Mostrando postagens com marcador amizade. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador amizade. Mostrar todas as postagens

DA AMIZADE

Há algo de muito certo e de muito correto em poder conversar com um amigo sobre aquilo que importa. Há alegria em encontrar alguém que não se assusta quando voce fala que o tempo é um ponto e não uma reta ou que a saudade não faz sentido porque o passado é tão presente como é presente a lembrança. Esse meu jovem amigo foi uma espécie de milagre surgido num ambiente propício a tudo, menos a pensamentos profundos. Amizade de poder falar em Pierre Boulez ou James Ensor, Wittgenstein ou Velazquez. Obrigado por essa tarde my friend, a amizade não é o sentido da vida, mas ela ajuda a se pensar no que diabos seria o sentido. Sim, preciso aprender a olhar melhor as coisas, sem pressa e sem objetivo algum, apenas olhar olhando, esse o segredo das crianças não é?, elas olham olhando. Pintores fazem isso? Qualquer um pode fazer isso, basta querer e exercitar. Olhe e olhe e olhe. Ouvir é também um exercício, para ouvir bem há que se querer ouvir. Pois então a amizade é também um método da alma onde se deve querer ser amigo e se dispor a ter tempo e vontade para o ser. Sim meu caro, talvez um dia eu me disponha a prestar atenção em Frank Zappa.

DAS AMIZADES VERDADEIRAS

   Cresci ouvindo falar que brasileiro não era politizado. Que aqui se brigava por futebol, nunca por política. Diziam ainda que quando o Brasil se politizasse tudo ia melhorar. ( Mais um mito. O que me lembra também a tese de que com educação tudo se resolve ).
  Hoje brasileiro briga por política, e como no futebol, todos se acham experts no assunto. Não sei nada de política, apenas vejo o que posso ver. Cresci me achando esquerdista, adorava irritar meu pai com meu ateísmo. Mas mudei a partir dos anos 80. Me rendi às evidências históricas. E mesmo quando me contam tolices, do tipo: Cuba não deu certo por causa do bloqueio americano, eu penso: Pois que se rendesse! De que adiantou esse teimoso heroísmo? Os EUA não perderam um só dólar, e Cuba ganhou apenas uma lenda. Para seus habitantes seria muito melhor ter nascido na Costa Rica ou em Porto Rico. Pragmatismo salva vidas. Ideologia cria mitos.
 Se voce é de esquerda já se arrependeu de ler isto né. Me desqualificou como mais um bolsominion. E tá tudo resolvido. Rótulo posto, assunto morto. Mas que surpresa! Não votei no mito. Nunca votei na direita. Sou contra a pena de morte. Odeio a caça. Odeio armas. E tenho amigos gays e lésbicas. Ah sim, adoro ler. Não só livros policiais. Leio poesia. Leio romances russos. E amo cinema de arte. Estranho né? As pessoas não cabem em rótulos meu caro amigo. Mesmo o mais bronco dos bolsominions ou o mais raivoso dos piçolistas têm alguma nuance. São humanos.
  Entro agora no tema da amizade ( já li Montaigne, veja só, um direitista que lê Montaigne ). Perdi quatro amigos nos últimos dois anos. Perdidos para a política. Quatro até que é um bom número. São poucos. Mas me magoaram como se fossem muitos.
  Tenho hoje vários amigos que não pensam como eu. Alguns continuam sendo de esquerda. E morrerão sendo. Assim como espero que eu morra sendo amigo deles. Nossa amizade está além do assunto política. É um assunto interessante. Importante. Mas em amizade não é central. Por um motivo muito simples: voce não escolhe um amigo por ele ter votado em B ou X. Quem termina uma amizade por esse motivo, começou a dita amizade pelo motivo errado. Ou nunca o foi.
  Eu e meus amigos de esquerda não discutimos politica porque sabemos que seria inútil. Eles não mudarão meu modo de pensar. Eu não mudarei o deles. Na verdade nem queremos isso. Sabemos que uma opinião profunda só é mudada na experiência do dia a dia. E se for uma crença, bem, só um grande acontecimento modifica uma crença. Quem sou eu para os catequizar?
  O máximo que falamos é : caramba seu tonto, voce é um merda de um petista! Ou um : seu ignorante, como pode voce ser um imbecil de direita! Rimos. E o assunto se encerra.
  A amizade precisa de um certo pudor para sobreviver. Acham os estúpidos que amigos podem e devem falar tudo. Nunca foi assim. Sempre existiram assuntos tabu. E por delicadeza e afeto, deles não falamos.
  Dois anos atrás perdi meu primeiro amigo para a politica. Ele me convidou para um café e após poucos minutos me interrogou. Fui literalmente examinado. Assim que a primeira pergunta foi feita a amizade morreu. Ele me olhou, mal contendo a raiva, e disse: Eu sou de esquerda, e voce é o que?
  Eu juro que senti um derretimento interno. A decepção profunda. Uma armadilha. Eu não queria crer! Ele estava me policiando! Era isso a tal patrulha ideológica? Teria sido assim na Polonia, na Hungria, na Lituânia? Amigos dedurando, interrogando, acusando?
  Saí pela tangente. Tentei me explicar. Sim. Fui obrigado a dar explicações. E assim, ainda nos vimos mais duas vezes. Em todas elas vinha o momento da pergunta: O que vc acha da luta de classes? Como vc se posiciona diante da miséria? Me explique o que vc entende por conservadorismo? Tudo isso dito com cara séria, raiva muito mal disfarçada.
  Acabou então.
 Vinte anos de amizade trocados por um partido.
 Minha mente não consegue entender isso e meu coração não aceita. Pelo fato de que eu nunca fiz ou faria tal ato de traição. A palavra é essa: Traição. Amizade que exige a mesma opinião ou a mesma fé não é amizade. Há nesse ato um tipo de frieza egoísta que nega todo o universo do amor.
 Por outro lado....Que nobreza de caráter vive nesses amigos que apesar dos pesares, mantém viva a chama do afeto, o compromisso de vida, o amor pelo que é diferente de si mesmo.
 Sim, eles me dizem: Que bosta voce falou cara! Mas dizem isso com o olhar do afeto, do bem, do entendimento.
 Nunca no Brasil a amizade foi tão testada.
 E vocês são a prova de que ela é maior que tudo.