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PRIMEIRO AMOR - TURGUENIEV
É sempre um prazer ler Turgueniev, autor de sucesso, mas que não foi bem aceito por seus colegas por não ter o senso de epopéia que havia em Tolstoi ou o drama pesado de Dostoievski. Hoje Turgueniev é autor central da literatura russa e europeia. Ele descreve perfeitamente caracteres, basta apenas uma ou duas linhas e já conhecemos o personagem. E os tipos são sempre interessantes. Aqui o heroi é um rapaz de 16 anos, que se apaixona por uma moça, uma princesa empobrecida, que se muda com a mãe para o lado de sua casa. A relação, feita de idealismo, logo se coloca como ansia sem fim. Cheia de pretendentes, o rapaz a espiona, segue, descobre coisas, e não entende quem ela é ou o que deseja. No fim, após apenas 80 belas páginas, estamos diante de uma novela, não um romance, descobrimos com ele o que acontecia com ela, quem ela era de fato. O final é amargo e deixa uma sensação estranha de fatalismo. ----------------- É tão gratificante ler uma narrativa como esta, um representante digno da grande literatura do século do romance. Lendo obras como esta, tomamos contato com o interior de pessoas que parecem reais, e assim aprendemos a ler as pessoas de nossa vida, real. Ler ficção. as grandes obras de ficção, é isso, aprender a ler a realidade.
EDMUND WILSON - 11 ENSAIOS. O IMENSO PRAZER DA COMPANHIA DE UMA INTELIGÊNCIA
Encontro num sebo este livro de 1991 editado pela então ótima Companhia das Letras. Paulo Francis selecionou os textos de Edmund Wilson, onze belos ensaios sobre política e literatura. Francis escreve a introdução também, naquele seu saudoso estilo. Uma bem humorada, provocativa, maluca mistura de cultura e fofoca, de conhecimento e diatribes. Francis é insubstituível. Não temos ninguém hoje que chegue a unha de seu pé. ----------------- Voce não conhece Edmund Wilson? Que pena! Nos anos 80 e 90 ele era conhecidoa até neste fim de mundo chamado Brasil. Wilson foi o mais respeitado intelectual dos EUA em todo o século XX. Seus textos, sempre profundos sem serem eruditos demais, eram democráticos. Ele amava aquilo que fazia e nos fazia amar seu tema. Não era aquele tipo de crítico, tão em moda desde os anos 80, que desconstroi o autor e nos faz achar que ele era gente como o vizinho da esquina. Wilson dá ao autor seu tamanho justo, o de um gigante, de um original, ele percebe que todo talento é interessante. ------------------- Neste volume ele fala sobre Joyce, Heminguay, Lincoln, a guerra civil americana, Dickens, Flaubert... Mas eu destaco três que são maravilhosamente prazerosos. Wilson fala sobre Proust, sobre o homem Proust e sobre a obra escrita do francês. E não há como voce sair ileso do ensaio de Edmund Wilson. Escrevendo sobre Proust antes dele se tornar o que é hoje, Wilson faz com que sintamos um desejo imenso por ler o francês. Asmático, gentil e arredio, hipocondríaco, apaixonado por mulheres que não o quiseram, isolado em seu quarto, rico, Proust surge inteiro, um gênio da língua, um homem que conseguiu fazer da literatura música. O desvendador do inconsciente. Não há função mais nobre da crítica que nos fazer querer conhecer aquilo que ele ama. Wilson faz, Mas não pense que o texto é mera propaganda. O americano discorre sobre os erros de Proust, seus momentos enfadonhos, suas manias. Esses defeitos fazem do autor humano, e nos aproximam da obra. Mas a condição de ser genial de Proust não se apaga. É necessário o ler. ---------------- O mesmo ocorre com Turgueniev, autor russo da época de Gogol, Dostoievski e Tolstoi, autor que li e adoro. Turgueniev, famoso desde sempre, exilado na França que ele odiava, tinha problemas em seu país, achavam que ele era ocidental demais, mas na Europa era muito lido e muito amado. Generoso, ele ajudava autores em apuros, amigos perdidos, chegando da dar dinheiro até a Dostoievski. Wilson coloca o russo no lugar que lhe é de direito, um autor imenso, muito mais complexo que seu texto, elegante, aparenta ser. Eu tenho imenso prazer em o ler e tive um gosto gigantesco lendo o texto final deste livro, O AUTOR AOS SESSENTA, como diz o título, uma divagação em que Edmund Wilson começa falando de sua condição de sessentão, em 1955, e acaba por falar da vida de seu pai, um advogado muito bem sucedido de New York que sofria de uma neurose que quase o enlouqueceu. Somos transportados para um mundo que não mais existe, o final do século XIX nos EUA, o estilo de vida da classe mais poderosa e o cotidiano da família do autor, uma família original. Wilson tem o dom de fazer com que nos sintamos como que vendo um velho album de fotografias ao lado de um membro daquele grupo. É uma leitura confortável. --------------- Nunca mais teremos um Edmund Wilson.
RUDIN - IVAN TURGUENIEV
Escrito no meio do século XIX, este é o primeiro romance de Turgueniev, autor central naquela que é a nação com a prosa mais perfeita da história. Rudin expõe as características do tal "milagre russo", a condição de um país tão atrasado socialmente, a Russia de então era ainda medieval, ter ultrapassado países como Inglaterra e França no estilo romanesco. ---------------- O segredo é a complexidade do páis: a Russia tinha religião absoluta e ao mesmo tempo criava o niilismo mais radical, tinha milhôes de servos analfabetos e ao mesmo tempo a classe aristocrática mais culta do planeta, acreditavam em bruxas e maldições e também na técnica e no materialismo. Nas ruas, conviviam pessoas que exitiam como em 1350 e dandys de 1850. Tudo isso temperado pelo exagero eslavo, pela emoção sempre a flor da pele. Se os ingleses escreviam melhor e os franceses eram mais modernos, os russos tinham o segredo de criar personagens mais reais e ao mesmo tempo maiores que a vida. ------------------ Todo país protagonista na história do mundo nasce já se anunciando. A Russia é central desde sempre. ---------------------- Rudin é um homem de 35 anos que surge na casa de campo de uma rica senhora. Logo ele domina a conversa de todos os jantares, Rudin tem o dom da fala e sua fala é filosófica, revolucionária, moderna. Mas, precipitado e auto-iludido, ele cai em desgraça e é expulso de seu meio. Rudin é o intelectual que não age, aquele que inventa desculpas para jamais se comprometer, nunca ir da teoria à ação. Vaidoso e cheio de pose, sua máscara logo cai e sua verdade aparece: ele é só palavra, não possui alma. ----------------- O romance é delicioso de se ler. Gostamos dos personagens, eles nos envolvem, e nisso ele é bem russo. Um ponto me incomodou, e isso considero uma falha, Turgueniev era ainda um autor muito verde em 1855, é o modo como Liejnev perdoa Rudin na parte final da história. Me pareceu artificial isso, e o livro se torna uma exposição de tese. Mas, fora isso, é um belo romance que merece muito manter sua importância histórica. Afinal, 170 anos depois, um leitor no Brasil ainda sente prazer com suas frases bem arquitetadas.
FUMAÇA - TURGUENIEV
Após os cinco gigantes, Tolstoi, Gogol, Dostoievski, Pushkin e Tchekov, vêm Lermontov e Turgueniev. Nada épico, sempre pensamos no romance russo como afresco imenso, Turgueniev não escrevia almejando o gigantesco, sua ambição parecia mais particular. Mas creia-me, seu poder de nos fazer habitar dentro de seus livros é incomum. Moramos neles. Fumaça trata de um jovem que está em Baden, na Alemanha, esperando sua noiva que lá irá o encontrar. Enquanto espera, ele conhece vários jovens russos que moram em pensões medianas. e mais importante, topa com um amor de dez anos atrás. Esse reencontro modifica sua vida, ou não? A questão é: Nós realmente mudamos? ------------------------------ O personagem central, jovem de 30 anos, noivo, com algum dinheiro mas não rico, exita, pensa, não se decide. Em Baden ele conhece jovens estudantes e depois os funcionários ricos do estado. Sua ex namorada, aquela que ele reencontra, é agora esposa de um general e se tornou rica. Turgueniev não perdoa, ele demonstra, através do personagem do central, todo seu ódio aos intelectuais e aos poderosos da Russia. É um desfile de gente pretensiosa, ridícula, vazia, falando coisas totalmente sem valor. Já próximo ao fim, Turgueniev conclui: a Russia está fadada ao imobilismo, nada nunca mudará. ---------------- Mudou? Após uma revolução e mais de 150 anos, mudou? --------------- Há uma cena em que franceses conversam em Baden e por mais que evitem acabam por falar de mulheres. Ingleses falam de novas invenções e de esporte. Alemães de progresso, da nova Alemanha. E do que falam os russos? Fofocam. E falam, de modo exagerado e nada realista ou prático, de política. Dão vexames. ---------------------- Turgueniev consegue nos fazer ver algo em comum entre brasileiros em 2023 e russos de 1870, a eterna espera e a repetição sem fim. O livro, como PAIS E FILHOS, obra mais famosa do autor, lido por mim em 1988, é ótimo.
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