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JAMES JOYCE BY CHESTER G. ANDERSON

James Joyce estava a um passo da esquizofrenia. Sua amada filha, Lucia, todos seus filhos tinham nomes italianos, foi tratada por Jung e o médico suiço dizia que Joyce tinha uma mente "clara demais", que na verdade o escritor da Irlanda "via a realidade com saúde plena, o que é muito raro". De qualquer modo, Lucia era esquizo e Joyce foi um homem muito difícil. ------------------- A biografia de Richard Ellman, uma obra prima, é um prazer de ler, em que pese Joyce ser um homem nada charmoso. A vida de JJ foi dura, foi irresponsável e eu sinto, e sei que sou minoria, que ela foi desperdiçada. Seus autores mais queridos, Goethe, Dante, Henry James, Tolstoi, escreveram muito, e Joyce, eu penso, poderia ter produzido mais. Voce dirá que Ulysses vale por vários livros, e eu respondo que seria melhor ele ter escrito mais dois Ulysses e não Finnegans Wake. Esta biografia, curta, escrita em um estranho estilo irlandês, expõe a vida de Joyce sem a beleza da obra de Richard Ellman. E a vida de Joyce se revela como foi, esquisita. ---------------------- Ele era um caloteiro e explorava seus amigos. Bebia muito e gastava no bar o dinheiro que deveria ir para os filhos. Egoísta, extremamente vaidoso, se via como um gênio desde a infância. Sabia ler várias línguas e conversava em casa na língua italiana. Se achava o maior escritor vivo ( e em sua época tinhamos Proust, Mann, Tchekov, Yeats, Pound, Eliot, Valery, todos produzindo em seu auge ), e era obcecado por sexo. Meio cego, sofreu várias operações. Morreu com apenas 59 anos. E admito, foi um dos 10 maiores escritores dos últimos 100 anos. -------------------- Herdou do pai o hábito de se mudar sem parar. Chegou a morar em 3 casas diferentes em apenas 6 meses. Ambicioso como apenas Dante foi antes dele, Joyce tentou escrever a história do homem em apenas um romance, Ulysses, e em Finnegans a criação da vida e um resumo de toda a sabedoria dos milênios. Ele nunca escreveu sem essa ambição. ----------------- Estranhamente, um homem tão apaixonado por bares, era fiel a esposa, Nora. Ciumento, paranoico, era um grande falador, um cantor e só dava valor a palavra escrita. Música só com letra, pintura, só aquela que narrava uma história, arquitetura pouco o interessava. O livro que li tem mais de 100 fotos, e as cidades onde Joyce morou, Trieste, Lucarno, Zurique, e Dublin, que ele abandonou cedo, logo após a morte da mãe e nunca mais voltou, são todas cidades pitorescas, porém labirinticas. Ele odiou toda cidade em que viveu. Principalmente Roma, que ele suportou por apenas um mês. De Paris ele gostou. ---------------------- Nunca tece dinheiro, pois logo que o ganhava, o disperdiçava. Mesmo assim era um dandy. Pound o ajudou muito, e é interessante observar que Joyce foi favorecido por algo que é moda hoje, o financiamento de um livro por doações de assinantes. Pagavam à ele enquanto a obra ainda era apenas uma ideia. Joyce foi famoso entre a elite intelectual de seu tempo. Ele nunca foi um Kafka ou um Pessoa.

FIRENZE E ROMA

   Tenho uma amiga que está cruzando a Itália. Ele me envia fotos de Roma e de Firenze. Nunca estive na Itália e olho as fotos.
   Ela sabe fotografar. E sabe escolher seus alvos. Olho as fotos de noite, dentro da escola onde trabalho, numa pausa. Há uma colega ao meu lado em outro computador. São nove horas da noite e faz calor. O ventilador está ligado.
   Uma sequência de fotos: túmulos. Dante. Machiavelli. Petrarca. Galileo. Michelangelo. ...alguma coisa acontece aqui.
   Desce sobre mim. Os pelos de meus braços se erguem. O calor me meu rosto aumenta. Fico vermelho. Uma onda de frio varre o lugar onde estou sentado. Meus olhos se arregalam. Meu coração NÃO dispara. Estou calmo. E ao mesmo tempo emocionado. Uma emoção que não acelera. Abraça. Tento me controlar mas logo desisto. A sensação é deliciosa. Sou tomado. A visão do mármore que envolve Michelangelo me dá um desmaio que não me apaga, antes me ergue.
  Continuo vendo as fotos nesse estado do sublime enlevo. Firenze se mostra e se abre para mim. Ela é fatal. Um pensamento: eu morreria em Firenze. E seria a mais bela morte. Pois eu renasceria em Firenze.
  Palavras a partir daqui não mais podem ser ditas.
  ...
 

A DIVINA COMÉDIA ( INFERNO )- DANTE ALIGHIERI

Todas as grandes obras, aquelas que dão medo de ler, não me decepcionaram. Precisei de duas décadas para criar vergonha e ler o Dom Quixote. Instigado por um amigo que o adorou, resolvi lhe dar uma chance. E eis que descubro estar diante do melhor romance já escrito. Engraçado, picante, poético, realista e ao mesmo tempo onírico. E foi assim com Proust, com Tolstoi e com Shakespeare. Os gigantes nunca me deram frustração, sempre cumpriram o esperado ( há uma única excessão: Goethe. Mas talvez ele seja intraduzível. )
E agora, instigado pelo amor que Yeats tinha por ele, abro meu velho Dante e mãos à obra, o leio. Cheio de ilustrações de Gustave Doré, sua primeira parte, O Inferno, é, sem ironia, uma delícia. Na tradução de Ernani Donato, a poesia do fiorentino se torna prosa poética, um quase rap. Sim, voce leu direito, um rap de gênio. E digo o porque....
Quando li Chretien de Troyes já havia percebido isso. O modo como Chretien discorre sobre seu rei ( "Meu rei é maior que o seu" ) a maneira como ele está sempre se gabando, inflando a força do bem, aumentando tudo o que significa poder; é um modo rap de pensar, de ser e de se expressar. O mesmo acontece com Bocaccio. Sexo e dinheiro é seu único interesse e melhor é aquele que transa todas e que tem algum ouro. E muito melhor ainda é o que consegue enganar a todos com sua lábia. Vejo então no mundo medieval o mundo das gangues, da rua, do bairro, do poder da língua afiada.
Dante joga todos os seus inimigos nos círculos do inferno. São queimados, são espetados, sofrem torturas sem esperança de fim. Sentem sede sem poder a saciar, sentem ódio sem poder dele se livrar, sentem dor sem alivio nenhum. Pior, tudo será sempre como é agora. Dante tem um prazer homérico em fazê-los sofrer, e mesmo os brilhantes Platão e Sócrates sofrem por lá, pois não foram batizados. É mundo de limites, de trancafiamento, de desejo sem fim, de carne que continua a apodrecer, de espírito sem leveza.
Voce lê tudo isso com um estranho prazer. As frases fluem, voam, se encaixam como tijolos de catedral. As imagens nascem, crescem e vivem, cada palavra respira, fala. Carnaval de sentidos. Tudo no mundo em que Dante viveu é política, tem sentido, cada homem era parte de um todo gigantesco. E o poeta discorre seu ódio, seu rancor, sua vingança como um amaldiçoante abutre, como um monge mundano, cospe palavras metralhadas como o mestre do rap.
Dizer que o gênio de Alighieri ainda assombra é absurdo. Todo gênio é sempre contemporâneo. Aquilo que ele diz e sente é para sempre de hoje e de agora, e toda imagem que ele nos faz ver será eternamente viva. Mas o principal é: em sua arte sempre irá morar o prazer, a alegria em se ler a frase certa, a rima correta, o fato inesperado, o não-chavão, a fonte da criação e do símbolo. Destilando ódio, Dante fermentou o vinho da poesia.