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A VIDA SEXUAL DO SELVAGEM- JULIO BARROSO

   Era 1991 e meu amigo de baladas, Percy, aquele que delirava no Satã e fazia amizades eternamente futeis com todos os trapos chiques do mundo, bem, Percy me deu este livro da editora Siciliano ( existe ainda? ). Isso foi em 1991 e em 91 eu estava já bem caseiro, posando de lord dono de terras. Imaginação é uma das realidades possíveis baby.
  Então volto agora mais um pouco, 1984. 
  Esse foi, talvez quem sabe, o ano mais admirável de minha life. Por uma montanha de motivos que talvez eu esteja com preguiça de detalhar. But...nesse ano eu me apaixonei quatro vezes, e só isso faz de qualquer ano uma coisa admirável. Mas houve mais. Descobri escritores, músicos, pintores, uma constelação. E nunca estive tão sedento de inspiração quanto então. Era uma ração de piração inspirada. Tudo de novo que rolava era meu. Eu flutuava de juventude doida. Ousava. 
  Pois foi nesse ano que Julio Barroso morreu. E nas explosões de epifanias que eu vivia, sua morte foi uma construção vulcânica. Julio caiu da janela de seu apto no Jardim América. Pó ? Vai saber...Li isso num jornal de um cara na sala de aula da Fiam. Fazia frio e era junho. Mas, o fato é, quem era Julio?
  Agora é 1981 e é sábado. Saiba que 1981 é o tempo de Gilliard e de Gretchen. E também da genial alegria de Jorge Ben, Cor do Som e do Pepeu. O Brasil, começando a se soltar, vivia o fim do sonho hippie peace and love. Viria em seguida o chic and sex. Mas... Na TV Bandeirantes Nelson Motta apresentava um programa jovem chamado Mocidade Independente. Gravado em sua boate na Faria Lima, nesse programa teve Bowie com Ashes to Ashes. Teve Arrigo Barnabé. Teve Kid Creole and The Cocoanuts. Teve Gabeira. E teve o Júlio. Com as Absurdettes, ele aparecia num cenário neon onde pintava seu rosto magro com baton. Era esquisito pacas, porque a cara dele era de raiva e o gesto de extrema suavidade. O som ao fundo era um tipo de trip dark. Me deu ansiedade. Gelada.
  Na hora não notei, mas eu já conhecia Julio. Desde um ano antes, quando ele esteve na geração de redatores finais da agonizante Revista POP. Na Abril, ela era A revista. Julio escrevia sobre reggae, funk, soul, new wave e novidades africanas em geral. Julio era desbundado. Alucinado. Exagerado. Como eram os ótimos críticos musicais da época. Como eram Zeca, Okky, Ana, Zé Emilio, Valdir. Nomes que a gente lembra até hoje. 
  Dou um salto para agora, novembro de 2014. Aqui está o livro de Julio. Livro que não via desde muito tempo. Estava no fundo de um baú. Protegido. E meio esquecido. Vou desfolhar com voces. Let`s go...
  O livro é em P/B e tem desenhos, meio africanos, um tipo de graffitti, em todas as páginas. O formato é big, retangular. Amigos de Julio escrevem textos sobre ele. O que mais falam é de sua energia, alegria e do monte de ideias que brotavam de sua cabeça. Julio era carioca, e morara em NY, no Caribe e rodara Europa. Fotos que mostram o luxo irrecuperável de 1980. Tem algumas, de Vania Toledo, com Julio, May East, Gigante, Alice, andando em alguma rua madruguenta dos Jardins, que são o fino do extra-cool. Saudades de Teddy Paez....
  Textos escritos por Julio. Me surpreendo. Eu escrevo como Julio. O cara me influenciou pra caramba! Julio-Zeca-Francis, tento, sei que longe deles, tento...Os textos de Julio falam de novidades de então. Música africana, reggae, soul de vanguarda, new wave, jazz experimental, novas bandas made in Brazil. Tem alguns poemas de Julio, letras de músicas, ideias. Ele queria montar um escritório que vendesse ideias. Para quem não as tivesse. Ele adoraria viver a época da intenet. Hoje teria 60 anos.
  Em 1980 Julio formou a Gang 90. Na boate do Nelson Motta, na Faria Lima. Entre aquele monte de peles de tigre fake que lá havia. Julio era DJ lá.
  Aliás o livro tem uma foto do convite da Noite Brasileira de Julio em NY. Em 1979 ele foi DJ por lá. No convite tem Cassiano, Lady Zu, Gerson Combo, coisa fina, todos lá.
  Voltando. A Gang se apresentou num festival de MPB da Globo. E foi vaiada. Isso em 80. Em 83 eles fariam parte da trilha sonora de uma novela da mesma Globo e estourariam. Em 84 Julio partiria. O disco da Gang, o único, que eu comprei na época e ainda tenho, é uma mistura de tudo aquilo que ele ouvia. De Blondie a tribal africano. Reggae a pré-rap. É bom mas tem um grande problema: tem a sonoridade dos discos de MPB da época. A bateria fraca, a guitarra suavizada e todo o foque em cima da voz e dos teclados. Parece fake. Fraco fake. Soft demais...but i like it ! 
  Temos daquela geração os piores. Lulu, Herbert, Roger, Lobão....os melhores se calaram ou se perderam: Ritchie, Marina....Cazuza, Cássia, Renato....e Julio. Nada foi mais trágico que o destino dessa geração. Os medíocres restaram.
  Julio, assim como meu amigo Percy, sempre vai me recordar os Jardins. É o som de um mundo que não mais existe. Então ainda era cheio de silêncio, de escuridão, de sombras e de deslumbramento chique. Percy vive em Curitiba agora, e lá é DJ. Julio foi pra onde vão os poetas eternamente jovens. E eu tou aqui. Apertando teclas e tentando manter vivo o sonho e a luz...
  Postarei alguns clips do sons que Julio amava. Enjoy it. 
  A lição de Julio e de sua geração foi e é: Seja curioso, furioso, chique, sempre!
  
  

SÁBADO SOM ( PINK FLOYD NÃO VEIO )

   Era 1973 e eu era uma criança. Era inverno mas fazia sol e naquele sábado de tarde, 2 horas, ia estrear na Globo o Sábado Som. Apresentado por um cabeludo sorridente chamado Nelson Motta. Eu era então um grande ouvinte de rádio ( AM ). Difusora e Excelsior. A Difusora era mais rocknroll, lembro que tocava até Led Zeppelin, já a Excelsior era bastante pop, tocava de Benito di Paula à Elton John. As duas tinham uma imensa programação de black music, e 1973 foi o auge da black music ( Stevie Wonder, Al Green, Marvin Gaye, Diana Ross, Barry White, Spinners, War, Stylistics, James Brown, Billy Preston, Billy Paul, Harold Melvin, Jackson Five ). Bem, que droga seria esse tal de Sábado Som?
  Desde sempre os musicos pop faziam promos. Promo era um video de divulgação, feito em filme, que era exibido em programas de tv. Nada parecido com o video-clip. Video-clip, que seria criado pelo Queen era uma peça em tape, pensado exclusivamente para a venda do produto-disco. O promo tinha a pretensão de ser "arte", era um troço sem objetivo, mais de "curtição". Dessa forma, o que o novo programa ( em horário que hoje tem Angélica e Xuxa ) passava eram os tais promos, e shows ao vivo também. E foi no Sábado Som que assisiti pela primeira vez ao Jean Gennie, o video de Bowie que mudaria minha vida. Não acho que eu seja bissexual, mas eu realmente me apaixonei por David Bowie. Velvet Goldmine conta bem a coisa toda.
   Mas a estréia do programa foi com a exibição de Pompeeii do Pink Floyd. Eu conhecia o Floyd de Us and Them, que tocava no rádio. Mas eu era muito crianção e não estava pronto para o que foi exibido. Lembro que me deu muito medo. Senti medo daquelas ruinas, medo daqueles cabeludos de cara feia e medo das músicas. Rock era pra mim alegria ou romantismo fofo, aquilo parecia tétrico. Odiei. Odiei muito. Depois, muito mais tarde, comecei a gostar de ATOM HEART MOTHER, que é meu disco favorito do Pink Floyd. Quanto ao que tocou no especial da tv, posto ao lado um trecho que acho hoje genial.
   O tal de rock progressivo, que não morreu jamais e que é feito hoje por todos os filhos do Radiohead, se dividia em 3 vertentes. Os medievais, os exibidos e os espaciais. Os medievais adicionavam muito folk à base psicodélica. Flautas, contos sobre bruxas, pandeiros e violões. Os exibidos eram os amantes da musica clássica. Solos longos e chatos, um tipo de "olhe como toco bem"!
  Se Yes e ELP fazem parte dos exibidos, e se Genesis e Jethro Tull são os medievalistas, o Pink Floyd, assim como o rock alemão e o King Crimsom são espaciais. O que os define é a "viagem mental", o cuidado de produção, as letras desesperadas, ou o nonsense absoluto. Nada têm de medieval ou de exibicionismo gratuito. O objetivo é "fazer a cabeça".
  Meus amigos dos loucos 70's eram todos fãs de rock progressivo. Rush, Renaissance, Rick Wakeman e Gentle Giant eram mitos pra eles. Eu era o estranho conservador que odiava toda essa baboseira. O meu negócio era rock puro e preto.
   Mas que esse som ( postado ao lado ) do Pink Floyd é legal, isso é.
   Voce que vai no show hoje, aproveite: voce nunca vai esquecer. Mesmo que desgoste.
PS: Uma das piores coisas de hoje no pop é a divisão. Quem gosta de rock clássico escuta só isso, quem gosta de sons moderninhos ingleses ouve só esse som.... Antes, sem FM e muito menos internet, voce, se queria ouvir Bowie, tinha de esperar e acabava sendo exposto a Martinho da Vila, Isaac Hayes e Paul Simon. Abrir a cabeça era isso.

NOITES TROPICAIS- NELSON MOTTA, UM CARA LEGAL

   Eu não havia percebido até então, mas Nelson Motta está em dois momentos muito rocknroll da minha vida. O primeiro é em 1973, quando o vejo apresentar o programa SÁBADO SOM na tv Globo à tarde. Foi o primeiro programa na tv brasileira com clips de rock estrangeiro. Nelsinho aparecia de cabelão, já trintão mas aparentando uns 18 anos. Apresentava a banda a ser exibida, dava um breve histórico. Era um cara sorridente, simpático, sempre de altíssimo astral. Nelson Motta jamais mudou. Continua sorridente, leve, e só se tornou "um coroa" após os 60 anos. Ah sim, o segundo momento rock foi em 1981, quando na tv Bandeirantes ele apresentava o moderníssimo MOCIDADE INDEPENDENTE. Um programa new wave, hiper editado, que apresentava grafiti, videos, poesia, sexo, funk e pirações nas noites de sábado, 21 horas. Foi um fiasco e durou só dois meses. Mas eu vi.
   Neste livro Nelson conta sua vida. Ou deveria. Na verdade ele fala de todo mundo que ele conheceu. E ele mesmo passa ao lado. Nelson sempre foi um grande conquistador. Do tipo passivo. As mulheres o pegavam, Muitas. Por ser sorridente, do bem, calmo e relax. E o livro é como ele: solar. Alegremente escrito, sedutor e despretensioso. Show.
   Tem tanta história boa que fica dificil pra mim falar de alguma. Começa lá no fim dos anos 50, a única época na história do Brasil em que a inteligência dava hibope. Os anos JK. Havia na música uma enorme distãncia entre a zona sul e a zona norte ( não que isso seja bom ). Na zona sul se ouvia jazz, na zona norte samba. E samba do tipo canção, de vozeirão. Na zona sul tudo era bossa-nova. Na zona norte nem se sabia o que era isso. E em apenas 3 anos essa primeira bossa se torna "velha". É chamada de elitista. Vem uma nova bossa, politizada, de esquerda. A mpb será marcada para sempre por essa divisão: direita e esquerda, politizada e alienada.
   Nelson conviveu com essas duas panelas. Na verdade conviveu com quase todas. Da bossa de esquerda veio Elis Regina e Chico Buarque. E ao mesmo tempo surgia no suburbio e em SP a Jovem Guarda, que era de direita e alienante. Imensa divisão: gostar de Roberto Carlos é ser burro. Só um cara quebra esse preconceito: Jorge Ben. Jorge, sempre quieto, calado, calmo, é o cara que é enigma. Para a turma da USP, ele é um "autêntico". O que ele faz é samba, é raiz, é Brasil. Mas para a Jovem Guarda ele é pop. Se apresenta no programa de tv de Roberto, é rock. Na verdade Jorge Ben é Jorge Ben. Um gênio intuitivo. Ele era o futuro. Mais que Elis, Edu Lobo ou Vandré. Mais que Eduardo Araújo ou Simonal.
   E houve Tim Maia. Amigo de rua de Erasmo Carlos, com 16 anos foi pros EUA. Lá foi logo preso e cumpriu pena. E enquanto isso seu amigo Erasmo se tornava estrela no Brasil. Recebendo essas noticias por carta, Tim em nada acreditava. Quando voltou viu que era real. Apareceu na Jovem Guarda mas ninguém gostou. Ele estouraria só em 1970. Tim Maia era soul, era funk, era a maior voz do país. As melhores histórias do livro falam dele.
  Uma delas: Quando moleque Tim trabalhava entregando marmitas na rua. Levava as marmitas numa vara, pendurada nos ombros. No caminho ele ia bicando todas as marmitas. Um feijão aqui, um bife lá, um doce...Vem daí seu problema de peso.
  Nelson fala da tv Record. Do marketing com a Jovem Guarda, da prisão de Erasmo ( corrupção de menores ) e das brigas com outro programa da casa, O Fino, de Elis Regina, que odiava Roberto Carlos. Aliás ela também abominava bossa-nova e foi rival feroz de Caetano Veloso. Só nos anos 70 ela reveria suas posições e até gravaria esse povo. Nos virulentos anos 60 o que mais se sentia era raiva.
   Belas histórias da Jovem Guarda, em que pela primeira vez patroas e empregadas eram vistas juntas num teatro. Depois do show as patroas iam com os cantores às boates dançar. Mas, puritanas e esnobes, não faziam sexo com eles. Erasmo e os outros iam aos lugares mais populares depois que as patroas se iam, onde aí sim, levavam as suburbanas à cama. O maior comedor era Jerry Adriani, que inclusive foi namorado de Maria Bethânia (!!!!!! ), e de Nara Leão ( que fazia parte dos inimigos da Jovem Guarda ).
   Nelson foi casado com Elis e com Marilia Pêra. E teve um zilhão de amores famosos ( que ele, elegante, não conta ). Nos anos 70 ele manda histórias hilárias de Raul Seixas e Paulo Coelho, dos festivais de rock desastrosos, da ditadura, dos Secos e Molhados e das casas noturnas que fundou.
   A Dancing Days foi a primeira disco do Brasil. Um Shopping na Gávea lhe cedeu o local de graça. Na casa ele cria garçonetes/cantoras que serão as Frenéticas. Com ingressos baratos e sem consumação, a casa une globais e surfistas, gente da zona norte e sambistas, playboys e modelos, domésticas e prostitutas. Depois a Dancing Days se muda pro morro da Urca e o sucesso aumenta. Se vai de bondinho, a pista é ao ar livre e se vê o Rio lá de cima.
   Em 1980 ele abre a PAULICÉIA DESVAIRADA em SP. Essa eu conheci. Julio Barroso de Dj, uma parede de telas de tv, zebras e onças, sujeira chique. Muuuuuito pó e new wave.
   Como tinha de ser, quando entram os anos 80 a coisa piora. Muita droga, muita ego trip, a explosão do rock. Nelsinho fala de Lobão, de Lulu Santos e da Gang Noventa. Ele namorou a estonteante May East. E lá no fim do livro ele volta a Tim, que fica como um tipo de espírito doidão que acompanha a história desde 1958 até 1998.
  Falo que todos deveriam ler este livro. É divertido, é informativo, é duca. Nelson Motta escreve fácil, leve, escreve ágil e a gente fica sabendo de um monte de porques, coisas que nos marcam até hoje, enquanto se diverte. Como ele falava no começo de SÁBADO SOM:
  - Alô Alô juventude animada!!!! Vamos ler que é de primeira!