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O HOMEM QUE EU QUERIA SER. CARY GRANT, MEU ATOR FAVORITO.

   Em 1986, quando Cary Grant morreu, aos 82 anos, Billy Wilder, sempre um mestre quando se trata de escrever a frase perfeita, mandou uma carta à viúva. A frase, simples, dizia: " E agora quem irá nos guiar? ". Vou contar aqui a vida de Archibald Alexander Leach, nascido em Bristol, filho de um alfaiate pobre. Mas antes um pequeno adendo.
  O primeiro ator em minha vida, aquele que lembro de querer ver tudo o que ele havia feito, foi Peter O'Toole. Isso quando eu tinha já 25 anos de idade. Antes eu admirava Peter Sellers, Vittorio Gassman, Kirk Douglas ,Erroll Flynn,   mas nenhum deles eu chamava de ídolo. O primeiro foi o irlandês O'Toole. Aos 25 eu queria ser ele. Achava ele o máximo de elegância e com verniz de artista. Cary Grant era para mim apenas um ator de filmes da Sessão da Tarde ( uns três de seus últimos filmes passavam nesse horário ). Aos 35 eu cultuava Clint Eastwood. Sua virilidade fria me atingia em cheio. Eu desejava possuir sua impassividade cool. Após os 40 me dividi entre Steve McQueen, um Eastwood mais cult, e Humphrey Bogart, o homão da porra. Mas com os dois há um problema: McQueen fez poucos filmes, seu estrelato durou apenas dez anos, e Bogey é feio, muito feio. Amo Bogey, como amo John Wayne, mas não quero ser nenhum dos dois. Eles não são focos de atração para as mulheres.
  Desde meus 35 anos aprendi a admirar Cary Grant. Ele tem estado sempre entre meus 5 atores favoritos. Minha ligação começou com Intriga Internacional, North By Northwest, o filme de Hitchcock mais divertido e engenhoso de todos. Hoje, na meia idade, eu tenho Cary Grant como o único ator que me emociona. Eu, como todos os homens que o amam, sinto que sua simples presença dignifica qualquer filme. Grant transmite força, controle, bom humor, classe, e ao mesmo tempo, algo de oculto, perigoso, agressivo, uma mácula secreta. Como dizia Hitchcock, Cary Grant é uma instituição. Um ícone. Crianças e adolescentes tendem a não ver nada demais nele. Preferem o explícito. De Niro, Brando, Nicholson, a escola pseudo realista. A neurose esfregada na cara. Para esses Cary Grant não terá o menor apelo. Para o admirar é preciso ter vivido. Captar o valor daquilo que ele é : Guia dentro da tempestade. Graça e leveza em meio à pressão.
  Cary nasceu Archie Leach e é inglês. Quando ele tinha 9 anos a mãe fugiu de casa e desapareceu. Cary se sentiu culpado e sua vida a partir desse momento é uma fuga. Aos 14 fugiu de casa e se uniu à um grupo de artistas de vaudeville. Excursionando pela Inglaterra, ele aprende a ser um malabarista, adquire sua habilidade corporal. Aos 16 ele embarca com o grupo para os EUA. Quando a gang volta para a Europa, ele fica. Sozinho nos EUA com 17 anos de idade.
  Sobrevive vendendo gravatas na rua. Anunciando shows em pernas de madeira. Pintando casas. Ao mesmo tempo frequenta o mundo teatral de New York, não o chique, o mundo do teatro popular. Consegue algumas peças e exercita um dos seus dons: faz bons contatos. Archie Leach começa a imitar os modos sofisticados dos ricos americanos, das famílias tradicionais. Seu sotaque cockney desaparece.
  Aos 21 anos vai para a California. Começa no cinema usando sua beleza. Seus primeiros filmes mostram Archie como o rapaz que será seduzido por uma vamp. Mae West e Dietrich fazem filmes com ele. Nesta altura ele já é Cary Grant, Archie Leach ficou no passado.
  Em 1935 ele faz Sylvia Scarlet, filme de George Cukor com Kate Hepburn. O filme é um fracasso, mas ele chama a atenção. No filme Cary Grant faz um papel que é aquilo que Archie Leach era: um cockney malandro, mal caráter, e absolutamente adorável. Assisti o filme a poucos dias. Cheio de momentos não tão bons, mas Cary e Kate brilham de um modo adorável. Para quem não sabe, o filme é sobre travestismo.
  1936 traz Cary transformado em astro. The Awful Thruth de Leo McCarey, uma comédia maluca, faz com que ele exploda. Eis o Cary dos anos 30: leve, elegante, engraçado, ágil. atlético, comediante não bobo, ingênuo nunca tolo, mestre no diálogo rápido, no olhar que diz tudo, no uso do corpo como instrumento solo. Se voce tem a falha vergonhosa de não conhecer Cary Grant assista esse filme ( aqui ele se chama CUPIDO É MOLEQUE TEIMOSO ), e ainda HOLIDAY, sucesso com George Cukor, onde ele faz um tipo de jovem dos anos 60 antes do tempo, e principalmente JEJUM DE AMOR, uma obra prima de Howard Hawks. Cary é aqui o mais esperto dos repórteres. Hawks fez o mais veloz dos filmes.
  Os sucesso se acumulam. Para quem não sabe, Cary Grant é até hoje o ator com melhor média de lucro da história. Imune a fracassos. Até 1966, ano em que ele se aposenta, aos 61 anos, Cary foi uma estrela. A número um entre os homens. Sempre no topo. Inteligente, se aposenta por saber que seus fãs não mereciam ver Cary Grant envelhecer.
  Casou 5 vezes, os dois primeiros duraram menos de um ano. Nunca dava entrevistas. Morou anos com Randolph Scott, o que sempre deu margem aos boatos de sua homossexualidade. Milionário, era sovina. Até o fim da vida cobrava 25 centavos por autógrafo. Fez cem sessões de LSD entre 1961-1966. Elogiava o ácido como o meio em que Archie encontrava Cary. Reencontrou a mãe, já rico e famoso, nos anos 40. Ela estava internada numa clínica psiquiátrica a mais de 20 anos. Ele a tirou de lá, mas sua mãe nunca o aceitou. Como consequência óbvia, Grant jamais confiou em mulheres.
  Seu último casamento foi com uma mulher 50 anos mais jovem. Foi ao lado dela que ele morreu, de derrame, sem sofrimento. Todas as suas esposas eram ricas e sofisticadas. Por ter sido pobre, Cary sabia a dor de não ter dinheiro. E dava às boas maneiras o valor que só dá quem viveu entre as maneiras ruins. Ele se fez sozinho. Ele se construiu. E manteve a persona até o fim. Nunca foi visto mal humorado. Nunca baixou a guarda. Seus filmes são como um presente que ele nos legou. Voce vê  Cary Grant e aprende a ser homem sem ser duro demais. Ser elegante sem parecer um boneco. Ser alegre sem passar futilidade. Ser forte. Muito forte. Mas sempre com graça.
  Uma vez ele deu um conselho à uma jovem atriz ( com quem esteve casado por 7 anos ), Nunca  deixe de sorrir em público. Principalmente quando estiver por baixo. As pessoas irão te atacar assim que perceberem uma fraqueza em voce. Não lhes dê essa chance.
  Esse era Archie Leach. Esse era Cary Grant.

JAMES, JAMES BOND: UMA QUESTÃO DE MÚSICA

   Andei revendo os 10 primeiros filmes de James Bond. Todos são pelo menos divertidos, alguns se tornaram icônicos, outros são ridículos. Mas como disse, sempre divertidos.
  O primeiro, DR NO, é apenas uma aventura de espionagem inglesa feita na Jamaica. Um monte de coisas que se tornaram "trademark" da série ainda não existiam. Mas já está lá o nome de John Barry na trilha sonora, e creia, muito do sucesso de Bond se deve a sua música. Este primeiro filme é basicamente um filme cheio de perseguições de carros e os cenários, outra marca da série, também já possuem a assinatura de Ken Adam. O super macho Alfa, Sean Connery, diz presente. Todas as mulheres caem aos pés dele. TODAS. Em 1962 ele é o sonho assumido de todo homem. O mega seguro. O ultra poderoso. O invulnerável. Bond é peludo, bebe, fuma e pensa em transar 24 horas por dia. No segundo filme, MOSCOU CONTRA 007, from russia with love, algumas marcas nascem. A canção de abertura feita para ser um hit, as armas originais, o carro, e principalmente o hiper vilão. Talvez seja este o mais hitchcockiano da série inteira. Tem clima. E possui um clima de perversão. Pra quem não sabe, dizem que a ideia da série surgiu quando Ian Fleming viu INTRIGA INTERNACIONAL de Hitch, no cinema, em 1958. E que o sonho de Ian era ver Cary Grant como Bond. ( Penso que seria perfeito. Assim como o Bond ideal de 2000 seria George Clooney ).
  GOLFINGER é considerado o ápice da série inteira. Austin Powers bebe quase tudo aqui. É um filme perfeito mas não é meu favorito. Depois temos THUNDERBALL e aquele que se passa no Japão, SÓ SE VIVE DUAS VEZES, que tem a maravilhosa canção de abertura com Nancy Sinatra. Este é o mais machista de todos, e também é onde começa a auto-gozação que quase matou a série. De todo modo, Sean Connery quis dar voos mais artísticos e saiu da série. Ele era então, 1967, o ator mais famoso e mais bem pago do mundo.
  A SERVIÇO DE SUA MAJESTADE traz um ator desconhecido, o australiano George Lazenby. Ele é tudo que Sean não era, desajeitado, inseguro, parece um garoto caipira brincando de 007. Mas o filme, que foi malhado na sua época, é hoje considerado um dos melhores. Foi o que mais gostei de rever. As cenas de ação são ótimas e Bond se torna humano. Ele até mesmo chora. Sean Connery retorna mais uma vez e temos a era de Roger Moore. Bond deixa de ser Bond. Ele se torna Roger Moore. E Roger é sempre irônico. O primeiro Bond de Roger, LIVE AND LET DIE tem trilha não de John Barry, mas sim de George Martin, ele mesmo, e é um desastre. Se voce quer saber o quanto uma trilha sonora ruim pode destruir um filme, veja este. Mas ainda pior foi em 1983, quando Sean Connery voltou ao personagem numa produção americana. NUNCA DIGA NUNCA DE NOVO. Sem poder contar com a equipe inglesa, deram a música para Michel Legrand!!!! Deus! Quem teve essa ideia? James Bond em ritmo de romance francês, em clima disco, em ritmo de boate...tudo menos o apropriado. Uma piada sem graça.
  Foi ouvindo essas duas trilhas que me toquei da imensa importância da música em 007.

INTRIGA INTERNACIONAL - HITCHCOCK, O MELHOR ?

Saiu mais um DVD de INTRIGA INTERNACIONAL. Este vem com dois discos. O filme no disco 1 e no 2 tem quatro horas de extras ! Só o documentário sobre Cary Grant já vale o investimento, mas ainda temos um farto material sobre Hitch com depoimentos de fãs como Scorsese, Guillermo del Toro e Curtis Hanson. Para um fã desse filme como eu sou, é um super prazer. Mas vamos ao filme.
Passei por toda a minha adolescência evitando Hitch. Por dois motivos : Primeiro eu o achava muito Pop. Como fã de Fellini e Truffaut, eu achava que Hitch não tocava em grandes temas. O incrível era eu desconhecer ser Truffaut um fã do inglês. O segundo motivo era OS PÁSSAROS. Eu o vira quando criança e sentira muuuuuito medo. Beeem ...
Até que um dia, num entediante sábado, assisti este INTRIGA INTERNACIONAL na antiga TV Manchete. Nem me lembro o porque de finalmente encarar o mestre, mas ví o filme completamente estarrecido. Eu descobria um segredo : o grande cineasta não era aquele que falava de "grandes temas", mas sim aquele que fazia grandes filmes. Hitchcock ainda é referência por isso : ele diverte quem procura diversão e intriga aquele que vê o cinema como arte. Seu domínio é absoluto. Ele esbanja talento, se exibe, faz brincadeiras, nos pega pela mão e leva onde quer. Não tem concorrentes na arte de iludir, de "filmar leve", no modo como as cenas fluem, constantes, absolutas, certeiramente exatas.
Grant é um executivo bem-sucedido. É confundido com agente-secreto e corre meio USA fugindo dos seus novos inimigos. O filme é todo absurdo : nada faz muito sentido e tudo é inverossímel. Mas... quem se importa ? Hitchcock jamais procura o realismo. Os seus filmes sempre são cinema, ilusão, e nos envolvem. Não questionamos, sentimos. Sua maestria já está inteira nos primeiros 3 minutos de filme : vemos Cary Grant e percebemos sem pensar que já conhecemos seu personagem. Hitch apresenta situações sem discursos, sem apelações, tudo nos é dado naturalmente. Quando notamos já nos apaixonamos pelos personagens e estamos presos ao filme. E quanta ação ele tem ! Mas é ação sempre suave, elegantemente encenada. Tiros, trens, carros, um bandido que exala charme ( James Mason ), uma sedutora agente ( Eva Marie Saint ), leilão, fugas, e muita comédia, comédia inesperada, comédia feita por esse enigma do humor e do bom-viver chamado Cary Grant.
A sequencia do milharal, quase muda, é, provávelmente, a mais perfeita aula de edição e clima já dada por qualquer diretor. Mas todo o filme é uma aula. As posições que a câmera assume, o rodopiar de rostos e lugares, os sets milimétricamente planejados. E ainda há a partitura de Bernard Herrman, mais uma obra-prima desse maestro dos maestros.
INTRIGA INTERNACIONAL foi, nesses seus 50 anos, muitíssimo imitado. Todos os thrillers de espionagem ( incluindo tudo de Bond ) beberam em suas imagens. E mesmo assim ele ainda intriga, absorve, diverte e ensina. De seu primeiro segundo a seu último frame, tudo é absoluta perfeição : nada em excesso, nem um só diálogo sem sentido, cada tomada precisa e criativa, surpresa sobre surpresa, prazer às toneladas. Revendo-o hoje, pela quinta vez, percebo que ele é indestrutível e me vejo pensando se seria este o melhor filme de Hitchcock.
Apesar de existirem nomes como Wilder, Ford, Hawks, Kurosawa, Bunuel, Bergman, nenhum deles tem a quantidade de obras-primas como Hitch e nenhum chega perto da facilidade que ele aparenta ter ao filmar. E o principal, nenhum se comunica tão instantaneamente com todo tipo de público. INTRIGA INTERNACIONAL é obrigatório.