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BALTHAZAR - LAWRENCE DURRELL

Em 1912 Lawrence Durrell nasceu na India. Era o fim do Império Britânico, aquele projeto nascido na marinha real durante a vitória sobre Napoleão e que durou até o começo da Primeira Guerra mundial. Não por acaso, foi o apogeu da literatura e da ciência inglesa. Eu amo essa literatura em seu todo, e sinto saudades do inglês viajante. Autores como Conrad ( que era polonês mas era inglês ), Kipling, o tardio Maugham, Forster, e Durrell, que morreu em 1990, muito depois do fim do império. ------------- Durrell casou quatro vezes, viveu no Egito, França, Argentina, Grécia, Sérvia. Foi muito famoso a partir dos anos de 1960, quando Justine, primeiro livro do Quarteto de Alexandria foi lançado. Este livro, Balthazar é o segundo volume, Justine eu li a alguns anos atrás. Durrell foi best seller em um tempo em que autores difíceis ainda vendiam bem ( Saramago foi o último e o lusitano é bem ruim aliás ). Hoje Durrell anda meio esquecido, o que é uma pena. Nada nele ofenderia as frágeis consciências dos leitores atuais. Ele não é viril demais, nunca parece racista e não tem cenas violentas. A única coisa que faria um leitor-criança eterna fugir dele é sua complexidade. Durrell não barateia nada. Sua prosa é quente, sensual, musical, incrivelmente saborosa. Os personagens, apaixonantes. Durrell foi dos últimos a criar gente que parece real. Eles cheiram e fedem. ------------------- Apesar dessas pessoas, o livro, todos os quatro, são sobre Alexandria, a cidade do Egito que na época do romance, anos 30, era muçulmana, católica, europeia, oriental, suja, linda, absurda, indiferente, assassina. Centro de prostitutas, gays, lésbicas, viciados, esnobes, miseráveis. Muitos europeus iam à Alexandria, como a Argel e Tunis, para assumir sua homossexualidade. Era um mundo onde tudo podia. Durrell foi amigo de Henry Miller. Imaginamos o que ele aprontou por lá. Mas, ao contrário de Miller, Durrell era rico, sua escrita é muito mais refinada. Durrell não tem a raiva de Miller, raiva que estraga o americano. Durrell é muito mais metafísico, poeta, jamais pornográfico, bastante barroco. ------------------ Mulheres perdidas e sexualmente livres, milionários egípcios, ingleses sem rumo, escritores cínicos, sofredores maníacos, e a cidade. Ler este livro é andar por Alexandria, suas ruas, sombras,odores, bares, palácios. Dois capítulos sobressaem: aquele que descreve a travessia do deserto e o fantástico capítulo sobre os dias de carnaval. Este, sobre a festa de 3 dias, é uma joia. ---------------- Mais ainda, temos algumas das melhores descrições sobre a paixão sexual. Oh sim! Ia esquecendo! O livro é a história de Justine, tema do livro primeiro, contada aqui sob outro ponto de vista. O alvo de Durrell não era simples, contar a realidade em sua totalidade. E para isso era preciso criar um QUANTA de texto, uma história onde tudo parecesse acontecer ao mesmo tempo e num agora eterno. Sim, a física quântica aplicada na vida. Durrell já sabia e nos avisa que não daria certo. Mas ele tentou. O livro é um belo erro.

NOITES ANTIGAS - NORMAN MAILER. FAZIA TEMPO QUE UM ROMANCE NÃO ME IMPRESSIONAVA TANTO

Talvez o último livro a me impressionar tenha sido escrito por Nabokov, e eu descobri o russo uns quatro anos atrás. Nesses anos nada que li me fez sentir febre. Não estranhe, um grande livro me toma como vírus e portanto me faz febril. Mas eis que leio este longo e imenso livro de Mailer, lançado em 1983, após anos de pesquisa do autor sobre a vida e a cultura do antigo Egito. É um livro sujo. Repugnante. Amoral. Politicamente incorreto. E mágico. ------------------ Ele descreve a morte. O apodrecimento do corpo. Os fluidos e os fedores. E um espírito, confuso, vivenciando sua própria morte. Norman Mailer não tem medo, se o livro é sobre o Egito, seu centro tem de ser a morte, tema central da vida egípcia. O começo do livro é maravilhoso. A alma confuda nos confunde e nos perdemos na leitura. Mas prosseguimos. E vivenciamos aquilo que a alma vivencia. Mailer nos faz entrar no Egito. No mundo de 2.000 antes de Cristo. Na sociedade mais diferente da nossa. Na cultura da morte, dos faraós, dos sacrifícos humanos, da sujeira extrema, e do sexo, muito sexo. -------------------- Lendo este livro percebi várias coisas. O quanto o cristianismo nos moldou. Que houve modos de viver absolutamente diferentes do nosso. Que esses modos duraram muito, muito tempo. E que este mundo, o de agora, é pouquíssimo variado. Vivemos numa uniformidade absoluta. --------------------- Quatro mil anos atrás tínhamos a cultura do Egito, a deste livro, que durou cerca de 3000 anos. Ao mesmo tempo havia a cultura hitita, muito diferente. Os judeus, opostos em tudo aos egípcios. Celtas na Europa. A cultura da India. Da China. Persa. Todas diferentes em tudo entre si. Óbvio que era assim porque o mundo mal se comunicava, tudo era longe e era lento. ------------------- Mas o que pergunto aqui é: O planeta abrigava várias vozes, várias maneiras de expressar o divino no humano, vários modos de tentar viver e sobreviver, várias hipóteses de acerto. Nenhuma era a CERTA e todas eram NOSSAS. Será que voce me entende? Nossas vozes se expressavam em cada latitude, em cada continente, e todas essas vozes eram minhas e suas. Hoje elas se calaram. Há apenas duas ou três vozes. E uma delas, inclusive, pede que todas se calem. -------------------- A vida no Egito era tão diferente da nossa que muitas vezes pensamos ser uma vida de outro planeta. Oude outra dimensão. Nada neles lembra nada em nós. MAS....somos eles também. Pois são humanos, como eu sou. Estão dentro de nós, ao redor de nós, escondidos em nós. Pois o que eles criaram, sentiram, inventaram, temeram, desejaram, pulsa e vive em mim e em voce. Quinhentos anos de cultura greco-romana e depois dois mil anos de cristianismo podem ter obscurecido, reprimido, nos feito esquecer. Mas eles eram humanos. E eram portanto nossos irmãos.