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XAMÃS

Primeiro deve ficar claro que existem várias correntes de xamãs no mundo. Havia xamãs no Ártico. Nas ilhas do Pacífico. Em algumas tribos da Africa. Mas aqui falo do xamanismo indo-europeu. Como a genética afirma, o europeu surgiu de uma tribo oriental, o ramo indo-europeu. Essa tribo, que habitava as fronteiras entre Ìndia, Afeganistão, imigrou para oeste, no processo povoando Grécia, Itália, Alemanha etc. Claro que nesses locais já viviam outras tribos, tribos essas que foram assimiladas, ou simplesmente extintas. Estou falando de cerca de 15 mil anos atrás. Com o passar dos milênios, alguns povos se fixaram às margens do Mediterrâneo, outros foram para as montanhas. Povos do Norte da Africa, povos semíticos, povos vindos do Báltico também se uniram à esses povos. Os celtas são aqueles que rumaram às montanhas. Penetraram no coração do continente. Criaram uma cultura em fina sintonia com a floresta. O xamanismo, vindo da Mongólia, acompanhou esse movimento rumo ao oeste. Indo europeus trouxeram na bagagem toda a crença xamânica. Mas há algo de diferencia o culto a Dionísio grego do culto xamânico celta: a crença na reencarnação. Gregos e romanos, como também judeus, acreditavam no julgamento e na recompensa. Na vida única. Celtas, assim como os brâmanes hindus, acreditavam na reencarnação. --------------------------------------- Tudo tinha uma alma que um dia fora um homem. Ou seria homem um dia. Assim, havia todo um ritual e um modo cuidados ao se matar e comer um javali ou um peixe. Pois a alma do bicho era viva eternamente, e ela poderia se vingar de sua morte. Ou em bom caso, te ajudar. Do mato no chão ao pássaro no céu, tudo tinha sua alma individual. O carvalho, o azevinho, o visco e o cervo eram os mais nobres dentre os seres vivos. O rio e o lago eram as almas mais poderosas e terríveis. A barriga da mulher era um caldeirão onde almas se aninhavam para produzir vida. -------------------------- Veja só, eu ia falar em xamãs e já me perdi! O que ia dizer é como existe até hoje um desejo por êxtase xamânico, mas, barateado, fútil, bobo, sem objetivo. A pessoa que está mais "tomada" em uma rave, o cara mais ansioso por alcool numa festa, aqueles que não param de pular e berrar num show de rock, essas são almas à procura do êxtase. Herança que se debate em mundo que não sabe mais lidar com esse anseio. Mas pior é o solitário ingerindo LSD na esperança de ter algum tipo de viagem. No homem que ingere qualquer veneno pensando poder achar "a saída". Ver "a luz". Menos mal são os fieis que perdem a cabeça numa igreja durante uma canção gospel. Jimi Hendrix ou James Brown foram xamãs populares. O que eles faziam, sem saber, eram cerimônias de xamanismo. A força vital que os guiava em seu início perdeu seu poder por se tornar mecânica. Não há xamanismo com hora marcada. Todos que reclamam do fake do rock de hoje estão na verdade reclamando da morte do xamanismo. Shows do Who em 69 terminavam em fogo e destruição. O rock foi por muito breve momento um centro de transe e de êxtase. Sem controle e sem nada de mecânico, como deve ser. Mas isso morreu. ------------------------- Falo do rock, mas o mesmo se dá em vários outros campos, inclusive no esporte. Arquibancadas inundadas de bebidas e cantos se guerra eram rememorações dos tempos celtas. Hooligans eram guerreiros. O transe vinha em forma de explosão do gol ou briga geral. Lugares numerados acabaram com isso. ------------------------------------- Dizem que o carnaval foi um dia assim. Nunca o vi. Desfile de escola de samba é tão fake quanto dj derramando batidas regadas a extasy. Há um roteiro. E xamãs não conhecem roteiro. ------------------------------- Penso que um show de Charlie Parker em 1945 deve ter sido xamânico. Como foi um show dos Stooges em 1968 ou as primeiras raves em 1987. A batida repetitiva levando à inconsciência de sua presença que leva ao esquecimento de onde se está que traz a sensação de leveza absoluta, à liberação do corpo como coisa autônoma e que afinal induz ao desprendimento da alma. ------------------------------- Não há xamanismo sem música. As primeiras discotheques em 1974 e os cantores soul de 1965 levavam ao esquecimento de sua presença. Mas se havia algo de tipo xamânico não se sabe. -------------------- Voce pode perguntar se há algum recante xamânico hoje. Respondo que o próprio fato de eu aqui estar escrevendo sobre isso JÁ DEPÕE CONTRA SUA EXISTÊNCIA. Xamanismo só é válido quando secreto, quando anônimo, não escrito e não divulgado. Ocorre na escuridão ou no fundo da mata. Quando digo que pode ter ocorrido num show do Who é por ter sido aquele um breve momento em que muita gente estava ansiando pela mesma coisa. Mas, como falei, esse momento tende a se auto consumir rapidamente. Pois sabemos que o xamanismo celta perdeu sua força exatamente quando o estado resolveu promover a religião. No momento em que as legiões de Cesar passam a caçar os xamãs-druidas, a coisa já estava fraca a algum tempo.

OS DRUIDAS - WARD RUTHERFORD

O autor é inglês, nascido na ilha de Jersey, no canal, o que faz dele uma boa testemunha daquilo que restou do mundo celta e dos druidas. Neste livro de 1978, sério, nada new age, o que é almejado é a compreensão do que seria um druida. O que ele fazia, qual seu papel, por que eles deixaram de existir. Druidas foram extintos. Não existem mais. E jamais voltarão. ----------------------------------------------------- Celtas vieram, provavelmente, do centro sul da Russia. Eram vizinhos dos Citas e deles pegaram muitas ideias. A mais importante foi a certeza absoluta na transmigração de almas. Outras foram a decapitação dos inimigos e os sacrifícos humanos. Tudo o que sabemos dos celtas é majoritariamente de segunda mão. São relatos de romanos e gregos. Celtas tinham escrita, mas não gostavam de compartilhar segredos. Imigrando para oeste, eles logo se espalharam pela França, norte da Itália, Espanha e depois foram para as ilhas britânicas. Nunca construíram um reino. Eram divididos em aldeias que guerreavam entre sí todo o tempo. Eram mestres em metalurgia, medicina de ervas, astronomia e introduziram o cavalo na Europa. Usavam calças, pintavam a pele, amavam enfeites de ouro e prata e portavam imensos bigodes. Os romanos os temiam pelo fato de não terem medo algum de morrer. Celtas não só acreditavam em reencaranção como tinham a certeza absoluta de estarem cercados por almas e deuses. Sua vida era uma constante tentativa de se comunicar e aplacar esses espíritos. Um celta era joguete dos deuses, mas ao contrário dos gregos, celtas acreditavam poder reverter seu destino. Não eram trágicos. --------------------------------------------------------------------- O rei da tribo era escolhido em sonhos. O druida sonhava com um novo rei. Ele era eleito. Ao fim da vida, quando fraco e impotente, ele deveria ser morto e queimado. Era assim. No auge de sua cultura era uma honra ser morto em sacrifício para algum deus. Oa sacrificados morriam em afogamento. Eram pendurados de cabeça para baixo e afogados em um caldeirão de bronze com metro e meio de fundo. Alegremente. Inimigos eram degolados e seu sangue era usado como benção: molhavam o rosto com esse sangue. Dava sorte. Romanos e gregos os consideravam os seres mais supersticiosos do mundo. ----------------------- Ao contrário do mundo semítico e mesmo do greco-romano, entre celtas não havia recompensa. Um deus podia lhe ajudar ou lhe amaldiçoar por capricho. Ser bom ou mal tanto fazia. A única exigência para um celta, homem ou mulher, era ser corajoso. Ser potente. Ser fiel à tribo. ------------------------------ As falanges romanas dominaram todo território celta por volta de 50 AC. Druidas foram perseguidos e mortos. O objetivo romano era destruir toda lembrança da religião original celta. O que hoje sabemos dos druidas é quase apenas folclore, mito ou invenção moderna. ---------------------------------- O que restou de quase certeza: druidas se vestiam com folhas para falar com deuses das matas, com peles para falar com deuses animais. Por isso os chifres. Informação importante: nada na Bíblia fala de um satã com chifres. O Satã que se tornou popular é nada mais que um druida vestido com as roupas com que se podia falar com o deus animal, o deus touro ou bode. Histórias se repetem: ao ver os sacrifícios humanos, romanos passaram a considerar celtas tão selvagens como 1.500 anos mais tarde espanhois considerariam os astecas ou maias. Ward Rutherford acha que quando os romanos invadiram o mundo celta este já estava em decadência. A religião dos druidas já se tornara igreja do estado. Druidas haviam se tornado apenas sacerdotes. --------------------------------- Em seu auge eram eles mais poderosos que o rei da tribo. ------------------------------------------------------- O autor não explora muito a herança celta que muitos de nós carregamos nos genes. Nosso inconsciente está impregnado de imagens de sangue, fogo e êxtase celta. Mas mesmo assim, ele diz algo bastante interessante: pessoas que descendem de celtas costumam estar abertas a coisas como bruxaria, possessão, histórias de horror, viagens astrais, superstição. No fundo da mente dessas pessoas permanece a crença em fantasmas. --------------------------------- O livro desenvolve muito bem a história da cultura dos xamãs. Vindos do sul da Mongólia e levando sua filosofia aos brâmanes, aos assírios e por fim aos celtas. Druidas eram xamãs. Saíam de seu corpo em transes sem fim. Ouviam a voz das plantas e dos bichos. Conheciam remédios e hipnotizavam grupos de pessoas. O êxtase era o auge da religião. Xamãs conduziam soldados ao transe antes da batalha. Daí sua bravura assustadora. Havia cerimônias onde toda aldeia entrava em transe coletivo. Pensamento era verdade: tinha-se a certeza de que pensamentos podiam matar.----------------------------- Um exemplo da beleza da filosofia celta está na história do rei pescador. O rei cai em letargia e na cama se deixa morrer. Mas eis que surge Parsifal, cavaleiro, e Parsifal faz a pergunta: Onde está a Taça? O rei ouve e não sabe a resposta. Mas veja bem: A PERGUNTA FAZ RENASCER O INTERESSE PELA METAFÍSICA. O QUE É E ONDE ESTÁ A TAÇA? E com a volta do interesse pela magia, volta a vida ao rei pescador. Druidas eram perguntadores e caçadores de enigmas. Há autores que chegam a dizer que foram os druidas que levaram a filosofia aos gregos. ---------------------------------------- Amavam a água, pois viam em lagos e rios uma passagem para o outro mundo. Os pássaros eram mensagens dos deuses. Achavam o 3 um número mágico e sabiam lidar com números complexos e cálculos sofisticados. As casas tinham cabeças decepadas como enfeites na fachada e a noite era o período mais importante. Usavam sempre uma corda no pescoço como símbolo de sua ligação ao deus. Viam o sonho como algo mais importante que a vigília. E, importante, as mulheres tinham farta vida sexual e chegaram a liderar batalhas. ------------------------------- Não sei quem me lê, se é que alguém o faz. Não sei sua origem. Mas se voce tem antepassados russos do sul, austríacos, tchecos, suiços, franceses do norte, milaneses e venezianos, galegos, bascos, nortistas de Portugal e nativos das ilhas britãnicas, há sangue celta em voce. Algo em seus genes fala de sonhos e transmigrassão, de buracos sem fundo, bruxos na noite, mal olhado, bichos que viram gente, forcas e facas, cervejas pesadas e sal sobre o ombro. Voce é bravo, briguento, individualista e ama a desunião. Voce é desconfiado, emburrado, teimoso e inconsequente. Voce é um celta. ------------------------- Voce soube um dia que o caldeirão era uma vagina e entrar nele era passar para o outro lado. Voce soube um dia que o ato sexual era feito entre 3 seres: um animal, uma alma e um deus. --------------- Como informação final, o autor diz que no século XVII, quando a Europa queimava bruxas, nos locais com passado celta dificelmente eram queimadas. Enquanto na Espanha do centro e do sul e em Roma elas eram mortas, na Bretanha ou na Escócia os acusados eram presos e às vezes apenas pagavam multa. ----------------------------- Há muito mais para ler mas paro aqui.

AS PALAVRAS AO VENTO

Estou lendo um livro, raro, sobre os celtas. O autor tenta não ser mais um new age. Ele procura nos fazer conhecer a verdade sobre os druidas. Ainda no começo, pego uma frase que me toca. " OS CELTAS TINHAM UMA ESCRITA. MAS A USAVAM APENAS PARA MARCAR QUANTIDADES E VALORES DE COMÉRCIO. NÃO ESCREVIAM NADA SOBRE HISTÓRIA OU TEXTOS ARTÍSTICOS. ELES ACREDITAVAM QUE TODA NARRATIVA VINHA DOS DEUSES E QUE A ESCREVER SERIA UMA TRAIÇÃO". ---------------------------------------------------------------------- Ouça uma canção que voce ama. Qualquer uma. Eu vou escolher Walk on The Wild Side, do Lou Reed. Pode ser uma do Cazuza, Dylan ou Beatles. Caymmi ou Bowie. Ouça e depois leia a letra. 100% das vezes voce sentirá uma perda. Lida, impressa no papel, aquele Take a Walk in The Side parecerá sem feitiço. E o Hey Baby, que na canção é como um canivete, ao ser lido se torna apenas bobo. -------------------------------------------------- Celtas cantavam sagas e poemas. Sua história, aquela que as crianças aprendiam, era cantada. Não se esqueça: Homero era cantado. Nenhum grego a recitava sem que uma flauta e um tambor a acompanhassem. As peças, Ésquilo ou Eurípedes, eram todas cantadas. Nossa ópera é na verdade o que mais se aproxima do que seria o teatro grego. Mas, racionais, os gregos escreviam sua história e sua obra artística. Romanos idem. Mas os celtas, esse povo muito mais aberto à natureza e ao mundo dos mortos, não escrevia nada que tivesse valor. Intuitivamente eles já sabiam aquilo que todo poeta moderno sabe: A escrita mata o sentimento. ------------------------------------------------------- Por isso escrevemos quando estamos deprimidos ou desesperados. A escrita mata o veneno. Aplaca a dor. Seca o sentimento. No caso, um mal sentimento. Mas o grande pensamento, o grande ato heroico, a lembrança brilhante, tudo empalidece quando preso em letra e metro. ------------------------------- A luta de todo poeta sério: conseguir obter o milagre de eternizar o sentimento. Mas ao reler o escrito ele sente: Mais um fracasso cometido. Toda literatura é uma tentativa fracassada. Os grandes quase chegam lá. Mas esse quase é tão pouco. ---------------------------------- Então os celtas ensinavam sem escrever e criavam sem pensar em eternizar. A memória guardaria o sentimento. Ficaria aquilo que os deuses assim permitissem. Poderiam ter escrito: a saga de seus reis, as canções de seus poetas, as magias de seus druidas. Mas não. Para a escrita apenas o quase nada: Aqui Lywann obteve duas cabras. Esta cidade se chama Parii. MacDonnegal é filho de Donnegal de Limerick. Mais nada. --------------------------------------------------- Fato que sinto: escrevi um diário de 1980 até 2008. Depois não mais. A vida se tornou tão dura, a vida se fez tão real, que palavras não servem mais. É o que sinto. ------------------------------------- Mais depois.