foram o centro da coisa, como foram Shaw, Hesse e Gide. Se hoje Greene e Waugh não vendem mais como venderam durante três décadas, isso é apenas uma normalização. Sobreviverão ao lado de Nabokov e Bellow como ícones do século XX. Mas a queda moral de Shaw, a maior queda de meu tempo, é incomparável.
O FIO DA NAVALHA + GASLIGHT. DIVERSÃO PARA ADULTOS BABY
O FIO DA NAVALHA de W. Somerset Maugham é daqueles best sellers que ninguém mais lê. Maugham, escritor profissional ao extremos, escreveu de tudo: romances, contos, teatro, cinema. Em certo momento, anos 40 e 50, ele era um dos cinco autores mais lidos no mundo. Hoje seus livros não interessam mais. São muito pop para serem estudados pelo povo metido a artista, e muito adultos para serem lidos por quem quer apenas fantasia, afinal, nossos atuais best sellers são todos fantasias sobre horror ou ciência, ou algum tipo de auto ajuda disfarçada.
O FIO DA NAVALHA foi um dos romances formadores em minha vida. Como Zorba O Grego, Cândido, Complexo de Portnoy, são aqueles livros que me fizeram amar a leitura já em minha época de adulto. Se a história de meus livros amados começou com Tom Sawyer e A Ilha do Tesouro, foi com O Fio da Navalha que essa história se confirma. Li 3 vezes e me identifiquei com Larry, o homem que traumatizado pela guerra, passa a vida fugindo do mundo à procura da iluminação. Maugham escreve como quem fala à beira da lareira fumando um cachimbo. Pausado, calmo, jamais cansativo. Literatura de alta gastronomia. Como a de Isak Dinesen. Evelyn Waugh.
Em 1984, Bill Murray, apaixonado pelo livro, fez um filme sobre a obra de Maugham. Larry feito por Bill Murray. Um filme longo e aborrecido. Pior que tudo, metido à arte. Salva-se apenas a Sophie feita por Theresa Russel. Ontem vi a versão de Edmund Goulding, Fox, 1946, época em que a moda Maugham estava no auge. É um típico filme adulto POP de Hollywood. O tipo de filme que hoje só pode ser feito na TV. Estranhamente o filme foca muito mais em Elliot, o velho esnobe, e Maugham, o próprio escritor que conta a história de Larry. Funciona? Muito. Larry no filme se torna aquilo que ele é na vida: personagem esquivo, que surge e desaparece, um solitário. Gene Tierney faz a maldosa ex noiva de Larry. Há que se dizer, Gene Tierney foi a mais bonita mulher do cinema. Estranho fato, todas as divas da tela hoje parecem grotescas. Marilyn, Greta, Marlene, Rita, são como bonecas em show de travestis. Porém Gene Tierney, assim como Grace Kelly ou Jeanne Crain, são tão belas hoje como sempre foram. É um bom filme.
Patrick Hamilton escrevia teatro popular-chique. Esse tipo de teatro hoje sobrevive apenas em alguns musicais. O público era o casal de 35-60 anos, classe média, curso superior, querendo se divertir ao mesmo tempo que usava sua inteligência. O filme Gaslight, direção de George Cukor, Oscar para Ingrid Bergman, é eletrizante. Ingrid é a pobre mulher que quase enlouquece nas mãos de Charles Boyer. NUNCA ME IRRITEI TANTO com um vilão como com esse CRÁPULA feito por Boyer. Não me importa se ele exagera ou não. Eu fiquei a ponto de destruir a TV. Eu o odiei muito! MUITOOOOOOOOOOO!!!!!!!! Ótimo filme. Dizem que a versão inglesa é ainda melhor. Vou vê-la.
Ingrid Bergman? Ela exala sexualidade até quando dorme. Tivesse sido atriz nos mais despudorados anos 60 ou 70, teria enlouquecido homens em salas de cinema. Ela tem traços nórdicos demais, mãos grandes, mas seu olhar e suas cenas de beijo são de absoluta entrega. Sentimos que ela é ultra quente. Aqui ela ganhou seu Oscar, merecido, e os USA se apaixonaram por ela. Ingrid vinha da sequência Casablanca, Por Quem Os Sinos Dobram, Notorious de Hitchcock...difícil achar atriz com sequência de filmes tão icônica. Mas em 48 ela destruiria tudo ao largar marido médico para viver com Roberto Rosselini, logo um italiano!!!! Corajosa Ingrid.
Dois ótimos filmes. Gaslight é melhor.
O FIO DA NAVALHA foi um dos romances formadores em minha vida. Como Zorba O Grego, Cândido, Complexo de Portnoy, são aqueles livros que me fizeram amar a leitura já em minha época de adulto. Se a história de meus livros amados começou com Tom Sawyer e A Ilha do Tesouro, foi com O Fio da Navalha que essa história se confirma. Li 3 vezes e me identifiquei com Larry, o homem que traumatizado pela guerra, passa a vida fugindo do mundo à procura da iluminação. Maugham escreve como quem fala à beira da lareira fumando um cachimbo. Pausado, calmo, jamais cansativo. Literatura de alta gastronomia. Como a de Isak Dinesen. Evelyn Waugh.
Em 1984, Bill Murray, apaixonado pelo livro, fez um filme sobre a obra de Maugham. Larry feito por Bill Murray. Um filme longo e aborrecido. Pior que tudo, metido à arte. Salva-se apenas a Sophie feita por Theresa Russel. Ontem vi a versão de Edmund Goulding, Fox, 1946, época em que a moda Maugham estava no auge. É um típico filme adulto POP de Hollywood. O tipo de filme que hoje só pode ser feito na TV. Estranhamente o filme foca muito mais em Elliot, o velho esnobe, e Maugham, o próprio escritor que conta a história de Larry. Funciona? Muito. Larry no filme se torna aquilo que ele é na vida: personagem esquivo, que surge e desaparece, um solitário. Gene Tierney faz a maldosa ex noiva de Larry. Há que se dizer, Gene Tierney foi a mais bonita mulher do cinema. Estranho fato, todas as divas da tela hoje parecem grotescas. Marilyn, Greta, Marlene, Rita, são como bonecas em show de travestis. Porém Gene Tierney, assim como Grace Kelly ou Jeanne Crain, são tão belas hoje como sempre foram. É um bom filme.
Patrick Hamilton escrevia teatro popular-chique. Esse tipo de teatro hoje sobrevive apenas em alguns musicais. O público era o casal de 35-60 anos, classe média, curso superior, querendo se divertir ao mesmo tempo que usava sua inteligência. O filme Gaslight, direção de George Cukor, Oscar para Ingrid Bergman, é eletrizante. Ingrid é a pobre mulher que quase enlouquece nas mãos de Charles Boyer. NUNCA ME IRRITEI TANTO com um vilão como com esse CRÁPULA feito por Boyer. Não me importa se ele exagera ou não. Eu fiquei a ponto de destruir a TV. Eu o odiei muito! MUITOOOOOOOOOOO!!!!!!!! Ótimo filme. Dizem que a versão inglesa é ainda melhor. Vou vê-la.
Ingrid Bergman? Ela exala sexualidade até quando dorme. Tivesse sido atriz nos mais despudorados anos 60 ou 70, teria enlouquecido homens em salas de cinema. Ela tem traços nórdicos demais, mãos grandes, mas seu olhar e suas cenas de beijo são de absoluta entrega. Sentimos que ela é ultra quente. Aqui ela ganhou seu Oscar, merecido, e os USA se apaixonaram por ela. Ingrid vinha da sequência Casablanca, Por Quem Os Sinos Dobram, Notorious de Hitchcock...difícil achar atriz com sequência de filmes tão icônica. Mas em 48 ela destruiria tudo ao largar marido médico para viver com Roberto Rosselini, logo um italiano!!!! Corajosa Ingrid.
Dois ótimos filmes. Gaslight é melhor.
MEMÓRIAS DE BRIDESHEAD - EVELYN WAUGH, UMA SEGUNDA LEITURA.
Meu primeiro contato com Waugh foi através da série inglesa, em 24 capítulos, que passou na TV Cultura, legendada, em maio de 1988. O elenco era absurdo de tão sublime: Jeremy Irons, Laurence Olivier, John Gielgud, Claire Bloom. A série passara em Londres em 1981, e na época mudara toda uma geração de jovens ingleses conservadores. O Bowie de Let´s Dance é cópia visual do Sebastian Flyte da série. Bandas pipocaram imitando o visual anos 20 da série, de Style Council à Spandau Ballet. A fotografia da série e a trilha sonora eram sublimes. Natural que eu me apaixonasse. Nos Jardins, em SP, as pessoas se reuniam às quintas, com whisky e chá, para assistir um novo capítulo. Era ultra chique.
Depois, via Paulo Francis, Sérgio Augusto, Matinas Suzuki, passei a entender quem fora Evelyn Waugh. Um famoso autor inglês, ativo dos anos 20 até os anos 60. Escrevera vários livros de sucesso. Famoso pela sátira, pela verve, pelo humor agudo. Brideshead é seu único livro "sério". Mas mesmo assim há algo de patético em certas descrições e diálogos. Waugh se converteu ao catolicismo ao fim da vida. Era gay. Bebia bastante. Ficou rico.
Charles Ryder conhece Sebastian Flyte em Oxford. E essa primeira parte do livro é a melhor. Waugh nos faz amar Oxford, descreve a universidade com brilho. O amor gay entre Ryder e Flyte nos enleva. Ryder é ateu e plebeu, apesar de rico; Sebastian Flyte é hiper nobre e católico, uma estranha minoria na Inglaterra. Além dos dois temos vários personagens vivos e sempre interessantes, Anthony Blanche, uma bicha afetadíssima, o pai de Ryder, um velho engraçadíssimo, desligado e sovina; a mãe de Sebastian, carola e sofrida; o pai, um homem que fugiu da Inglaterra e virou um tipo de pecador boa vida. E muito mais...
Com o tempo, Ryder se torna amigo da mãe de Sebastian, e isso os afasta. Sebastian se torna um bêbado e decai até as ruas do Cairo. Ryder se apaixona pela irmã de seu ex-namorado, a bela Julia. E o resto não conto.
Não estranhem, o livro diz claramente que todo jovem inglês ou alemão aprende a amar com um amigo do mesmo sexo, e depois se torna hetero aos 20, 21 anos. Em países latinos isso é incompreensível. Nos EUA também não há esse "segredo". Não sou inglês então não tenho como saber. Mas não se engane, o tema do livro não é o sexo, é na verdade a decadência. O fim da era das casas de campo, dos criados, de um estilo de vida que morre na Segunda Guerra. A falência dos aristocratas e da vida aristocrática. O segundo tema, ligado ao primeiro, é a sobrevivência do sagrado no mundo moderno. A " Luzinha vermelha" que ainda está acesa, embora discreta.
O livro é um dos 10 favoritos de minha vida. A série, idem.
Reler foi um imenso bem.
Depois, via Paulo Francis, Sérgio Augusto, Matinas Suzuki, passei a entender quem fora Evelyn Waugh. Um famoso autor inglês, ativo dos anos 20 até os anos 60. Escrevera vários livros de sucesso. Famoso pela sátira, pela verve, pelo humor agudo. Brideshead é seu único livro "sério". Mas mesmo assim há algo de patético em certas descrições e diálogos. Waugh se converteu ao catolicismo ao fim da vida. Era gay. Bebia bastante. Ficou rico.
Charles Ryder conhece Sebastian Flyte em Oxford. E essa primeira parte do livro é a melhor. Waugh nos faz amar Oxford, descreve a universidade com brilho. O amor gay entre Ryder e Flyte nos enleva. Ryder é ateu e plebeu, apesar de rico; Sebastian Flyte é hiper nobre e católico, uma estranha minoria na Inglaterra. Além dos dois temos vários personagens vivos e sempre interessantes, Anthony Blanche, uma bicha afetadíssima, o pai de Ryder, um velho engraçadíssimo, desligado e sovina; a mãe de Sebastian, carola e sofrida; o pai, um homem que fugiu da Inglaterra e virou um tipo de pecador boa vida. E muito mais...
Com o tempo, Ryder se torna amigo da mãe de Sebastian, e isso os afasta. Sebastian se torna um bêbado e decai até as ruas do Cairo. Ryder se apaixona pela irmã de seu ex-namorado, a bela Julia. E o resto não conto.
Não estranhem, o livro diz claramente que todo jovem inglês ou alemão aprende a amar com um amigo do mesmo sexo, e depois se torna hetero aos 20, 21 anos. Em países latinos isso é incompreensível. Nos EUA também não há esse "segredo". Não sou inglês então não tenho como saber. Mas não se engane, o tema do livro não é o sexo, é na verdade a decadência. O fim da era das casas de campo, dos criados, de um estilo de vida que morre na Segunda Guerra. A falência dos aristocratas e da vida aristocrática. O segundo tema, ligado ao primeiro, é a sobrevivência do sagrado no mundo moderno. A " Luzinha vermelha" que ainda está acesa, embora discreta.
O livro é um dos 10 favoritos de minha vida. A série, idem.
Reler foi um imenso bem.
CAMERON CROWE- WILLIAM POWELL- MYRNA LOY- PAUL RUDD- WILLIAM H. MACY- DISCO MUSIC
DEU A LOUCA NOS ASTROS de David Mamet com William H. Macy, Alec Baldwin, Sarah Jessica Parker, Philip Seymour Hoffman, Julia Stiles e Charles Durning.
Uma equipe de cinema invade uma cidade para fazer um filme. O diretor não sabe o que fazer e só pensa em dinheiro. O ator estrela é pedófilo. O escritor é inseguro. E a cidade se vende baratinho....É um anti-A Noite Americana, de Truffaut. Ao contrário do filme francês, aqui o cinema é apenas um ato de histeria. E no oposto a Oito e Meio, o diretor é somente um burocrata. O filme é tão desencantado que se torna vazio. Os atores dão o máximo, mas sei lá...é um filme bastante frouxo. Nota 3.
FÉRIAS FRUSTRADAS de Goldstein e Daley com Ed Helms e Christina Applegate.
Oh God! Uma semi refilmagem do velho filme de Chevy Chase ( que aparece aqui chocantemente mudado ). Seria ok se tivesse uma cena engraçada...Não tem. Algumas até nos deixam constrangido. A comédia, esse filho bastardo, está num de seus piores momentos neste século sofrido. Christina foi a Bundy-filha na maravilhosa série Um Amor de Família...bons tempos do politicamente incorreto. ZERO.
A CEIA DOS ACUSADOS de W.S.Van Dyke com William Powell, Myrna Loy e Maureen O'Sullivan.
Revi, pela quarta vez, o filme alcoólico baseado no livro de Hammett que criou o moderno casal americano. Os dois, Powell e Loy, inventam sem querer, aqui, o modelo daquilo que todo casal almeja, ou o modo como se vê: alegre, meio infantil, elegante e apaixonado de um modo irônico. É um prazer ver os dois na tela. Eles brilham como luar em oceano. Pena a história, policial, ser tão fraca...Mas há genialidade na construção, intuitiva, desse casal divisor de águas. Uma boa introdução ao cinema dos anos 30.
THANKS GOD! IT'S FRIDAY! de Robert Klane com Donna Summer, Jeff Goldblum, Debra Winger, Terri Nunn, Commodores.
Um lixo adorável. Pura nostalgia neste filme barato de 1978 que foi malhado então e que continua sendo desprezado como aquilo que ele é: lixo. Mas ao mesmo tempo ele é um retrato tão fiel do que era estar vivo e solto e leve em 1978! Goldblum e Debra estreiam aqui e ambos estão muito bem. A trilha sonora é um desbunde e a pobreza da produção favorece o documentarismo involuntário do momento. È um dos piores filmes da história que eu adoro. Questão pessoal: eu estava lá. O mundo era outro nos anos 70, e apesar de sempre desejar voltar a ser tão livre e tolo como foi, nunca mais o será.
BRIDESHEAD, DESEJO E PODER de Julian Jarrold com Mathew Goode, Ben Whishaw, Hayley Atwell, Michael Gambom e Emma Thompson.
Apesar de bonito de se olhar, esta nova adaptação ( de 2008 ) do livro de Evelyn Waugh não se compara a mítica série de 1981. Escrevi em outro post, longamente, sobre as duas versões. Aqui tudo é mais bobo, Sebastian vira uma bicha louca e a mãe uma histérica carola. Meu medo é: será que hoje tudo tem de ser explicitado ou então ninguém mais consegue perceber nada... Mas, se você não teve o prazer de ver a série, irá gostar deste desfile de belos cenários e de emoções reprimidas.
HOMEM FORMIGA de Peyton Reed com Paul Rudd, Michael Douglas
Muito bom. O melhor filme Marvel do ano. Tem humor, ótimos efeitos e um herói muito gostável. E um bom vilão. Não é longo demais e a impressão que tenho é que os melhores filmes de herói são aqueles que se levam menos a sério. Um filme para ser visto numa tarde de férias. Pode confiar. Paul Rudd faz com leveza o "cara do bem" que vive uma vida "não tão legal". É um perdedor. Assista.
A BELA DO PALCO de Richard Eyre com Billy Crudup, Claire Danes, Rupert Everett.
Eyre deve se achar um grande talento. Todos os seus filmes caem sob o peso desse talento pretensioso. Este é tão pedante que nos esmaga. Tudo é "arte". E tudo aqui é chatice sem fim. Os atores estão risíveis, o roteiro é desinteressante, as cenas são longas e vazias. Fuja correndo!
THE CHOCOLATE SOLDIER de Roy Del Ruth com Nelson Eddy, Rise Stevens
Jeannette e Nelson brigaram e então a MGM o uniu a cantora de ópera Rise. E ela se revelou uma atriz amadora. Fica todo o filme com a mesma expressão: um sorriso de não-atriz. Nelson se esforça. O filme, opereta barata, é menos ruim do que eu temia. Bobo. Mas bem feito.
SOB O MESMO CÉU de Cameron Crowe com Bradley Cooper, Emma Stone, Rachel McAdams e Bill Murray
Crowe e mais um de seus filmes "alto astral". É muito bom ter um cara que ainda faz filmes genuinamente alto astral. Crowe crê no bem, na bondade, na alegria. Pena que seus filmes façam tão pouco sentido. A história parece muito mal escrita, tudo rola sem rumo, sem muito porquê. Mas então surge o trunfo: os personagens. São gente legal, gente que gostamos de ver, pessoas que adoraríamos ter por perto. Crowe não sabe criar uma trama, mas sabe imaginar pessoas. Ele é o último dos hippies no cinema, seu estilo é "paz e amor". Tão sincero que terminamos de ver o filme e queremos amar mais. Ele não tem vergonha de apostar no bem. Adorei.
Uma equipe de cinema invade uma cidade para fazer um filme. O diretor não sabe o que fazer e só pensa em dinheiro. O ator estrela é pedófilo. O escritor é inseguro. E a cidade se vende baratinho....É um anti-A Noite Americana, de Truffaut. Ao contrário do filme francês, aqui o cinema é apenas um ato de histeria. E no oposto a Oito e Meio, o diretor é somente um burocrata. O filme é tão desencantado que se torna vazio. Os atores dão o máximo, mas sei lá...é um filme bastante frouxo. Nota 3.
FÉRIAS FRUSTRADAS de Goldstein e Daley com Ed Helms e Christina Applegate.
Oh God! Uma semi refilmagem do velho filme de Chevy Chase ( que aparece aqui chocantemente mudado ). Seria ok se tivesse uma cena engraçada...Não tem. Algumas até nos deixam constrangido. A comédia, esse filho bastardo, está num de seus piores momentos neste século sofrido. Christina foi a Bundy-filha na maravilhosa série Um Amor de Família...bons tempos do politicamente incorreto. ZERO.
A CEIA DOS ACUSADOS de W.S.Van Dyke com William Powell, Myrna Loy e Maureen O'Sullivan.
Revi, pela quarta vez, o filme alcoólico baseado no livro de Hammett que criou o moderno casal americano. Os dois, Powell e Loy, inventam sem querer, aqui, o modelo daquilo que todo casal almeja, ou o modo como se vê: alegre, meio infantil, elegante e apaixonado de um modo irônico. É um prazer ver os dois na tela. Eles brilham como luar em oceano. Pena a história, policial, ser tão fraca...Mas há genialidade na construção, intuitiva, desse casal divisor de águas. Uma boa introdução ao cinema dos anos 30.
THANKS GOD! IT'S FRIDAY! de Robert Klane com Donna Summer, Jeff Goldblum, Debra Winger, Terri Nunn, Commodores.
Um lixo adorável. Pura nostalgia neste filme barato de 1978 que foi malhado então e que continua sendo desprezado como aquilo que ele é: lixo. Mas ao mesmo tempo ele é um retrato tão fiel do que era estar vivo e solto e leve em 1978! Goldblum e Debra estreiam aqui e ambos estão muito bem. A trilha sonora é um desbunde e a pobreza da produção favorece o documentarismo involuntário do momento. È um dos piores filmes da história que eu adoro. Questão pessoal: eu estava lá. O mundo era outro nos anos 70, e apesar de sempre desejar voltar a ser tão livre e tolo como foi, nunca mais o será.
BRIDESHEAD, DESEJO E PODER de Julian Jarrold com Mathew Goode, Ben Whishaw, Hayley Atwell, Michael Gambom e Emma Thompson.
Apesar de bonito de se olhar, esta nova adaptação ( de 2008 ) do livro de Evelyn Waugh não se compara a mítica série de 1981. Escrevi em outro post, longamente, sobre as duas versões. Aqui tudo é mais bobo, Sebastian vira uma bicha louca e a mãe uma histérica carola. Meu medo é: será que hoje tudo tem de ser explicitado ou então ninguém mais consegue perceber nada... Mas, se você não teve o prazer de ver a série, irá gostar deste desfile de belos cenários e de emoções reprimidas.
HOMEM FORMIGA de Peyton Reed com Paul Rudd, Michael Douglas
Muito bom. O melhor filme Marvel do ano. Tem humor, ótimos efeitos e um herói muito gostável. E um bom vilão. Não é longo demais e a impressão que tenho é que os melhores filmes de herói são aqueles que se levam menos a sério. Um filme para ser visto numa tarde de férias. Pode confiar. Paul Rudd faz com leveza o "cara do bem" que vive uma vida "não tão legal". É um perdedor. Assista.
A BELA DO PALCO de Richard Eyre com Billy Crudup, Claire Danes, Rupert Everett.
Eyre deve se achar um grande talento. Todos os seus filmes caem sob o peso desse talento pretensioso. Este é tão pedante que nos esmaga. Tudo é "arte". E tudo aqui é chatice sem fim. Os atores estão risíveis, o roteiro é desinteressante, as cenas são longas e vazias. Fuja correndo!
THE CHOCOLATE SOLDIER de Roy Del Ruth com Nelson Eddy, Rise Stevens
Jeannette e Nelson brigaram e então a MGM o uniu a cantora de ópera Rise. E ela se revelou uma atriz amadora. Fica todo o filme com a mesma expressão: um sorriso de não-atriz. Nelson se esforça. O filme, opereta barata, é menos ruim do que eu temia. Bobo. Mas bem feito.
SOB O MESMO CÉU de Cameron Crowe com Bradley Cooper, Emma Stone, Rachel McAdams e Bill Murray
Crowe e mais um de seus filmes "alto astral". É muito bom ter um cara que ainda faz filmes genuinamente alto astral. Crowe crê no bem, na bondade, na alegria. Pena que seus filmes façam tão pouco sentido. A história parece muito mal escrita, tudo rola sem rumo, sem muito porquê. Mas então surge o trunfo: os personagens. São gente legal, gente que gostamos de ver, pessoas que adoraríamos ter por perto. Crowe não sabe criar uma trama, mas sabe imaginar pessoas. Ele é o último dos hippies no cinema, seu estilo é "paz e amor". Tão sincero que terminamos de ver o filme e queremos amar mais. Ele não tem vergonha de apostar no bem. Adorei.
REFILMAGENS
A coisa tá pobre demais. Refilmagens estão acontecendo a rodo. Nada errado. refilmagens sempre aconteceram e algumas são melhores que a original. O próprio Hitchcock refilmou para melhor um filme seu. Mas... depois de assistir as péssimas reprises de O MENSAGEIRO ( o de Losey é um belíssimo drama com soberbas atuações e uma trilha sonora de gênio ), e de LONGE DESTE INSENSATO MUNDO, ( o de Schlesinger esfria o drama de Thomas Hardy e o transforma num perfeito painel sobre o amor e as relações sociais, o novo é apenas um veículo que tenta dar a uma jovem atriz um grande papel ), assisto agora a heresia suprema: ousaram tocar em BRIDESHEAD REVISITED, obra sagrada da minha geração snob.
Vou falar por partes. O pior nessas refilmagens é que elas não retrabalham uma história. Esses filmes copiam. Todos eles copiam movimentos de câmera, cenários, movimentação dos atores e pasmem!!!!, até mesmo as expressões faciais! A impressão é que os atores não precisaram ler um roteiro, apenas decoraram um dvd. Em Brideshead isso chega ao cômico.
BRIDESHEAD é um livro problema de Evelyn Waugh. E Waugh, para quem não sabe, foi um dos mais populares dos escritores ingleses dos anos 40-60. Fazia parte da turma conservadora, a turma que nasce com Eliot e segue com Greene, Chesterton, Lewis, Tolkien, Orwell. Em 1981, seguindo o clima do tempo novo Thatcher, a BBC 2 produz e exibe a série de Waugh em 18 capítulos. No elenco o novato Jeremy Irons, a sagrada Claire Bloom e os dois maiores mitos do teatro inglês do século: John Gielgud e Laurence Olivier. Imediatamente a série virou mania inglesa e uma febre Brideshead se instaurou. A nova geração encontrava seu mundo: Oxford, campos verdes, bissexualismo, amor a tradição aristocrática e requinte no vestir. Até no rock a coisa chegou! Em 1983 David Bowie se veste em toda a excursão Serious Moolight como o Sebastian Flyte de Brideshead e grupos como Style Council, Depeche Mode, Spandau Ballet adotam clima e roupas da série. Bryan Ferry não. Ele vivia em Brideshead desde 1974.
Tudo isso chegou ao Brasil, em tempos pré TV a cabo e internet, em 1988. A TV Cultura, despretensiosamente comprou a série, não dublou e passou às quintas, 20 horas. Estourou no boca a boca. Logo o povo fashion estava se reunindo para assistir a série em grupo. Com chá e morangos com creme. A Folha deu a notícia. A coisa cresceu e em 1991 houve uma reprise.
Eu fui pego em 1988. Gravava em VHS e reassistia. N vezes. Para aquele tempo, alguma coisa ali nos seduzia como religião. Era o escape de um mundo feio e pobre. A série tinha Jeremy Irons como Charles Ryder, o estudante de classe média que se deixa seduzir pela família de seu amigo aristocrata, Sebastian Flyte. Flyte, gay, infantil e muito bêbado, seduziu toda a audiência. A frescura suave de Flyte virou mania. Uma frescura feita de paletós listrados, cabelo na testa, ursinho de pelúcia na mão, cardigans pendurados nos ombros e cílios longos. Anthony Andrews teve o papel de sua vida e nunca mais conseguiu se livrar dele.
Mas havia mais. O pai de Irons, um lunático hiper vitoriano, era feito pelo mito John Gielgud, numa atuação genial, e o pai de Sebastian era Laurence Olivier, em uma de suas últimas atuações. Claire Bloom era a mãe carola de Flyte. E a linda Diana Quick fazia a irmã sedutora de Sebastian. Havia ainda uma trilha sonora absolutamente mágica e imagens estupendas de Oxford e de Veneza. Uma série de TV digna dos maiores filmes da época.
Dito tudo isso, vejo a refilmagem para o cinema, de 2014. E logo vejo a repetição do vício: as cenas são idênticas! A câmera se coloca no mesmo lugar, os sets são os mesmos, e ridículo supremo: os atores imitam até as expressões faciais dos atores de 1981 !!!!!!!!
Não devem ter lido um roteiro, apenas assistido o dvd da série original !!!!!!
Mathew Goode no papel que foi de Jeremy Irons até se sai bem. Boa imitação. Mas o Sebastian Flyte da nova versão é um vexame... Anthony Andrews era uma criança grande, seu homossexualismo era sedutor por ser inocente. Ele tinha trejeitos de fragilidade, de mimo. de aristocrata. A gente nunca sabia se ele era gay de verdade ou apenas brincava de fazer sexo com um amigo. E mesmo assim, as cenas de 1981 eram mais explícitas. Beijocas e cama.
Aqui Ben Whishaw faz um Sebastian Flyte desmunhecado, uma bicha louca exagerada. Nada há de sedutor nele, é apenas ridículo. Emma Thompson consegue ser pior. O papel da mãe é feito de forma caricata. Uma máscara que nunca se move, fria, desumana, nunca convence. A pior atuação da ótima atriz.
Waaaallll.....mesmo assim, se você tem menos de 40 anos, aconselho que assista. Para quem não viveu a série em seu tempo, pode ser uma bela experiência. O filme, como o livro, fala de fé e de sua perda. Fala da decadência de uma civilização. Falsidade e desejo. E se eu conseguisse esquecer a série ( e é mágica a maneira como fui lembrando de falas e de cenas inteiras ), poderia ter achado este um muito bom filme.
PS: Só para comparação. No segundo capítulo se mostra pela primeira vez Oxford. A câmera voa sobre a cidade e vemos depois Charles Ryder chegando com bagagens à seu alojamento. A sensação é de êxtase. Aqui repetem toda cena. Tentam fazer igual. A sensação é de ....Ok, vamos em frente....
Esse o mistério da arte.
Vou falar por partes. O pior nessas refilmagens é que elas não retrabalham uma história. Esses filmes copiam. Todos eles copiam movimentos de câmera, cenários, movimentação dos atores e pasmem!!!!, até mesmo as expressões faciais! A impressão é que os atores não precisaram ler um roteiro, apenas decoraram um dvd. Em Brideshead isso chega ao cômico.
BRIDESHEAD é um livro problema de Evelyn Waugh. E Waugh, para quem não sabe, foi um dos mais populares dos escritores ingleses dos anos 40-60. Fazia parte da turma conservadora, a turma que nasce com Eliot e segue com Greene, Chesterton, Lewis, Tolkien, Orwell. Em 1981, seguindo o clima do tempo novo Thatcher, a BBC 2 produz e exibe a série de Waugh em 18 capítulos. No elenco o novato Jeremy Irons, a sagrada Claire Bloom e os dois maiores mitos do teatro inglês do século: John Gielgud e Laurence Olivier. Imediatamente a série virou mania inglesa e uma febre Brideshead se instaurou. A nova geração encontrava seu mundo: Oxford, campos verdes, bissexualismo, amor a tradição aristocrática e requinte no vestir. Até no rock a coisa chegou! Em 1983 David Bowie se veste em toda a excursão Serious Moolight como o Sebastian Flyte de Brideshead e grupos como Style Council, Depeche Mode, Spandau Ballet adotam clima e roupas da série. Bryan Ferry não. Ele vivia em Brideshead desde 1974.
Tudo isso chegou ao Brasil, em tempos pré TV a cabo e internet, em 1988. A TV Cultura, despretensiosamente comprou a série, não dublou e passou às quintas, 20 horas. Estourou no boca a boca. Logo o povo fashion estava se reunindo para assistir a série em grupo. Com chá e morangos com creme. A Folha deu a notícia. A coisa cresceu e em 1991 houve uma reprise.
Eu fui pego em 1988. Gravava em VHS e reassistia. N vezes. Para aquele tempo, alguma coisa ali nos seduzia como religião. Era o escape de um mundo feio e pobre. A série tinha Jeremy Irons como Charles Ryder, o estudante de classe média que se deixa seduzir pela família de seu amigo aristocrata, Sebastian Flyte. Flyte, gay, infantil e muito bêbado, seduziu toda a audiência. A frescura suave de Flyte virou mania. Uma frescura feita de paletós listrados, cabelo na testa, ursinho de pelúcia na mão, cardigans pendurados nos ombros e cílios longos. Anthony Andrews teve o papel de sua vida e nunca mais conseguiu se livrar dele.
Mas havia mais. O pai de Irons, um lunático hiper vitoriano, era feito pelo mito John Gielgud, numa atuação genial, e o pai de Sebastian era Laurence Olivier, em uma de suas últimas atuações. Claire Bloom era a mãe carola de Flyte. E a linda Diana Quick fazia a irmã sedutora de Sebastian. Havia ainda uma trilha sonora absolutamente mágica e imagens estupendas de Oxford e de Veneza. Uma série de TV digna dos maiores filmes da época.
Dito tudo isso, vejo a refilmagem para o cinema, de 2014. E logo vejo a repetição do vício: as cenas são idênticas! A câmera se coloca no mesmo lugar, os sets são os mesmos, e ridículo supremo: os atores imitam até as expressões faciais dos atores de 1981 !!!!!!!!
Não devem ter lido um roteiro, apenas assistido o dvd da série original !!!!!!
Mathew Goode no papel que foi de Jeremy Irons até se sai bem. Boa imitação. Mas o Sebastian Flyte da nova versão é um vexame... Anthony Andrews era uma criança grande, seu homossexualismo era sedutor por ser inocente. Ele tinha trejeitos de fragilidade, de mimo. de aristocrata. A gente nunca sabia se ele era gay de verdade ou apenas brincava de fazer sexo com um amigo. E mesmo assim, as cenas de 1981 eram mais explícitas. Beijocas e cama.
Aqui Ben Whishaw faz um Sebastian Flyte desmunhecado, uma bicha louca exagerada. Nada há de sedutor nele, é apenas ridículo. Emma Thompson consegue ser pior. O papel da mãe é feito de forma caricata. Uma máscara que nunca se move, fria, desumana, nunca convence. A pior atuação da ótima atriz.
Waaaallll.....mesmo assim, se você tem menos de 40 anos, aconselho que assista. Para quem não viveu a série em seu tempo, pode ser uma bela experiência. O filme, como o livro, fala de fé e de sua perda. Fala da decadência de uma civilização. Falsidade e desejo. E se eu conseguisse esquecer a série ( e é mágica a maneira como fui lembrando de falas e de cenas inteiras ), poderia ter achado este um muito bom filme.
PS: Só para comparação. No segundo capítulo se mostra pela primeira vez Oxford. A câmera voa sobre a cidade e vemos depois Charles Ryder chegando com bagagens à seu alojamento. A sensação é de êxtase. Aqui repetem toda cena. Tentam fazer igual. A sensação é de ....Ok, vamos em frente....
Esse o mistério da arte.
O MESMO HOMEM. NO AMOR E NA GUERRA. EVELYN WAUGH E GEORGE ORWELL, BIO ESCRITA POR DAVID LEBEDOFF.
George Orwell era um solitário. Um socialista que odiava o comunismo. Para os comunistas era então um direitista e para os conservadores era um comuna. Ateu, era excluído do hall dos crentes, mas defendia a igreja e assim era ridicularizado pelos ateus. De origem classe média, culto, sotaque e modos de cavalheiro, era um estranho entre os pobres e um plebeu entre os ricos. Viveu uma infância muito feliz, segundo ele conheceu o paraíso, e a partir da adolescência conheceu a crueldade do sistema de classes inglês. Foi estudar em Eton, a mais exclusiva e elitista das escolas inglesas. E lá foi tratado como subalterno. Entenda, o pai era bem de vida, mas não tinha origem aristocrata. Orwell, que na verdade se chama Eric Blair, passou a lutar toda a vida contra esse sistema.
Não quis Oxford e foi servir na Birmânia. Em solidão, no meio da selva, cinco anos. Pegou tuberculose. Voltou e vagabundeou pela Europa. Lavava copos e restaurantes de luxo. Escolheu ser pobre. Foi voluntário na revolução espanhola. Ao contrário de Heminguay, lutou de verdade. Se feriu. E percebeu que os comunistas eram tão ruins quanto Franco. Foi perseguido pelos comunas espanhóis por ser socialista. Conseguiu fugir com a esposa. Milagrosamente.
Ainda conseguia tempo para ler uma média de quatro livros por semana. Entre seus favoritos estava Waugh. Começou a escrever. Não conseguia vender. Artigos que estão entre os melhores de sempre. Se isolou em casa de campo. Lança A Revolução dos Bichos. Enorme sucesso. Perde a esposa para a doença. Logo depois de terem adotado um filho. Com esse filho, que ele adora, vai para uma ilha da Escócia. Uma ilha fria, agreste, deserta. Sua tuberculose, claro, piora. Lá escreve 1984.
O filho brinca livremente. É feliz. Volta após 4 anos para Londres. O novo livro vende aos milhões. Morre de tuberculose aos 46 anos. Seu filho se torna fazendeiro. Se forma em agricultura. É feliz. E tem orgulho de seu pai. Orwell escolheu a vida que teve e por isso foi realizado. Jamais se arrependeu de nada. Quis viver na "realidade social", foi 24 horas por dia um "homem politico", e escreveu, segundo Lebedoff, um livro muito melhor que Admirável Mundo Novo, de Huxley ( que foi seu professor em Eton ). Orwell antecipou o que seria o mundo dominado pela esquerda. Huxley antecipou o mundo da direita. Nosso mundo atual é uma mistura dos dois.
Orwell, como Waugh, amava o passado, detestava o presente e temia o futuro. Mesmo sendo ateu, Orwell pensava que toda a civilização ocidental fora edificada pelo cristianismo. Se a igreja cristã fosse retirada do mundo, se os homens parassem de se guiar pela esperança em outra vida e pela transcendência, se eles passassem a ver a vida como apenas um eterno tempo presente, sem futuro além e sem passado relevante, a moral se tornaria relativa e tudo seria reduzido a satisfação de desejos corporais imediatos. Viver se tornaria satisfazer o corpo. A vida seria estar vivo e nada mais que isso. Cada ato se faria um ato gratuito. Um instante sem história e sem repercussão. A queda de Deus e do espírito faria da sociedade um bazar. Onde tudo vale em nome do prazer.
Orwell nunca deixa de apontar os crimes da igreja, mas diz que sem ela esses crimes, como mostrou o nazismo, seriam ainda piores. Sem a ideia de vida maior, de pós e antes da vida, o homem se vê vazio, entediado e sem porque. Orwell, que não tinha fé, se via assim? Não, porque ele abraçava a moral racional da igreja. A justiça, o bem e a bondade, sem relativismo algum.
Vale dizer que mesmo muito doente Orwell fez de tudo para lutar na segunda-guerra. E como Waugh, ele percebeu que apesar de derrotados, o mundo do pós-guerra seria o mundo do totalitarismo. Falarei mais dessa verdade após falar de Waugh, alguém tão diferente de Orwell e que Lebedoff vê como um igual.
Evelyn Waugh ( Evelyn na Inglaterra é nome masculino ), nasceu também em familia classe média. Mas não foi para Eton. Foi para um colégio pouca coisa pior. Seus modos não eram tão bons quanto os de Orwell e sempre foi um aluno ruim. Sarcástico, ele era o baixinho enfezado. Lider de gangue. Entrou em Oxford e lá ele se deslumbrou. Decidiu ser o "homem mais alta classe da Inglaterra". Fez amizades com as familias mais exclusivas, se vestia como um dandy, sabia tudo sobre vinhos, cavalos e tradição. Festas e bebidas. A imagem que se tem de Oxford se deve a Waugh. E Oxford só foi Oxford nos tempos de Waugh. Jovens de sangue azul, cheios de dinheiro, dando festas e fazendo de tudo para não se entediar.
Festa de Mozart, festa dos travestis, um dia na Idade média, festa de mendigos... Arruaças de rua, brigas, festas que duravam quatro dias inteiros. Waugh achou que era um deles. Mas um dia um professor, irritado, disse a verdade. Que ele não passava de um "homem de negócios", um vulgar inferior. No mundo de Oxford de 1920, nada era pior que gente que lidava com dinheiro. Waugh ficou tão bravo que passou a perseguir esse professor. Acabou com a sanidade dele. Sério! Esse professor acabou no hospicio.
Devo dizer que antes de tudo isso Waugh tentou lutar na primeira guerra. Mas tinha apenas 14 anos!
Ao contrário de Orwell, Evelyn Waugh se tornou famoso muito jovem e logo em seu primeiro livro. Para Lebedoff ( para mim também ), ele é o melhor escritor inglês do século XX. Em seus livros ele satiriza o mundo. Usando o humor ( menos em Brideshead, seu livro sério ), ele desmascara o novo mundo, mundo onde o dinheiro e a vaidade imperam. Ou seja, são os mesmos alvos de Orwell mas usando outra arma. Todos os livros de Waugh vendem muito bem e sua fama atinge o mundo inteiro. Mas eu disse que ele queria ser o mais alta-classe dos ingleses. Conseguiu?
Sim. Ele desejou e conseguiu se casar com a herdeira do brasão mais exclusivo do país, uma autêntica Herbert. Com ela teve seis filhos e foi um pai ausente porém amado. Muito rico, se tornou a imagem do inglês dono de terras, gordo, de tweed, cachimbo e sorriso. E em Brideshead adivinhou, como Orwell, que o mundo que conhecera fora vencido pelo totalitarismo.
O mundo que eles conheceram era injusto, eles lutaram contra a divisão de classes. Mas esse mundo tinha uma vantagem, ele tinha alvos claros e se podia lutar contra eles por serem claramente injustos. No novo mundo os alvos seriam camuflados e o conformismo iria imperar. Pão e circo. Seria um mundo em que o objetivo único seria satisfazer o corpo e distrair a mente. Acalmados, indolentes, as pessoas passariam a confundir felicidade com prazer.
E quais seriam os lideres? Aí vem o pior, Seriam os rancorosos. Os invejosos, os revanchistas. A classe, terrível para Orwell e para Waugh, dos especialistas. Gente "competente"que saberia tudo de administração, de economia, de sociologia, e nada sobre a vida. Se um aristocrata usufruia a injusta segurança de nascer em berço de ouro, ele ao menos tinha a vantagem da honra, de não poder sujar o nome da familia e de sentir um certo dever a sua tradição. No novo mundo a tradição e o dever são abolidos. Mata-se o passado e o dever é apenas aquele de produzir mais prazer. Sem passado não se tem lealdade a nada e a ninguém. O especialista deve contas apenas a sua ciência, nunca a gente real. É o mundo totalitário, onde tudo é feito pelo 'BEM"de todos, onde o AMOR impera. Como lutar contra burocratas sem rosto? Como ir contra quem só fala em bem e amor? Como inflamar uma população que não pode abrir mão de seus brinquedos? Eis o mundo que Orwell, Waugh e Huxley intuiram.
Devo ainda dizer que ao contrário de Orwell, Waugh se converteu ao catolicismo, o que na Inglaterra é um ato bastante incomum. Ele acreditava em Deus, e como Orwell, pensava que o começo do fim se dera com a morte da igreja. Sem os deveres para com Deus e sem a certeza de uma outra vida, a humanidade se tornaria nada mais que máquina de repetição. Atos do dia a dia sem consequência e sem história nenhuma. Nada de sofrimento real, nenhuma possibilidade de crescimento e de felicidade.
David Lebedoff, professor americano, lutador contra o politicamente correto, escreve simples, escreve bem e comenta sem medo. O livro me deu um prazer do qual já sinto falta. Filho que sou de minha época, não tenho a coragem de ser como Orwell e nem a fé para ser como Waugh. Indolente, entediado e covarde, passo pelos dias, todos o mesmo, sem um só instante de dor ou de felicidade. Mais ou menos forever.
Mas ainda penso.
Não quis Oxford e foi servir na Birmânia. Em solidão, no meio da selva, cinco anos. Pegou tuberculose. Voltou e vagabundeou pela Europa. Lavava copos e restaurantes de luxo. Escolheu ser pobre. Foi voluntário na revolução espanhola. Ao contrário de Heminguay, lutou de verdade. Se feriu. E percebeu que os comunistas eram tão ruins quanto Franco. Foi perseguido pelos comunas espanhóis por ser socialista. Conseguiu fugir com a esposa. Milagrosamente.
Ainda conseguia tempo para ler uma média de quatro livros por semana. Entre seus favoritos estava Waugh. Começou a escrever. Não conseguia vender. Artigos que estão entre os melhores de sempre. Se isolou em casa de campo. Lança A Revolução dos Bichos. Enorme sucesso. Perde a esposa para a doença. Logo depois de terem adotado um filho. Com esse filho, que ele adora, vai para uma ilha da Escócia. Uma ilha fria, agreste, deserta. Sua tuberculose, claro, piora. Lá escreve 1984.
O filho brinca livremente. É feliz. Volta após 4 anos para Londres. O novo livro vende aos milhões. Morre de tuberculose aos 46 anos. Seu filho se torna fazendeiro. Se forma em agricultura. É feliz. E tem orgulho de seu pai. Orwell escolheu a vida que teve e por isso foi realizado. Jamais se arrependeu de nada. Quis viver na "realidade social", foi 24 horas por dia um "homem politico", e escreveu, segundo Lebedoff, um livro muito melhor que Admirável Mundo Novo, de Huxley ( que foi seu professor em Eton ). Orwell antecipou o que seria o mundo dominado pela esquerda. Huxley antecipou o mundo da direita. Nosso mundo atual é uma mistura dos dois.
Orwell, como Waugh, amava o passado, detestava o presente e temia o futuro. Mesmo sendo ateu, Orwell pensava que toda a civilização ocidental fora edificada pelo cristianismo. Se a igreja cristã fosse retirada do mundo, se os homens parassem de se guiar pela esperança em outra vida e pela transcendência, se eles passassem a ver a vida como apenas um eterno tempo presente, sem futuro além e sem passado relevante, a moral se tornaria relativa e tudo seria reduzido a satisfação de desejos corporais imediatos. Viver se tornaria satisfazer o corpo. A vida seria estar vivo e nada mais que isso. Cada ato se faria um ato gratuito. Um instante sem história e sem repercussão. A queda de Deus e do espírito faria da sociedade um bazar. Onde tudo vale em nome do prazer.
Orwell nunca deixa de apontar os crimes da igreja, mas diz que sem ela esses crimes, como mostrou o nazismo, seriam ainda piores. Sem a ideia de vida maior, de pós e antes da vida, o homem se vê vazio, entediado e sem porque. Orwell, que não tinha fé, se via assim? Não, porque ele abraçava a moral racional da igreja. A justiça, o bem e a bondade, sem relativismo algum.
Vale dizer que mesmo muito doente Orwell fez de tudo para lutar na segunda-guerra. E como Waugh, ele percebeu que apesar de derrotados, o mundo do pós-guerra seria o mundo do totalitarismo. Falarei mais dessa verdade após falar de Waugh, alguém tão diferente de Orwell e que Lebedoff vê como um igual.
Evelyn Waugh ( Evelyn na Inglaterra é nome masculino ), nasceu também em familia classe média. Mas não foi para Eton. Foi para um colégio pouca coisa pior. Seus modos não eram tão bons quanto os de Orwell e sempre foi um aluno ruim. Sarcástico, ele era o baixinho enfezado. Lider de gangue. Entrou em Oxford e lá ele se deslumbrou. Decidiu ser o "homem mais alta classe da Inglaterra". Fez amizades com as familias mais exclusivas, se vestia como um dandy, sabia tudo sobre vinhos, cavalos e tradição. Festas e bebidas. A imagem que se tem de Oxford se deve a Waugh. E Oxford só foi Oxford nos tempos de Waugh. Jovens de sangue azul, cheios de dinheiro, dando festas e fazendo de tudo para não se entediar.
Festa de Mozart, festa dos travestis, um dia na Idade média, festa de mendigos... Arruaças de rua, brigas, festas que duravam quatro dias inteiros. Waugh achou que era um deles. Mas um dia um professor, irritado, disse a verdade. Que ele não passava de um "homem de negócios", um vulgar inferior. No mundo de Oxford de 1920, nada era pior que gente que lidava com dinheiro. Waugh ficou tão bravo que passou a perseguir esse professor. Acabou com a sanidade dele. Sério! Esse professor acabou no hospicio.
Devo dizer que antes de tudo isso Waugh tentou lutar na primeira guerra. Mas tinha apenas 14 anos!
Ao contrário de Orwell, Evelyn Waugh se tornou famoso muito jovem e logo em seu primeiro livro. Para Lebedoff ( para mim também ), ele é o melhor escritor inglês do século XX. Em seus livros ele satiriza o mundo. Usando o humor ( menos em Brideshead, seu livro sério ), ele desmascara o novo mundo, mundo onde o dinheiro e a vaidade imperam. Ou seja, são os mesmos alvos de Orwell mas usando outra arma. Todos os livros de Waugh vendem muito bem e sua fama atinge o mundo inteiro. Mas eu disse que ele queria ser o mais alta-classe dos ingleses. Conseguiu?
Sim. Ele desejou e conseguiu se casar com a herdeira do brasão mais exclusivo do país, uma autêntica Herbert. Com ela teve seis filhos e foi um pai ausente porém amado. Muito rico, se tornou a imagem do inglês dono de terras, gordo, de tweed, cachimbo e sorriso. E em Brideshead adivinhou, como Orwell, que o mundo que conhecera fora vencido pelo totalitarismo.
O mundo que eles conheceram era injusto, eles lutaram contra a divisão de classes. Mas esse mundo tinha uma vantagem, ele tinha alvos claros e se podia lutar contra eles por serem claramente injustos. No novo mundo os alvos seriam camuflados e o conformismo iria imperar. Pão e circo. Seria um mundo em que o objetivo único seria satisfazer o corpo e distrair a mente. Acalmados, indolentes, as pessoas passariam a confundir felicidade com prazer.
E quais seriam os lideres? Aí vem o pior, Seriam os rancorosos. Os invejosos, os revanchistas. A classe, terrível para Orwell e para Waugh, dos especialistas. Gente "competente"que saberia tudo de administração, de economia, de sociologia, e nada sobre a vida. Se um aristocrata usufruia a injusta segurança de nascer em berço de ouro, ele ao menos tinha a vantagem da honra, de não poder sujar o nome da familia e de sentir um certo dever a sua tradição. No novo mundo a tradição e o dever são abolidos. Mata-se o passado e o dever é apenas aquele de produzir mais prazer. Sem passado não se tem lealdade a nada e a ninguém. O especialista deve contas apenas a sua ciência, nunca a gente real. É o mundo totalitário, onde tudo é feito pelo 'BEM"de todos, onde o AMOR impera. Como lutar contra burocratas sem rosto? Como ir contra quem só fala em bem e amor? Como inflamar uma população que não pode abrir mão de seus brinquedos? Eis o mundo que Orwell, Waugh e Huxley intuiram.
Devo ainda dizer que ao contrário de Orwell, Waugh se converteu ao catolicismo, o que na Inglaterra é um ato bastante incomum. Ele acreditava em Deus, e como Orwell, pensava que o começo do fim se dera com a morte da igreja. Sem os deveres para com Deus e sem a certeza de uma outra vida, a humanidade se tornaria nada mais que máquina de repetição. Atos do dia a dia sem consequência e sem história nenhuma. Nada de sofrimento real, nenhuma possibilidade de crescimento e de felicidade.
David Lebedoff, professor americano, lutador contra o politicamente correto, escreve simples, escreve bem e comenta sem medo. O livro me deu um prazer do qual já sinto falta. Filho que sou de minha época, não tenho a coragem de ser como Orwell e nem a fé para ser como Waugh. Indolente, entediado e covarde, passo pelos dias, todos o mesmo, sem um só instante de dor ou de felicidade. Mais ou menos forever.
Mas ainda penso.
BERKELEY E A REALIDADE
George Berkeley fez um estrago enorme na minha cabeça quando o li pela primeira vez. Ele bateu na grande dúvida que sempre tive: Afinal, existe a realidade? Grosso modo o que Berkeley diz é que essa coisa que chamamos de realidade é criada em nossa mente e que nossa mente pode ser manipulada. Vemos aquilo que nosso tempo nos permite ver. Isso até a época de Berkeley, após o totalitarismo ( invenção do século XX ) vemos o que desejam que vejamos.
Se levarmos essa teoria ao extremo podemos dizer que houve um tempo em que podíamos ver anjos e fantasmas e que agora essas entidades não mais fazem parte de nós. Foram tiradas da realidade. Não estou defendendo a ideia de que anjos ou fantasmas são reais, estou dizendo que eles foram um dia tão reais quanto hoje é real o Taleban ou o Buraco Negro. Nunca vi nenhum dos dois, mas fazem parte de nossa realidade.
Se Sócrates, Shakespeare ou mesmo Nietzsche caíssem neste nosso mundo, agora, quantas coisas que nos são absolutamente reais não seriam irreais para eles? E quantas coisas eles perceberiam que não mais conseguimos notar? Essa teoria de Berkeley é basicamente anti-democrática também. Pois ela postula que no fundo a minha realidade sempre será diferente da sua. O que vejo, percebo e tomo como certo é diferente de tudo o que voce percebe. O gosto de uma maçã para mim será sempre o gosto da maçã para mim. Eu jamais saberei qual a sua experiência da maçã. E se formos mais longe direi que o modo como amo, detesto ou sofro jamais poderá ser dividido com alguém. A realidade em que vivo é minha, e ELA É TÃO FALSA COMO É A SUA E A DE TODOS.
Um nó.
Tudo isso me foi recordado num excelente livro que estou lendo que entrelaça a biografia dos dois mais interessantes autores ingleses do século XX, Evelyn Waugh e George Orwell. Ambos, apesar de aparentemente tão opostos, tinham essa visão de que a realidade não pode ser conhecida. Ambos detestavam o futuro e espezinhavam o presente. Um deles usava o humor mais cruel possível, o outro o pesadelo mais asfixiante. Os dois liam Berkeley.
Conto mais um dia desses.
Se levarmos essa teoria ao extremo podemos dizer que houve um tempo em que podíamos ver anjos e fantasmas e que agora essas entidades não mais fazem parte de nós. Foram tiradas da realidade. Não estou defendendo a ideia de que anjos ou fantasmas são reais, estou dizendo que eles foram um dia tão reais quanto hoje é real o Taleban ou o Buraco Negro. Nunca vi nenhum dos dois, mas fazem parte de nossa realidade.
Se Sócrates, Shakespeare ou mesmo Nietzsche caíssem neste nosso mundo, agora, quantas coisas que nos são absolutamente reais não seriam irreais para eles? E quantas coisas eles perceberiam que não mais conseguimos notar? Essa teoria de Berkeley é basicamente anti-democrática também. Pois ela postula que no fundo a minha realidade sempre será diferente da sua. O que vejo, percebo e tomo como certo é diferente de tudo o que voce percebe. O gosto de uma maçã para mim será sempre o gosto da maçã para mim. Eu jamais saberei qual a sua experiência da maçã. E se formos mais longe direi que o modo como amo, detesto ou sofro jamais poderá ser dividido com alguém. A realidade em que vivo é minha, e ELA É TÃO FALSA COMO É A SUA E A DE TODOS.
Um nó.
Tudo isso me foi recordado num excelente livro que estou lendo que entrelaça a biografia dos dois mais interessantes autores ingleses do século XX, Evelyn Waugh e George Orwell. Ambos, apesar de aparentemente tão opostos, tinham essa visão de que a realidade não pode ser conhecida. Ambos detestavam o futuro e espezinhavam o presente. Um deles usava o humor mais cruel possível, o outro o pesadelo mais asfixiante. Os dois liam Berkeley.
Conto mais um dia desses.
DAVID BOWIE REVISITED ( A SEGUNDA VISITA A EXPO BOWIE, UMA REFLEXÃO SOBRE NOSSO MUNDO )
Uso propositalmente o título de livro de Evelyn Waugh. Waugh é um dos autores que Bowie ama e Brideshead Revisited, embora esteja longe de ser o melhor livro de Waugh é o mais famoso graças a série da BBC de 1982. Bowie copiou o visual Brideshead em Let`s Dance. Na verdade o estilo espiritual do livro, uma nostálgica incursão por uma Inglaterra em extinção, foi um dos guias da carreira de David desde sempre. Um dos, veja bem. Ele tem vários e talvez o melhor momento tenha sido o encontro com a Berlin de Isherwood em 1977. Uma Berlin que era pura ficção e por isso atemporal.
Volto a exposição, e agora sem expectativas exageradas, me divirto. Relaxo e flutuo entre a memorabilia de Ziggy. É 2014, faz 40 anos que meu irmão, na época com 9 anos, comprou Diamond Dogs ( que não é o melhor disco de Bowie mas é aquele que mais adoro ). Na verdade foi em dezembro de 1974. Ele comprou Dogs enquanto eu comprava Caribou, do Elton John. São dicas de nossas diferenças. Ele em música sempre mais radical e eu sempre mais pop. Em música, fique bem dito.
A sala que fala de Berlin exerce fascínio em mim. Objetos que são expostos como reliquias para aqueles que foram catequisados na Bowie-fé. A capa de LOW é o Santo Graal. Ninguém nascido após 1970 pode imaginar o impacto daquele disco. Tento explicar para minha amiga. Em um mundo que esperava de um rock star roupas tipo Robert Plant/ Keith Richards, os ternos de Bowie e o cabelo curto causavam muita estranheza ( apesar do dinner jacket de Bryan Ferry ter surgido em 1974 ). Mais esquisitice e risco era Bowie gravar Young Americans, um disco que louvava tudo aquilo que um rocker mais odiava: a música semi-disco da Philadelphia. Não era o som negro de Sly ou de James Brown. Não era Stevie Wonder ou Marvin Gaye. Esses os Stones desde sempre idolatravam. Era o som de Harold Melvin, Stylistics, Billy Paul. E isso foi um risco gigantesco. Ele poderia ter perdido seu público tipo Ziggy e fracassado em alcançar o povo fashion. Acertou. Chegou aos píncaros da Billboard em 1975. Pois bem, LOW foi esse risco levado ao extremo. Lá ele corre outro tipo de risco, o risco de ser futurista. Abraça o rock alemão, que vendia quase nada, e aponta o que seria a arte dos anos 80: gélido, super sintético, jogo de máscaras. Sempre teria sido mais fácil repetir Ziggy ao infinito. repetir Young Americans por 30 anos. Passar toda a década de LOW refazendo LOW. Mas não. Changes forever.
Nos anos 90 ele se daria muito bem se voltasse a ser Alladin Sane. E neste século ele seria rei-again se refizesse Scary Monsters ao infinito. ( com as participações de Johnny Greenwood e Bobby Gillespie ). Mas não.
Vejo agora uma sala que não visitei da outra vez. Sem fones, é a sala de pura música. Suas influências. Uma coisa mágica: a sala de visitas de uma casa inglesa de 1960 que vai se modificando conforme o assunto que Bowie fala. Imagine, em 1967 ele fundou uma associação em defesa dos cabeludos e foi entrevistado pela BBC. Tá lá, numa tela. E em meio a seu sax, os singles, um violão lindo...o acetato original do primeiro disco do Velvet Underground. Ora...Aqui, em março de 2014, em SP, as 14 horas, encontro o Santo Graal. De sua negra plasticidade emana todo um novo mundo de dor, de liberdade e de falsa emoção: nosso mundinho... Ah....se eu pudesse me ajoelhar sem parecer fake!
Saio para o calor do mundo irreal e sorrio.
David e seus amigos benzem meu destino.
Amém.
Volto a exposição, e agora sem expectativas exageradas, me divirto. Relaxo e flutuo entre a memorabilia de Ziggy. É 2014, faz 40 anos que meu irmão, na época com 9 anos, comprou Diamond Dogs ( que não é o melhor disco de Bowie mas é aquele que mais adoro ). Na verdade foi em dezembro de 1974. Ele comprou Dogs enquanto eu comprava Caribou, do Elton John. São dicas de nossas diferenças. Ele em música sempre mais radical e eu sempre mais pop. Em música, fique bem dito.
A sala que fala de Berlin exerce fascínio em mim. Objetos que são expostos como reliquias para aqueles que foram catequisados na Bowie-fé. A capa de LOW é o Santo Graal. Ninguém nascido após 1970 pode imaginar o impacto daquele disco. Tento explicar para minha amiga. Em um mundo que esperava de um rock star roupas tipo Robert Plant/ Keith Richards, os ternos de Bowie e o cabelo curto causavam muita estranheza ( apesar do dinner jacket de Bryan Ferry ter surgido em 1974 ). Mais esquisitice e risco era Bowie gravar Young Americans, um disco que louvava tudo aquilo que um rocker mais odiava: a música semi-disco da Philadelphia. Não era o som negro de Sly ou de James Brown. Não era Stevie Wonder ou Marvin Gaye. Esses os Stones desde sempre idolatravam. Era o som de Harold Melvin, Stylistics, Billy Paul. E isso foi um risco gigantesco. Ele poderia ter perdido seu público tipo Ziggy e fracassado em alcançar o povo fashion. Acertou. Chegou aos píncaros da Billboard em 1975. Pois bem, LOW foi esse risco levado ao extremo. Lá ele corre outro tipo de risco, o risco de ser futurista. Abraça o rock alemão, que vendia quase nada, e aponta o que seria a arte dos anos 80: gélido, super sintético, jogo de máscaras. Sempre teria sido mais fácil repetir Ziggy ao infinito. repetir Young Americans por 30 anos. Passar toda a década de LOW refazendo LOW. Mas não. Changes forever.
Nos anos 90 ele se daria muito bem se voltasse a ser Alladin Sane. E neste século ele seria rei-again se refizesse Scary Monsters ao infinito. ( com as participações de Johnny Greenwood e Bobby Gillespie ). Mas não.
Vejo agora uma sala que não visitei da outra vez. Sem fones, é a sala de pura música. Suas influências. Uma coisa mágica: a sala de visitas de uma casa inglesa de 1960 que vai se modificando conforme o assunto que Bowie fala. Imagine, em 1967 ele fundou uma associação em defesa dos cabeludos e foi entrevistado pela BBC. Tá lá, numa tela. E em meio a seu sax, os singles, um violão lindo...o acetato original do primeiro disco do Velvet Underground. Ora...Aqui, em março de 2014, em SP, as 14 horas, encontro o Santo Graal. De sua negra plasticidade emana todo um novo mundo de dor, de liberdade e de falsa emoção: nosso mundinho... Ah....se eu pudesse me ajoelhar sem parecer fake!
Saio para o calor do mundo irreal e sorrio.
David e seus amigos benzem meu destino.
Amém.
SEI SHONAGON, DOWNTOWN ABBEY E LLOSA
Interessante entrevista com Mario Vargas Llosa. Ele tem uma definição do que seja essa moda de séries de tv que é perfeita: São boa diversão. Descansam. Mas nunca são arte.
Eu concordo. Tem gente que trata Downtown Abbey, que gosto, como arte. Por favor! Só se voce desconhece arte! É diversão pop. Apenas isso. De bom gosto e nada ofensiva a pessoas "esclarecidas". Nada mais que isso.
Llosa destaca Faulkner como o último grande autor moderno. Bem...Faulkner foi um gênio. E sua escrita ainda é a coisa mais complexa dos últimos 70 anos. Ele antecipou o mundo cheio de ruidos e de informação em que vivemos agora. A multiplicidade de pontos de vista e a ausência de uma verdade. Para Llosa só Faulkner pode ser comparado a Tolstoi e Cervantes nos últimos 70 anos. Maybe...
João Pereira Coutinho cita Evelyn Waugh. É um texto chato sobre crueldade, hipocrisia etc. O que me importa é que ele coloca Waugh lá em cima. Ora, que bom! Será que algum mocinho ao ler isso vai fazer o que eu fazia quando tinha 15 anos? Vai a enciclopédia saber quem foi Evelyn Waugh? Ou será que a preguiça e a falta de interesse venceram?
Recebo a nova Filosofia, revista mensal da editora Araguaia. Walter Benjamin. O modo de pensar do chinês clássico. O carnaval e Dionisos. Well...Benjamin é o mais atual de seus contemporâneos. Porque? Ele era o mais aberto. Não se dogmatizou. Se abriu para a religião, a ciência, a comunicação, as artes. Chineses pensam em termos de mudança. Pouco usam o verbo "ser". Usam "estar". Desse modo voce nunca é alguma coisa. Voce e o mundo estão em um momento que será sempre uma transformação.
Querer conhecer um modo de pensar é começar a estudar a lingua em que esse pensamento de expressa. O fato da gramática italiana ser pautada pela musicalidade dos sons, o fato do francês desejar a absoluta clareza dizem muito sobre o que eles são e de onde vieram.
Romero Freitas diz que o cinema é uma linguagem e que portanto ele não é palavra, música ou pintura. Ele diz por movimento. Lemos o movimento sem perceber. Se conseguimos narrar verbalmente e explicar racionalmente um filme isso significará que ele é falho. O cinema não pode ser explicado. Ele existe. Romero cita como exemplo dois momentos: o olhar de Monika para a câmera em Monika e o Desejo de Bergman; e todo o Joana D'Arc de Dreyer. O olhar de Monika diz o que? Ele diz, mas o que é dito? Impossível dizer. Impossível descrever. Nós vemos e sabemos o que ele diz. Mas não podemos dizer. Não podemos porque não é literatura. Não é filosofia. É puro cinema.
Flavio Paranhos diz em outro artigo, sobre justiça, que O Sol é Para Todos o comove ao ponto de chorar. É o único filme que lhe causa choro. Somos dois. Atticus Finch é o maior nobre do cinema.
Saiu e já comprei: O Livro de Cabeceira de Sei Shonagon. Escrito no ano 500 de nossa era, é o mais atual dos livros. Uma concubina observa a vida e a descreve num diário. Tudo o que ela escreve parece que foi escrito hoje. Sei Shonagon escreveu um tipo de blog afetivo 1500 anos atrás. Seu livro é um convite para revalorizar a vida.
Editora 34, custa 80 paus. Vale mais.
MALICIA NEGRA, UM LIVRO MUITO MUITO CRUEL DE EVELYN WAUGH
Tudo se passa na África oriental. Uma revolução. Imagens de crueldade e personagens ridiculos. Um armênio que só pensa em negociatas. O novo rei, que por ter estudado em Oxford pensa ser um homem muito acima da média. O povo do país, que tem hábitos como os de comer carne de brancos e fazer filhos sem parar. O embaixador da França, que vê tramóias da Inglaterra em tudo. O general do exército do país, um mercenário irlandês bêbado, casado com uma mulher da África, mulher esta que tem por nome "Black Bitch". E no meio de tudo, os ingleses.
Na embaixada inglesa todos se preocupam com o que é "civilizado". O chá, os cavalos, o correio, os jogos e o jardim. Isso é importante, não essas tais de revoluções, ou guerras ou seja lá o que for... Assim, o embaixador passa o tempo se escondendo do trabalho. A esposa cuida das rosas e a filha pensa em sexo, em homens e em...mais sexo. Enquanto isso, na Inglaterra, um jovem sujo e sexy, aproveitador falido cansado de pegar dinheiro emprestado da mãe e de ir em festas que duram três dias, resolve ir para a África. E vai.
O novo rei logo o faz seu ministro, o ministro da modernização. O rei baixa novas leis todo dia: proibe o uso de saias para os homens, inaugura um museu, faz uma estrada de ferro, pensa em metrô, proibe a matança de animais, obriga o uso de botas...Explode uma nova revolução. O povo não aceita a obrigatoriedade de se usar camisinha.
O livro é mirabolante, enfeitiçante e politicamente incorretíssimo. Voce dá gargalhadas com esse mundo duro, absurdo e muito real ( infelizmente ), lugar em que o terceiro mundo se obriga a crescer e a se civilizar, onde reis vaidosos dão titulos de condes e duques a canibais mentirosos. Mundo onde os europeus pouco se importam com o que acontece desde que sejam deixados com suas festas e seus palácios. E não precisem se misturar aos selvagens. Nada é sério e tudo é fatal. Os africanos nada compreendem dessas coisas como democracia, educação ou bons modos brancos; e os brancos nada querem com os africanos. Vivem no país como em sonho.
Como o livro termina? O que posso falar é que um deles é comido e um outro nada aprende com a história.
Uma lição que fica: a Inglaterra, como todo império, deveu sua grandeza a algumas gerações de ousados aventureiros e espertos homens de dinheiro; no começo de seu final, uma casta de mimados sem iniciativa e sem ideias passa a dirigir o país. Que funciona ainda graças aos dividendos da riquesa acumulada pelos heróicos primeiros anos. Sempre é assim na história de todo império, seja EUA ou seja Roma, e este livro exibe essa casta em toda sua mediocridade.
Waugh era uma víbora.
Na embaixada inglesa todos se preocupam com o que é "civilizado". O chá, os cavalos, o correio, os jogos e o jardim. Isso é importante, não essas tais de revoluções, ou guerras ou seja lá o que for... Assim, o embaixador passa o tempo se escondendo do trabalho. A esposa cuida das rosas e a filha pensa em sexo, em homens e em...mais sexo. Enquanto isso, na Inglaterra, um jovem sujo e sexy, aproveitador falido cansado de pegar dinheiro emprestado da mãe e de ir em festas que duram três dias, resolve ir para a África. E vai.
O novo rei logo o faz seu ministro, o ministro da modernização. O rei baixa novas leis todo dia: proibe o uso de saias para os homens, inaugura um museu, faz uma estrada de ferro, pensa em metrô, proibe a matança de animais, obriga o uso de botas...Explode uma nova revolução. O povo não aceita a obrigatoriedade de se usar camisinha.
O livro é mirabolante, enfeitiçante e politicamente incorretíssimo. Voce dá gargalhadas com esse mundo duro, absurdo e muito real ( infelizmente ), lugar em que o terceiro mundo se obriga a crescer e a se civilizar, onde reis vaidosos dão titulos de condes e duques a canibais mentirosos. Mundo onde os europeus pouco se importam com o que acontece desde que sejam deixados com suas festas e seus palácios. E não precisem se misturar aos selvagens. Nada é sério e tudo é fatal. Os africanos nada compreendem dessas coisas como democracia, educação ou bons modos brancos; e os brancos nada querem com os africanos. Vivem no país como em sonho.
Como o livro termina? O que posso falar é que um deles é comido e um outro nada aprende com a história.
Uma lição que fica: a Inglaterra, como todo império, deveu sua grandeza a algumas gerações de ousados aventureiros e espertos homens de dinheiro; no começo de seu final, uma casta de mimados sem iniciativa e sem ideias passa a dirigir o país. Que funciona ainda graças aos dividendos da riquesa acumulada pelos heróicos primeiros anos. Sempre é assim na história de todo império, seja EUA ou seja Roma, e este livro exibe essa casta em toda sua mediocridade.
Waugh era uma víbora.
RENDIÇÃO INCONDICIONAL- EVELYN WAUGH, O RIDICULO DA GUERRA ( E DA POLITICA )
Adoro Waugh. Depois da brilhante geração dos anos 10/20, não há autor em inglês que eu aprecie mais. Tenho imensa admiração por Graham Greene, Saul Bellow, John Cheever, Wodehouse, Updike, Gore Vidal...Mas Evelyn Waugh é meu favorito. Questão de identificação. O modo como ele vê a vida é muito próximo do meu e ele escreve no estilo que eu adoraria ter. Se eu soubesse escrever, claro.
Dentre os oito livros de Waugh que já li, este, terceira e última parte de sua trilogia sobre a segunda-guerra, é um dos melhores. E de certa forma, ele aqui resume toda sua brilhante carreira.
Crouchback é um membro de antiga familia nobre. Divorciado, entediado, melancólico, ele entra na guerra como voluntário, de certo modo para ter alguma coisa que o "anime". Lá, ele acaba por conviver com seus velhos conhecidos ( mas não necessariamente amigos ). Uma turma de frequentadores de clubes, pseudo-intelectuais, esquerdistas, nobres alienados e patetas em geral. O que eles fazem na guerra? Basicamente sofrem de tédio. São treinados e transferidos, ganham patentes e são desmobilizados. Não nos esqueçamos, eles fazem parte da elite inglesa. Querem ação, querem honrar o nome nobre e guerreiro de seus antepassados, mas nada têm a fazer. A guerra, cruel e real, é para a plebe, jovem e saudável.
Acaba por participar de duas batalhas em cinco anos. Uma delas é narrada no livro dois, e neste livro três há uma ridicula batalha farsesca na Iugoslávia. O que mais deixa Crouchback doido é a burocracia absurda, a letargia de gabinetes e sua própria indecisão.
Waugh cria uma galeria de personagens magníficos. Tipos paranóicos, vaidosos, alienados, suicidas, todos cômicos em suas reações covardes. Não há glória nesta Inglaterra de Waugh. O que há é burrice, abjeta burrice. Evelyn Waugh esteve na guerra, sabe o que fala. Tem uma visão da guerra não-heróica, ele é desencantado.
E vai mais longe. Já escrevi que dou muita risada com humor visual, livros cômicos são adoráveis mas não me fazem gargalhar. Waugh conseguiu me fazer gargalhar ao fim do livro. Numa patética cena de batalha em que um general aleijado avança sózinho contra os sérvios e é massacrado. A cena é tão absurda e tão tola que é impossível não rir. Rir com amargor.
Há uma fala ao fim do livro que condensa o que pensa Waugh sobre essa guerra. Uma refugiada judia fala a Crouchback que a guerra não foi culpa só dos nazistas. Que os russos desejaram a guerra para assim invadir a Europa, que os judeus desejaram a guerra para ganhar Israel, e que os ingleses desejaram a guerra para afirmar a si-mesmos suas raízes guerreiras. Esse é o tom filosófico do livro: a guerra não tem apenas um vilão, todos são culpados por ela, todos a desejam sem o confessar. E nada há de inconsciente nisso, vão à guerra alegremente, confiantes e voltam aniquilados.
Politicamente a guerra foi uma tragédia para a Inglaterra. Waugh culpa Churchill de falta de visão e culpa os comunistas ingleses ( e havia muitos ), de ingenuidade. A Inglaterra alimenta e arma os comunas iugoslavos e depois é expulsa do país de Tito. Oficiais ingleses, idealistas de esquerda, brindam os avanços de Stalin e depois são impedidos de entrar na Polônia e na Hungria. Crouchback tenta salvar os judeus da Iugoslávia e é tratado como um tolo desocupado. Waugh entende o que é o humor: Nada neste livro é alegre, e tudo é engraçado. Os absurdos se acumulam sem parar, as coisas sempre saem erradas, acidentes sobre acidentes.
Evelyn Waugh não era um niilista. Ele via uma saída. Viver. Crouchback acaba por se safar. E entende a filosofia de seu pai: "Julgamentos Quantitativos não se aplicam". A quantidade não importa. Um ato de bondade redime todo o mal. O que nos surpreende não é a existência do mal, mas sim a sobrevivência da bondade. Crouchback sobrevive por causa desse Bem. E afinal, sem que ele perceba, ele acaba por salvar seus judeus.
Que delicia de livro!
Dentre os oito livros de Waugh que já li, este, terceira e última parte de sua trilogia sobre a segunda-guerra, é um dos melhores. E de certa forma, ele aqui resume toda sua brilhante carreira.
Crouchback é um membro de antiga familia nobre. Divorciado, entediado, melancólico, ele entra na guerra como voluntário, de certo modo para ter alguma coisa que o "anime". Lá, ele acaba por conviver com seus velhos conhecidos ( mas não necessariamente amigos ). Uma turma de frequentadores de clubes, pseudo-intelectuais, esquerdistas, nobres alienados e patetas em geral. O que eles fazem na guerra? Basicamente sofrem de tédio. São treinados e transferidos, ganham patentes e são desmobilizados. Não nos esqueçamos, eles fazem parte da elite inglesa. Querem ação, querem honrar o nome nobre e guerreiro de seus antepassados, mas nada têm a fazer. A guerra, cruel e real, é para a plebe, jovem e saudável.
Acaba por participar de duas batalhas em cinco anos. Uma delas é narrada no livro dois, e neste livro três há uma ridicula batalha farsesca na Iugoslávia. O que mais deixa Crouchback doido é a burocracia absurda, a letargia de gabinetes e sua própria indecisão.
Waugh cria uma galeria de personagens magníficos. Tipos paranóicos, vaidosos, alienados, suicidas, todos cômicos em suas reações covardes. Não há glória nesta Inglaterra de Waugh. O que há é burrice, abjeta burrice. Evelyn Waugh esteve na guerra, sabe o que fala. Tem uma visão da guerra não-heróica, ele é desencantado.
E vai mais longe. Já escrevi que dou muita risada com humor visual, livros cômicos são adoráveis mas não me fazem gargalhar. Waugh conseguiu me fazer gargalhar ao fim do livro. Numa patética cena de batalha em que um general aleijado avança sózinho contra os sérvios e é massacrado. A cena é tão absurda e tão tola que é impossível não rir. Rir com amargor.
Há uma fala ao fim do livro que condensa o que pensa Waugh sobre essa guerra. Uma refugiada judia fala a Crouchback que a guerra não foi culpa só dos nazistas. Que os russos desejaram a guerra para assim invadir a Europa, que os judeus desejaram a guerra para ganhar Israel, e que os ingleses desejaram a guerra para afirmar a si-mesmos suas raízes guerreiras. Esse é o tom filosófico do livro: a guerra não tem apenas um vilão, todos são culpados por ela, todos a desejam sem o confessar. E nada há de inconsciente nisso, vão à guerra alegremente, confiantes e voltam aniquilados.
Politicamente a guerra foi uma tragédia para a Inglaterra. Waugh culpa Churchill de falta de visão e culpa os comunistas ingleses ( e havia muitos ), de ingenuidade. A Inglaterra alimenta e arma os comunas iugoslavos e depois é expulsa do país de Tito. Oficiais ingleses, idealistas de esquerda, brindam os avanços de Stalin e depois são impedidos de entrar na Polônia e na Hungria. Crouchback tenta salvar os judeus da Iugoslávia e é tratado como um tolo desocupado. Waugh entende o que é o humor: Nada neste livro é alegre, e tudo é engraçado. Os absurdos se acumulam sem parar, as coisas sempre saem erradas, acidentes sobre acidentes.
Evelyn Waugh não era um niilista. Ele via uma saída. Viver. Crouchback acaba por se safar. E entende a filosofia de seu pai: "Julgamentos Quantitativos não se aplicam". A quantidade não importa. Um ato de bondade redime todo o mal. O que nos surpreende não é a existência do mal, mas sim a sobrevivência da bondade. Crouchback sobrevive por causa desse Bem. E afinal, sem que ele perceba, ele acaba por salvar seus judeus.
Que delicia de livro!
BRIDESHEAD REVISITED, UM LIVRO DO GRANDE EVELYN WAUGH
As letras britânicas nos anos 30,40... Auden, Greene, Lewis, Spender, Huxley, Wodehouse e o grande Waugh. Uma brilhante geração, feita de individualismo mordaz, de dúvidas, de bom gosto, de britanismo. Últimos suspiros de uma civilização que agonizava.
Evelyn Waugh escreveu sátiras ferinas sobre o que seria "ser inglês" nesse mundo em transição. Todos os seis livros que li são maravilhosos, e Brideshead com certeza não é um dos melhores. "Furo!" leva essa honraria. O texto de Waugh em todos esses seus livros é saltitante, vivo, elétrico. Ele cria personagens que voce adora, adora seu ridículo que nada tem de sublime. São pessoas lamentáveis, e frágeis, muito ´vulneráveis. Padecem da ilusão da importância. Se imaginam "Ingleses", mal percebendo que ser um "Inglês" é ser uma farsa.
Brideshead Revisited é o livro problema de Waugh. Não é engraçado. É sério. Chega a ser solene. É meio auto-biográfico, e isso travou a veia mordaz de Evelyn. Mas é um livro de estranho fascínio. Lê-lo é como visitar um album de fotografias vivas. Beber chá com estátuas de cera.
Charles Ryder é um capitão estacionado na Inglaterra durante a segunda-guerra. Seu pelotão se acomoda em palácio de antiga familia nobre, os Flyte. Por coincidência, Charles conhece aquele casarão, mais que isso, ele fora hóspede lá. O livro conta esse passado.
Charles é amigo de Sebastian, o alcoólatra, jovem e dandy herdeiro dos Flyte, e se apaixona pela irmã de Sebastian, Julia. O romance não dará certo, e um dos motivos, talvez o principal, é o catolicismo culposo da familia Flyte. Acompanhar essa história é como visitar a casa de um amor perdido. Melancolia plena.
Muitos perceberam que o amor de Charles por Julia pode ser o amor-gay de Charles por Sebastian. Basta dizer que ele tem prazer em perceber que "Julia é idêntica a Sebastian". Waugh era homossexual, mas esse não é o foco do livro. A questão do tempo, da memória e da religião são muito mais importantes. Evelyn faz retratos maravilhosos dos parentes chatos, dos pais de Julia, dos jantares formais ( um empregado para cada convidado ). O fim do apogeu de um império marcado pelos "bons modos".
Em 1981, a Granada Tv de Londres, produziu uma minissérie em 24 capítulos sobre o livro. Jeremy Irons fez Charles Ryder e no elenco ainda havia Claire Bloom, Laurence Olivier e John Gielgud. Na série, o homossexualismo era enfatizado e a produção se esmerava em bela fotografia e uma trilha sonora de primeira. Por incrível que pareça, o sucesso foi tanto que houve uma "febre Sebastian Flyte" na Inglaterra. Os jovens conservadores, anti-punks, anti-trabalhistas, copiavam as roupas e o corte de cabelo de Sebastian. Bandas de "direita", que eram odiadas pelos punks, tipo Spandau Ballet e Ultravox, faziam parte da onda. David Bowie em seu tempo "Let's Dance" era a imagem-calculada em xerox de Sebastian Flyte. Em 1988 a série chegou ao Brasil via Tv Cultura, e era moda as pessoas se reunirem nas casas uns dos outros e beberem chá com scotch para ver a série. Eu me vesti o ano inteiro de Sebastian Flyte, calça branca, camisa clara, sapatos de duas cores e blusa de lã- fina jogada com displicência sobre os ombros. Mas o principal era a atitude: uma expressão de melancolia divertida, de humor saudosista. Eu pirei com a série.
Bem..não vou comentar a estranheza de uma série de Tv que se torna hit, tendo como tema um casal gay em Oxford e a crise religiosa de uma família esnobe. Hoje esse tema não daria audiência nem como filme de arte. Coisas dos anos 80....
Fiz essa digressão para exemplificar a importância de Evelyn Waugh. A posição central que ele ocupa na vida intelectual do século XX. É um autor que deveria ser muito mais lido aqui nos Brasis. Principalmente porque temos um imenso potencial para a criação de personagens ridículos, sem noção, grotescos. Mas talvez fosse esse um problema, o humor de um Waugh brasileiro teria de ser obrigatoriamente muito mais grosso, explícito, agressivo.
Certamente existem livros mais perfeitos de Waugh, e volto a citar "FURO!" como sua obra-prima. Mas Brideshead tem uma beleza que não se esquece.
Evelyn Waugh escreveu sátiras ferinas sobre o que seria "ser inglês" nesse mundo em transição. Todos os seis livros que li são maravilhosos, e Brideshead com certeza não é um dos melhores. "Furo!" leva essa honraria. O texto de Waugh em todos esses seus livros é saltitante, vivo, elétrico. Ele cria personagens que voce adora, adora seu ridículo que nada tem de sublime. São pessoas lamentáveis, e frágeis, muito ´vulneráveis. Padecem da ilusão da importância. Se imaginam "Ingleses", mal percebendo que ser um "Inglês" é ser uma farsa.
Brideshead Revisited é o livro problema de Waugh. Não é engraçado. É sério. Chega a ser solene. É meio auto-biográfico, e isso travou a veia mordaz de Evelyn. Mas é um livro de estranho fascínio. Lê-lo é como visitar um album de fotografias vivas. Beber chá com estátuas de cera.
Charles Ryder é um capitão estacionado na Inglaterra durante a segunda-guerra. Seu pelotão se acomoda em palácio de antiga familia nobre, os Flyte. Por coincidência, Charles conhece aquele casarão, mais que isso, ele fora hóspede lá. O livro conta esse passado.
Charles é amigo de Sebastian, o alcoólatra, jovem e dandy herdeiro dos Flyte, e se apaixona pela irmã de Sebastian, Julia. O romance não dará certo, e um dos motivos, talvez o principal, é o catolicismo culposo da familia Flyte. Acompanhar essa história é como visitar a casa de um amor perdido. Melancolia plena.
Muitos perceberam que o amor de Charles por Julia pode ser o amor-gay de Charles por Sebastian. Basta dizer que ele tem prazer em perceber que "Julia é idêntica a Sebastian". Waugh era homossexual, mas esse não é o foco do livro. A questão do tempo, da memória e da religião são muito mais importantes. Evelyn faz retratos maravilhosos dos parentes chatos, dos pais de Julia, dos jantares formais ( um empregado para cada convidado ). O fim do apogeu de um império marcado pelos "bons modos".
Em 1981, a Granada Tv de Londres, produziu uma minissérie em 24 capítulos sobre o livro. Jeremy Irons fez Charles Ryder e no elenco ainda havia Claire Bloom, Laurence Olivier e John Gielgud. Na série, o homossexualismo era enfatizado e a produção se esmerava em bela fotografia e uma trilha sonora de primeira. Por incrível que pareça, o sucesso foi tanto que houve uma "febre Sebastian Flyte" na Inglaterra. Os jovens conservadores, anti-punks, anti-trabalhistas, copiavam as roupas e o corte de cabelo de Sebastian. Bandas de "direita", que eram odiadas pelos punks, tipo Spandau Ballet e Ultravox, faziam parte da onda. David Bowie em seu tempo "Let's Dance" era a imagem-calculada em xerox de Sebastian Flyte. Em 1988 a série chegou ao Brasil via Tv Cultura, e era moda as pessoas se reunirem nas casas uns dos outros e beberem chá com scotch para ver a série. Eu me vesti o ano inteiro de Sebastian Flyte, calça branca, camisa clara, sapatos de duas cores e blusa de lã- fina jogada com displicência sobre os ombros. Mas o principal era a atitude: uma expressão de melancolia divertida, de humor saudosista. Eu pirei com a série.
Bem..não vou comentar a estranheza de uma série de Tv que se torna hit, tendo como tema um casal gay em Oxford e a crise religiosa de uma família esnobe. Hoje esse tema não daria audiência nem como filme de arte. Coisas dos anos 80....
Fiz essa digressão para exemplificar a importância de Evelyn Waugh. A posição central que ele ocupa na vida intelectual do século XX. É um autor que deveria ser muito mais lido aqui nos Brasis. Principalmente porque temos um imenso potencial para a criação de personagens ridículos, sem noção, grotescos. Mas talvez fosse esse um problema, o humor de um Waugh brasileiro teria de ser obrigatoriamente muito mais grosso, explícito, agressivo.
Certamente existem livros mais perfeitos de Waugh, e volto a citar "FURO!" como sua obra-prima. Mas Brideshead tem uma beleza que não se esquece.
MEMÓRIAS DE BRIDESHEAD- EVELYN WAUGH
Evelyn Waugh foi escritor central na Inglaterra conturbada dos anos 1930/1960. Começou como um satírico autor de esquerda, lançando hilários livros que perturbavam a igreja anglicana, a realeza e os dandys. Ler Scoop é uma festa para a mente.
Mas na parte final de sua vida ele se tornou direitista e sua verve irônica foi trocada por um amargor rancoroso. Brideshead, livro de transição, é já um retrato dessa nova vida, vida que tem algo de podre, de perdido. Uma bela ruína.
Acompanhamos Charles Ryder, capitão do exército, que na segunda guerra visita a mansão dos Flyte, e então se recorda, em meio aos novos tempos de miséria e desencanto, de sua relação com Sebastian Flyte, o jovem herdeiro, um dandy wilderiano, extremamente sofrido e excêntrico. A narrativa é cheia de dor, e de um ar de homossexualismo reprimido e triste. Charles acaba se relacionando com a irmã de Sebastian, relação que naufraga quando toda a familia dela se torna católica. A culpa afunda a vida da mansão.
Quando lançado, todos os fãs de Waugh abominaram o livro. Parecia trair seu estilo. Não era vivo, era amorfo. Com o tempo se tornou pequeno clássico. Um quase enigma.
Em 1982 a BBC fez uma minissérie em 20 capítulos do livro. Foi exibido pela tv Cultura em 1988 e na época era chic reunir os amigos em casa para ver Jeremy Irons como Charles Ryder e Laurence Olivier, Claire Bloom mais John Gielgud como os pais da duas familias ( Gielgud como pai de Irons está maravilhosamente afetado ). A série escancarava a bichice afetada do livro. E causava furor uma frase de Claire Bloom, a de que entre jovens ingleses e alemães é normal ser gay aos 18 anos. Já na Itália e na Espanha não.
Em Londres a série se tornou febre e jovens passaram a se vestir como Sebastian, ternos brancos com sapatos claros, chapéus de palha fina e cabelo curto caindo sobre os olhos ( se voce pensou em Bowie-Lets Dance- acertou ). Todo o movimento new-romantic ( Duran Duran, Spandau Ballet, Ultravox, Japan, Gary Numan.... ) tem seu novo visual copiado desta série. Série que jornais britânicos chamavam de "enfadonha viagem por cenários ricos e olhares langorosos onde nada acontece, a não ser a constante exibição das bundas de Irons e de Andrews."
Eram os anos 80, inacreditávelmente exibicionistas.
O livro não é enfadonho e muito menos estático. Escrito em bela prosa, ele tem ritmo, tem verdade, tem porque. Toda a primeira fase de Waugh é muito mais brilhante, mas a névoa que flutua nestas páginas nos captura e nos faz pensar.
PS: eu adorei a série da BBC. Não perdi um capítulo e ia à faculdade de calça branca com blusa de lã amarela pendurada nos ombros. Para mim, a trilha sonora da série era a melhor do mundo e procurava uma mulher como Diana Quick, a irmã de Sebastian.
Confusos anos 80.....
Mas na parte final de sua vida ele se tornou direitista e sua verve irônica foi trocada por um amargor rancoroso. Brideshead, livro de transição, é já um retrato dessa nova vida, vida que tem algo de podre, de perdido. Uma bela ruína.
Acompanhamos Charles Ryder, capitão do exército, que na segunda guerra visita a mansão dos Flyte, e então se recorda, em meio aos novos tempos de miséria e desencanto, de sua relação com Sebastian Flyte, o jovem herdeiro, um dandy wilderiano, extremamente sofrido e excêntrico. A narrativa é cheia de dor, e de um ar de homossexualismo reprimido e triste. Charles acaba se relacionando com a irmã de Sebastian, relação que naufraga quando toda a familia dela se torna católica. A culpa afunda a vida da mansão.
Quando lançado, todos os fãs de Waugh abominaram o livro. Parecia trair seu estilo. Não era vivo, era amorfo. Com o tempo se tornou pequeno clássico. Um quase enigma.
Em 1982 a BBC fez uma minissérie em 20 capítulos do livro. Foi exibido pela tv Cultura em 1988 e na época era chic reunir os amigos em casa para ver Jeremy Irons como Charles Ryder e Laurence Olivier, Claire Bloom mais John Gielgud como os pais da duas familias ( Gielgud como pai de Irons está maravilhosamente afetado ). A série escancarava a bichice afetada do livro. E causava furor uma frase de Claire Bloom, a de que entre jovens ingleses e alemães é normal ser gay aos 18 anos. Já na Itália e na Espanha não.
Em Londres a série se tornou febre e jovens passaram a se vestir como Sebastian, ternos brancos com sapatos claros, chapéus de palha fina e cabelo curto caindo sobre os olhos ( se voce pensou em Bowie-Lets Dance- acertou ). Todo o movimento new-romantic ( Duran Duran, Spandau Ballet, Ultravox, Japan, Gary Numan.... ) tem seu novo visual copiado desta série. Série que jornais britânicos chamavam de "enfadonha viagem por cenários ricos e olhares langorosos onde nada acontece, a não ser a constante exibição das bundas de Irons e de Andrews."
Eram os anos 80, inacreditávelmente exibicionistas.
O livro não é enfadonho e muito menos estático. Escrito em bela prosa, ele tem ritmo, tem verdade, tem porque. Toda a primeira fase de Waugh é muito mais brilhante, mas a névoa que flutua nestas páginas nos captura e nos faz pensar.
PS: eu adorei a série da BBC. Não perdi um capítulo e ia à faculdade de calça branca com blusa de lã amarela pendurada nos ombros. Para mim, a trilha sonora da série era a melhor do mundo e procurava uma mulher como Diana Quick, a irmã de Sebastian.
Confusos anos 80.....
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