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SOBRE CIGARROS E LIBERDADE ( VENDO FILME DE JACQUES BECKER )

Talvez voce não se recorde, mas um dos maiores prazeres na infancia é ver um homem fazer um trabalho bem feito. Recordo da alegria que era ficar o dia inteiro assistindo os pintores trabalharem em minha casa quando ela sofria uma reforma. Eu e meu irmão ficavamos atrás dos pintores vendo eles lixarem e passarem massa nas paredes, pintarem, limparem. Ainda hoje o cheiro de tinta látex me traz boa sensação. Na rua, quando um eletricista consertava algum poste, logo dezenas de crianças se juntavam para observar. Dos maiores prazeres era ver o técnico abrir a TV e revelar o mistério do aparelho cheio de tubos, lâmpadas e fios. Pois bem, assistindo a dois filmes de Jacques Becker, Le Trou e Grisbi, recordo esse deleite. E penso, o grande cinema nos faz recuperer esse prazer puro de olhar. Em Le Trou o que vemos é um grupo de presos escapar, ou tentar escapar, da prisão. O filme dura 3 horas e consegue não cansar mesmo sendo inteiramente feito dentro de uma prisão. Observamos barras sendo lixadas, buraco escavado, porta arrombada, tudo com tão grande detalhe e capricho que voltamos a ser a criança olhando um pintor a pintar. Em Grisbi, filme fetiche meu, o revejo vezes sem fim, vemos Jean Gabin viver sua meia idade. Um bandido que quer se aposentar. Ele come torradas com foie gras, bebe vinho, se veste, e esses são os grandes prazeres do filme, olhar Gabin viver. A câmera o focaliza 100% do tempo. Becker é um diretor sem limites, faz o que quer, se filmar Gabin lendo a lista telefônica conseguirá parecer interessante. ------------------ Mas é do cigarro que desejo falar. Gabin fuma Gitanes no taxi, na rua, no bar, no bordel, no restaurante. E penso, mais uma vez, que o mundo ficou bem chato a partir dos anos 90, quando deixamos que os fumantes se tornassem o primeiro grupo a ser perseguido pelos "bons". Todos sabiam que fumar dava câncer, mas essa era uma escolha indivudual e ninguém tinha nada a ver com isso. Então criou-se a história de que existia o fumante passivo e em seguida se fez a conta do quanto custa um câncer de pulmão. Pronto! o fumante era um pária. ------------------ Desde então foram criados centenas de párias, o fumante foi o primeiro. A partir dele tornou-se comum uma coisa que até então era impensável: obrigar um adulto a ser saudável. Mais ainda, vigiar esse adulto todo o tempo. Abriu-se um precedente. Consigo lembrar que dentro de seu carro, ambiente que era privado, meu pai podia dirigir sem cinto, colocar o braço para fora, me levar no colo, fumar. Era uma escolha de um adulto e caso houvesse um acidente ele pagaria por seu erro. Como adulto responsável ninguém se sentia no direito de invadir sua vida. Eu não era fumante e odiava bares e cinemas cheios de fumaça, mas jamais passara pela minha cabeça proibir que pessoas deixassem de viver sua escolha. Eu prefiro uma boate sem fumaça, mas abomino obrigar um fumante a fazer algo que ele não quer fazer. Não fumar. Penso que as pessoas foram abrindo mão de suas escolhas individuais pelo tal "bem de todos", e isso sempre pode ir longe demais. ------------------------ Democracia não é liberdade. Democracia é um acordo onde a minoria aceita obedecer a maioria. Liberdade é individualidade, é uma coisa diferente de democracia. Sociedade livre é aquela onde há democracia e liberdade individual. O cigarro acompanhou o mundo nas décadas mais livres de sua história, entre os anos de 1900 até 1990 ( com várias tiranias, eu sei, mas nunca antes houve tanta liberdade ). Temo que seu fim marque o fim do mundo de Jean Gabin.

A MULHER DO PADEIRO/ BIRDMAN/ BILL MURRAY/ VIVEN LEIGH/ JACQUES BECKER/ CADDYSHACK /LUCY

   UM SANTO VIZINHO (ST. VINCENT ) de Theodore Meel com Bill Murray, Naomi Watts, Melissa McCarthy e Chris O`Dowd
Bem...Bill Murray concorreu ao Globo de Ouro e perdeu. Mas esta é sua melhor atuação em anos. Mesmo que ele faça mais uma vez o cara ranzinza e doidão de sempre. Ele é um cara que mora sozinho. Uma vizinha se muda para a casa ao lado. Ele acaba virando babá do filho dela. Claro que ele e o moleque vão se tornar amigos. E claro que ele tem uma vida secreta. Apesar de ser óbvio o filme até convence. O elenco é muito bom e há uma cena com verdadeira emoção ao final. Muito mais surpreendente é o fato deste filme americano mostrar católicos que não parecem doentes ou piada pronta. É um drama. Sério. Vale a pena ver. Nota 6.
   BIRDMAN de Alejandro Iñarritu com Michael Keaton, Naomi Watts, Edward Norton
Forte e febril, já li algumas pessoas o chamando de fake. Bobagem! É o velho preconceito contra filmes com várias indicações ao Oscar? Talvez seja pior que isso, temo que não tenham captado a profunda ironia do roteiro. Temo que tenham levado tudo a sério. Uma dica: todas as cenas dramáticas são piadas, todas as cenas com o Birdman é que devem ser levadas a sério. Personagens como o ator metido, a filha junkie ou a crítica não devem ser encarados como exagerados ou mal escritos, eles são patéticos de modo proposital, e assim criticam certo tipo de filme de arte muito em moda atualmente: o filme que traz um banner em todas as cena bradando: arte! Keaton está brilhante! A trilha sonora é perfeita, assim como a fotografia. Um grande filme. Nota 9.
   ( O que? Voce dá 9 para um grande filme? Sim. Ele é grande, forte, mas tem falhas, muitas. Dez é para filmes que podem não ser tão fortes, mas que são isentos de falhas. Filmes perfeitos. )
   SNATCH de Guy Ritchie com Jason Statham, Brad Pitt, Dennis Farina, Vinnie Jones
Guy Ritchie....Danny Boyle....Acho que Guy é melhor. Well....houve um tempo, muito divertido, em que a moda eram os filmes ""espertos"". Pulp Fiction vem a cabeça, mas antes dele houve O Nome do Jogo de Barry Sonnenfeld, houve Stephen Frears com The Hit. E de repente era moda fazer filmes com violência gráfica, diálogos nonsense e personagens elegantemente perversos. Deu certo. Eu adorava! Mas bastou dois ou três fracassos ( A Mexicana, O Nome do Jogo II e Jackie Brown ) para que a coisa se fosse. Uma pena. Revendo Snatch hoje, em 2015, já 15 anos passados, eu estranhei o começo, a trilha techno pareceu envelhecida, mas logo me envolvo e começo a me divertir. Muito. Snatch sobrevive. É uma sopa louca de sangue, risos e ritmo. O segredo para esse tipo de filme é um só: personagens que a gente goste. Se o roteiro consegue isso pronto, o filme vence. Aqui temos pelo menos 7 personagens excelentes. Eu os contei. O filme é muito bom. Nota 7.
   LUCY de Luc Besson com Scarlet Johansson e Morgan Freeman
O filme em si é um Bresson de segunda. Luc já fez coisa melhor. Fala de uma garota que é sequestrada por coreanos. Implantam droga, uma nova super droga, nela. Depois de várias cenas gratuitas de sangue e sofrimento, a droga se espalha no corpo dela. Isso faz com que o cérebro se expanda, ela, aos poucos chega aos 100% de uso cerebral. É isso. Freeman faz um professor que irá tentar a ajudar. Pois bem, o filme tem paralelamente a sua vulgaridade violenta,  considerações filosóficas sobre os assuntos que mais me interessam de uns quatro anos para cá. Tempo, matemática, evolução. Óbvio que se alguém tivesse 20% de seu cérebro ativado teria como primeira ação o não mais entendimento com os outros humanos. Ele seria uma outra espécie e nossos conceitos de tempo e linguagem lhe seriam alienigenas. Mas mesmo assim este filme não teme o possível ridiculo e vai fundo. Ele inspira longas conversas. Não darei nota.
   AS CALÇADAS DE LONDRES de Tim Whelan com Charles Laughton, Vivien Leigh e Rex Harrison
Feito nos anos 30, suas primeiras cenas são maravilhosas. Nas ruas de Londres, em frente aos teatros, artistas de rua se apresentam e passam o chapéu. Laughton é um declamador de rua, Vivien uma malandra da sarjeta, e todas as cenas nas ruas são de uma originalidade e de um sabor boêmio soberbos. Vivien está lindíssima, fazendo uma garota ardida ela se prepara para ser a Scarlet de ...E O Vento Levou, dois anos mais tarde. Laughton dá seu show habitual. O filme é delicioso, em que pese um quase excesso de melô na parte final. Nota 7.
   JAMAIS TE ESQUECEREI de Roy Baker com Tyrone Power, Ann Blyth e Michael Rennie
Escolhendo DVDs para comprar topo com este filme do qual nunca ouvi falar. Mas o tema me intriga e o compro. Um cientista atômico é obcecado pelo século XVIII. Atingido por um raio volta no tempo. Em 1785 se decepciona. Em vez de achar a era da razão, encontra um tempo de sujeira, violência, exploração e muito preconceito. Tenta apressar o progresso e é dado como louco. Nesse meio tempo se apaixona por uma mulher da época. O filme tem um tema interessante: só aceitamos aquilo para o que estamos preparados a aceitar. Um fósforo ou um barco à vapor antes de seu tempo são inaceitáveis. O filme é de 1951, e portanto sua explicação dessa viagem no tempo é a mais racional possível. Fosse um filme de 2015 a explicação seria bem mais new age. Um filme obscuro, esquecido, apesar da presença de Tyrone no auge de sua fama superstar. Tem clima, entretém. Nota 6.
   OS AMANTES DE MONTPARNASSE de Jacques Becker com Gerard Philipe e Lili Palmer
O filme conta a bio de Modigliani, um dos mais originais pintores do começo do século XX. Bio inteligente, ela não tenta contar tudo da vida do artista, na verdade o que ela descreve são os últimos anos da vida de Modi. O filme, do grande Becker, com bela fotografia de Christian Matras, não tem muito o que dizer. Isso porque a vida de Modi se resumiu em álcool e pobreza radical. O filme deprime, nada há de belo na vida de um autodestrutivo. É um dos últimos filmes de Philipe, ele morreria jovem no fim dos anos 50. Há quem o considere até hoje o grande ator do cinema francês de sempre. Era excelente ator e muito bonito. Ele faz um Modi seco, egoísta, acabado. Um filme dificil. Nota 6.
   A MULHER DO PADEIRO de Marcel Pagnol com Raimu e Charpin
Pagnol foi um grande escritor e um grande divulgador da cultura da Provence. E que ocasionalmente fazia filmes.  Feito em 1938, este surpreende por várias coisas. Pelo extremo realismo, pela precariedade da produção e pela excelência de seus atores. Pauline Kael considerava a atuação de Raimu neste filme uma das cinco melhores de todos os tempos em qualquer lingua. A história: um novo padeiro chega à uma vila na Provence. O pão que ele faz é excelente. Gordo e velho, ele é casado com uma bela jovem. Ela foge com um pedreiro. O padeiro não aceita a fuga e fica se auto-enganando, acha que ela foi visitar a mãe, está voltando etc. Quando cai em si, vira um bêbado e deixa de fazer pão. A vila toda se une para trazer a esposa de volta. A obrigam a voltar. É isso. O filme vai do mais patético ao sublime. O padeiro, absolutamente idiota sem ser caricato, um trouxa sem nunca parecer artificial, é magnífico. Raimu não parece atuar, parece ser o cornudo. A vila zomba dele, mas ao mesmo tempo têm carinho pelo bobo. E todos os atores parecem brilhar. Mas não se engane, não é um filme fácil. As cenas são longas, se fala muito e os ambientes são muito pobres. Enquanto via o filme me peguei entediado algumas vezes, mas que estranho, hoje recordo o filme, dez dias depois, com muita admiração e simpatia. Um filme diferente de tudo que voce tenha visto.  O sotaque da verdadeira Provence todo aqui. Nota 7.
   CLUBE DOS PILANTRAS ( CADDYSHACK ) de Harold Ramis com Chevy Chase, Bill Murray, Rodney Dangerfield e Ted Knight
Ri muito! O filme é de 1980, e não sendo por menos, mostra como eram os teens de então. Kinght faz de forma brilhante o dono do campo de golfe, Rodney é um milionário brega e que sabe viver, Murray um doidão que é o zelador do campo e Chevy é um hilário golfista zen. Todos estão maravilhosos! Cenas como a da piscina, a chuva no campo ou o final com o torneio são de antologia. E que humorista brilhante era esse Rodney!!!! Eis a grande geração do humor americano, que tinha ainda nesse tempo Steve Martin, Dan Akroyd, Andy Kauffman, Robin Willians e Martin Short. Ah e um tal de Eddie Murphy! Nada mal. O filme é muito bom! Nota 8.
   ZONA DE PERIGO de Rowdy Herrington com Bruce Willis, Sarah Jessica Parker e Dennis Farina
Um dos pontos mais baixos da carreira de Bruce. O roteiro tem vários furos, o assassino é fraquíssimo e o suspense banal. Para piorar tudo tem uma trilha sonora mediocre. Bruce parece desinteressado. Nota 3.
  

RENÉ CLEMENT/ HITCHCOCK/ DELON/ BECKER/ KUROSAWA

Semana de clássicos. Aí estão eles....
O SOL POR TESTEMUNHA de René Clement com Alain Delon, Marie Laforêt e Maurice Ronet
Tom Ripley, gatuno de extrema dubiedade criado por Patricia Highsmith, escritora de extremo talento, tem aqui seu retrato definitivo. Matt Damon e John Malkovich também o interpretaram, mas Delon bota os dois no bolso. Damon era bobo demais, fez um Ripley pouco sedutor; Malkovich lhe deu um excesso de perturbação, levou-o a condição de psico; Delon está no ponto certo: alheio a si-mesmo, sedutor delicado, elegantemente cruel. Ripley é o proletário invejoso, falso amigo, que deve levar o playboy Greenleaf, de volta a sua familia. Ripley irá matá-lo e assumir seu lugar. O filme de Minghela era 100% novo rico: tentava ser elegante ostentando dinheiro. Aqui, na absurdamente elegante Itália de 1959, temos o máximo de glamour sofisticado sem nada de brega ou ostensivo. Nas lindas casas de praia, nos objetos de decoração e nas roupas dos personagens temos uma aula de como ser elegante ao infinito. Roma de vias cheias de gente flanando, de mesas à calçada, sol e alegria, troppo bella! O filme, hitchcockiano, prende nossa atenção não só por seu estilo visual ( foto brilhante de Henri Decae ) ou a trilha sonora impecável de Nino Rota; nos prende pela trama sem furos, pelo suspense constante, pelo prazer que temos em observar a esperteza em ação. E pela face de Delon, usando seu dom de parecer sempre perverso e ao mesmo tempo desamparado. O filme tem ainda um dos melhores finais da história: uma construção de climax e de surpresa digna de Hitch. Um final inesquecível em sua ironia e crueldade. Filme atemporal, belo de se ver e intensamente absorvente, é mais um acerto do multi-premiado Clement, diretor de 3 obras-primas eternas. Para ver e rever. Nota Dez.
JAMAICA INN de Alfred Hitchcock com Charles Laughton e Maureen O'Hara
Um nobre inglês do século XVIII é secretamente um contrabandista. Já contratado por Selznick e aguardando sua mudança para a América, o mestre inglês fez este filme às pressas em clima muito ruim. É de seus filmes menos interessantes ( em que pese a excelencia do elenco ). Uma pena... Nota 4
CORRESPONDENTE ESTRANGEIRO de Alfred Hitchcock com Joel McCrea, Laraine Day, George Sanders e Herbert Marshall
Muito bom filme do mestre. Joel é um repórter americano enviado a Europa para fazer matéria sobre o inicio da guerra. Lá se envolve em trama de espionagem. O filme tem várias cenas sensacionais. Aquela do moinho talvez seja a mais famosa ( mas não a melhor ). O mérito do filme é o de jamais parar, a ação corre todo o tempo, fatos sobre fatos, nada muito lógico, mas quem pede lógica em filme de Hitchcock? O que importa é o clima, a condução de nossa atenção, o brinquedo maravilhoso que é o cinema. Um belo filme! E como é bom ver George Sanders atuar! Nota 7.
A DAMA OCULTA de Alfred Hitchcock com Michael Redgrave e Margaret Lockwood
Fato: este é um dos filmes mais famosos de Hitch. Grande sucesso de sua fase inglesa. Uma velhinha desaparece num trem. Uma moça sabe de seu desaparecimento, mas ninguém crê na existência de tal velhinha. O tema da paronóia à Hitchcock. O filme é delicioso! Filmes em trens sempre são divertidos e este talvez seja o melhor. Lockwood é de uma beleza arrebatadora ( e simples ) e Redgrave ( que é a cara de sua filha, Vanessa ) dá classe e humor ao todo. Puro fun, escapista e rápido, Hitch se diverte e nos diverte muito. Nota 8.
REBECCA de Alfred Hitchcock com Laurence Olivier e Joan Fontaine
O poderoso produtor de ...E O Vento Levou, David Selznick, importou Hotchcock da Inglaterra para fazer este filme. Alfred acabaria voltando à sua terra só em 1972. Este filme, imenso sucesso, é hiper-romantico, gótico, e só se torna 100% Hitchcock nos momentos finais. Mas é um belo filme! Conta a história de um trilionário viúvo que se casa com a simplória mocinha feita por uma exagerada Fontaine. Mas esse casamento será aterrorizado pela lembrança da ex-esposa Rebecca e por uma governanta ( Judith Anderson em ótima atuação ). Joan Fontaine, em que pese sua frágil beleza, tem uma atuação quase caricata. Vê-la ao lado do equilibrado Olivier chega a ser cruel. Ele faz do personagem central uma aula de como ser romantico e econômico ao mesmo tempo. Mas Fontaine comporta-se como em ópera, exagera tudo. Fora isso ( e na época a atuação dela foi elogiada e a dele não ), o filme é digno de seu sucesso. O assistimos com uma estranha sensação de sonho. Todo ele se parece com uma ilusão gótica, mofada, feiticeira. É o menos Hitchcockiano dos filmes americanos do mestre, mas como cinema é obra de competência esmerada. Gigantesco e plenamente bem realizado. Nota 8.
GRISBI, OURO MALDITO de Jacques Becker com Jean Gabin
Jacques Becker... que grande diretor! Eis este filme: um velho gangster quer se aposentar. Um último golpe será tentado. Dará certo? O filme é muito mais: quando Becker dá um close em Gabin, vendo show de strip, vemos a imensa magnitude do filme: é sobre a morte. Gabin está cansado, nada lhe resta a não ser se retirar. Mais: Ele tenta ser nobre em meio ao lixo. Mais: Becker e Gabin sabiam que seu tempo se esgotava, fizeram filme que é ode genial ao fim. Uma elegia. Visualmente o filme é riquíssimo. Boates, aptos, carros, fumaça e putas. Muita grana fácil. Jean Gabin, o mais famoso ator francês, está em seu maior momento. Nunca seu rosto estóico foi tão frio e deseperançado. Becker, diretor dos mais viris, leva tudo com precisão absoluta, o filme não tem erros e não tem nenhum truque. Nada nele tenta ser simpático. O filme é como aquilo que retrata, eis o segredo da perfeição em cinema: dirigir ao estilo do seu tema. Filme fantástico! E além de tudo é dos mais jazz- films já feitos! Nota DEZ!
MAD LOVE de Karl Freund com Peter Lorre
Freund foi grande fotógrafo alemão, mas este filme ( famoso ) de terror é falho, muito falho. Nada a dizer sobre o médico doido que troca as mãos de pianista pelas de um assassino. Lorre está assustador, sempre foi grande. Mas o roteiro é bobo. Nota 2.
OS SETE SAMURAIS de Akira Kurosawa com Takashi Shimura e Toshiro Mifune
Crítica abaixo. Um dos mais famosos e endeusados filmes da história do cinema. Funde arte e diversão à perfeição. Muito ambicioso, ele mudou a história do filmes de ação. Obrigatório para quem deseja conhecer o que seja Um Filme. Que nota dar? DEZ!
A ILHA DO TESOURO de Byron Haskin com Bobby Driscoll e Robert Newton
O primeiro filme ( não desenho ) da Disney ( 1950 ). A Ilha do Tesouro de Stevenson foi meu primeiro livro. Lido ao sol, aos 9 anos de idade. O filme é digno desse livro: bonito e cheio de bons momentos. A fotografia de Freddie Young é lindíssima. Uma bela Sessão da Tarde. Nota 7.

ALL THAT JAZZ/TARANTINO/PAUL NEWMAN/BECKER

A LENDA DOS DESAPARECIDOS de Henry Hathaway com John Wayne e Sophia Loren
Aquele tipo de filme de cara que vai pro Saara descobrir tesouro. A fotografia de Jack Cardiff ajuda, Wayne exibe seu carisma e Loren faz a italiana emotiva. Competente. Nota 6.
BASTARDOS INGLÓRIOS de Tarantino
Os 3 grandes defeitos do cinema atual : 1. péssimos diálogos, 2. roteiros cheios de complicações que existem sem razão nenhuma. Apenas disfarçam banalidades, 3. visual de TV, muitos closes, muitos zooms, imagens estouradas, edição frenética ( tenta se dar ação pela edição ! ). Pois bem. Neste filme Tarantino faz um filme com cara de cinema. A estética é a dos grandes filmes de aventura dos anos 60. O roteiro é certo e direto, nada de pseudo-intelectualismos. E os diálogos são dignos dos anos 30. Ele faz seu filme mais adulto. O cara sabe tudo e ama a arte com sinceridade. Ele me dá esperança. Nem tudo se perdeu ! Nota DEZ.
O INDOMÁVEL de Robert Benton com Paul Newman, Bruce Willis, Jessica Tandy, Melanie Griffith e Philip Seymour Hoffman
O último grande desempenho do mais simpático dos atores americanos ( de 1960 pra cá... ). Paul é um velho quebra-galhos numa cidade pequena. É um perdedor. O filme não é triste, é quase uma comédia lenta. Willis é seu patrão muito mal caráter. E a maior atriz do teatro americano, Tandy, é sua senhoria; Melanie é a esposa do patrão e Philip um guarda fascista. Robert Benton foi um roteirista de gênio ( Bonnie e Clyde ). Como diretor sempre foi apenas OK. Mas o filme é bonitinho. Paul Newman é excelente. Nota 7.
PAIXÃO PROIBIDA de Serge Gainsbourg com Jane Birkin, Joe Dalessandro e Depardieu
Dalessandro foi ator dos filmes de Andy Warhol. Ele se parece com um jovem Iggy Pop mais bonito. Péssimo ator, ele apenas posa fazendo cara de mau. Ele aqui é um caminhoneiro. Gay. Ele viaja com seu namorado. O filme foi feito nos USA. É um filme estradeiro. A trilha sonora, do próprio Serge, é um tipo de som "Bonnie e Clyde". Pois bem... o caminhoneiro conhece num posto de gasolina uma moça que é muito magra. Tão magra que se parece com um garotinho andrógino. Joe se apaixona por ela. Mas por ser gay, ele só faz com ela "sexo gay". Entendeu ? A moça é Jane Birkin, esquisita e com um rosto lindo. O filme é cheio de lixo, poeira e fedor. É ruim pra caramba. Serge põe a câmera sempre em lugares errados e os atores ficam perdidos. Os diálogos são de doer ! Gerard Depardieu faz um gay sempre de branco, longos cabelos e sobre um cavalo também branco. O filme nunca teme o ridículo. Eu achei muito divertido. Mas é um lixo. Lixo que me seduz. Nota invisível. ( ).
ERA NOITE EM ROMA de Roberto Rossellini
3 homens fogem da prisão dos nazistas. Se abrigam na casa de uma romana. O filme mostra o cotidiano da Roma da guerra. Os fugitivos são cada um de uma nação. Roberto dirige daquele modo seco e pobre de sempre, parece televisão educativa. nota 2.
FANTASMA de F.W.Murnau
Ele seria o grande diretor na América dos anos 30/40 se não houvesse morrido em acidente de carro tão cedo. Este é um filme silencioso sobre a perdição da paixão. Há uma cena de baile que usa câmera na mão, efeitos de zoom e fundo psicodélico !!!! Em 1922 !!!!! Murnau sabia ser ousado. Mas este roteiro é bastante piegas.... nota 4.
MULHERES NO FRONT de Valerio Zurlini com Anna Karina, Marie Laforet, Lea Massari
Fala dos grupos de prostitutas que eram usadas no front pelos soldados italianos. Cada moça era objeto de um batalhão inteiro !!!!! Zurlini era um diretor maravilhoso ! Seus filmes são poemas à melancolia que não nos deprimem. Anna está lindíssima como uma prostituta que ainda vê humor na vida, uma bela comediante. O filme é trágico e apesar de ser um dos menos conhecidos de Zurlini, é ainda invulgarmente bom. Nota 7.
LE TROU de Jacques Becker
Um milagre ! Eis um filme de duas horas e quinze minutos, todo passado entre uma cela e uma rede de buracos, que jamais entedia ou irrita. Becker, grande diretor, se deu este desafio, e o venceu. O filme é viril e apaixonante aventura. Tem, inclusive, um dos melhores e mais terríveis finais que já assisti. São cinco prisioneiros, que com engenho e calma, tentam fugir da prisão. O filme evita os chavões : a prisão é limpa e tranquila, não há violência alguma, o diretor é compreensivo e os presos comem bem e são camaradas. Mas eles estão confinados ! E como o homem está condenado à liberdade.... O filme não tem trilha musical nenhuma, e os sons do esforço físico daqueles homens abrindo túneis na rocha pura é aterrorizante ! Fime diferente de tudo que voce já viu, ele permanece na memória. Becker ( pai do também bom diretor, Jean Becker ) era um talento gigantesco ! Esta OBRA-PRIMA o prova. Nota DEZ.
OS GUARDA-CHUVAS DO AMOR de Jacques Demy com Catherine Deneuve
Ah!!!!!! Jovem Deneuve... tão lindamente perfeita que chega a parecer uma ficção ! Este filme, com trilha musical de gênio de Michel Legrand, é todo cantado. Quando digo todo é todo : quando alguém diz : - Quanto custa ? Isso é falado em música. Ou seja, é uma ópera. Mas em ritmo de jazz pop. O filme é colorido, fantasioso, feliz e hiper-romântico. Se voce gosta das melodias vai amar, se detesta musicais, irá rir dele. Nota 6.
ALL THAT JAZZ DE BOB FOSSE COM ROY SCHEIDER E JESSICA LANGE
FELLINI JAZZ E ANSIA POR VIVER = O FILME DA MINHA VIDA.
Quantas vezes ? Vinte... mais... trinta...talvez. Só no cinema foram quatro. Este não é o filme que penso ser o melhor que já assisti, mas é MEU filme. Tenho de o rever todo ano.
Bob Fosse... ele foi o mais sexy coreógrafo e diretor da Broadway , e é, até hoje, o único cara a ter ganho no mesmo ano os 3 grandes prêmios : Oscar/Tony e Emmy- cinema, teatro e TV, tudo em 72. Se ele escrevesse teria ganho o Pulitzer naquele ano... Bob Fosse era como Joe Giddeon, o personagem deste filme ( ah... se voce não sabe, o Oscar de 1972 foi por Cabaret, vencendo O Poderoso Chefão ). Mas voltando, Fosse era fumante doido ( quatro maços por dia, inclusive no chuveiro e na cama ), mulherengo, egocêntrico, anfetamínico, criativo, cardíaco e genial. Morreu na reestréia de Chicago, Broadway... Como acontece aqui, em ALL THAT JAZZ, morte na estréia. Fosse escreveu o roteiro de sua futura partida.
A verdade é que nunca desejei ser O Homem-Aranha ou Bill Gates. Eu queria ser Joe Giddeon/ Bob Fosse. Brinquei disso por mais de uma década, na faculdade e na vida. Namorei e escrevi como se "fosse" Joe Giddeon. Confesso. Foi muito bom...
Cada década tem um musical que espelha o que ela foi. Não é necessariamente o melhor da época, mas é seu retrato. Os anos 2000 têm o chatíssimo CHICAGO, que desmerece o trabalho no palco de Fosse. É um filme cheio de acontecimentos, truques e baboseiras. É a cara deste cinema. Os anos 90 são representados pela jovialidade colorida de ROMEU + JULIETA, aquele de Baz Luhrman com Di Caprio. Bobinho e bacaninha, como os 90. Nos 80 temos FLASHDANCE, e nem preciso dizer nada... e os 60 têm o muito otimista e cômico POSITIVAMENTE MILLIE. Nos anos 70, os anos de drogas, sexo, loucura e nóia, existe este plásticamente exagerado, histéricamente fascinante ALL THAT JAZZ.
Bob Fosse pega o roteiro de OITO E MEIO de Fellini, diretor pelo qual ele tinha obsessão confessa, e o refilma. No lugar do diretor de cinema em crise, um diretor de teatro. Sai a Itália, entra New York. Continuam as mulheres, as memórias e a doença. Permanece a absoluta e completa genialidade. A memória, sonhos, ideal de beleza, música.
Joe Giddeon, numa impressionante atuação "de macumba" de Roy Scheider, acorda ( esta cena é repetida por todo o filme ) e ao som de Vivaldi, se entope de bolinhas e cigarros ( o Camel que eu fumava...) Pinga colírio no olho vermelho, e em frente ao espelho, ele repete a sí-mesmo : "- SHOWTIME FOLKS!" Todas as manhãs..... Hoje, quando em ansiedade, ainda me pego neste " Showtime folks! " para mim mesmo... Então ele vai ao teatro ensaiar uma peça que não evolui. Ele está em crise.
Ao mesmo tempo ele sofre com a consciencia de ter estragado um bom casamento, mas continua não resistindo às jovens atrizes. E ainda tem de editar seu novo filme, ineditável. E sofre a pressão de um ator perfeccionista e crítico temível ( o filme, na vida real era LENNY e o ator carrasco era Dustin Hoffman, famoso por torturar diretores com sua mania de perfeição ).
Giddeon sofre infarte e o anjo da morte é Jessica Lange, de branco, maravilhosamente linda ( em Fellini foi Claudia Cardinale ). O filme ousa : sua hora final é a descrição da morte do diretor do filme. Giddeon conversa com a morte/mulher, e beleza das belezas : tenta flertar com ela.
Joe/Bob Fosse tem apenas um grande amor real : aquele anjo da morte.
As cenas de ensaio, de bastidores e a atuação dos bailarinos chega a ser comovente. Mas na morte do diretor, longa cena dançada, com enfermeiras, corações de plástico, sangue e seringas, Bob Fosse atinge o mal-gosto e o sublime, o mais feroz pessimismo, mas também uma garra vital dionisíaca. Não há filme que nos dê tão explícita imagem da força da arte dionisíaca. A agonia da criação está toda em exposição. Dor e prazer, vaidade e aniquilamento.
ALL THAT JAZZ mostra a vida que desejei ter. Bela e perigosa, glamurosa e podre. É óbvio que não sou Fosse ou Giddeon. Sempre soube disso, minha viagem não foi tão doida. Mas a graça estava em seguir a miragem. Bob Fosse me deu um presente que iluminou meu caminho. É pouco ?
Perfeição é sempre sinal de má arte. Perfeição é para ciência. Chicago tentou ser perfeito. Moulin Rouge é perfeito. ALL THAT JAZZ é todo errado. E por ser torto, chega lá. Não é feito de luz e música. Ele é semem, tabaco, coxas, traição, sangue, suor, solidão, tosse, doença e inenarrável beleza. Transcende. Ele é eterno. Anjo da morte que seduz Joe Giddeon e nos arrebata.
Continuo fã deste filme. Não precisaria de nenhum outro se tivesse de levar um só para a tal ilha deserta. Me diverte, me inspira e me guia. Joe Giddeon é meu xamã.
ALL THAT JAZZ. Voces queriam saber ? Sempre ( desde 1979 ) foi meu filme favorito. Não o melhor, mas o mais amado.
Fecho o zíper : riiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiipppppppppppppp..... fim.