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UNAMUNO, FORASTIERI E LIMOGES

   "Ninguém me convenceu racionalmente da existência de Deus, mas tampouco de sua inexistência. Os argumentos dos ateus me parecem de uma superficialidade e futilidade ainda maiores que de seus contraditores. A vida é dúvida e a fé sem a dúvida não é nada senão a morte."
   Miguel de Unamuno disse isso. O mais central dos intelectuais espanhóis do século XX ( 1864-1936 ), dono de imensa produção, reitor da universidade de Salamanca, perdeu o posto por obra do franquismo. Uma peça baseada em obra desse titã está em cartaz. São Manuel Bueno, Mártir, esse o nome do espetáculo que mistura bonecos, efeitos e magia. Para Unamuno a fé só tem valor se for constantemente posta em dúvida. Acomodar-se na fé, tê-la como indiscutível nada tem de válido. Torna-se um tipo de vicio, nunca virtude. O homem de fé vive em dúvida, sua sina é a insegurança. Essa a vida que vale a pena, a vida que é viva. O ateísmo seria uma licença para a superficialidade, um modo de levar a vida em infantilismo inconsequente. Não a liberdade, pois nada há de livre em ser dirigido pela biologia, mas sim um tipo de playground das ideias onde vale tudo pois tudo é uma brincadeira. Quando Unamuno diz que o ateísmo é futil ele fala que o ateu se ocupa daquilo que seria futil perante um valor maior: o dinheiro, a moda, a diversão, as explicações de ocasião. Negam-se as grandes questões: o que é a vida? Porque o nada criou o ser? Como se dá o infinito? O que é o movimento? 
   Mais um belo pensamento de André Forastieri no Face. Ele recorda o momento 1988/1993, toda uma geração que aprendeu a aceitar coisas que antes eram opostas. Gente que misturava Star Trek com Rimbaud, Husker Du e Poe, quadrinhos com Melville. André lamenta que hoje o compartilhamento esteja vencendo again. Desse modo, fãs de séries de TV só se ligam nesse mundo, assim como roqueiros só ouvem rock e caras que adoram quadrinhos não leiam mais Jack London ou  
Heminguay. É um fato. A diversidade durou muito pouco e foi um período maravilhoso. O povo misturava jazz com rap e cinema mudo com Ridley Scott. Isso acabou. Hoje é cada um em seu quadrado.
   Atenção: Mesmo com toda essa diversidade tem duas coisas que até a geração de André não aceitou: MPB e filmes musicais. Esses os párias da coisa. Um dia escreverei porque. 
   Mostra de Bowie no melhor museu de Londres bate recorde. David está e esteve sempre tão acima do nível intelectual dos rockers que isso não me surpreende. Seus fãs vão a museus. Os fãs dos outros vão a cafés ou baladas.
   Visita a casa de uma prima minha. Não ia a séculos. Frequentei muito quando era criança. Porcelanas de Limoges, bronzes ingleses, relógios do século XIX, móveis dos anos 20, prataria leve de Firenze. Muranos e Art Déco. Foram alguns de meus brinquedos aos 8 anos de idade. Vixe! Sou o conflito entre essa casa de luxo e calma ( quando cheguei ela ouvia ópera ) e my little rocknroll. 
   Hèllas!

SCHOPENHAUER COM JAZZ. BOWIE E O PAPA. UMA DESISTÊNCIA.

   Tem um programa numa tv que nem sei chamado Guitar Sessions. Umas bandas tocam e conversam com um apresentador bacana. Ontem foi o Blondie. Quem viu teve aula sobre o rock novaiorquino. Uma pergunta: Se voce fosse um teen hoje, montaria uma banda de rock? Chris Stein vai no osso: Nunca. Eu amava aquela coisa marginal e rock hoje não é marginal. Não há perigo ou mistério em se montar uma banda. Então o super batera e hiper cool Clem Burke vai no nervo: Rock hoje é como o jazz em 1970. Música saudosista de fãs fiéis. Irrelevante quanto ao futuro. Eles citam bandas legais: Muse, Arcade Fire, mas sabem que elas são um nada diante da coisa da música. O rock virou apenas um negócio inofensivo, como o jazz. Quem desejar flertar com o perigo, com o futuro, com o risco, que procure outra forma de expressão.
   Schopenhauer disse que num mundo sem Deus uma pedra ou um bebê têm a mesma importância. Ambos existem e são reais. Porque o bebê seria mais importante? Por ter consciência? E porquê a consciência é mais importante que a não-consciência? Em mundo sem o sagrado, um cão é tão amado quanto um pai. Matar deixa de ser tabú. A vida vale uma pedra.
   A moral humana? Não me faça rir! A moral humana sem Deus é utilitarismo puro. Uma pedra pode ser util.
   Um texto soberbo de André Forastieri sobre Bowie. Entre 1970 e 1983 tudo o que ele fez é relevante. E pode ser escutado agora e sempre não como saudosismo, mas sim como informação nova. São 12 discos! Diz André que ninguém chegou perto disso. E agora Bowie, sempre digno, dá seu recado: Numa época em que todos falam e ninguém diz nada, ele se cala.
    Penso. Os Stones tiveram apenas 7 anos grandes. Os Beatles 6. O Roxy Music só quatro. Dylan seis anos. O Velvet dois míseros anos. Beach Boys quatro. O Clash? Três anos. Por quanto tempo foi grande o Oasis, Pulp, Jam, Radiohead, Morrissey, Marvin Gaye, James Brown? Strokes ou White Stripes? Elton John foi um deus por cinco anos. Por quanto tempo o Blur não se repetiu? Por quanto tempo eles conseguiram produzir coisas novas? Não viver do passado recente? Por treze anos, todo ano, Bowie foi novo. Não se repetia. Surpreendia. Podia ter ficado toda a vida refazendo Ziggy. Ou Lodger. Young Americans. Mas não. Mudava sempre e sempre e sempre. Em 1999 ele disse que o rock era música de saudosistas. Que ele ainda fazia música apenas como homenagem a seus fãs ( jazz, não é? ), e que os teens felizmente estavam ligados em techno e não em rock. Por quanto tempo o U2 foi grande?
   Elton John, gênio da melodia. Seu show é Mel Tormé, é Tony Bennet, é jazz-pop. Meu ídolo aos 12, 13 anos de idade. O cara fazia hit sobre hit. De 1970 até 1976 ele tem mais de 15 músicas que todo mundo conhece. Usina. Rocket Man é uma obra-prima. Entre outras.
   O Papa se foi. Cansou da sujeira da Igreja. Assim como Deus foi um dia. Ou voce duvida? Deus renunciou por volta de 1300. Depois é nós por nós mesmos. O que temos são pegadas, lembranças de uma divindade ausente.
   O que vai ser da geração que terá 50 anos em 2050?

calligaris, mundo hoje e UMA BANDA DE ROCK

   Palestra na USP. Não falarei o nome, mas o cara sabe falar, o que já é um alivio. Voz alta e clara, raciocinio direto. Em dada hora ele fala de Cotardo Calligaris. Cita-o como exemplo da decadência do leitor de hoje. Se antes o jornal exibia Sabino, Lispector e Nelson, hoje seus cronistas são simples conselheiros sentimentais. Pastores leigos que dirigem as dores de leitores infantis. " Veja o que vejo, leia o que leio, pense como penso." Tudo com o brilhareco classe-média de frases como: "Estava eu em Nova Iorque", "Quando estive em Berlim"....
   Muito pior que seus pensamentos, à Revista Nova ou Programa da Hebe, é a paupérrima forma de escrever. As frases surgem aos trancos, quebradas, sem brilho, nada originais. Pensamentos rasos em frases áridas, é o pior dos mundos. O menos ruim seria Jabor ( em conteúdo ) e Marcelo Coelho ( em estilo ).
   Ele então nos dá para ler o que seriam os Caligaris de antes. Nada de conselhos sentimentais, nada de jeca exibição de "estilo de vida". Antes uma valorização da vida simples. Se fala de um café da manhã como se esse frugal café fosse a justificativa da vida intima. Se recorda um dia como se esse dia, banal, tivesse o significado de uma epopéia. O Homem comum, o leitor, visto não como um tipo de criança que precisa de orientação, mas como um adulto que tem uma vida e uma rotina que devem ser respeitadas e observadas. Nada há de util nessas crônicas. Aparentemente. São mais que uteis.
   Jamais voltarão. Cada vez mais queremos guias e não a valorização do que somos.
   André Forastieri publicou ontem um texto, lindo, sobre o show de Robert Plant. O que ele diz? Que o Led faz com que TODAS as bandas atuais pareçam coisa de meninos. Pequenas, modestas, timidas. O Led era um esbanjamento de energia, de força e de vida. Puro Nietzsche. Outra banda assim? Nunca mais.
   Estamos ficando tão diminutos que logo nos sentiremos diminuídos perante uma pulga. Época de menininhos feridos e de menininhas sozinhas. Bluffff....
  

ANDRÉ FORASTIERI E O ROXY MUSIC

Jamais eu esperaria que Forastieri tecesse odes aos Roxy. Mas sim!
Lí ontem isso. Ele escreve sobre uma coleção de rock, encartes de jornal com cds, que ele foi incumbido de escrever, e que deu em nada. A foto que ele usa para ilustrar esse texto é do Roxy. Ferry, Eno, Manzanera, MacKay e Thompson em 1973. E André diz: "Uma história do rock sem o Roxy Music é inimaginável. Por isso os coloquei no começo deste post."
André Forastieri no começo dos anos 90 era o cara dos escritos sobre rock. Texto de fã, cultura de jornalista sério. Mas nunca pensei que ele gostasse do Roxy. O que me leva a dizer que existem certas coisas que têm que acontecer. E que qualquer pessoa que realmente ame música pop ou rock vai um dia topar com os caras de lamê e botas espaciais, os Roxy.
Porque tudo que é feito agora é filho pobre do Roxy. Tudo. De Lady Gaga à bandinha mais obscura da Islandia. O rock será pensado em termos de visual/ironia e glamour decadente. E se falará de amor/festa/beleza. E do romantismo caleidoscópico de uma época que tudo oferece e nada doa. Se repetirá aquilo que o RM já dizia e experimentava, tanto tempo atrás....
Mas, o que é o tempo para uma banda que é maior que o contar de dias e noites?
Ferry é o protótipo de todo cantor que se entrega aos fãs com frio sofrimento e alegre distanciamento. E o som da banda é a mistura de soul/rock e eletrônica que é o que existe agora e desde 1979.
Filhos do Roxy Music, eu vos desprezo a todos.
Roxy Music, eu vos amo.

chet baker, aldous huxley e jornalismo cultural

Aproveito esses dias de folga e chuva para reorganizar minha coleção de recortes antigos de jornal. Sim, sou desses idiotas que recortam jornal. No meu caso recortava. Não há o que recortar hoje.
Viajando pelos recortes, alguns do JORNAL DA TARDE, outros do ESTADÃO, muitos da FOLHA; leio críticas de cinema da década de 70 ( TAXI DRIVER, ANNIE HALL, APOCALYPSE NOW, CASANOVA, DERSU UZALA ). Um tipo de crítica diferente. Não se falava em bilheteria. Se via muito o viés politico e social do cinema. Se cobrava muito do diretor.
Viajo aos guias de salas e me surpreendo. Muitas salas na avenida Santo Amaro, nas ruas de Santana, nas ruas de Pinheiros e até a avenida Francisco Morato tinha sua sala. Existiam dois cinemas para se ver cinema no carro ( auto-cine ) e salas imensas na São João, na Ipiranga, na Domingos de Morais.
Críticas de discos de meu critico favorito, Ezequiel Neves. Ele nunca era imparcial. Quando gostava de um grupo, tudo era "descaralhante". Quando era ruim, ele xingava e acabava com a raça da banda. Foi ele quem me instruiu sobre Roxy, Lou, Talking Heads, Blondie e Miles Davis.
Uma série do JT com a história do jazz. Isso mesmo, eles publicaram em várias edições toda a história do jazz. Foi lá que aprendi o que sei. Depois veio a história da ópera e da música sinfônica.
Os dez filmes favoritos de Inácio Araújo : Rio Bravo do Hawks é o primeiro. Depois vem A Palavra do Dreyer, Viagem à Tokyo de Ozu, Dr.Mabuse de Lang, O Beijo Amargo de Aldrich, Alphaville de Godard, A Marca da Maldade do Welles, Vertigo de Hitchcock, Pickpocket do Bresson e Tabu do Murnau. Os dez do Ruy Castro : Cantando na Chuva, Kane, Casablanca, A Montanha dos sete Abutres, A Malvada, Dr.Fantástico, Laura, Vertigo, Luzes da Cidade e O Homem que Matou o Facínora.
Os dez discos do Alvaro Pereira Jr. London Calling do Clash é o primeiro. E daí vem Mission of Burma, Sex Pistols, Velvet Underground, Joy Division, o Satanic dos Stones, Ramones, Beatles Revolver, Pretenders e Stooges. Os dez do Zeca Camargo : Prince Parade é o primeiro. E vem U2, Talking Heads, Velvet Underground, Sex Pistols, Malcolm McLaren, New Order, Jesus and Mary Chain, Bowie Low, e De La Soul. São listas de 1999.
Matéria de Antonio Callado sobre Aldous Huxley no Brasil. Fico sabendo que foi o avô de Huxley quem inventou a palavra Agnóstico. Que Huxley veio ao Brasil em 1960. Que encontrou Claudio Villas-Boas no Xingu ( não avisaram Claudio quem ele era. Mas Claudio assim que o viu disse : - Voce não é Aldous Huxley ? Adoro Contraponto ! ). Huxley era um sábio. O último talvez. Sabia muito sobre muitas coisas. Dizia que nós atingimos o nirvana se na hora da morte a aceitarmos com alegria. Tomava LSD, que era legal, para encontrar Deus. Tomou dois na hora de morrer. Ele pensava que o mundo se tornava o inferno descrito nos textos indús. Onde o desejo cresce sem cessar e jamais poderá ser satisfeito. Contraponto foi moda nos anos 30. Huxley se apaixonou pelas borboletas do Xingu. Huxley foi um intelectual que dizia : Não ouço ou leio algo por ser relevante. Leio e escuto só o que me dá prazer. E, por felicidade, Beethoven e Shakespeare me dão muito prazer.
Viajando pelos recortes encontro pilhas de textos sobre Yeats. A Folha em 1988 publicou cinco páginas sobre meu ídolo maior. Textos de Haroldo de Campos, Paulo Vizioli, João Moura Jr. Sua vida : ministro do estado livre da Irlanda, poeta, místico espiritualista, dandy simbolista, apaixonado por Maud Gonne, recusado e apaixonado pela filha de Maud Gonne. Autor de teatro. Estudante de pintura. Um homem que viveu a luta entre " seu eu e seu anti-eu. O ser e sua máscara."
Textos escritos nos dias das mortes de Laurence Olivier, John Gielgud, John Huston, Miles Davis, Peter Sellers, Rex Harrison ( escrito por Paulo Francis ), Audrey Hepburn, David Niven, Bob Fosse, Chet Baker.
André Forastieri escrevendo sobre o Led Zeppelin em 1989. Dizendo que a década de 90 será do Led ( acertou. Foi a década de Pearl Jam, shows em estádios, baterias pesadas, cabelos longos, Red Hot, Stone Roses lançando um segundo disco muito Led, Foo Fighters, Soudgarden, Stone Temple Pilots ). Uma frase genial de André : " Nos anos 80 o Led foi odiado porque a década de 80 foi a década de mentirinha. A década das falsas aparências, do cinzento. O Led é preto no branco, é rude, é verdadeiro. A década de 80 é Smiths, grupo frouxo para uma geração frouxa."
E mais André, em texto estupendo, longo ( página inteira com letra miúda ) sobre DIAMOND DOGS do Bowie. Descrição de faixa por faixa, de músico por músico, dos shows, da capa, de tudo. Informação completa. E ele faz justiça : é o melhor de David.
Páginas sobre Chagall, sobre Doisneau, sobre Matisse.
Entregas do Oscar. A de 78, a de 83. Tantas mais... páginas longas, pouca foto, muito texto. James Stewart, Olivier, Kurosawa, Fellini, Cary Grant, até John Wayne e Fred Astaire, vivos. A graça de ver o Oscar era ver esses caras vivos. Quem quer ver Tom e Julia na platéia ?
A derrota do Brasil na Espanha em 82. Eu guardei. A Manchete do título da Itália : Bravi Ragazzi ! e antes, no dia da derrota, a foto linda do menino chorando.
Miles Davis tocando aqui. Dizzy, Grapelli, Ella, Brubeck, e Sinatra no Maracanã. O primeiro show dos Stones : 10 páginas na Folha. Paul in Rio, um caderno inteiro.
Luis Antonio Giron analisando toda a obra do Roxy Music. Maravilhosamente bem informado. E Alex Antunes falando de Ferry.
Paulo Francis escrevendo sobre teatro inglês, sobre a Broadway, sobre politica. Eu recortei e guardei.

Mas não adianta eu ficar aqui, descrevendo meus recortes. Como voces vão poder lê-los ?
Termino com uma pequena jóia. Um texto da Folha, de 88, escrito no dia da morte de Chet Baker. Matinas Suzuki escreveu. Um estilo que desapareceu de nossos jornais. Perto disto, o que se escreve hoje é texto de telegrama. Reproduzo apenas alguns trechos :
" Me custa muito conviver com a idéia de que estás morto. Havia sinais no ar, mas eu me recusava a aceitá-los....Não sei bem porque, mas na volta de Roma comprei, na estação de trem, o jornal La Republica. É morto il jazzista Chet Baker. E foi como se o trem saísse dos trilhos e penetrasse no transparente mar verde que via por minha janela esquerda....Na verdade havia perdido minha razão pela viagem. Porque uma das coisas que me moviam a suportar a rotina de malas, trens e hotéis, era o fato de poder passar horas, dias, perseguindo lojas de discos de todo o mundo, nas quais ia direto a seção jazz e a letra b.... lá voce estaria cantando só para mim. E isso era tudo...... e ao fim de tudo, só consigo pensar em voce cantando alone together. Voce morreu numa sexta 13. Espero que alguém cuide de mim."
Pioraram as pautas, os jornalistas, o espaço encurtou, o que aconteceu ? Não importa o que houve. O que desejo é que alguém cuide de nós.