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CONTRASTES HUMANOS ( SULLIVAN'S TRAVELS ), UM ESBANJAMENTO DE INTELIGÊNCIA

   Preston Sturges é hoje objeto de culto mundial ( exceto no Brasil ). Mas durante os anos 50/60/70 e 80, ele esteve esquecido. Com os dvds foi reabilitado. Toda uma nova geração assiste seus filmes e fica surpreso: quem era esse cara???
   Sturges fez muito sucesso. De bilheteria e de crítica. Mas só durante oito anos ( 1940-1948 ). Antes disso ele foi roteirista. E antes de Billy Wilder ou John Huston, foi o primeiro escritor a virar diretor. Por ter dado certo, o sinal ficou verde para todos os que vieram depois. Incluindo Orson Welles, Joseph L. Mankiewicz e Richard Brooks.
   Uma figura excêntrica. Mais que isso, uma figuraça!
   Sturges amava as comédias sofisticadas de Ernst Lubistch, mas unia aos diálogos inteligentes e cheios de leveza, o pastelão. E uma ousadia criativa que era só dele. Veja os temas de seus sucessos:
   Num deles uma mulher sai com um bando de fuzileiros. Ao acordar da bebedeira descobre que se casou com um deles. E depois que está grávida. E não consegue lembrar com quem. Ao final dá a luz à sextuplos.
   Em outro filme, um caipira finge ter ido a guerra e se torna prefeito.  Há um outro sobre uma moça que não consegue se casar por ser uma vendedora de canos de esgoto. E tem a história do maestro que sente tanto ciúmes da mulher que acaba por obrigá-la a achar um amante. Aliás, nos filme de Sturges mentir é sempre um bom negócio.
   Preston Sturges nasceu nos EUA, mas foi criado na Europa. Sua mãe foi uma aventureira que se casou 8 vezes.  Uma das amigas da mãe de Preston se chamava Isadora Duncan e um dos amigos era o bruxo e ídolo de Raul Seixas e Paulo Coelho, Alistair Crowley. O jovem Struges cresceu entre gente muito rica, muito famosa e muito esquisita. Quando voltou a seu país, Sturges se fez escritor, ganhou um Oscar de roteiro e passou a dirigir.
   Seus sets eram o oposto de todos os outros sets. Servia bebidas, abria tudo para jornalistas, fãs e até para excursões de turistas. Fazia piadas todo o tempo, ia trabalhar montado num pula-pula. Era interessado por ciência e por comida. Inventava engenhocas e abriu um restaurante. Perdeu fortunas nos dois hobbys. E se tornou alcoólatra.
   CONTRASTES HUMANOS trata-se de um tipo de defesa da comédia. Filosoficamente ele é impecável.
   Um diretor de cinema, milionário, se sente incomodado por fazer filmes escapistas. Resolve então escrever um grande filme para os tempos miseráveis e duros em que todos vivem. O que ele faz? Se veste de mendigo e cai na estrada "para conhecer a vida real".  Mas é seguido por uma trupe de empregados e jornalistas. Tenta fugir deles, mas sempre acaba por voltar a seus cuidados. No caminho conhece uma aspirante a atriz e com ela pega trens como carona, mora em albergues, enfrenta a fila da sopa grátis. Percebe então que é impossível ser o que não se é, e desiste de sua ilusão. Mas algo inesperado acontece, ele é roubado na rua, fica sem documentos e acaba por ser preso. Torturado numa colônia penal, aprende então o que é ser realmente pobre. Vem dái o grande momento do filme: uma sessão de cinema numa igreja, onde os miseráveis assistem um cartoon do Pluto e riem. O diretor que queria fazer filmes "relevantes" percebe o valor da comédia.
   De volta a Hollywood ele dirigirá comédias, agora sabendo que são elas o máximo de "relevancia" que o cinema pode dar.
   Os irmãos Coen fizeram uma homenagem a este filme com "E AÍ MEU IRMÃO, ONDE ESTÁ VOCE?" O filme relevante, dramático, que o diretor do filme pensava em filmar se chamava "O BROTHER, WHERE ARE THOU?" O filme dos Coen é a filmagem desse filme que não foi feito pelo diretor do filme de Preston Sturges. Coisa de gente moderna né?
    Este filme é fascinante. Não conheço maior defesa da comédia, e raros diretores são tão criativos. Sturges filma como quem sabe mais do que mostra. Tudo nele tem ironia, há inteligência em cada fotograma. E ao mesmo tempo existe amor a seus atores e a seu público. Ele não sobe na cadeira e grita: - Sou um gênio!", ele apenas faz as coisas e sabe que somos nós quem iremos subir na cadeira e gritar.
   Joel McCrea tem aqui o papel de sua vida. Ator galã, ele tem o rosto do homem mimado e ingênuo, transpira boas intenções, é na verdade um tolo. Veronica Lake, sex-symbol dos filmes noir, atriz cult de hoje, tem uma presença sublime. Seu rosto duro, ácido, sério, funciona como o oposto de Joel McCrea. E ela tinha a voz mais sexy de Hollywood. Preston, sabido como era, ignora o que eles eram e os usa como seus contrários, Joel como um intelectual inocente e Veronica quase assexuada.
   Clássico do cinema, comédia incluída entre as maiores, é um filme para se reverenciar.