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O ILUMINISMO E A REVOLUÇÃO POR CARPEAUX, AFINAL QUAL É A TUA?

   Um dos mistérios benditos do mundo: Porque o homem não consegue, não pode se acomodar? Uma pessoa tem de ser muito imbecil para gastar toda a vida numa fé estática. Sim, esse é o credo do romantismo, do pré-romantismo ( que nada tem de romantico ) e do iluminismo também. São 3 modos de pensar que se negam, se chocam, mas que, como bem o prova Carpeaux, se complementam. Não haveria um sem a existencia do outro.
  O iluminismo é racional. Portanto ele escreve em regras bem claras e definidas. O texto é limpo, nada de emoção desregrada. O bom gosto manda. É aristocrático, dirigido a nobres. Contradição: Nunca é conservador, é revolucionário, porém se expressa em formas rígidas e antigas. No iluminismo, que é o classicismo, não se pensa em gênio, em inspiração ou em originalidade, se pensa em termos de clareza, elegãncia e saber fazer. Aqui é preciso cultura.
  Tudo muda no universo do pré-romantismo. Surge a ideia do gênio, da súbita inspiração. Para isso não é mais necessário ter um saber, é preciso ser um escolhido, um gênio. A obra deve ser original, emocional, imperfeita, diferente, única. Estranho, são obras esquisitas feitas com fins conservadores. Tudo aqui é passado, criação de mitos, convulsões íntimas, isolamento.
   Otto Maria Carpeaux demonstra, neste que é seu melhor livro da série, todos os fatos históricos que contribuíram para essa mudança. Um ato como o de Richardson, que esnobou o apoio de um mecenas nobre para poder escrever para as massas, mostra essa mudança com clareza. As novas religiões influenciando a formação de países ( a Alemanha luterana, país onde na vida politica tudo é regra e ordem e na vida cultural tudo é liberdade e criação ), a calma e prática Inglaterra, com a religião anglicana ditando um modo de ser em que tudo se arranja sem grandes traumas, e a França calvinista, com a dúvida fazendo parte da própria fé. Sobre todas essas forças inconscientes, a nova burguesia, com seu desprezo a escritores e religiosos, poetas e andarilhos, gente que não produz coisas que se vendem, pior que isso, gente que não os respeita. Desde então ( 1750/ 1800 ) se institui essa briga entre o mundo burguês, materialista, produtivo, trabalhador, e o mundo aristocrático da arte, imaterial, não produtivo, atemporal. Essa briga, que nasce aqui vive até o modernismo ( 1920 ), hoje se percebe que a arte de certo modo capitulou.
   Otto relembra o fato de que até o iluminismo cientistas eram artistas. Galileu ou Bacon eram grandes escritores, e ao se fazer uma máquina de fábrica ou uma usina se pensava em beleza e harmonia.  A máquina tinha enfeites, arabescos, beleza "inutil". É aqui que se dá a separação entre arte e ciência, o homem de ciência pouco se preocupando com a escrita ou com o belo. As fábricas se tornam galpões horrendos, as mãquinas mecanismos monstruosos. O pré-romantismo se ergue contra isso, dái seu passadismo, sua saudade.
   Shakespeare como o conhecemos nasce aqui. Ele é traduzido para todas as linguas e se torna o Gênio, o mito a ser seguido, o homem sem regras, sem freios, sem grande cultura que criou magia a partir do nada, o homem que foi pura inspiração. Um mito claro, mas o romantismo ama os mitos, crê neles e jamais no óbvio. O óbvio não é arte, não é vida e nunca será novo.
   Carpeux desenterra nomes meio esquecidos: Shaftesbury, Galiani, Vauvenargues. Todos grandes otimistas que acreditaram na nobreza do homem, na contínua evolução do mundo, não pela ciência e técnica, mas sim por ações baseadas em bondade e coragem. Esses nomes, melancólicos ativos, tristes otimistas, tiveram uma influência continental em seu tempo, foram centro de debates, mudaram a vida.
   É claro que Otto fala de Rousseau, de Voltaire, Jane Austen, Schiller, Sterne, Fielding, Defoe, Goethe, Vico, Choderlos de Laclos, nomes centrais, conhecidos até este século, reeditados ao infinito. Mas é nos pequenos casos, nos nomes outrora grandes e agora esquecidos que reside a magia deste belo livro.
   E fica uma lição: A arte só voltará a ser protagonista quando ela voltar a ser 100% arte. Quando ela deixar de cortejar a ciência e o trabalho e retornar a sua condição de aristocrata, de vagabunda, de religião sem igreja e principalmente de cultora do belo e do inutil.  Enquanto não renascer essa coragem, que ridiculo, continuaremos a a ver essa arte que cultua o útil, o esforço e o ser como todos são.

O ROMANTISMO POR CARPEAUX, AFINAL, ELE AINDA VIVE?

   Se eu tivesse de escrever uma obra sobre a musica pop teria dificuldades em ser imparcial ao relatar as fases 61-67, 83-88 e 2005-2012; porque são as épocas que Menos gosto. Os elogios pareceriam forçados, as críticas muito fortes. Carpeaux por mais que disfarça, não gosta do romantismo, daí que seus elogios parecem artificiais e suas críticas exageradas. Como apaixonado pela literatura do século XVII, Otto, lógico, não pode compreender completamente o romantismo. Não o aceita.
   Românticos são narcisos. Em tudo aquilo que colocam o olhar vêem um EU. Suas obras sempre falam de um Ego em luta contra o Mundo. Daí a imensa quantidade de heróis e de sofredores. Napoleão é o guia dessa geração. Napoleão é amado como o indivíduo contra o mundo, ou odiado como o vilão que vulgarizou o planeta. Nunca é ignorado. Otto Maria Carpeaux não aceita essa literatura. Daí passar o livro inteiro chamando os autores da época de "esquisitões", "neuróticos" ou "paranóicos". Ele cria diagnósticos e analisa pouco.
   É verdade, nunca houve tanto poeta suicida como nessa época, nunca aconteceu de tantos morrerem tão cedo ou acabarem como mendigos ou loucos internados. Mas ele deveria dizer como isso aconteceu e não se contentar com um veredito. O que levou tantos a esse caminho?
   Por volta de 1800 acaba a imagem do artista como "protegido dos nobres". Com a ascensão da classe média e o fim da nobreza como classe central-única, os artistas devem, pela primeira vez, lutar pelo sustento "se vendendo". Precisam agradar a burguesia, agradar aos jornalistas, produzir muito, adivinhar o que o público deseja. É aqui que surge o conceito de best-seller, um gênero criado inconscientemente por Walter Scott. Os artistas mais sensíveis, incapazes de se adaptar a esse mundo de fábricas, relógios e competição, sucumbem.
   Aviso que não sou um grande fã dos romanticos. Apesar de ser a época de Stendhal, Keats e Wordsworth, me incomoda essa obsessão pelas dores da vida, pelas injustiças. Estou muito mais perto de Montaigne ou de Sterne que de Hugo ou Byron. Mas tenho de admitir, eles foram grandes, muito grandes, e até agora ( mas já em franca decadência ), aquilo que entendemos por "artista" está muito próximo daquilo que foi Beethoven, Byron ou Victor Hugo. O indivíduo em luta contra o meio injusto. O anjo caido.
   Falar de tudo o que o livro diz é impossível. São milhares de autores. Destaco alguns, não necessariamente os maiores. Vejam Walter Scott. Ele é até hoje o mais best-seller dos best-sellers. Mais que Dumas, Verne ou Conan Doyle, Scott criou aquilo que chamamos ainda de "romance popular". Influenciou toda a Europa, vendeu aos milhões ( em 1815, em 1820 !!! ). Ele criou o romance medieval, o romance de viagens, o romance de aventuras histórico. Tudo o que vemos nas livrarias que traga algo de gótico, de romanesco, de "passadista" tem uma dívida com Walter Scott. Ele cria o romantismo de evasão, o livro que nos faz "ir embora para lugares miticos".
   Otto considera Kierkegaard o grande filósofo romântico. Seu mergulho no Eu chega ao paradoxo: negar o Eu. Kierkegaard chega a conclusão que o homem deve tomar uma decisão existencial, negar a Deus, e viver na animalidade absoluta do aqui e agora, ou aceitar Deus, negar o Eu, e viver no compromisso com o Outro. Schopenhauer e Hegel seriam os outros filósofos românticos, um com seu nada e o outro com sua dialética histórica.
   Em termos de história do período, Otto, que era austríaco, coloca neste período o fim da verdadeira Viena. A cidade barroca, católica, sensual, feliz, riquíssima, seria sufocada por Berlim e seu espírito gótico, luterano. Fato pouco lembrado e muito importante, Otto Maria Carpeaux une religião e arte, religião e filosofia, dessa forma, a arte do romantismo se liga a um renascimento católico, assim como o realismo é a confirmação do positivismo e nossa arte atual é filha de um "vale tudo" pseudo-religioso. Para quem acha que nosso tempo é o mais ateu dos tempos, esse foi o século XVIII. Século que culmina na Revolução.
   Stendhal é um dos que Otto salva. Isso porque, em estilo, ele é muito mais século XVIII que XIX. Sua alma é racionalista. Coisa admirável, Stendhal é tão inteligente que a psicologia de seus livros é válida até hoje. O que os personagens fazem, sentem, pensam, é aquilo que fazemos, pensamos e sentimos até hoje. É o maior dos psicólogos romancistas.
   Devo dizer ainda que Otto preserva de suas críticas o pré-romantismo, esse romantismo de 1790, de Wordsworth e Coleridge, a poesia dos lagos, a poesia daqueles que negam a vida moderna e se isolam nas matas, em contemplação, em adoração ao mundo natural. São os poetas que percebem um universo numa gota de chuva. E que falam de pobres agricultores como se fossem reis.
   Gogol, Hans Christian Andersen, Shelley, Heine, Thoreau, Emerson, uma linha infindável de nomes, grandes, pequenos, esquecidos, vivos. Um grande livro, mas da série de Carpeaux é o pior.

FIN DU SIÉCLE- OTTO MARIA CARPEAUX

   Decadentes. O mundo como lugar de decadência, anuncios do fim do homem como ser de cultura.
   Esteticismo. A beleza e a arte como um tipo de nova religião. A palavra como um simbolo, magia capaz de dar vitalidade àquilo que decai. Eis o Simbolismo.
   Estranho: O mundo vivia a última era de otimismo ( até agora foi a última ). Progresso e fim das guerras. Entre 1870 e 1914 a Europa viveu inéditos 44 anos de paz. Aviões, cinema, carros, prédios, filosofia positivista, pragmatismo, tudo apontava para a felicidade final. Burgueses podiam atingir o poder, livros eram editados às toneladas, dandys nas ruas. Mas os artistas se isolavam, levavam os ideais dos romanticos de 1790 ao limite. Porque?
    Sentiam-se excluídos dessa festa. Artistas eram considerados inuteis pelos burgueses, vagabundos, loucos. Ao contrário dos aristocratas que os compreendiam, o novo poder não os tolerava. A vulgaridade tomava as rédeas do mundo. Como reagir? Tornando a arte incompreensível para essa ralé espiritual. Ou denunciando a falta de gosto, de beleza nesse novo mundo. Ou usar essa burguesia tosca.
    Carpeaux nos situa nesse mundo. Momento, segundo ele, em que a literatura atinge seu apogeu. Nunca tantos autores interessantes escreveram ao mesmo tempo. Lia-se muita coisa boa, havia espaço para as coisas mais esquisitas. A nova classe dirigente logo foi seduzida pelos novos artistas. A busca da beleza se torna uma febre mundial ( menos nos EUA ). E estranhamente, nas entrelinhas, tudo anunciava o desastre que logo aconteceria. A destruição da "Europa Feliz" nas guerras de 14 e de 39. Impossível  compreendermos o que era essa outra Europa. Nascemos já com a terrível marca do medo, da desconfiança, da falta de fé no futuro e no poder. Não era assim. E estranhamente, os simbolistas fizeram isso todo o tempo: avisar sobre o iminente desastre.
    Claro que existiam excessões! Se Baudelaire é o primeiro simbolista, temos de dizer que ele amava a cidade grande e o progresso. Mas Rimbaud, Mallarmé e Verlaine não. Esses três, e Laforgue com eles, são os verdadeiros pais do simbolismo. Negam o mundo otimista de então, criam uma linguagem própria, procuram revivificar a vida, revitalizar o mundo. Está nascido o mundo do símbolo, poetas se jogam às mais perturbadoras experiências. Ansiam pelo estranho, pelo exótico, pelo inusitado, é um novo romantismo. Dessa vez, um romantismo não-satanico, eles trocam o culto ao anjo caído pelo culto a beleza decadente. São todos tristes, mas é uma tristeza orgulhosa, corajosa, dandy.
   Carpeaux fala de mais de 500 autores. Holandeses, noruegueses, romenos...Literaturas que mal conhecemos e que descobrimos com ele. E também as estrelas da época. Desses, Carpeaux critica Oscar Wilde. Diz que suas peças serão esquecidas. E também não morre de amores por Shaw. Os maiores elogios do livro vão para William Butler Yeats, Paul Valéry, Joseph Conrad e Marcel Proust. Mas há tanto mais! D'Annuzzio, Tchekov, Benavente, Forster, Rilke, Mann, Kipling, Wells, Henri Bergson, Nietzsche, Anatole France, Verne, Blok... e centenas de outros.
   Ele dá uma geral na história, na filosofia da época e deduz do porque das transformações. Disseca as diferenças entre as nações, a Espanha humilhada e se reerguendo, a Inglaterra que começa a perder seu dominio mas não sua pose, a Alemanha e suas ambições coloniais, a Itália pobre e atrasada... e a França, que volta a se sentir centro do mundo. Nos EUA a coisa é diferente. Eles não tiveram simbolismo, foram sempre realistas. A literatura que produzem nesse período é aquela "da fronteira", da aventura de se construir um país.
   Vou citar uma das histórias do livro, história que demonstra o espirito simbolista alemão, espirito que anuncia o nazismo e que ao mesmo tempo foi morto após a tomada de poder por Hitler. Stefan George, poeta central, tinha um namorado adolescente que morreu. Arrasado, George muda seu estilo e começa a escrever sobre seu namorado morto. Para o poeta ele se torna uma encarnação de um deus, um objeto de culto sagrado e exotérico. Pois bem, forma-se ao redor de George um círculo de seguidores. Todos passam a cultuar esse "deus", criam-se dogmas, regras rigidas e uma hierarquia. Quem não as seguir é banido do circulo. Para Carpeaux, esse é um fenômeno tipicamente alemão. Na Inglaterra, desconfiada, cinica, essa idolatria é impensável. Mas a Alemanha, seja por Wagner, por Goethe, por Marx, tem essa tradição de cultos, de sociedades fechadas em dogma, de mestre e seguidores fiéis. Após o desastre hitlerista esse aspecto do caráter alemão foi suspenso, mas desde sempre houve essa fé em lideres e em messias. Conto essa história para mostrar a linha mais interessante do livro, Carpeaux exibe a sociologia da literatura, a relaciona com o momento histórico e com o espirito da época. Não é mera exibição de autores e obras, é História.
   Quem me lê sabe que esse é meu tempo. Dandys nas ruas, decoração de Beardsley, a dubiedade da sexualidade, sentimentos estranhos, inusitados, a busca por algo mais, por revelações, por êxtases, pela verdade da vida. Eles experimentavam: religiões, linguas, drogas, sexo, isolamentos. As aventuras eram todas "para dentro", o espirito era dissecado, revirado, desafiado. Divino momento onde os mais terríveis e os mais sublimes escreveram.
   Fácil de ler, didático, profundo e direto. Deve ser lido e relido por todo leitor sério.

2010-1910- fin du siécle

   Estou lendo FIN DU SIÉCLE, o volume 8 da História da Literatura de Otto Maria Carpeaux. Dificil escolher, fico em dúvida na livraria se compro aquele sobre o barroco, o outro sobre o romantismo...escolho este ( já li a Idade Média ). Afinal, 1880/1914 é meu período favorito.
   Acabo de ler uma afirmação de Otto que preciso dividir com voces ( o que escrevo é um ato de amor, ou voces nunca perceberam isso? ), ele diz que os anos 1900-1914 são os mais ricos de toda a história da literatura. Prova disso ( Otto escreveu em 1965 ), são as constantes reedições dos livros daquele tempo. Mais que isso, o leitor médio, aquele que não é um intelectual, mas que sabe alguma coisa sobre literatura, procura em sebos e em bibliotecas livros desse tempo. Os autores que vêem imediatamente antes são clássicos, intimidam leitores médios ( Balzac, Stendhal, Dostoievski, Tolstoi, Dickens ), mas os autores de 1900 parecem contemporâneos, não-escolares, e ao mesmo tempo são "artísticos", ousados, profundos, originais. Weeellll...posso dizer que em 2012 nada mudou. Ou mudou sim, certos autores do período estão mais vivos que em 1965.
   Otto fala que a época é tão rica por motivos históricos. Um salto na economia, otimismo, e principalmente a democracia. Em 1900, pela primeira vez, todos podem ser "um autor". É a hora da explosão da literatura como um todo, sem modas. Proletários, snobs, mulheres, países periféricos, poetas loucos, nobres, homens de negócios, comunistas, fascistas, crianças...Há uma quantidade imensa de gêneros e de escritores. Não há rádio, tv, cinema, nada. O mundo é do livro, do jornal e do teatro. E, diz Otto, quase tudo que se escreve nesse período tem valor, tem interesse, merece sobreviver.
   Falar de autores? Otto cita-os. Seu livro é imenso. Vou citar apenas uma meia dúzia: Nietzsche, Machado de Assis, Joseph Conrad, Henri Bergson, Henry James, Freud, Yeats e Wilde. Só alguns pegos ao acaso, a lista é infindável.
   1910. Futebol. Cinema começando. Rádio e avião. Carros. Picasso, Matisse, Chagall, Klee, Kandinsky. Stravinsky, Ravel, Strauss, Bartok. O jazz e o blues. Otimismo. Viagens aos polos.
   2010. Guerra ao terror. Esgotamento do cinema. Da música popular, do teatro. Internet, código genético, câmeras onipresentes. Pessimismo. Desencanto com a democracia, com as ideologias. Monetização da vida. E as artes? E os livros? Proust em tablets. Ótimo. Mas Proust é 1910. Autores: Larsson, De Lillo, Roth, Martell, Couto, Coelho, Rowling, Lobo, Llosa...Este momento não lembra em nada 1910, lembra 1870, época do naturalismo, de medo, de insegurança. Precisamos de uma nova geração romãntica, de novos simbolistas, de outros profetas irreais.
   Mas na verdade é tudo em vão. Sinto em mim que escrever não tem mais porque, pra que ou como. Então sei o que sou, um simbolista. Assim como essa geração de 1880, há em mim a sensação de que no mundo de poderosos e de miseráveis, para mim não há lugar. Não sou um dos chefes e não me identifico com um dos "simples". Onde fico? O que posso escrever a ninguém irá interessar, o que se escreve pouco me interessa. Quem me escuta? Ao mesmo tempo tenho a vaidade de não fazer parte da sujeira. Não sujo as mãos com o poder vulgar e nem com as parcas ambições dos simples. Será isso? Um simbolista, eu?
   Mas onde o pessimismo? Simbolistas cultuam a morte e o desregramento. Sou comedido e vejo vida em tudo. Simbolistas são muito mais, sem que o saibam, certos amigos que tenho. Então vejo no livro de Otto, talvez eu seja um dos pós-simbolistas, aqueles que perceberam a alegria após a dor. Os que conseguiram criar um mundo parte do mundo. Os que se desembaraçaram do eu e olharam ao redor. Bá....
   Vejo então que sou um tipico homem de 2012, e que escolho um rótulo como quem escolhe em paletó. Procuro na vitrine de estilos aquele que me convém. Esqueça. Sou mais um blogueiro. Apenas isso. Exibo vaidade. Só isso.
   O interessante, é que eu, como todos os outros leitores médios, procura, ainda, em 1910 seus modelos, seus produtos, seus paletós.
   Otto acertou.

A IDADE MÉDIA POR CARPEAUX ( DA HISTÓRIA DA LITERATURA MUNDIAL- OTTO MARIA CARPEAUX )

   Muitos consideram esta a melhor obra já escrita sobre a história da literatura. Em qualquer lingua. Lançada e relançada várias vezes, ela acaba de ser editada mais uma vez, agora em edição popular. Dividiram a obra em dez volumes, cada um deles falando de uma época. Escolho a idade média para começar. E escolho por vários motivos: é o tempo que menos conheço, em 2012 algumas das obras que mais me impactaram são desse período, idade média combina com Natal. O livro, delicioso, foi devorado como rabanada.
   Carpeaux era um gênio. Sabia tudo sobre a cultura humanista. É dele o melhor livro sobre música, e aqui, ao falar sobre poetas e prosadores, ele dá aulas de história, filosofia, arquitetura, religião, politica, música e até sobre armamentos. Dentro dessa erudição, ele jamais se faz dificil, é leitura simples, prazerosa, informal. Ao final da leitura acontece o mesmo que me ocorreu ao fim da História da Música Ocidental: uma enorme vontade de conhecer mais. Sua missão é plenamente alcançada.
   Não existe a idade média, esse é o primeiro mito que Otto derruba. Jamais houve uma época de paz e conformismo. A história do período é história de movimento. Conflitos entre camponeses e donos da terra, entre burgueses e nobres, entre bispos e monges, entre novas seitas e o papa. E em meio a esse turbilhão, uma produção literária que nunca cessou. Epopéias, liricas, prosas, história, lendas, aventuras, teatro, vidas de santos, pregações, panfletos, obras eróticas. Carpeaux analisa a produção de cada gênero, contextualiza no momento politico. Ele leu obras raras, manuscritos, e não teme falar de quais são obras mortas, ilegíveis, e quais são vivas, eternas.
   Não vou ficar aqui citando autores e repetindo frases de Otto. O livro é curto. E é barato. E qualquer leitor sério ficará encantado. O que direi é que ele lança nova luz sobre a época. Falando dos provençais ele não aceita apenas o culto a Virgem como explicação do nascimento do amor. A coisa, claro, passa também pelo culto, mas engloba bem mais. Carpeaux vai atrás das raízes célticas da literatura francesa ( que domina o período ), demonstra a presença bárbara nas letras alemãs, e fala do maior nome do período, Dante Alighieri, autor da Comédia, obra atemporal que se lê hoje como se fosse escrito agora. Dante era filho do único país que não conheceu um período bárbaro, a Itália, a sempre culta e refinada Itália.  E tem muito mais, a decadência da época a partir de 1400 e a vulgarização da guerra ( com a pólvora qualquer um pode lutar, não é preciso saber, ser nobre ), o nascimento da figura do intelectual, os monges pobres que criam a figura do viajante-poeta, a extrema internacionalização da cultura, estudantes em constante movimento entre Bologna, Paris, Cambridge, Toledo. O nascimento dos estilos: as literaturas e as linguas inglesa, espanhola, alemã.... E até dos best-sellers se fala, os livros que se tornaram febre.
   Carpeaux nasceu na Áustria e poderia ter sido famoso em qualquer país, escolheu o Rio. Sorte nossa. Mal posso esperar pelo próximo volume!

OTTO MARIA CARPEAUX, PAULO FRANCIS, MOZART, NELSON FREIRE, COWARD E BEBÊS

   Alvíssaras! Hallellujas!!!! O maior dos pianistas toca em São Paulo a melhor das músicas! O inigualável Nelson Freire toca o concerto número vinte para piano e orquestra, de Mozart. Na sala São Paulo. Ouvir o concerto 20 de Mozart justifica toda uma vida. O gênio da Austria antecipa o gênio de Bonn. É música absoluta, existencial. Tudo o que se pode expressar de belo e de terrível em arte é dito nesse concerto. Que se inicia com os mais soberbos acordes. Já escrevi sobre esse concerto anos atrás. Digite Mozart aí ao lado e leia. Mas preciso dizer:  ninguém que diga amar a música pode ser levado a sério se não houver vivenciado a honra de escutar esta peça. Se minha vida fosse mais elevada ela seria digna de um acorde desse concerto. Recordo que ao o escutar pela primeira vez, em 1979, pensei: "Deus existe!" Pois essa música nos dá a certeza de que um punhado de neurônios e de proteína não poderia criar tanta emoção. Se Deus não existe, então Mozart criou aqui a Sua melodia. Justifique a sua vida, vá ver e ouvir.
   Sairam dois volumes com textos de Otto Maria Carpeaux. O famoso OMC. Carpeaux civilizou esta taba. Escrevendo em jornal e revista, ele formou o gosto de três gerações. Otto dá a sensação de ter lido tudo, visto tudo e escutado o que vale a pena escutar. Seu "História da Música Ocidental" é tudo aquilo que se deve ler para se iniciar nos segredos da grande música. Nestes volumes ele fala de escritores, filósofos, pintores, amigos, e outras coisas mais. Se voce quer dar um salto de qualidade em sua vida leia os dois. Foi OMC quem, com seus verbetes na velha Barsa, me abriu ouvidos para compositores e olhos para certos autores. O que me leva a pensar o seguinte: as pessoas ainda entram em enciclopédias, mesmo virtuais, para conhecer aquilo que não conhecem? Procurar quem são os maiores autores ou os grandes pintores? Ou precisa um professor, um amigo, ou pior, uma noticia de jornal, para que o garoto ouça o nome de alguém que ele já deveria ter conhecido por iniciativa própria. OMC vai ajudar muito esse garoto. Mas acho que quem irá lê-lo é aquele que já conhece aquilo sobre o que ele fala. Pena.
   Publicaram um volume com colunas de Paulo Francis. Aconselhável para aqueles que entenderam a frase de Scott Fitzgerald que Pondé citou: "Inteligência é a capacidade de ter duas ideias divergentes ao mesmo tempo. E mantê-las." Francis era o máximo da inteligência. Já falei e repito, sem ele eu jamais teria sabido apreciar os atores ingleses ( Rex Harrison, Gielgud, Redgrave e Olivier ), ou autores como Waugh e Huxley. A única coisa que me irritava nele era sua idolatria a Wagner. Fora isso ele era perfeito.
   Escrevi por aí que SP tinha a alegria de ter peça de Noel Coward em cartaz. Esqueça. Transformaram o mais fino dos ingleses em um tipo de "Sai de Baixo" de segunda. Harold Pinter não teve melhor destino. Seu beco sem saída, sua acidez, se transformaram em teatrinho de raivinha. Um saco.
   Mas "Pina" de Wim Wenders ainda está em cartaz. Espero que voce mereça ter esse deslumbramento.
   Leio na Veja que as pessoas viverão até os 100.
   O que me irrita na esquerda é sua cegueira, e o que me irrita na direita é seu otimismo cor de rosa. Vamos viver até os 100? Quem vai pagar a conta? Os jovens irão ter menores salários? Ou as aposentadorias começarão aos 85? God!!! Um mundo cheio de velhos de 90 se comportando como adolescentes!!!! Pior, uma adolescência que irá dos 10 aos 90 !!!!! Bandas de rock com 100 anos de estrada e "Se Beber não Case" parte 38.... Socorro!!!!!
   Meu professor fala que o feto é marcado para toda a vida por tudo aquilo que a mãe lhe fala e pelo som ambiente. Não tenho culpa de ter sido um feto vivendo no paraíso. Cantos de pássaros, galos de noite e Sinatra que meu pai ouvia de manhã. A depressão que sinto às vezes decorre de ter conhecido o paraíso e de hoje ter de me conformar com o apenas "legalzinho". Se hoje nossos bebês estão conhecendo a vida via Funk, carros que buzinam e anúncios barulhentos na TV; eu recebi as boas vindas ao som de conversas na sala, vozes de crianças na rua e Beatles mais Roberto Carlos no rádio de minha mãe.
   Não consigo imaginar paraíso melhor.

O CASTELO DE OTRANTO- HORACE WALPOLE

   Otto Maria Carpeaux fala que o romance gótico surge em 1764 porque as pessoas, presas numa realidade cinza e rotineira, preferem sonhar com castelos e fantasmas do que com a casa da moeda ou as minas de carvão. Essa linha de criação vai se ramificar. Do romance gótico nascerá o terror, o suspense, o policial e a ficção científica. As pessoas continuam precisando de sonhos. E continuam preferindo sonhar com casas abandonadas, cemitérios enevoados, futuros escuros e úmidos ou vielas suspeitas. Não sonham com escritórios de advocacia, shopping centers ou academias de ginástica. O gótico surge para aumentar o limite da realidade. Dar a seu leitor algo mais, algo que ele perdeu, o sentimento do medo irracional, do susto, da surpresa inexplicada.
   A idade média ou a renascença não poderiam criar o gótico em romance. As pessoas viviam dentro desse mundo. Fantasmas, maldições, vinganças eram coisa cotidiana. O gótico surge quando tudo isso começa a desaparecer. As pessoas perdem o contato com esse lado do inconsciente e passam a sentir a necessidade de serem recordadas do que renegaram.
   Horace Walpole, nobre inglês que em 1764 lança este livro, é o pai de toda essa tradição. É óbvio que ele não fazia ideia do alcance que seu romance teria. O que ele desejou foi escrever um livro que entretivesse, que desse satisfação aos amigos. Mas eis que ele cai nas graças dos pequenos burgueses e se faz um best-seller. Desde então ele nunca mais saiu do prelo. Nele se encontra tanto a raiz de Poe e Emilly Bronte, como dos livros de vampiros para adolescentes e das novelas da Globo.
  Simples, curto, direto e cheio de furos. Tanta coisa acontece em tão poucas páginas que fica dificil resumir. Mas voce verá agora tudo o que ele contém ( e perceberá sua influência ):
  Nobre vilão que deseja se perpetuar no poder, mortes terríveis, filho que não sabe quem é seu pai, amor fadado ao fracasso, santas donzelas, duelos, aparições, alucinações, vinganças, maldições, arrependimentos... tudo isso em 120 páginas! O mais influente de tudo isso: um final melancólico, a impossibilidade de ser feliz. O herói viverá na saudade, numa tristeza compartilhada com sua esposa. Sementes do romantismo que nascia na mesma época.
   Os personagens nada têm de verdadeiro. Mudam de personalidade, de tática, sentem medo e de repente se esquecem dele. Walpole está longe da realidade psicológica de Stendhal ou de Balzac, seu foco é a ação, a surpresa. E ele consegue, o livro corre e nos leva com ele.
   Filho do momento revolucionário que nos fez ser o que somos, merece ser conhecido por aqueles que se interessam em conhecer o nascedouro de muitas de nossas fixações.
   Que tenha nascido no meio de uma sociedade culta, racional e ligada às aparências, diz muito sobre a função inconsciente do romance.

UMA NOVA HISTÓRIA DA MÚSICA OCIDENTAL- OTTO MARIA CARPEAUX

De Caepeaux o que se pode dizer ? Foi um emigrante do intelectualmente riquíssimo leste europeu, se tornando no Brasil um dos melhores jornalistas da melhor fase de nosso jornalismo cultural. Publicou uma completa "História da Literatura Mundial" em 3 volumes e este livro recém relido. E que é fascinante !
Ele não tem pudor em se derramar em elogios àquilo que adora. Otto toma partido e se compromete todo o tempo. Fala abertamente daquilo que para ele está morto e daquilo que é eterno enquanto o homem for digno de atenção. Sua cultura é completa. Situa cada mestre em seu momento histórico, dando uma pincelada em sua vida e em seu meio social. Faz aquilo que todo grande crítico deve fazer : nos faz ansiar por escutar aquilo que é descrito. É impossível ler seu texto sobre Haydn sem correr para o escutar.
Carpeaux avisa no inìcio que a obra é sobre a música do ocidente. Portanto não há nada sobre India ou Israel. E que é sobre música viva. Não se fala sobre Grécia ou Roma, e mesmo a música medieval se inicia com o canto gregoriano. Otto nos faz conhecer a música da renascença, o barroco, a época da razão e o excesso do romantismo. Chega ao século vinte, com os modernismos suicidas e a música eletrônica e eletro-acústica.
Bach é chamado de mestre da música pura, a música que não fala de nenhuma imagem ou de nenhuma narrativa. É música abstrata, espiritual. Bach, um homem do tempo em que ser músico não era ser "artista", era antes de tudo, ser um artesão. Compunha-se por um fim e ao se tocar a música ela era descartada. Mozart é o eterno adolescente ? Não. Ele foi antes de tudo um boêmio, um bruxo, um quase inacreditável bem dotado, que compunha com imensa facilidade. E Beethoven, centro de tudo aquilo que conhecemos por música ( inclusive a popular ). É com ele que nasce a consciência da genialidade. O artista compõe o que deseja, expressa o seu ser e se apresenta para quem pagar para o assistir. Beethoven é, com Shakespeare e Michelangelo, o homem que define o máximo a que o ser pode almejar. Dentre seus fãs, gente como Tolstoi, Thomas Mann, Stendhal, Kundera, Huxley, Proust. Quer mais ou está bom ?
Mas Carpeaux não fica só nesses titãs. Haydn recebe a chama de ser o verdadeiro inventor da sinfonia. Monteverde o de ser o inventor do que conhecemos como música. Coloca-se Schumann, Schubert, Wagner, Debussy nas alturas, e se rebaixa Mendelssohn, Vivaldi e Liszt. Ele narra toda a beleza refinada da era clássica, em que os sentimentos deviam ser disfarçados, controlados, refinados. Era de Rameau, Couperin, Scarlatti. E fala de seu oposto, a era romântica, em que tudo deveria ser exposto, sentimentos e vícios, exageros. Tempo de Berlioz, Tchaikovski e Chopin. As breves bios de Liszt ( imenso sucesso, amores às dúzias, ajuda a compositores jovens, conversão a religião, abandono da vida mundana ) e de Schumann ( jornalismo cultural, casamento feliz e final no hospicio ) são maravilhosas ! Como eram intensos esses românticos !!!!
Fica a pena de que não exista nada parecido sobre a música pop. A crítica popular é sempre dogmática : se o escriba adora uma corrente ele ignora o resto. Otto é enciclopédico. Tudo ele ama e em tudo conhece seu defeito.
Mas o melhor é que ele escreve simples e escreve bem. Sua obra é feita de prazer. Escrevendo sobre a mais etérea das artes, ele compõe frases feitas de harmonia, ritmo e melodia. Um mestre.