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SÍLVIA - GÉRARD DE NERVAL

Nascido no começo do século XIX e morto em 1848, Nerval simboliza como poucos o romantismo francês. E assim, ele viveu e morreu como romântico autêntico, louco e suicida. Sim, pois não há como ser romântico autêntico no mundo prático e real. Puro idealista, o romântico nega a realidade todo o tempo e vê seu Ego em tudo ao seu redor. Movimento que eu particularmente abomino, fui um romântico aos 15 anos, sei do que falo, meu romantismo era completo e exarcebado, esses partidários do Eu criaram tudo de mais abominável que existiu no século XX: o socialismo, o comunismo, o nazismo, o fascismo, o culto a celebridade, a contra cultura, todos movimentos baseados no idealismo, no compromisso com uma ideia mesmo que ela negue toda a prática. É no romantismo, graças a Rousseau, que a criança e o selvagem passa a ser vistos como seres sagrados, uma idiotice que pegou nas massas porque faz de qualquer idiota irracional um Ser Puro. ---------------- Era preciso estudo, trabalho e força para ser um Ser Superior no mundo clássico. Com o romantismo basta ser infantil ou selvagem. Weeeeellll.... voltando a Nerval, este livrinho simples, mal escrito, pobre, e por isso "puro", fala de um jovem que ama duas mulheres, uma atriz e uma moça do povo. No fim, claro, ele fica sem nenhuma e sentimos que ele amava apenas ele mesmo. Como bom romântico, nada existe no livro a não ser o narrador, personagens, paisagens, tudo existe como acessório ao grande narrador, o Ser Superior que sente mais que eu ou voce. Uma bobagem típica de adolescentes mas que em 1830, na França, passava por heroísmo. O narrador é bem bobinho, nada faz de excepcional, nada diz que pareça inteligente, mas sente, deus como ele sente! ---------------- Devo dizer que o romantismo alemão era bem menos tolo pois era místico, mais medieval e na Inglaterra ele tinha enredos melhores, pois era feito para as massas. Na França ele se tornou ARTE com A imensamente grande, esnobe, orgulhoso, sem qualquer compromisso com a realidade. Se imaginarmos que Balzac era contemporaneo de Nerval tomamos um susto. Balzac já antecipa o realismo com suas cifras, contas, lucros e perdas, jornais e fábricas. Nerval é 100% sentimentos, matas e luares. Um narcisista radical.

A MENINA DOS OLHOS DE OURO- BALZAC

   Ufa!!!! É apenas uma novela, uma narrativa curta, com poucos personagens, mas puxa! Como escreve bem esse francês!!! O enredo poderia ser de Oscar Wilde. Um super dandy parisiense, belo, cruel, rico, irresistível e jovem, vê uma moça lindíssima num boulevar em Paris. Ela acaba por se aproximar, e dentro de um palácio gótico, eles fazem amor. Mas há um segredo...e esse segredo leva à morte. O dandy é puro Wilde. Amoral e egocêntrico. Cínico. Ele vive para o prazer. Balzac descreve a Paris pobre no começo da novela, a cidade dos excluídos. Depois fala da cidade dos pequenos burocratas, dos comerciantes e vai subindo nessa escala financeira até chegar no grande capital, no dandy. A narração se concentra então nesse mundo hedonista. O clima se torna gótico, quase de pesadelo e logo estamos absortos. Balzac consegue em poucas páginas nos lembrar Zola, Dickens e o citado Wilde. É acima de tudo Balzac, recheando o texto de toques sutis, de afirmações ácidas, de descrições exatas.
   Ele disputa com Dickens a primazia de ser o primeiro grande autor profissional do ocidente. Seja ele ou não, ele é um dos quatro grandes modelos do escritor potente, dono de talento multiforme, ilimitado, vasto, criador de tipos, de enredos e de moral.
   Impossível não ler Balzac.
   PS: Os outros três fundadores são Dickens, Stendhal e Jane Austen. Eles criam e esgotam um modelo imortal.

FERRAGUS- HONORÉ DE BALZAC

   Existem alguns autores, poucos, que são uma literatura completa. Desse modo, ler Tolstoi é como ler todo um capítulo, longo, da história do romance mundial. Se voce ler as quatro principais obras de Tolstoi e mais nada em toda a vida, voce poderá reinvidicar conhecimento em romance e em literatura mundial. Conhecer Tolstoi equivale a ler centenas de bons escritores. É assim com muitos poucos. Romancistas tão grandes, livros tão infinitos que os conhecer aumenta nossa alma, estica a nossa inteligência, dá sabedoria a nossa leitura. Depois deles voce lê melhor.
   Balzac é assim. Ler Balzac é ler toda uma literatura. Mais que isso, ele é inexplicável. Como podemos explicar um homem que escreveu sempre para tão apenas ganhar dinheiro, pagar suas contas, e que mesmo assim fez arte absoluta? Como desvendar um autor que escreveu como máquina, dezoito horas por dia durante dez anos, mais de 80 livros publicados, e que mesmo com essa produção industrial conseguiu ser único? Veja o caso de Ferragus...
   Publicado em capítulos, no jornal, virou febre em França, um tipo de novela das oito em papel. Balzac escrevia com essa intanção, a de vender, e conseguia sucesso. A história fala de ciúmes, de medo, de vingança e sempre de amor. Uma sociedade secreta, gente rica e gente pobre. Ladrões e nobres. E Paris. A cidade é o grande personagem. E como escreve Balzac!!!! Vielas e boulevares, casas sórdidas, palacetes, a lamacenta, fétida, imunda cidade. Putas, bêbados, loucos, devassos, jogadores. Becos para se perder, a cidade que Balzac odeia, e ama, e não se cansa de descrever. Gênios vivem lá e diabos.
   Balzac é diabólico! Me vejo doido para voltar pra casa e ler. Seus personagens nos capturam! Queremos ler sobre eles, conhecê-los cada vez mais. Flanar com eles. As páginas correm. Cores diante de nosso olham. Balzac pinta, faz música, narra e descreve. Seu estilo é a mescla de romance e realismo, de verdade e fantasia. Ele serve o prato completo. Domina sua arte, sabe tudo, sua escrita não tem limites.
   Que escritores passam essa impressão? O dom soberbo de tudo poder escrever, de poder criar milhares de personagens, todos individualizados, todos de verdade. O poder de dar cenário a cada página, de nos fazer ver, escutar e principalmente, querer prosseguir querendo mais e mais. Sensual Balzac, nos pega pelos sentidos.
   Eu admiro Henry James e amo Cervantes, mas Balzac me dá prazer, puro prazer, absoluto prazer. Eis um autor que pode te curar de uma ressaca de más leituras, de páginas mal escolhidas, de indicações da moda.
   Como ocorre com todo grande autor, Balzac é uma prova: Não gostar dele é revelar ao mundo e a si-mesmo a ignorância de um mal leitor.
   Devoro o gênio francês.

CHÁ DAS CINCO COM ARISTÓTELES- OSCAR WILDE

   Logo após voltar de seu tour de sucesso pelos EUA ( ele havia feito conferências por todo o país com lotações esgotadas ), Oscar Wilde volta a sua vida londrina habitual, ou seja, publica seus artigos em jornais e revistas. A grande fase de A IMPORTÂNCIA DE SER HONESTO e de DORIAN GRAY viria na década seguinte. Assim como sua prisão.
   Estamos portanto na Londres de 1885/1890 e o que agita a cidade é o embate entre clássicos e românticos, realistas e simbolistas, objetividade e poesia. O que há neste pequeno livrinho são os artigos que Wilde publicou em jornais. Críticas sobre livros e peças, dissertações sobre culinária e poesia. Sabiamente ele percebe que o cerne de seu tempo é a oposição realismo/ simbolismo, um confronto entre a alma que cria e a alma que apenas registra o que vê. Ele toma partido, e acho que não preciso dizer qual.
   Bela época em que os autores "atuais" se chamavam Tolstoi, Dostoievski e Turgueniev. Ele resenha o novo livro de Dostoievski, assim como Balzac ( uma nova tradução ), Walter Pater, e descobre um novo e promissor poeta, William Butler Yeats. Além dos citados, esse é tempo de Tchekov, Henry James, Thomas Hardy, Mark Twain, Mallarmé e Zola. Dentre muitos e muitos outros.
   Wilde evita tocar no que é muito ruim. Embora ele critique certas traduções desastrosas, no geral ele não é agressivo. Se esmera na leveza, em fazer da leitura um prazer. Oscar Wilde insiste em que toda arte deve ser prazerosa e bela. Esse é seu norte. Quem pensa que a crítica ferina é coisa de Wilde errou de irlandês, George Bernard Shaw era a fera que foi o molde Paulo Francis e que tais.
   O primeiro texto é uma emocionada homenagem ao maior dos poetas, John Keats. O autor visita seu tumulo em Roma e se encanta com a beleza do lugar. O belo escrito a seguir discorre sobre a culinária e fala da ruindade da cozinha inglesa. É divertido e acerta o alvo.
   Numa critica a peça de Shakespeare em cartaz, Wilde se detém nos excessos da cenografia, na facilitação de efeitos ribombantes. Há em sua critica um desejo pela volta a simplicidade. No começo do livro o tradutor colocou uma frase de Borges em que ele diz que Oscar Wilde não envelhece. O que ele escreveu podia ter sido escrito hoje de manhã. O que ele pede ao teatro shakespeariano é pedido válido agora: menos efeito e mais texto.
   Vem então um comentário sobre um livro que fala de casamentos e mais uma critica sobre Keats.
   Um dos melhores textos é o próximo, sobre Balzac. Wilde fala sobre a maravilhosa força do francês, o modo como ele nos ilude ao criar vida que em nada se parece com a vida, mas que "é mais real que a própria vida". Penso em Iris Murdoch, que criou toda a sua filosofia baseada nessa linha, ou seja, de que a arte é a vida real e não o dia a dia. Numa frase soberba, Oscar fala que é "muito melhor ficar em casa na companhia dos personagens de Balzac que sair para encontrar gente tão sem vida". É um texto divino do grande Oscar.
   As críticas que seguem são sobre a mania de se lançar biografias de escritores. A reclamação de Wilde é pertinente ainda hoje. Que importa quantas vezes Rossetti comia por dia? O que interessa ao leitor a quantidade de cães que um poeta tinha ou no tipo de guarda-chuva que ele usava? Wilde fala que o que importa é a obra, a vida verdadeira do artista reside naquilo que ele criou e o fato do cotidiano só importa ao ter ligação com a gênese da obra. Quem pode discordar disso?
   Essas biografias, tolas, falam de Keats, Ben Jonson e Dante Gabriel Rossetti. A de Keats é destruída de uma forma elegante por Wilde. Vale muito a pena ler.
   Mas um dos melhores textos fala de um livro que se propõe a nos ensinar a conversar. Wilde aproveita para escrever sobre a conversação, sobre o que seja uma boa e uma má conversa. A arte que há em se saber trocar ideias.
   Vêem então belos artigos sobre modelos ingleses ( modelos que posam sem entender nada de arte ), o novo presidente da academia de pintura ( um tolo ), e ao final dois maravilhosos e emocionantes artigos sobre Yeats, jovem poeta que muito prometia. Escreverei sobre eles em outra postagem.
   Lendo este livro nos sentimos muito próximos de Wilde. E o que sentimos é afeto por essa grande alma.
   PS: a "filosofia" de Wilde é; Existe mais verdade na visão de um artista que na objetiva e simples observação da natureza.