CIDADE DOS DESILUDIDOS ( FAT CITY ), UM DOS GRANDES FILMES DE JOHN HUSTON.

   Chesterton diz que no inferno o pior sofrimento é a falta de esperança. Huston foi o diretor daqueles que a perderam. Dentre sua imensa variedade de temas, o ponto em comum é esse, ele fala dos desesperançados. Do Falcão Maltês até Os Mortos, esse seu interesse central.
   Este filme, de 1972, começa com uma das mais belas canções de Kris Kristofferson. "Ajude-me a atravessar a Noite", um country tão bonito que Bryan Ferry o regravou em 1974. Enquanto a música ecoa, vemos cenas de Stockton, gente pobre nas ruas, cenário de terceiro mundo. Numa academia, um cara, Stacy Keach, boxeia. Ele se aproxima de um garoto, Jeff Bridges, eles lutam, e o veterano dá ao novato a ideia de se tornar lutador. Até o fim do filme os dois não se verão mais.
  O novato passa a treinar, luta algumas lutas fuleiras, perde, ganha, perde mais. O veterano tenta voltar e é surrado. Além disso ele bebe muito, ganha trocados colhendo cebolas, e mora com uma mulher, Susan Tyrrell. Nunca vi na história do cinema um casal mais lamentável. Ela é chorona, bêbada, feia de dar medo, de uma mediocridade que beira a caricatura. Não sei se Susan Tyrrell tem uma interpretação genial, ou se é tão ruim que se torna sublime. É aterrorizante.
  Huston diz em sua biografia que ele queria Marlon Brando ou Paul Newman para o papel que foi para Keach, ator da moda na época. Huston detestou o trabalho com Keach. Injusto. Ele está ok. Se a gente ficar pensando no que Newman e Brando poderiam ter feito com um papel tão rico...bem, aí seremos injustos com Stacy Keach. Quanto a Jeff Bridges, engraçado pensar que dali a pouco mais de 30 anos ele seria "O Dude". Seu personagem pode ter sido "O Dude" aos 19 anos.
  O filme é hipnotizante. Ele anda com a segurança de um diretor gigante que dessa vez está a fim de filmar. ( 50% dos filmes de John Huston foram feitos só pra pagar dívidas ). E há a cena final:
  Os dois boxeadores se encontram na rua. Vão à um bar. E lá dentro temos uma das mais perfeitas e reveladoras cenas do cinema. Um tipo de cena que só poderia ter sido feita nos anos 70, o auge do pessimismo em filmes. Essa cena eleva o filme, até então ótimo, para o patamar do genial.
  Veja,
  PS: Os coadjuvantes, gente como o dono da academia, o garoto negro lutador...são dignos do melhor neo-realismo italiano. De Sica os adoraria!