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NO SHOW DE ROCK

O segredo do grande show de rock sempre foi a troca. O palco manda para a platéia um recado. A platéia recebe e o manda de volta ao palco. Essa troca se perpetua por duas horas ou mais. É uma ação muito parecida com o sexo. Voce dá e recebe. Recebe e dá. Ou, talvez, com uma cerimônia religiosa, onde o pastor invoca Deus e dá essa Presença aos fieis que ao serem tocados pela Graça irão retribuir dando sua Graça ao pastor. --------- Ao comparar o show de rock, o grande show de rock, ao sexo, deixo claro que para haver a troca é preciso existir a presença. O toque. O olho no olho. O ato impensado. O performer fará algo, algo esperado e ensaiado, mas ao receber essa mensagem o público sente algo de inefável naquele gesto. Um olhar do cantor, um acorde inesperado, um gesto, uma dança. Ao captar esse momento INESPERADO, o público reage e o artista sente essa reação. Imediatamente ele a capta e a devolve. Começa a troca. A aventura que é necessária ao melhor rock ( ou jazz ). ------------ Em palco imenso não há possibilidade nenhuma de olho no olho. Ou mesmo de gesto e grito, dança e resposta. O artista vê luzes e uma massa de pessoas no escuro. O público vê uma tela. ------------ Mas no rock de hoje, mesmo em palcos menores essa troca é difícil. Os motivos? -------------- Não se improvisa mais. 90% dos shows repetem exatamente aquilo que foi gravado. Se compararmos ao sexo, diremos que é sexo de prostituta. Sem a possibilidade do improviso, não há chance para a troca. As respostas estão dadas independentes da pergunta. ---------------------- Tecnologia. Celulares olham no lugar do olho. Voyeurismo. É como gravar uma cena de sexo a dois. Há uma parede entre voce e o outro: a lente. O artista deixa de esperar sua reação. Ele posa para as câmeras. Não pode errar. Não se arrisca. Qualquer titubeada será gravada. ----------------- Aparelhagem. Há uma centena de toneladas de caixas, retornos, fios, microfones, amplis. No tempo do Cream ou de Hendrix, entre o palco e o público nada havia. Hoje há uma fila de caixas de retorno, seguranças, pedais, pedestais, fosso, tudo isso mesmo em shows pequenos. -------------- Falta de raiz no blues ou no jazz. O que uma banda nova ouve hoje? Bandas de rock. Eles escutam as bandas anteriores a eles mesmos. Essas bandas são escutadas em discos ou videos. E copiadas. A coisa se engessa. Antes, gente como Jeff Beck ou Jimmy Page escutava blues e jazz. Aprendiam a improvisar. Buscavam a epifania. Claro que como tempo vinha o cansaço. Mas o molde não era uma banda pronta, um disco mítico ou repetir um hit do rádio exatamente como foi gravado. O que se buscava era uma prática, uma troca, a comunhão com seus fãs. -------------- Então o que vemos hoje é: Eu me apresento e faço tudo o que voce espera de mim. Voce se diverte e me aplaude. Temos um acordo. E a palavra a ser usada é novamente engessamento. Shows antigos, shows como eram os de Frank Sinatra ou Bing Crosby, sempre foram assim. Mas o rock era diferente. Ele trazia ao mundo pop o êxtase que havia no blues e a liberdade do jazz. Não se sabia o que iria acontecer em um show. Os Stones em 1970 poderiam ser um absoluto Kaos ou uma epifania. Uma decepção odiosa ou um caso de amor para sempre. -------- Hoje voce recebe o esperado. Como era um show de Dean Martin no Sands em 1965. Ou um show de Yves Montand no Olympia em 1970. Bom e óbvio. ----------------- Comparo então o Queen em 1980 e o Iron Maiden em 2022. Dois shows separados por 42 anos. No mesmo local com a mesma massa de pessoas ao redor. Em 1980 eu achava o Queen ok. Em 2022 acho o Iron ok. Mas há um abismo entre os dois shows. --------------- Sem telão e sem celular, Freddie e a banda tiveram de correr pelo palco, pular muito, rebolar, esticar solos, conversar com a platéia, puxar o coral, suar mares de esforço, par assim conseguir uma resposta. Ela veio. Forte. O povo, para surpresa geral, só depois se tornaria um padrão, começou a cantar com Freddie. Mesmo sem saber inglês!!!! O caso de sexo se tornava amor. Tateante no começo, Freddie sentia estar vencendo. O público, conquistado, dava tudo que tinha. Amor. Eu estava lá. Me apaixonei por eles. ---------------- Em 2022 o Iron faz um show perfeito. Bruce é dos poucos vocais do rock que melhorou com a idade. É muito mais dominante hoje, pula mais, se exibe melhor, é seguro, não erra, passeia pelo palco como nunca antes. O som é perfeito, não há um só erro. E não há como não gostar de um repertório como o deles. Number of The Beast me emociona muito. Mas......não há troca alguma. O artista e a platéia estão separados, cada um em seu lugar, cada um com sua função. Voce faz e eu olho. Voce me satisfaz e eu aplaudo. Um show perfeito. Mas sem amor. --------------- Em 1980, na saída do estádio, lembro até hoje de ver gente devastada. Lembro com clareza de duas meninas chorando na rua, um cara gritando sozinho na calçada e minha excitação tremenda pela banda. Durante dias eu só pensava no que havia visto. --------------- Em 2022 eu e minha acompanhante saímos do show e começamos a falar de outros assuntos enquanto bebemos. Não pense que a culpa é do Iron. Vi a mesma falta de paixão em shows de Clapton, Stones, Iggy Pop, Red Hot, Beyoncé, Sonic Youth ou Elton John. Amigos me dizem que é assim mesmo. Os shows são repetições daquilo que foi gravado. Não há improviso. Não há público que mude um show. E não há público que QUEIRA QUE O SHOW CORRA RISCOS. Tem de ser como na gravação. Exatamente igual. ------------- No último show que vi dos Stones houve um momento em que quase acreditei que Ronnie Wood se soltara. Ele fez um belíssimo e longo solo em Midnight Rambler. Uma das coisas mais bonitas que já ouvi. Mas então lembrei que ele não estava improvisando. Ele apenas recriava o solo de Mick Taylor no disco Get Yer Yas Yas Out. Não havia uma só nota fora do esperado. Nenhum erro. E rock sempre fora uma mistura de erros que acabavam virando acertos. Nesse momento Ronnie me pareceu Dean Martin. ---------------- Bandas novas já nascem fazendo aquilo que bandas com 40 anos fazem. Tocam como na gravação. -------------- Pena.