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A CANÇÃO, A BOA E VELHA CANÇÃO....BOB SEGER- STRANGER IN TOWN

A boa e velha canção, música que é como uma amigo que fala com a gente e nos escuta também. Som que ocupa um espaço, uma lembrança que é sempre renovada, permanece e dura, parte de nossa identidade. A canção, a sua canção, a minha canção, é nós mesmos, como nossa cama, nossa escola, nosso túmulo. Flores na campa, beijo da namorada, sorriso do pai, nuvem que passa, fruto que cai. A canção é uma das mais fortes criações do homem. ------------------ Canção sempre houve. A folclórica, a religiosa, o blues, o fado, a obra de Schubert, o soul, o samba canção, Cole Porter. Cada tempo tem e teve sua canção, radiografia da alma comum daquele período. E há um tipo de canção, a CANÇÃO vida do rock, pós-rock, pós-blues, que dominou o coração da minha geração. A grande canção das grandes vozes POP dos anos 70-80. Uma fórmula sim: introdução, desenvolvimento, refrão, solo, refrão, final. Três a quatro minutos. Uma tonelada de grandes canções feitas entre 1970-1982. Dizem que começou com um disco de Van Morrison, em 1970. Dizem que acabou com a onda dos teclados exagerados, nos anos 80. Mas canção sempre há, mesmo que hoje seja sertaneja, seja a cinco vozes em ritmo matemático numa produção americana. --------------- Bob Seger foi um dos grandes nomes da canção. Nos anos 60 ele tentou a fama e não deu certo. Entao em 1975 se tornou uma estrela, já aos 30 anos, com um disco ao vivo. Stranger in Town, de 1978, é um album que vendeu muito nos EUA da época. E Seger mostra aqui seu domínio sobre a canção. A boa e velha canção. -------------- O estilo é rock. Muita gente o compara a Bruce Springsteen. Os dois estouraram quase ao mesmo tempo e ambos vinham de uma carreira sem sucesso. Além de serem os dois B.S. Mas Bruce é bem diferente. Bob Seger é menos folk, muito menos Dylan. Bruce é mais juvenil, mais empolgado e também mais sofrido. Bob Seger nunca é chato como Bruce é às vezes. Musicalmente Bob Seger é mais Detroit, cidade onde nasceu. Na voz de Seger, ótima, há uma matriz negra, ausente em Bruce. Rouco, rasgado, ele tem algo de sensual, de convidativo, que Bruce nem sonha em ter. Bruce faz hinos. Bob Seger faz propostas a dois. Bruce sempre parece cantar para um estádio. Bob Seger canta para voce. ----------------------- We've Got Tonight é uma das mais lindas cançõe de amor de uma década que fazia canções de amor aos milhões. Ele apela à amada. Convence. Sofre. Se ergue. É absolutemente belo. Mas há ainda Brave Strangers, talvez minha favorita, um rock ao estilo Van Morrison, meio soul, meio gospel, saltitante, estradeiro e solar. Há Hollywood Nights, que é como um desfile de ruas e de situações, um por do sol magnífico e uma noite de promessas. E Still The Same, uma dessas canções que tocam em rádios saudosistas e a gente nunca sabe de quem é. ------------------ Não é fãcil fazer uma grande canção. É preciso ter voz. Ter convicção. E uma banda perfeita. Neste disco há 9 grandes canções. Aproveite;

BORN TO RUN - BRUCE SPRINGSTEEN. GOTAS NA JANELA.

   Há um momento em que voce olha pela janela e vê gotas grudadas no vidro. Então a luz da lua ilumina essas gotas e um pássaro voa. E voce acha que alguma coisa foi perdida nesse momento. Como se uma taça tivesse caído e se quebrado. Os cacos podem ser colados, mas nunca mais o momento da queda será esquecido. Isso é Bruce Springsteen.
  Em 1975 os EUA estavam no escuro. Um presidente havia renunciado, a guerra estava perdida e não havia emprego. A costa leste via cidades sendo abandonadas ( Atlantic City ) e outras falidas ( Detroit, Philadelphia e New York ). Mas o americano é no fundo um religioso. E instintivamente sabe que é preciso morrer para poder viver. Rocky seria o filme do ano. Mas também havia Um Dia de Cão, Nashville, Taxi Driver e Jaws. Desespero, melancolia, loucura e medo. Críticos de rock diziam que 1975 era o pior ano da história. Falavam isso porque as bandas mais populares eram o Aerosmith e os Bay City Rollers. Ora seus bobos! 1975 foi o ano de Horses da Patti Smith, do Captain Fantastic do Elton John, do Siren Roxy Music e Young Americans do Bowie. 1975 foi ano de Born to Run. E é inescapável um dia escrever sobre esse disco.
  Em 1968 The Band salvava almas pela amizade. Um clube de amigos tocando no porão para convidar amigos a sair da névoa púrpura. Em 1975 Bruce cantava na rua. Gritava para tirar gente da depressão. Em 2018 ouço o disco pela segunda vez em minha vida. ( ouço Bruce desde 1984, muito, mas não este ). Em vinil, o lado A é um tipo de preparação para o que ocorre no lado B. Todo esse primeiro lado é uma fotografia da América. Bruce apresenta suas histórias como um tipo de Walt Whitman modernista. Sem ironia, Bruce crê em tudo que vê e em tudo que fala. Não há jogo nele. Quando digo modernista é pela época em que vive, seu estilo é romântico, se joga de alma. Thunder Roads é a confissão de alguém que espera a hora certa. Este é o terceiro disco dele. E acontece a hora: o lado B, um dos mais milagrosos do rock.
  O som de Bruce é uma mistura do sax das bandas negras dos anos 50, a batida de Phil Spector e o piano, tocado por Roy Bittain, um piano que é jazz, é erudito e é Broadway, tudo junto. O disco é um disco de piano, não de guitarras. O disco é um momento de plena e absoluta transcendência. Dessas faixas, quatro, saiu toda a carreira do U2 por exemplo. Mas também do Pearl Jam, Billy Joel, John Mellencamp, e mais toneladas de bandas, cantores e cantoras do mundo. A faixa Born To Run sozinha é um fonte de inspiração. Ela tem 4 fases e 4 andamentos distintos. Vai da balada estradeira até o dedilhado do piano que traz lembranças de noites brilhantes. Mas esta faixa tem o mesmo caráter de todo o disco: Bruce está morrendo e ao mesmo tempo começa a viver. Nisso ele é único, pois mesmo um disco sagrado, como por exemplo Astral Weeks, não apresenta o processo de renascimento inteiro, Van Morrison olha de fora, apresenta uma observação genial, enquanto Bruce é o que observa e ao mesmo tempo aquele que faz a via crucis.
  Sim, Bruce está imbuído da tradição protestante da América. Como diz Scruton, se você tirar a igreja da nação, a América desaba. Os shows de Bruce, shows sem fim, de entrega, são cerimônias religiosas, de fé, crença e de renovação. Há um momento em She's the One em que a mágica acontece plenamente. Uma espécie de suspiro, de suspense suave, como um passo insuspeito, em que todo o disco conflui para uma espécie de orgasmo sonoro espiritual. É um milagre. E quando a conclusão chega, na última faixa, longa, estamos dentro de Bruce. Como um flash sem tempo, Jungleland reverbera na nossa mente e alma.
  Born to Run é uma catedral musical. Bruce cria um estilo, hiper imitado depois, equivalente ao que Bach fez no barroco. Frase sobre frase num tipo de "fuga" bachiana. Acordes de piano em harmonias originais. Vocais rasgados como violoncelos graves. Refrões e riffs em função de uma ideia. 1975 foi um ano crucial. Os críticos nada entenderam. Como sempre o fazem.

THIS YEARS MODEL- ELVIS COSTELLO AND THE ATTRACTIONS

   O segundo disco do Elvis Costello saiu aqui no Brasil mas ninguém comprou. Em 1978 quem gostava de rock estava ocupado ouvindo Aerosmith e Kiss e tendo a certeza que o Rush era o futuro do rock. Well....de certo modo Aerosmith, Kiss e Rush foram o futuro do rock. BUT! Se a gente ouvir uma bandinha nova inglesa e ouvir Elvis Costello de 1978 em seguida vai perceber que o som é o mesmo. Talvez a única diferença é que a bandinha nova parece limpinha e os Attractions eram very dirty. Hoje o rock é feito por gente que nasceu mimada e cresceu entediada. Elvis cresceu na insegurança e nasceu com genes de raiva. Com a idade ele virou um tipo de Paul MacCartney azedo, mas nos seus primeiros anos ele era um principe. A idade nos rouba anger, raiva, indignação e acrescenta o medo e a preguiça. Fazer o que? Iggy ou Lou não são a regra.
  Em meio ao rock pretensioso e muito produzido dos anos 70, Elvis e sua turma criaram um tipo de rock meio retrô. Limaram os solos, as orquestras, os super shows, os meses de estúdio, e passaram a gravar rápido, cantar direto e tocar simples. Com urgência e com raiva. A fórmula em 2014 me irrita de tão manjada, mas é predominante no dito indie-rock. O interessante agora seria fazer discos com gigantismo. 
  Pump It Up é uma obra-prima, mas não é a única. As 12 faixas variam do bom ao genial e a banda é sempre perfeita. O teclado é tosco e ritmico, o baixo dá um show de swing e o batera, como disse Ezequiel Neves na época, era um maluquete. 
  Reouvi Elvis após uma entrevista de Bruce Springsteen, de 2013, em que ele conta que em 1978 escutava muito Elvis Costello. E que Darkness in The Edge of Town, o disco mais descaralhado de Bruce foi feito sob esse clima. Bem, em 1978 eu ouvia de novidade apenas Cars e Blondie. Ah, e Kraftwerk. Nada chegava aqui e o que chegava era atrasado. Não é desculpa, claro, nas importadoras havia Specials, Clash e até o Talking Heads.  A novidade parecia ser Queen.
  Ouvir este disco hoje nada te trará de novo. Parecerá apenas um bom disco de rock inglês tipico. O que voce deve ter em mente é que Elvis é o cara que ajudou a criar esse tipo de sonoridade. E entender que num meio saturado de Supertramp e de Pink Floyd, esse som era uma ofensa. 

APENAS UM SIMPLES SHOW DE ROCK ( FINALMENTE DE VERDADE )

   Estou longe de ser um fã de Bruce Springsteen. Sou formado na escola do cinismo frio de Ferry, Bowie, Jagger e Ray Davies, e mesmo quando vou para meu lado mais terra, mais raiz, prefiro o controle reservado de The Band ou de JJ Cale. Coisa de refinamento. Mas...
   Muitas vezes, por vermos poucos shows, não compreendemos o porque de tanto sucesso de um cara. Só o disco não explica ( assim como há aquele que só o disco explica, seus shows são fracos ). Bruce nasceu para o palco, isso eu sabia, mas não imaginava que ele ainda fosse tão bom.
   Catarse sempre foi o maior segredo do rock. Se os Stones são agora uma pálida memória de algo que morreu, Bruce se mantém vivo. Seu show parece original, sem ensaio, direto, cheio de suor e de verdade. Porque?
   Sua escola não é a de Dylan. Dylan é frio e distante, sempre foi. A escola de Bruce é negra, a dos menestréis negros do campo. Nisso ele está muito perto de Van Morrison. E de Bono. Bruce e Bono fazem a mesma coisa, um esforço absoluto para levar o show a catarse. Os dois me recordam pastores batistas. A multidão é conduzida ao êxtase. Eles se matam no palco. São sempre cem por cento esforçados. Trabalhadores. Fogem da aparência de artistas. São do povo.
   Bruce não desiste. Pula, corre e nunca perde a voz. Ri muito e parece se divertir. Mas quando a canção o exige, fica sério e fecha os olhos. Bruce ao contrário de tantos, ainda leva a sério sua própria obra. Jagger canta Street Fighting Man com um bocejo. Rod canta Sailing como obrigação. Bruce canta Born in the USA como sempre, no limite.
   Ele cantou Raul...E nunca Raul me pareceu tão bom. E encerrou só, ao violão. Foram duas horas e meia em que Bruce se atirou ao público, teve o microfone desligado, beijou, levou beijos e cantou todo o tempo.
   Várias músicas de Bruce não são do meu agrado. Mas ao vivo todas parecem boas. Ou mais que isso. Fiquei de olhos molhados com Born to Run. A única comparação é com o Queen, outra banda que era sempre tudo ou nada.
   Quem viu, viu. Quem não viu...

MÚSICA É SEMPRE UMA PRECE

Tá tudo nela. Certas músicas, todas as que valem a pena, são preces voltadas para o sol ou para o âmago de voce mesmo. Desde Buxtehude até Bruce Springsteen, música é confissão sem verbo, é esperança sem deus nenhum, é êxtase irrecuperável. Memória sem palavra. Porque o homem jogado no metrô, olhando seus pares lá jogados também, faz uma prece para o resto, para restos humanos, e toda canção que vale a pena é uma estrada percorrida por um poeta. Não se iluda, toda arte aspira a ser música. Quando ele solta a voz eu choro. E enquanto sua guitarra uiva eu me encontro em si. Hesíodo já nos dizia ( quantos séculos? Éramos nós? ) que as musas tudo iniciaram com dança e música. O mundo criado por sinfonia. Antes de tudo, portanto, melodia. Antes de abrirmos os olhos, som. E posso dizer então ( sem medo e vergonha ), em 1993 HUMAN TOUCH salvou minha vida. As lágrimas que derramei então foram para minha musa daquele inicio. Tudo que vale é musical. A morte é a ausência de música. Mortos não cantam, não dançam, não têm ritmo. As musas se esquecem dos mortos. Então leremos livros que são sinfonias e assistiremos filmes como canções. Shakespeare está perto de Beethoven e John Ford é como Bach. Bruce e The Band rima a Whitman. Yeats é Debussy??? Tudo que é vivo quer ser música. O inseto que voa e a fera que nasce. Fazemos amor em compasso de suores e harmonia de cheiros. As estradas levam a músicas que indicam rumos. E mortos não escutam as melodias ou marcam ritmo com o pé. Morrer deve ser muito chato.