Mostrando postagens com marcador fabrice hadjadj. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador fabrice hadjadj. Mostrar todas as postagens

O PARAÍSO À PORTA ( ENSAIO SOBRE UMA ALEGRIA QUE DESCONCERTA ) - FABRICE HADJADJ

   Fechado dentro de si mesmo, o homem procura em seu interior uma luz. Nesse processo de busca, ele vence o ego.
 Adorando à Deus, o crente se ajoelha e em reza se isola do mundo.
 Dizendo que caminhamos para o nada absoluto, o ateu se livra da responsabilidade perante o além. Sua personalidade, mutável, encara o nada como férias eternas. Esse seu desejo.
 Frequentador de ONGS do bem, ele dá grandes contribuições para as crianças da Etiópia. Mas finge não perceber que sua mãe chora no quarto.
 Temente à Deus, ela troca sua obediência por um bom lugar no Céu.
 Hadjadj não poupa os crentes e os ateus, os agnósticos e os gnósticos, os new age e os budistas. Ele segue uma linha clara, nítida, mas não simples, ele fala do judaísmo e do cristianismo. Mas não do que sabemos, dessa simplificação abjeta, supermercado que vende a dor como se fosse o prazer. Ele mostra que na crença judaico-cristã, nasce, pela primeira vez, a aceitação do mundo real, do mundo como ele é. E mais ainda, nasce a aceitação do tempo linear, do começo, do meio e do fim.
 Para os orientais, para os deuses do Olimpo, para os egípcios, zoroastristas e new ages de hoje, o tempo é cíclico. Tudo se repete, as coisas voltam em estações e o tempo linear é uma ilusão. ( New ages adoram pensar assim porque esse modo de ver a vida promete uma segunda chance em tudo ). Com os judeus o tempo começa a correr como o conhecemos. Há um começo do mundo e haverá um fim. As coisas nascem e morrem. E com Jesus Cristo se parte a linha em uma semi-reta, o tempo recomeça, não como ciclo, como nova vida.
 Hadjadj diz que encontrar Deus é encontrar o outro. A iluminação se dá no amor ao vizinho, ao filho, ao desconhecido, à amada. Deus não está neles, mas eles são obras de Deus. Nossa religião, a do ocidente, nunca nega a materialidade e a verdade das coisas. Elas são reais. Uma montanha é uma montanha e um minuto é irrecuperável. Cada pessoa é única. Nunca houve e nem haverá um outro eu. E o paraíso está no presente, neste agora e neste aqui.
 Não descreverei as longas histórias sobre a Bíblia e sobre a história. Leia o livro. Ele é maravilhoso. Hadjadj nunca se exibe. Ele escreve fácil e tem humor. Mas não vulgariza. O pensamento é exigente.
 Belíssimo o retrato de Mozart que ele faz. A dificuldade que temos em aceitar arte feliz feita por um gênio que foi pessoa feliz. Hadjadj defende sua ideia: o mundo tem dor e tem feiúra, mas o fundo da vida é sempre belo e alegre. Não somos infelizes com momentos de alegria. Somos alegres que se deixam levar pelo orgulho, pela vaidade e pelo medo. A vida é inesgotável, é farta, borbulhante, infinita.
 A ideia de vida eterna é amplamente discutida. Ele é radical: a vida é eterna e somos nós mesmos no além. Nada da perda de memória do oriente. Nada de reencarnar. Ele vê nessas crenças um modo comodista de adiar tudo e não fazer nada. E responde aos ateus: acreditar no nada nos livra de toda responsabilidade. Mais, sem Deus nos tornamos donos de nosso corpo e de nossa vida. Nada mais mimado que pensar assim. Para muitos, nada mais assustador que pensar que após a morte há uma continuação. Voce continua tendo de aturar voce-mesmo, sua esposa, seu pai, seus inimigos. No mundo que ama a extrema liberdade de escolha, o nada absoluto se afigura muito mais tranquilo que o Céu infinito.
 Pois o Céu é uma atividade. Uma entrega ao movimento. Um descobrir sem fim. Um agora que se eterniza em usufruto e um aqui que se estende numa observação sem final. Podemos provar um pouco desse mel em nossos raros momentos de êxtase, em que sentimos nossa infinita alegria. A vida e o mundo como possibilidades que não param de se renovar.
 Para Fabrice Hadjadj, todos somos filhos de Deus e portanto todos temos nosso começo Nele. Olhar para uma pessoa é olhar para esse começo. Amar uma pessoa é amar esse começo. Esse é o mistério.
 ( PS: Faz séculos que a Bíblia é lida, relida, interpretada e reinterpretada...lendo este livro começo a entender o porque...o assunto é eterno... )

A VIDA É MARAVILHOSA

   Conheço um intelectual que passou os últimos vinte anos amaldiçoando a vida. Entre goles de bom conhaque e nacos de boeuf bourguignon, ele diz em altos brados que a vida é um buraco sem sentido. Conheço também um professor de filosofia que diz desde seus 15 anos que o homem é mofo sobre laranja podre. Hoje ele tem 60 anos e se aposentou. Mora com seus netos em Bertioga. Pesca todo dia.
  A questão que me sempre deixou pasmo é: Por que eles não se mataram? Se a vida é tão maldita, por que eles não viraram bêbados e ainda mais insistiram em ter filhos?
  Há algo de profundamente estranho em Beckett, Bergman ou Sartre, entre vários outros. Eles exibem para nós um mundo tenebroso. Sartre chega a dizer que o inferno são os outros... Mas eles viveram nessa escuridão? Como conseguiram criar em meio a tanta dor?
  Guarde esses exemplos e vamos em frente...
  Numa barraca na Siria, um pai que teve dois filhos mortos na guerra sorri de uma anedota contada por um primo. Antes, numa favela brasileira, uma mãe que tem dois filhos desaparecidos, gargalha enquanto vê uma novela na tv. Mais antes, num campo de concentração polonês, um judeu sorri ao ver um companheiro esconder uma foto erótica num buraco entre pedras. O mundo é um inferno. Será?
  Falo de mim agora... Ferido em minha vaidade por um amor que não deu certo, eu afirmo em bom som "Que ninguém merece sofrer tanto como eu". Então, colando os fragmentos de minha auto estima covarde, digo para todos que "sou auto suficiente". O inferno são os outros, não é? Para não sofrer, me fecho como ostra. Tudo que preciso para ser feliz eu posso comprar, posso criar ou posso imaginar. Estou, finalmente, CONTENTE.
  Fabrice Hadjadj diz que contentamento é a porta do inferno. Vamos ver por que?
  Crianças conhecem a alegria, mas não o contentamento. Toda criança, solta em suas descobertas, conhece a alegria de estar conhecendo sons, cheiros e cores, e a felicidade de ter alguém que cuide dela. Esse estado de alegria pode durar anos ou apenas dias, mas ele é marca que fica. Modo simples de provar essa verdade: se nunca tivéssemos conhecido o céu não daríamos nome ao inferno. A dor existe em contraste com sua ausência, a escuridão na falta de luz. A tristeza é ausência de alegria. Alegria que é a condição da vida.
  Mas então por que tanta gente triste no mundo?
  Sacada genial de Hadjadj: Para ser triste basta estar só. Na tristeza não dependemos de ninguém. Nem mesmo da sorte. Se a tristeza é uma ausência, ser triste é um conforto. Dispensamos a sorte. Dispensamos os outros. Nos tornamos blasé. Cool. Frios e distantes. É o charme da modernidade. A solidão tristonha e o auto contentamento distante. Sexo, coisas e viagens. Ficamos contentes. Mas nunca alegres.
  A alegria independe de nossa vontade. Ela acontece. E para acontecer há um mandamento único: estar aberto e disposto. O alegre é ridículo. Ele ri. Ele tropeça. Ele fala bobagens. E principalmente, ele se expõe diante dos outros. Para a alegria, o inferno é ter vergonha. O céu são os outros. Aberto, o alegre chora quando triste, e ri quando tem vontade. Vive a angústia da perda da alegria. Mas não se fecha. Espera. Ele possui ESPERANÇA.
  Pessoas frágeis temem se expor. Não riem. Se garantem. E controlam sua vida. Independem do acaso. E se sentem que a alegria é obra do acaso, desistem. Zombam da esperança que perderam. Se contentam em não sofrer. Se distraem.
  O alegre descobre. Vê a beleza numa folha de mangueira. E se deixa seduzir pelas pessoas. Se não sentíssemos a proximidade dessa alegria, a beleza inerente em tudo aquilo que existe, não insistiríamos na vida. Essa a crença de Hadajdj.
 
 

FABRICE HADJADJ.

   Não há palavra mais usada nos últimos 200 anos que a palavra ILUSÃO. Voce chama uma coisa de ilusão, de ilusória e pronto!, magicamente a questão está resolvida. Ora, não está não! Se a coisa é realmente uma ilusão, como a roupa do rei nú, ao ser apontada ela deixa de existir. Mais importante ainda, uma verdadeira ilusão não se presta a ser descoberta. Ninguém, nem um só homem consegue apontar uma ilusão verdadeira. Exatamente por ser ilusória.
  Temos aqui dois pontos de vista antagônicos. Um diz que a ilusão se desfaz como miragem descoberta. Outro que uma ilusão não pode ser descoberta pois sendo descoberta não é mais ilusão. Nunca foi. Mas continuamos a usar essa palavra levianamente...
  Exponho este ponto, apenas um grão, para mostrar à voce como se dá o pensamento de Fabrice Hadjadj. Ele pega uma imagem e mostra seus lados, seus ângulos possíveis, para só então arriscar uma terceira via. Imenso, ainda estou o lendo, o livro é uma das coisas mais brilhantes que já li. Ele vai fundo. A tese mais ousada, mas não inédita, é a que diz que vivemos num LIMIAR. Nem aqui e ainda não lá. Nem agora e nem depois. Na tensão desse momento que se prolonga por toda a vida, tentamos quando fracos, parecer fortes. Para isso dizemos que o limiar é o destino possível. Que o limiar é um agora eterno. E que o depois não existe. Quando fortes, parecemos fracos, e trêmulos, temos consciência de que o limiar é um momento e lugar precário, que há um depois desconhecido e que a insegurança é necessária para que haja um depois.
  Sim, o livro fala da morte, do paraíso e das ilusões. E dá um golpe mortal ao me convencer de que o paraíso existe no aqui e agora, mas que esse aqui e agora só se revela quando quer, sem que possamos o invocar. Quanto mais queremos esse paraíso, mais longe ficamos dele. Quanto mais queremos a alegria, mais ilusória ela se faz. Nossa reação é então o ressentimento: já que não o tenho, ele não pode existir.
  Hadjadj apresenta um fato: todo animal funciona perfeitamente bem sem as "ilusões" de paraíso, amor ou caridade. Somente nós, não se sabe porque, precisamos dessas "ilusões" para poder funcionar. Se torna fácil crer na química do amor, no design da natureza, ou até num erro do acaso que nos fez "esquisitos". Mas a própria evolução nega o acaso, o erro, a falha. Um animal mal feito desaparece sem vestígios. Se somos a elite dos animais, bem, porque precisamos de muletas como amor, Deus ou pós-vida? Bastaria nossa força e nossa engenhosidade. A consciência da morte seria totalmente inútil.
  Um cético dirá agora: ilusão. E assim, orgulhoso e "forte", realista e moderno, coloca um fim à questão. Mas a tal ilusão persiste, não se desvanece. Persiste até nele mesmo, que por mais niilista que seja, cria paraísos novos, em forma de drogas, sexo ou utopias politicas, para assim suportar viver. E eu então lhe pergunto: Se somos tão superiores, porque criamos essa ideia estranha e sem sentido, de que pode haver algo melhor e maior que este mundo? De onde veio essa imagem?
  Hadjadj diz que não a criamos, que no limiar convivemos com esse paraíso como suspeita ou sombra. E o vemos por segundos, uma ou duas vezes na vida. E que nesse momento em que o vemos, em que o vivemos, sentimos a certeza do paraíso. Céu que não é lá ou mais tarde, é aqui e é já.
  Não há prece, remédio ou ritual que o traga. Que nos faça senti-lo. Há muitos, os mais ocupados em ser felizes e alegres, ele jamais irá se apresentar. Porque ele está, a fenda, a passagem está, no lugar mais banal, mais simples, menor possível. Naquela hora em que percebemos que tudo é sem explicação. Que nada tem uma razão ou um motivo quando procuramos.
  Mas não pense que esse caminho é ficar parado em concentração ou se afastar da ação e viver em zen. Para Hadjadj, esse limiar pode ser visto no convívio com os outros, no amor, na ação dentro da vida. Ou não.
  Olhar para as coisas, para as chaves do seu carro, para o controle remoto, e perceber o mistério que há neles e a alegria que existe no fato deles existirem ao seu lado.
  Esse pode ser um começo.