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ERA UMA VEZ EM HOLLYWOOD...QUENTIN TARANTINO

   1968 teve 2001 de Kubrick. Teorema de Pasolini. Planeta dos Macacos de Schaffner. E O Bebê de Rosemary de Polanski. O polonês era o diretor mais quente entre os bacanas. E sua esposa, Sharon Tate, era vista como sex symbol certo para os anos 70. Sharon havia feito apenas uns 4 filmes. Polanski e Hollywood eram totalmente apaixonados por ela. E então, grávida, ela é morta em casa, num ritual satânico feito por Charles Mason e sua família. ( A família era um bando de teens hippies ). O filme não é sobre isso.
  O filme é sobre o fim de uma era. Um tempo que nasceu mais ou menos em 1956 e durou até 1968. São os anos 60 inocentes. Batman na TV. Séries de faroeste ( chegou a ter 42 em produção ao mesmo tempo ). Tempo de Monkees. Beatles sem brigas. James Bond de Sean Connery. Tarantino ama esse tempo. Onde ainda se produziam os últimos filmes de Hawks. Onde havia dinheiro para aventuras de John Sturges, John Frankenheimer, ou policiais classudos com Steve McQueen.
  Em 1968 tudo mudou. Os hippies e as drogas em porções elefantinas vieram com tudo e a inocência se foi. As roupas também ficaram mais feias. As pessoas ficaram mais feias. Sharon Tate é a inocência que se vai. Trucidada com um filho que nunca vai nascer.
  Tem mais. Leo di Caprio é o ator feito no fim dos anos 50 e que em 68, provavelmente ainda na fase dos 35 anos, já é tratado como um vovô. Ele não entende os novos tempos, não quer entender e sabe que está acabado. Brad Pitt, magnífico, é o cara que anuncia os anos 70: ele se vira. Ele é violento. Ele é só ego. Brad sobreviverá como aquele que se move à margem de 68, fora do palco central. Nem decadente e longe de estar em casa. Ele é o cara de 1977 em 1968.
  Leo é a TV de 1966. Jamais dará o salto para 68. Uma legião de atores não deu. Bandas também.
  O filme não me agradou. Cheguei a sentir um profundo tédio. Adorei a gozação com Bruce Lee. Ele era daquele jeito mesmo, Hiper ego. Adorei a breve cena com Steve McQueen. O ator lembra ele e a fala é soberba. Steve era como o personagem de Brad Pitt, Estava lá em 68, famoso, o maior astro de então, mas ele nada tinha a ver com aquele mundo. Steve era também um cara de 1977.
  O que me entediou foram as longas cenas com filmes dentro de filmes. Não importa como é o western de Leo. Não importa. Queremos a vida deles no agora do filme. Em compensação, há uma cena magistral no reduto hippie da família Mason. Suspense de Hitchcock, Tarantino prova que poderia ir nessa toada em seu próximo filme. Suspense. Clima. Sem sangue. Nada gore.
  Hippies do mal. Tolos e ruins. Vemos seus descendentes pelas ruas até hoje. São aqueles adolescentes enfezados e sempre com ódio. Prontos para atear fogo em algum nazista ou porco. A cena á assustadora.
  Charles Mason tinha uma medíocre banda hippie. Foi recusado por Terry Melcher, produtor dos Byrds. Terry morava numa mansão em Hollywood. Terry alugou a casa para Polanski. A família de Mason trucidou todos na casa achando que eram Terry e seus amigos. Tarantino vai por outro caminho. Ele dá uma modificada. Mas o filme perturba em seu fim aberto...Leo vai para a casa e sabemos o que vai ocorrer lá....Leo vai morrer. Sharon vai morrer.
  Margot Robbie está maravilhosa quando vai ver seu filme no cinema. Sharon era aquilo: a garota pré hippie. A menina de 1966. Apenas alegria, cor e fé na vida.
  Disse que senti tédio. Mas essa é a magia do cinema. No dia seguinte lembro do filme como algo bom, forte, diferente.
  Há filmes que durante duas horas nos empolgam. E depois de poucas horas os esquecemos. E existem filmes que não nos empolgam. Até nos decepcionam. Mas que deixam alguma coisa dentro de nós que dura.
  Este é um desses.

BOCACCIO- O REGRESSO- MINELLI- TARANTINO- EVERESTE- GIGI- COLE PORTER

   OS 8 ODIADOS de Tarantino com Kurt Russell, Samuel L. Jackson e Tim Roth.
Logo no começo do filme a personagem de Jennifer Jason Leigh leva um soco na cara e cospe sangue. Imagino que Quentin tenha dado boas risadas com isso. Eu odiei. Quem me conhece sabe que estou longe de ser um "politicamente correto". Penso inclusive que o movimento merece ser gozado. Mas não assim. Tarantino tem um talento técnico imenso. Ele viu muito cinema e viu direito, com atenção. Mas ele tem um sério problema: é um homem vazio. Nada tem para contar. Assim como Fincher, Nolan ou tantos outros, Quentin cresceu na frente de uma tela e conhece quase nada da vida lá fora. Não há nele nada de vivo, tudo é uma grande piada. Quando o roteiro ajuda, como em Pulp Fiction, essa bobagem vira uma festa de esperteza e de humor; mas quando o roteiro é fraco, nada há que Quentin possa acrescentar. Este filme é bobagem teen bem filmada. Nota 3.
   O REGRESSO de Iñarritu com Leo di Caprio e Tom Hardy.
Sinto muito Leo. Não vi o filme sobre Dalton Trumbo, mas torço por Bryan no Oscar. Iñarritu tem um talento imenso, mas é uma pessoa chata. Apesar que....Será que essas estripulias de imagem e de montagem não seriam talentos do equipamento hoje disponível...e não do diretor que os utiliza....Penso no que Ophuls, Hitchcok ou Powell não fariam com câmeras tão leves e cores digitalizadas à vontade... Bom, este filme é uma bosta. Um monte de esterco fedido e bem grudento. Fezes com legendas que dizem ser "ouro". Mas é bosta mesmo. Uma câmera bêbada filmando gente suja cometendo barbaridades. Só isso. Não há invenção, criação ou imaginação. O cinema alcança assim o ponto onde as artes plásticas estiveram por volta de 1995, quando um artista italiano expôs merda enlatada num museu. Nota ZERO.
   MARAVILHOSO BOCACCIO dos Irmãos Taviani
Mais recente filme dos irmãos italianos, ele nada tem em comum com o famoso filme de Pasolini. Aqui a austeridade manda. É um Bocaccio distanciado, frio, rígido. Plasticamente é um belo filme, emocionalmente ele nada transmite. O filme começa exibindo a Peste Negra a dizimar Firenze e então vemos o grupo de jovens que foge da cidade e no campo contam histórias para passar o tempo. Creio que os Taviani estão muito mais distantes do espírito medieval que Pasolini. Eles filmam como italianos de 1650. Nota 5.
   EVERESTE de Baltasar Kormakur com Josh Brolin, Emily Watson e Jake Gyllenhaal.
Em 1996 vários grupos de turistas tentam atingir o topo do Evereste. Mas os acidentes acontecem. Finalmente chegou ao cinema o livro de Jon Krakauer. E o filme dá o que promete: emoção. Sabemos desde o começo quem vai morrer, afinal é uma história real, mas mesmo assim o filme nos faz entrar na montanha. O vento e a neve nos seduzem. Nota 6.
   O PRIMEIRO ASSALTO DE TREM de Michael Crichton com Sean Connery,  Donald Sutherland e Lesley Anne Down.
Crichton é sim o escritor. Pra quem não sabe ele dirigiu alguns filmes nos anos 70. Este, de 1978, conta um elaborado plano para se roubar um trem cheio de ouro na Inglaterra de 1860. Cenários vitorianos me seduzem e ainda há Sean Connery esbanjando charme como um ladrão seguro e criativo. Lesley foi das mais lindas atrizes britânicas e Donald faz um ajudante meio nervoso. Dá pro gasto, mas não espere muito. Nota 5.
  AGORA SEREMOS FELIZES ( MEET ME IN SAINT LOUIS ) de Vincente Minelli
Digamos assim: este é o oposto radical de O REGRESSO. No filme de Iñarritu temos o absurdo da pornografia. O mundo como sangue e dor mostrado em lentes objetivas e com uma falta de imaginação completa. O real escapa em meio ao exagero do sensacional. Aqui temos o absurdo da delicadeza extrema. O mundo como canção onde tudo se diz e nada fica nas sombras. Tudo mostrado com lentes rosadas, onde o real escapa porque jamais foi procurado. O roteiro: em 1903 uma família de St. Louis vive sua vida comum. Namoricos, jantares, festas, pequenas dores. E é pouco mais que isso. Mas esse mais faz toda a diferença! A Metro usa um lindo Technicolor, Judy Garland canta lindas canções, os cenários são familiares e você fica querendo que a vida fosse aquilo e sabendo que não é. Mas....quem sabe um dia seja.... Well....foi o primeiro grande sucesso de Minelli e é considerado hoje um dos filmes mais alto astral já feitos. Você quer ter uma família assim. O tipo de cinema que fez os EUA ganharem o mundo. Nota 8.
   GIGI de Vincente Minelli com Leslie Caron, Louis Jourdan, Maurice Chevalier e Hermione Gingould.
Se St. Louis é o primeiro sucesso de Minelli, este é o último. GIGI ganhou penca de Oscars  e levou multidões aos cinemas num tempo em que adultos iam ao cinema. O roteiro é do gênio Alan Jay Lerner e fala de uma menina que é treinada para ser cortesã na Paris de 1900. Ao redor dela o que vemos são tias e avós que querem vende-la, em ambiente de extremo luxo. As canções são de Frederick Lowe e toda a parte visual, roupas e cenários, são da lenda Cecil Beaton. Sim, a equipe é quase a mesma que faria MY FAIR LADY cinco anos mais tarde. E as canções são maravilhosas e recitativas, como serão as do filme baseado em Shaw ( este se baseia em Colette ). Chevalier tem momentos sublimes e o filme nos dá uma sensação de alegria leve e chique que não têm preço. O filme termina e nós vamos à vida com renovado charme e boas emoções. Uma aula de savoir faire. GIGI é uma festa! Nota DEZZZZZZZZ!!!!!!!
   ALTA SOCIEDADE de Charles Walters com Bing Crosby, Grace Kelly, Frank Sinatra e Louis Armstrong.
Rever este filme mais uma vez é como encontrar numa loja aquele vinho que você bebeu em 1995 e nunca esqueceu. Uma linda lembrança que se revela verdadeira. O filme continua lindo. Nunca uma atriz foi mais bonita que Grace aqui. As canções de Cole Porter são sublimes e todo o elenco nos dá diversão. O roteiro é fofo, vazio, bobo até, mas os diálogos são espertos e a inteligência do espectador nunca é ofendida. Um souflé. Delicioso. Nota 8.

O FUTURO CHEGOU: O NOVO FILME DE IÑARRITU O INAUGURA.

   George Lucas falou que o cinema do futuro seria apenas sensação, sem emoção. Um gato sendo torturado seria filmado. A perseguição ao gato, não.
   Sensação é aquilo que um bicho sente: dor, medo, asco, desejo. Emoção é mais complicada, uma mistura de asco com curiosidade, de desejo e medo, de alegria com horror. Tudo isso em meio a inteligência, a espera, ao suspense.
   O novo filme de Iñarritu mostra que esse futuro chegou. São duas horas de sensações. E a sensação, em seu ponto extremo, se chama pornografia. O oposto radical do erotismo.
   A história é banal. Caçadores de peles são atacados por índios. Fogem, e na fuga ocorre uma traição. Vem a vingança.
   Não pense em western. O filme está longe do mundo de Hawks, Ford e mesmo de Clint e Peckimpah. Esteticamente ele bebe nos filmes russos. Mas é moderno e artístico, então o que temos são imagens que vomitam esteticismo. O diretor tem ereções com sua "esperteza". Toda imagem deveria trazer um aviso: "Cuidado! Gênio filmando"
   A câmera voa pelos cenários, flui, vai e volta. O filme não tem uma cena de câmera parada. E, se nos primeiros dez minutos, isso até impressiona, depois a gente nota que é um vicio, um maneirismo que não existe em função do FILME, mas sim em função do AUTOR. E vem, em consequência o pior....Começamos a ver tudo aquilo como um filme. O foco deixa de ser o personagem e passa a ser a técnica. O filme desaba.
   Leonardo di Caprio foi grande em vários filmes. Aqui ele tem seu papel mais simples. Ele urra, suspira e geme muito. O rosto, escondido por barba e movimentos de câmera, mal se vê. É uma atuação muito mais de atleta que de ator. Deve vencer o Oscar pelo que fez no passado.
   Há uma cena com um urso que detona as intenções de seu deslumbrado diretor. Sem nenhum suspense, o urso nos dá um susto e ataca. Então, de um modo pornográfico, vemos o urso torturando Leo. A cena, boçal, não tem a menor função narrativa. Seu único objetivo é provocar uma sensação. Asco. Isso não é arte. É o tal gato sendo torturado.
   O filme, bobíssimo, é o alongamento dessa cena ao infinito.

LEONARDO DI CAPRIO/ MATHEW MCCORNAGHY/ BRUCE DERN/ BEN STILLER/ JULIE CHRISTIE/ ROCK HUDSON

   NEBRASKA de Alexander Payne com Bruce Dern, June Squibb, Stacy Keach e Bob Odenkirk
Ao contrário de seu costume Payne não fez o roteiro deste filme sem nenhuma concessão. Em preto e branco deslumbrante, acompanhamos um momento na vida medíocre de um velho. Ele crê em prêmio de loteria e tenta de todo modo viajar para receber o pretenso prêmio. O filho fracassado o leva de carro. Lento, com algumas cenas de humor amargo, é um daqueles filmes que nos anos 70 se fazia aos montes. O tal "pequeno grande filme". Bruce Dern, eterno coadjuvante, tem aqui seu segundo melhor papel ( em Amargo Regresso ele teve o papel de sua vida ). Payne está construindo uma bela carreira. Nota 7.
   A VIDA SECRETA DE WALTER MITTY de Ben Stiller com Ben Stiller
Talvez o pior filme deste ano. Uma hiper-pretensiosa comédia sem graça nenhuma e sem conteúdo algum. Walter Mitty sonha acordado. O filme tenta fazer graça no contraste entre sua vida de loser e seus sonhos. O tema é bom, mas Stiller não tem mérito algum nisso, Mitty foi filmado anteriormente nos anos 50. Stiller causa antipatia de tanta vaidade. ZEROOOOOOO!
   LONGE DESTE INSENSATO MUNDO de John Schlesinger com Julie Christie, Peter Finch, Alan Bates, Terence Stamp e Prunella Ramsome.
Épico inglês feito no auge da popularidade de seus atores. Schlesinger, vindo de filmes ousados, faz aqui seu filme tipo David Lean. Cheio de belas paisagens, conta a história de uma dona de terras que é cortejada por três homens. Um soldado mulherengo que lhe desperta desejo, um velho amargo e rico que se casa com ela, e um trabalhador simples e persistente, que salva seus negócios. Julie está belíssima, leva o filme com facilidade. Os 3 homens são muito bem escalados, Stamp é o soldado, Alan o camponês e Finch o homem amargo. Dificil saber quem está melhor. Um lindo filme. Nota 9.
   O CLUBE DALLAS de Jean-Marc Valée com Mathew McCornaghy, Jennifer Garner e Jared Letto.
E Mathew levou seu Oscar. Ele está ótimo como um cowboy machista que tem aids. Com a doença ele muda e se torna um cara melhor. Valée fez um filme maravilhoso e emocionante: CRAZY. Este é apenas comum. Um tipo de telefilme. Só isso. Nota 5.
   INSIDE LLEWYN DAVIS de Joel e Ethan Coen com Oscar Isaac, Carey Mulligan, John Goodman, Justin Timberlake
Os Coen são talvez os diretores americanos de quem mais gosto ( claro que falo dos vivos ). Este filme, que não se parece com nada do que fizeram, apenas os cenários lembram algo de sua obra, tem um grande defeito: Oscar Isaac. Sem nenhum carisma. Mas, por outro lado, não será proposital? Afinal, esta é a história de um cantor folk que quase chega ao sucesso. Não chega porque ele se revela um desastrado, teimoso e até mesmo petulante tipo. Ou seja, um cara feito para perder. O filme se equilibra num fio muito perigoso, ele quase cai na pura chatice e consegue fugir da comédia ( ele tem tudo para virar um pastelão ), é um trabalho de direção muito sutil, dificil de manter. Eles conseguem. Mas é um filme seco, sem emoção. Gostamos, mas não queremos nunca ver de novo. A trilha sonora é muito boa, de T, Bone Burnett. Nota 6.
   O LOBO DE WALLSTREET de Martin Scorsese com Leonardo di Caprio, Jonah Hill, Margot Hobbie, Jean Dujardim e Mathew McCornaghy
Uma porrada. Febril, engraçado, amoral, o filme demonstra a genialidade de seu diretor e de todos os envolvidos. Scorsese faz, com prazer e com facilidade, tudo o que quer. Vai do drama ao pastelão, do suspense a farsa, com supremo savoir faire, know how, sabedoria. Uma aula de cinema, uma obra de um mestre, do maior diretor vivo. Aos 70 anos, Martin exibe um vigor que faria a maioria dos jovens diretores passar vergonha. Um muito grande filme, é, com A Grande Beleza e Branca de Neve de Pablo Berger, os grandes filmes de 2013. Nota DEZ.
   A ESPADA DE DAMASCO de Nathan Juran com Rock Hudson e Piper Laurie
Nos tempos pré-TV, o cinema mandava sózinho. E produzia toneladas de filmes B. Eram filmes simples, alguns muito bons, outros ruins. O objetivo era preencher as telas todo o ano, afinal, as pessoas iam ao cinema 3 vezes por semana em média. Este é um filme da Universal estilo 1001 noites. Rock Hudson ainda não era uma estrela e o filme dá pro gasto. Nota 5.

O LOBO DE WALLSTREET, UM FILME DO CACETE!

   Uma vez um cara que respeito muito escreveu que The Who define quem gosta de rock pelos motivos certos. Gente que gosta da banda de Daltrey e Pete sabe, instintivamente, o que significa rock. Existem fãs de Beatles, Bowie ou Radiohead que nada sabem da coisa. Mais que isso, podem ter uma visão deturpada do que seja rock. Não sei se o Who é tão definidor. Pela minha experiência acho que a prova dos nove está no rock de garagem.
   Este filme é o equivalente ao rock de garagem em cinema. Explico ( precisa? ).
   Ele não é teatro. Não corre atrás de frases marcantes e não dá aos atores momentos preparados para seus egos. Este filme não é pintura. Nada tem de belo, de composto, de sublime. Também nada tem de literatura. O enredo nunca se faz de esperto, complicado, original a todo custo. Então o que é este filme?
   Vamos adiante: Ele nada tem de informativo. Nada se fala de relevante em termos de história, sociologia ou politica. Não tem cenas em hospitais, escolas ou campos de refugiados. Ninguém é doce e frágil, nem tem gente que desperte nossa pena. O que ele é?
   CINEMA PORRA!
   Scorsese, com um tesão que jovens diretores desta geração fofa não têm, pega a câmera e filma. E o que vemos são corpos, rostos, atos, movimentos, lutas, tudo com a força e a febre daquele que fez ( 24 anos atrás!!! ) Goodfellas. Se eu quiser posso ver no filme o retrato da América que nasceu nos anos 80 e que vive bem e forte até hoje. Mas o coração do filme não é esse, o filme é sobre um velho de 70 anos e sua vibrante alegria de filmar. É um filme, ALELUIA!. feliz pra caralho! Porque ele sabe que fazer um filme é um prazer e uma honra. ( E quantos filmes voce tem visto que parecem um castigo que o elenco e o diretor pagam? ).
   Muita gente detestou o filme. Porque ele não tem história. Não percebem que ele não precisa de história. Ele é movimento. Apenas isso. E nos dá o prazer de o assistir. Nós rimos com ele, ficamos estupefatos com ele, nos surpreendemos, nos enervamos e ficamos excitados. Mas não nos aborrecemos. E além de tudo se trata de um filme viril. É um filme para homens. Seu mundo é o mesmo dos velhos westerns.
  Leonardo segue os passos de Al Pacino e de Paul Newman, quando vai levar seu Oscar? Tenho certeza que nossos filhos vão dizer um dia:: Quê???? Ele perdeu o prêmio em 2014??????? A atuação dele é estupenda. Há um momento, entre vários, em que ele faz uma cara de bulldog, a mandíbula projetada, que é coisa de gênio. É o melhor ator da América. O que mais ele tem de fazer? Perder 20 quilos? ( Aliás o filme tem dois vencedores, Mathew, ótimo, e Jean Dujardim, excelente ).
  Scorsese quase foi padre. Seus melhores filmes falam sempre de pecado, condenação e ressurreição. O que desconcerta aqui, e deixou tantos moralistas bravinhos, é que o castigo é leve. A droga e o sexo parecem divertidos. Não há uma razão doentia ou sofrida para as drogas. Eles detonam porque é bom, dá prazer, e é só. Isso hoje é inaceitável num filme.
   Ao final vejo que a edição é de Thelma Schoonmaker, a editora de Martin desde 1977, a mulher que conheceu Michael Powell via Martin e se casou com o mestre que fez The Red Shoes. E vejo que os figurinos são de Sandy Powell, que também está sempre com ele e fez filmes com Kubrick. A trilha sonora, que vai de Bo Diddley até Cypress Hill, é de responsabilidade de Robbie Robertson, o guitarrista gênio de The Band, outro velho amigo de Scorsese. Martin pega essa turma e faz com que trabalhem como um time. A coisa rola, rola como rola desde Main Streets ( lembrei muito dele vendo este filme ), rola em velocidade, em clima de sonho, de paranóia, de barato, de ressaca. E tudo se encaixa. O menino Martin que diz ter visto filmes todo dia desde os 9 anos, que diz ter sonhado acordado no clima onírico dos filmes que mais o marcaram, agora, do alto de sua filmografia, ainda consegue tocar a mão e lembrar daquele moleque do Bronx e olhar através do visor com a mesma fé, força e paixão de quando ele ia com o pai assistir De Sica, Powell e Welles nos cinemas de veludo.
  É um puta de um filmaço!

O GRANDE GATSBY/ POWELL/ STEVE CARELL/ MISS POTTER/ CHARLES LAUGHTON

   I KNOW WHERE I'M GOING de Michael Powell com Wendy Hiller, Roger Livesey e Vanessa Brown
Quando em 1980 começou a acontecer a justa revalorização de Powell, todos seus filmes foram revistos e reavaliados. Este foi um dos últimos a ser redescoberto. Pois é um filme bastante discreto. E muito encantador. Uma moça impulsiva fica noiva. O noivo combina de a encontrar numa ilha da Escócia, onde se casarão. Ela, que sempre sabe o que deseja e onde deve ir, viaja só. Mas as péssimas condições do clima fazem com que ela fique muito tempo parada numa vila de porto. E então ela começa a se "perder". A vida do porto a seduz, e um homem começa a tentar seus planos, seu coração. O filme tem dois aspectos muito particulares: a conjunção de clima e estado emocional e a forma como são feitos os cortes. As cenas são cortadas no meio do diálogo, de forma abrupta. E o mar, o céu, belíssimos, espelham aquilo que se passa em terra. No mais, Wendy é sublime e a trilha sonora fantástica. Frases em gaélico, danças sem folclorismos baratos, uma absoluta falta de pretensão. Delicioso. Nota 9.
   O GRANDE GATSBY de Baz Luhrman com Tobey Maguire, Leonardo di Caprio e Carey Mulligan
Escrevi num post que Baz, assim como Anderson, tem o preciosismo estético de Ophuls ou de Powell, mas sem a substância dos dois gênios. Pegaram a superfície e a usam de forma fria, no caso de Wes, ou histérica, no caso de Baz. O esteta que chega mais perto de Ophuls, por ter verdadeiro dom, é Joe Wright, um belo diretor que entendeu a coisa. Vejam este filme. É cinema, mas não é um filme. Nada mais é que um trailer de duas horas. O filme nunca começa. O que vemos é uma promessa de um filme que será feito um dia. Nisso ele recorda Michel Gondry e Spike Jonze, diretores também "estetizados" que fazem trailers que nunca se realizam. Mas Baz é pior. O filme irrita. São tantos cortes, somos tão jogados de cena para cena, situação para situação que nada apreendemos. O que fica? Leo di Caprio imitando Robert Redford e Tobey fazendo um Peter Parker adulto. Carey Mulligan não tem o glamour do personagem, está no filme errado. Um adendo: O texto de Fitzgerald é tão bom, tão sublime, que nas cenas em que Tobey se atém a recitar trechos do livro todo o filme cresce. Isso ocorre nas cenas finais, que são ótimas. Porque finalmente Baz parece se cansar de "fazer trailer" e deixa o texto sobressair. Só então percebemos do que trata o filme: o drama de um homem sem lugar e ao mesmo tempo a saga do Homem Americano, o sekf made man, que vence mas jamais "ganha". Mas aí já é tarde. Nota 2.
   A ILHA DO TOPO DO MUNDO de Robert Stevenson
Filme da Disney dos anos 70, ou seja, em crise de identidade. Expedição acha civilização perdida no Pólo Norte. Interessante é o fato de que o tema de filme B em 1974 seria hoje tema de filme A. Nota 2.
   DE CANIÇO E SAMBURÁ de George Marshall com Jerry Lewis e Anne Francis
Um homem acha que vai morrer e resolve aproveitar a vida. No caso, pescando. Jerry em um de seus muitos fracassos. Não é ruim, apenas sem graça. Nota 5.
   DESFOLHANDO A MARGARIDA de Marc Allégret com Brigitte Bardot
O cinema teve vários mitos femininos. Gloria Swanson, Greta Garbo, Dietrich, Rita Hayworth, Ava, Audrey, Sofia Loren, Marilyn...Nenhuma delas tem tantos filmes péssimos como Bardot. É muito dificil achar um bom filme de BB. Este é um dos piores. Nota ZERO.
   LES MISERÁBLES de Richard Boleslawski com Fredric March e Charles Laughton
A versão dos anos 30 não tem as músicas da boa versão da peça. Aqui temos o romance de Hugo. Laughton dá um show como o policial que obsessivamente persegue a Jean, uma atuação perfeita de March. O filme se sustenta belamente e nós o assistimos admirados por seu extremo profissionalismo. Eis o eficiente cinema da grande Hollywood, a fábrica de mitos. Ótimo filme! Nota 8.
   O CASAMENTO DO ANO de Justin Zackham com Robert de Niro, Diane Keaton, Susan Sarandon,, Katherine Heigl, Robin Willians, Topher Grace
Não faz sentido. Um casal de divorciados tem de se fingir de casados. Isso porque a mãe da noiva do filho é "católica" e católicos não admitem o divórcio!!! Até onde pode chegar a idiotice de um roteirista? Este filme joga no lixo um elenco soberbo em situações grosseiras, tolas, burras, bizarras e abismais. Tudo é tão fake, as falas são tão óbvias que ficamos feito uns patetas olhando aquilo tudo. Nota ZERO!
   MISS POTTER de Chris Noonan com René Zellweger e Ewan McGregor
A vida de Beatrix Potter, filha solteirona de uma familia inglesa que no começo do século XX cria a mais bem sucedida série de livros infantis da história, a série de Peter Rabbit. O filme, dirigido pelo sensível diretor que fez o belíssimo Babe, tem tudo no lugar certo. Ele nos leva ao mesmo mundo de James Barrie no lindo filme com Johnny Depp.  Fim da era vitoriana, berço da grande literatura infantil. René está excelente e Ewan, sem exageros, tem um de seus melhores papéis. O editor novato e tímido é um grande personagem e Ewan o pratica com sucesso. O filme é bonito e triste, divertido e inspirador. Nota 7.
   O VIRGEM DE 40 ANOS de Judd Apatow com Steve Carell, Catherine Keener e Paul Rudd
E não é que este filme não é ruim? Apesar de toda idiotice e do humor óbvio, o personagem de Carell é "real". Há algo de profundo e de muito sério nele, o que nos faz lembrar das grandes e verdadeiras comédias. A mistura de bobice palhaceira e seriedade secreta. Catherine está adorável, as cenas com ela redimem tudo de ruim que pode ter havido antes. No panorama péssimo da comédia atual, esta talvez seja a melhor. Nota 7.
   DOIS É BOM, TRÊS É DEMAIS dos irmãos Russo com Owen Wilson, Matt Dillon, Kate Hudson e Michael Douglas
Vixi! Nada tem sentido e nada tem graça. Owen é um amigo chato pacas que vai morar com seu grande amigo recém casado. Owen destrói a casa. Daí ele vira um cara legal e salva o casamento do amigo. Douglas é o pai e patrão, uma variação do vilão de Wall Street. Um ator de verdade no meio de atores perdidos. Onde a graça? Não passa de mais um "Owen Wilson ego trip". Ele anda de skate, mostra a bunda, chora, pula, se queima, cozinha e canta. Só não faz rir. Nota 1.

DJANGO LIVRE

   Os letreiros são de western-spaguetti e a trilha sonora usa temas de Bacalov e de Morricone, dois gênios das trilhas sonoras ( vi recentemente um documentário na tv Cultura, com a participação de Dave Holmes e da dupla Air, sobre trilhas sonoras. Eles diziam que as melhores trilhas foram feitas entre 65 e 75: John Barry, Henry Mancini, Lalo Schiffrin, Quincy Jones, John Willians, Michel Legrand, Nino Rota, Georges Delerue e Bacalov-Morricone ). Django é nome de um filme da época, um western-spaguetti com Franco Nero. Não se iluda, do Django original só ficou a trilha sonora e uma participação de Nero como um italiano que perde de Di Caprio no Mandingo.
   A unanimidade americana em torno deste filme é merecida, é um filme maravilhoso, mas ela expõe uma crise. Filmes como este, em 1965 ou em 1973, eram feitos de forma sucessiva. O que reafirma minha tese de que Dirty Dozen ou The Great Escape seriam hoje filmes de Oscar. Os amantes de cinema sentem saudades de grandes filmes divertidos, de filmes que misturam arte e Pop, que são inteligentemente entertainment. Fazer filmes de arte sobre o nada se tornou banal, fazer diversão soberba é cada vez mais raro. E a carreira de Quentin mostra isso, ele sabe filmar e sabe narrar.
  Entre os cinco filmes favoritos de Tarantino, pelo menos dois são obras-primas do diálogo: Onde Começa o Inferno de Hawks e Jejum de Amor, também de Howard Hawks. Outro fato mostrado em Django: Tarantino mantém viva a arte do diálogo. O filme tem cenas longuíssimas de diálogo. A amizade entre o alemão e Django é como a de Wayne e Dean Martin em Hawks, toda feita em longos e calmos diálogos. Como em Hawks, temos um mestre e um discípulo em bela interação.
  Alguns podem se incomodar pelo mundo que Tarantino mostra. O mundo dele é o mundo Pop. Nenhum filme dele mostra aquilo que se chama "mundo real". Bem, eu gostaria de perguntar: alguém mostra o mundo real? Dou exemplo. O mundo de Cosmópolis é real? Nunca vi ou vivi naquele mundo. O mundo dos filmes de Wes Anderson é real? O que é o mundo real? Todo filme não é a visão particular de um homem, ou de uma equipe, sobre um mundo que ele imagina? O mundo real de Tarantino, e de seus fãs, é o cinema. Como acontece com Hitchcock, ele cria um mundo baseado em suas paixões internas. E essas paixões são Pop. Para quem é fã, como eu sou, é o mundo onde vivo e onde me formei. O mundo colorido da cultura popular de consumo.
   O filme tem duas falhas, duas grandes falhas que quase o destroem. Uma é sua metragem. Ele termina e vai adiante mais meia-hora que são esquisitas. Parece que Quentin perde o tesão no final. Isso acontece por causa da segunda falha: o elenco.
   Christoph Waltz está magnifico! A criação dele é uma das coisas mais geniais que já vi. É um personagem que ficará na história. Day-Lewis levará o Oscar, mas Waltz está melhor, bem melhor. E temos Di Caprio, compondo um tipo dúbio, feito de sutilezas, de movimentos de sobrancelha, de gestos das mãos. E então, essas duas atuações desequilibram o filme. O herói, Django-Jamie Foxx, não está a altura dos dois. Quando Waltz morre o filme acaba.
   Mas é um grande filme, cheio de cenas memoráveis. Momentos como aquele da KKK, com um Don Johnson hilário, são jóias de diálogo, de criação de tipos e de filmagem. Tarantino não erra uma tomada. Repare como não ficamos reparando nos ângulos de câmera, nas bossas da direção. Esse é o estilo Hawks, a direção que conta a história sem jamais chamar a atenção sobre si-mesma ( estilo esse cada vez mais raro no cinema ). Nos ligamos na história, não na "obra".
   Por fim...o filme é um western, mas é um western-spaguetti. Tem o descompromisso com a veracidade, tem a violência estilizada e falsa, tem o humor dos westerns made in Italy.
   PS: Quentin Tarantino já falou de gangsters, de lutadores de kung fu, de mercenários da segunda-guerra, de vampiros...Ele está pronto para fazer um filme sobre suas raízes made in Italy. Mal posso esperar pra ver.