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GARGANTUA - RABELAIS E A ALMA SECRETA DA FRANÇA

Não me lembro, talvez tenha sido Harold Bloom, que falou: a alma da França se divide em dois campos: Rabelais e Racine. Racine é a raiz racional, cartesiana, jansenista. Já Rabelais é o outro lado.... Escrito no começo do século XVI, em plenos massacres protestantes na França ( o que? Seu péssimo professor de história passou seis meses fazendo lacração e não te contou nada sobre esse assunto? Tema vital para a história de todo ocidente? Que pena... ). Weeellll..... Rabelais era um ex católico e por isso viveu sempre dependendo da proteção de amigos poderosos. Mas vamos falar do livro, livro que de certo modo inaugura o romance francês. E que modo de inaugurar!!!!!! Gargantua é um gigante filho de nobres. Ele come. Ele bebe. Ele defeca. E o livro é isso, uma homenagem às funções corporais. Para voce ter uma ideia, há um capítulo em que ele descreve todas as coisas que Gargantua já usou para limpar o cu. Ovelhas, videiras, veludos e gatos estão na lista. Seu favorito é o ganso. 386 bois no café da manhã, 18 barris de vinho, ele advoga a ideia de que viver é beber e comer. Bloom estava errado, a França não se divide em dois campos, todos são Racine e Rabelais. Por detrás de todo francês existe uma pessoa que vive para comer, beber e defecar. Mais que isso, uma pessoa que transforma isso em arte e em ritual. De Serge Gainsbourg a Artaud, de Vian à Sade, a França é uma festa de foie gras e de fascínio por peidos e borbulhas de champagne. O livro é divertido e ás vezes muito engraçado. O que Rabelais quer é anarquizar a vida francesa, desnudar a corte, zombar da voracidade de reis e príncipes. A França é assim, ela zomba da autoridade e ao mesmo tempo é esnobe e elitista. Vende revoluções e Cartier. Rabelais sabia disso e fez isso. C'est bon.

GARGANTUA - FRANÇOIS RABELAIS, UM MALOQUEIRO.

Gargantua nasce filho de rei e cresce como gigante. Come, come e bebe vinho. E tudo no livro de Rabelais se resume a isso: vinho. A lei é: bebamos!!!!!
Dizem que o francês cartesiano é uma farsa. Que Montaigne e Racine não são a alma francesa. Que a verdadeira França está em Rabelais e em Villon. ( E consequentemente em Asterix ). Comida, bebida e escatologia, isso é o que define o francês real. Gargantua tem como palavra mais usada "cu" e há um capítulo sobre a arte de limpar o olho do cu. Rabelais escreveu no inicio do século XVI um livro que é uma das obras capitais do começo da moderna França. O espírito gaulês está todo lá. E ele é anárquico, sujo, glutão e bêbado.
Gargantua cresce, e come 13000 bois, bebe 800 barris de vinho e ao mijar afoga 20000 parisienses. Tudo nesse livro é assim: imenso, exagerado e despudorado. Bebês são fazedores de bosta, reis vivem a peidar, e nas batalhas os soldados morrem com paus enfiados no cu. Rabelais desconhece a palavra pudor e vai desabaladamente contra o tal bom gosto. O livro fede. E é divertido. Escrito antes da divisão da literatura em alta-literatura e baixa-literatura, ele escreve o que o diverte.
Bons tempos em que escritores eram mais que "empurradores de canetas". Eram soldados, navegadores, nobres perseguidos ou ladrões. Nas horas livres, escreviam. O romantismo ainda não criara essa imagem maldita do "escritor como ungido de uma missão". Montaigne ou Machiavel até poderiam se ver como "escritores", mas jamais como "autores". E Rabelais, que teve vida aventurosa e cheia de altos e baixos, escreveu um sucesso: Gargantua, que foi seguido por Pantagruel. Lê-lo é adentrar o fim da idade média. E o que define esse fim é o esculacho.
Marcelo Coelho escreveu nesta semana que Heine às vezes parece brasileiro. Pois Rabelais parece um maloqueiro. Se maloqueiros desejassem ser autor central, todos seriam Rabelais.
No mais vale dizer que o livro é engraçado, ainda, e que seus palavrões ainda causam espanto. A alma francesa tem aqui sua sombra. E veja bem: uma nação que se destaca por seus perfumes, roupas, finésse e que tais, com certeza é porque tem em sua sombra muito cu e muita merda para esconder. Aquilo que mais exibimos SEMPRE revela o que queremos esconder. A França nos exibe Montaigne e Descartes, e esconde as almas ( mas não as obras, pois ambos são clássicos ) de Villon e Rabelais. Tá dito.