Voce começa a ler, se tiver jeito pra coisa, lá pelos seus 9 anos de idade. As lendas de Carlos Magno e mais Stevenson e Twain foram meus primeiros livros amados. Desses a gente nunca esquece. Depois a gente se apaixona por autores que duram um verão ou um inverno. Lembro que um dia pensei que iria amar Lorca, Milan Kundera, Camus, Pessoa, pra sempre. Ficaram na memória. Como ficaram tantos outros. Alguns a gente descobre que era só aquilo mesmo, amor de verdade, mas passageiro. Já outros foram amor fake, um engano. Penso em Sartre como fake, Nietzsche, autores com sedução fácil, juvenil, enganosa.
Digo tudo isso porque sei ser impossível a um iniciante gostar ou sequer ler Chesterton. Ele é bem humorado mas não é simpático. Isso acontece porque ele exige muito de quem o lê. O estilo de Chesterton, todo calcado em paradoxos, pede atenção a cada palavra. Se voce se distrai, pronto, todo o sentido da frase se vai. Ele também exige paciência. Escreve como um glutão, devagar e com gosto. Os textos nunca são longos, mas todos parecem pesados. Isso porque são densos, gordurosos, cheios de temperos. Dos temperos, o mais usado é o humor, um humor irônico, sutil, agudo, mas nunca maldoso.
Aqui temos um livro que une seus dois primeiros livros. O Defensor, como deveria ser, defende coisas que em 1905 seriam pouco defensáveis ( acho que mudou pouco desde então ). Chesterton defende o romance barato, pastoras de porcelana, a publicidade, a gíria, os bebês, as coisas feias, o romance policial e muitas outras belas invenções. Lê-se com prazer, as frases inesquecíveis e certeiras surgem em meio ao texto. E sempre usando o paradoxo, condição na qual ele foi mestre.
Por exemplo, ele diz que bebês são adoráveis por serem sérios. Bebês olham a vida, as coisas, com seriedade. Miram tudo com o olhar do verdadeiro interesse e por isso são felizes. Cada objeto é para eles um caso de estudo apurado. E por isso os amamos. Sabemos que nosso interesse pelas coisas se foi a muito. Mal as notamos.
Em um outro texto, ele defende a supremacia da superficialidade sobre a profundidade. Pois o conhecimento superficial é o mais próximo da verdade, daquilo que o outro é. Quando nos aprofundamos começamos a elaborar teses e explicações, e assim perdemos a bela superficialidade honesta das coisas e das pessoas.
Chesterton defende o bom senso. Sempre o bom senso. E para ele, o bom senso mora sempre com a maioria do povo. O povo sabe a verdade pelo costume e pela tradição. O intelectual é apenas um adolescente desajustado que luta para impor ao mundo real a visão de sua alma individual. O artista, veja bem, tem o poder de traduzir em imagens ou em palavras aquilo que o povo tem dentro de si. Ou ao redor de si. O intelectual, ou o artista intelectualizado, nada sabe sobre o povo. Muito menos sobre o mundo. E por isso não aceita aquilo que desconhece e teme conhecer. Cria um mundo falso. O mundo onde tudo é cinza e a noite jamais chega.
Em Tipos Variados, Chesterton analisa rapidamente alguns escritores, politicos e pensadores de seu interesse. Parte de Charlotte Bronte e passa por Stevenson, Tennyson... Mostra os defeitos do fim da vida de Tolstoi, escreve uma homenagem belíssima a rainha Vitória, comenta e ridiculariza o Kaiser Guilherme. Em todos os textos ele escancara o não óbvio, ilumina aquilo que não esperávamos ver ou topar. Como o fato de Bronte ter criado a primeira heroína feia da história ( Jane Eyre ), Stevenson ser tão bom em tudo que escrevia que fazia os críticos se perderem sem conseguir o definir, ou demonstrar que a rainha Vitória foi grande por saber sair do caminho. ( É seu melhor texto. Ele ama Vitória e não disfarça isso. Mas analisa com frieza ).
Para nós, brasileiros, talvez o texto mais útil seja aquele sobre Alfred, o Grande; o primeiro rei inglês. Quando ele fala do mito que cria um povo entendemos todos os erros de nossa país. Para Chesterton, não há grande nação sem um grande mito. E não importa se esse mito aconteceu de fato ou não; o que importa é o fato do povo o ter abraçado como uma verdade maior que a história dos documentos.
Fato a se jamais esquecer: ele diz que toda escritura que funda ou dá força à um povo é sempre um livro pela metade, ou fragmentado. Platão, Buda, Cristo, Homero, Sócrates, são todos livros, vidas, histórias contadas pela metade, com lacunas, com páginas perdidas. E por isso são obras maiores que livros fechados, completos, acabados.
Nada se funda sobre papel impresso.
A voz do povo é a voz de quem narra na rua.
Digo tudo isso porque sei ser impossível a um iniciante gostar ou sequer ler Chesterton. Ele é bem humorado mas não é simpático. Isso acontece porque ele exige muito de quem o lê. O estilo de Chesterton, todo calcado em paradoxos, pede atenção a cada palavra. Se voce se distrai, pronto, todo o sentido da frase se vai. Ele também exige paciência. Escreve como um glutão, devagar e com gosto. Os textos nunca são longos, mas todos parecem pesados. Isso porque são densos, gordurosos, cheios de temperos. Dos temperos, o mais usado é o humor, um humor irônico, sutil, agudo, mas nunca maldoso.
Aqui temos um livro que une seus dois primeiros livros. O Defensor, como deveria ser, defende coisas que em 1905 seriam pouco defensáveis ( acho que mudou pouco desde então ). Chesterton defende o romance barato, pastoras de porcelana, a publicidade, a gíria, os bebês, as coisas feias, o romance policial e muitas outras belas invenções. Lê-se com prazer, as frases inesquecíveis e certeiras surgem em meio ao texto. E sempre usando o paradoxo, condição na qual ele foi mestre.
Por exemplo, ele diz que bebês são adoráveis por serem sérios. Bebês olham a vida, as coisas, com seriedade. Miram tudo com o olhar do verdadeiro interesse e por isso são felizes. Cada objeto é para eles um caso de estudo apurado. E por isso os amamos. Sabemos que nosso interesse pelas coisas se foi a muito. Mal as notamos.
Em um outro texto, ele defende a supremacia da superficialidade sobre a profundidade. Pois o conhecimento superficial é o mais próximo da verdade, daquilo que o outro é. Quando nos aprofundamos começamos a elaborar teses e explicações, e assim perdemos a bela superficialidade honesta das coisas e das pessoas.
Chesterton defende o bom senso. Sempre o bom senso. E para ele, o bom senso mora sempre com a maioria do povo. O povo sabe a verdade pelo costume e pela tradição. O intelectual é apenas um adolescente desajustado que luta para impor ao mundo real a visão de sua alma individual. O artista, veja bem, tem o poder de traduzir em imagens ou em palavras aquilo que o povo tem dentro de si. Ou ao redor de si. O intelectual, ou o artista intelectualizado, nada sabe sobre o povo. Muito menos sobre o mundo. E por isso não aceita aquilo que desconhece e teme conhecer. Cria um mundo falso. O mundo onde tudo é cinza e a noite jamais chega.
Em Tipos Variados, Chesterton analisa rapidamente alguns escritores, politicos e pensadores de seu interesse. Parte de Charlotte Bronte e passa por Stevenson, Tennyson... Mostra os defeitos do fim da vida de Tolstoi, escreve uma homenagem belíssima a rainha Vitória, comenta e ridiculariza o Kaiser Guilherme. Em todos os textos ele escancara o não óbvio, ilumina aquilo que não esperávamos ver ou topar. Como o fato de Bronte ter criado a primeira heroína feia da história ( Jane Eyre ), Stevenson ser tão bom em tudo que escrevia que fazia os críticos se perderem sem conseguir o definir, ou demonstrar que a rainha Vitória foi grande por saber sair do caminho. ( É seu melhor texto. Ele ama Vitória e não disfarça isso. Mas analisa com frieza ).
Para nós, brasileiros, talvez o texto mais útil seja aquele sobre Alfred, o Grande; o primeiro rei inglês. Quando ele fala do mito que cria um povo entendemos todos os erros de nossa país. Para Chesterton, não há grande nação sem um grande mito. E não importa se esse mito aconteceu de fato ou não; o que importa é o fato do povo o ter abraçado como uma verdade maior que a história dos documentos.
Fato a se jamais esquecer: ele diz que toda escritura que funda ou dá força à um povo é sempre um livro pela metade, ou fragmentado. Platão, Buda, Cristo, Homero, Sócrates, são todos livros, vidas, histórias contadas pela metade, com lacunas, com páginas perdidas. E por isso são obras maiores que livros fechados, completos, acabados.
Nada se funda sobre papel impresso.
A voz do povo é a voz de quem narra na rua.