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FIN DU SIÉCLE- OTTO MARIA CARPEAUX

   Decadentes. O mundo como lugar de decadência, anuncios do fim do homem como ser de cultura.
   Esteticismo. A beleza e a arte como um tipo de nova religião. A palavra como um simbolo, magia capaz de dar vitalidade àquilo que decai. Eis o Simbolismo.
   Estranho: O mundo vivia a última era de otimismo ( até agora foi a última ). Progresso e fim das guerras. Entre 1870 e 1914 a Europa viveu inéditos 44 anos de paz. Aviões, cinema, carros, prédios, filosofia positivista, pragmatismo, tudo apontava para a felicidade final. Burgueses podiam atingir o poder, livros eram editados às toneladas, dandys nas ruas. Mas os artistas se isolavam, levavam os ideais dos romanticos de 1790 ao limite. Porque?
    Sentiam-se excluídos dessa festa. Artistas eram considerados inuteis pelos burgueses, vagabundos, loucos. Ao contrário dos aristocratas que os compreendiam, o novo poder não os tolerava. A vulgaridade tomava as rédeas do mundo. Como reagir? Tornando a arte incompreensível para essa ralé espiritual. Ou denunciando a falta de gosto, de beleza nesse novo mundo. Ou usar essa burguesia tosca.
    Carpeaux nos situa nesse mundo. Momento, segundo ele, em que a literatura atinge seu apogeu. Nunca tantos autores interessantes escreveram ao mesmo tempo. Lia-se muita coisa boa, havia espaço para as coisas mais esquisitas. A nova classe dirigente logo foi seduzida pelos novos artistas. A busca da beleza se torna uma febre mundial ( menos nos EUA ). E estranhamente, nas entrelinhas, tudo anunciava o desastre que logo aconteceria. A destruição da "Europa Feliz" nas guerras de 14 e de 39. Impossível  compreendermos o que era essa outra Europa. Nascemos já com a terrível marca do medo, da desconfiança, da falta de fé no futuro e no poder. Não era assim. E estranhamente, os simbolistas fizeram isso todo o tempo: avisar sobre o iminente desastre.
    Claro que existiam excessões! Se Baudelaire é o primeiro simbolista, temos de dizer que ele amava a cidade grande e o progresso. Mas Rimbaud, Mallarmé e Verlaine não. Esses três, e Laforgue com eles, são os verdadeiros pais do simbolismo. Negam o mundo otimista de então, criam uma linguagem própria, procuram revivificar a vida, revitalizar o mundo. Está nascido o mundo do símbolo, poetas se jogam às mais perturbadoras experiências. Ansiam pelo estranho, pelo exótico, pelo inusitado, é um novo romantismo. Dessa vez, um romantismo não-satanico, eles trocam o culto ao anjo caído pelo culto a beleza decadente. São todos tristes, mas é uma tristeza orgulhosa, corajosa, dandy.
   Carpeaux fala de mais de 500 autores. Holandeses, noruegueses, romenos...Literaturas que mal conhecemos e que descobrimos com ele. E também as estrelas da época. Desses, Carpeaux critica Oscar Wilde. Diz que suas peças serão esquecidas. E também não morre de amores por Shaw. Os maiores elogios do livro vão para William Butler Yeats, Paul Valéry, Joseph Conrad e Marcel Proust. Mas há tanto mais! D'Annuzzio, Tchekov, Benavente, Forster, Rilke, Mann, Kipling, Wells, Henri Bergson, Nietzsche, Anatole France, Verne, Blok... e centenas de outros.
   Ele dá uma geral na história, na filosofia da época e deduz do porque das transformações. Disseca as diferenças entre as nações, a Espanha humilhada e se reerguendo, a Inglaterra que começa a perder seu dominio mas não sua pose, a Alemanha e suas ambições coloniais, a Itália pobre e atrasada... e a França, que volta a se sentir centro do mundo. Nos EUA a coisa é diferente. Eles não tiveram simbolismo, foram sempre realistas. A literatura que produzem nesse período é aquela "da fronteira", da aventura de se construir um país.
   Vou citar uma das histórias do livro, história que demonstra o espirito simbolista alemão, espirito que anuncia o nazismo e que ao mesmo tempo foi morto após a tomada de poder por Hitler. Stefan George, poeta central, tinha um namorado adolescente que morreu. Arrasado, George muda seu estilo e começa a escrever sobre seu namorado morto. Para o poeta ele se torna uma encarnação de um deus, um objeto de culto sagrado e exotérico. Pois bem, forma-se ao redor de George um círculo de seguidores. Todos passam a cultuar esse "deus", criam-se dogmas, regras rigidas e uma hierarquia. Quem não as seguir é banido do circulo. Para Carpeaux, esse é um fenômeno tipicamente alemão. Na Inglaterra, desconfiada, cinica, essa idolatria é impensável. Mas a Alemanha, seja por Wagner, por Goethe, por Marx, tem essa tradição de cultos, de sociedades fechadas em dogma, de mestre e seguidores fiéis. Após o desastre hitlerista esse aspecto do caráter alemão foi suspenso, mas desde sempre houve essa fé em lideres e em messias. Conto essa história para mostrar a linha mais interessante do livro, Carpeaux exibe a sociologia da literatura, a relaciona com o momento histórico e com o espirito da época. Não é mera exibição de autores e obras, é História.
   Quem me lê sabe que esse é meu tempo. Dandys nas ruas, decoração de Beardsley, a dubiedade da sexualidade, sentimentos estranhos, inusitados, a busca por algo mais, por revelações, por êxtases, pela verdade da vida. Eles experimentavam: religiões, linguas, drogas, sexo, isolamentos. As aventuras eram todas "para dentro", o espirito era dissecado, revirado, desafiado. Divino momento onde os mais terríveis e os mais sublimes escreveram.
   Fácil de ler, didático, profundo e direto. Deve ser lido e relido por todo leitor sério.

2010-1910- fin du siécle

   Estou lendo FIN DU SIÉCLE, o volume 8 da História da Literatura de Otto Maria Carpeaux. Dificil escolher, fico em dúvida na livraria se compro aquele sobre o barroco, o outro sobre o romantismo...escolho este ( já li a Idade Média ). Afinal, 1880/1914 é meu período favorito.
   Acabo de ler uma afirmação de Otto que preciso dividir com voces ( o que escrevo é um ato de amor, ou voces nunca perceberam isso? ), ele diz que os anos 1900-1914 são os mais ricos de toda a história da literatura. Prova disso ( Otto escreveu em 1965 ), são as constantes reedições dos livros daquele tempo. Mais que isso, o leitor médio, aquele que não é um intelectual, mas que sabe alguma coisa sobre literatura, procura em sebos e em bibliotecas livros desse tempo. Os autores que vêem imediatamente antes são clássicos, intimidam leitores médios ( Balzac, Stendhal, Dostoievski, Tolstoi, Dickens ), mas os autores de 1900 parecem contemporâneos, não-escolares, e ao mesmo tempo são "artísticos", ousados, profundos, originais. Weeellll...posso dizer que em 2012 nada mudou. Ou mudou sim, certos autores do período estão mais vivos que em 1965.
   Otto fala que a época é tão rica por motivos históricos. Um salto na economia, otimismo, e principalmente a democracia. Em 1900, pela primeira vez, todos podem ser "um autor". É a hora da explosão da literatura como um todo, sem modas. Proletários, snobs, mulheres, países periféricos, poetas loucos, nobres, homens de negócios, comunistas, fascistas, crianças...Há uma quantidade imensa de gêneros e de escritores. Não há rádio, tv, cinema, nada. O mundo é do livro, do jornal e do teatro. E, diz Otto, quase tudo que se escreve nesse período tem valor, tem interesse, merece sobreviver.
   Falar de autores? Otto cita-os. Seu livro é imenso. Vou citar apenas uma meia dúzia: Nietzsche, Machado de Assis, Joseph Conrad, Henri Bergson, Henry James, Freud, Yeats e Wilde. Só alguns pegos ao acaso, a lista é infindável.
   1910. Futebol. Cinema começando. Rádio e avião. Carros. Picasso, Matisse, Chagall, Klee, Kandinsky. Stravinsky, Ravel, Strauss, Bartok. O jazz e o blues. Otimismo. Viagens aos polos.
   2010. Guerra ao terror. Esgotamento do cinema. Da música popular, do teatro. Internet, código genético, câmeras onipresentes. Pessimismo. Desencanto com a democracia, com as ideologias. Monetização da vida. E as artes? E os livros? Proust em tablets. Ótimo. Mas Proust é 1910. Autores: Larsson, De Lillo, Roth, Martell, Couto, Coelho, Rowling, Lobo, Llosa...Este momento não lembra em nada 1910, lembra 1870, época do naturalismo, de medo, de insegurança. Precisamos de uma nova geração romãntica, de novos simbolistas, de outros profetas irreais.
   Mas na verdade é tudo em vão. Sinto em mim que escrever não tem mais porque, pra que ou como. Então sei o que sou, um simbolista. Assim como essa geração de 1880, há em mim a sensação de que no mundo de poderosos e de miseráveis, para mim não há lugar. Não sou um dos chefes e não me identifico com um dos "simples". Onde fico? O que posso escrever a ninguém irá interessar, o que se escreve pouco me interessa. Quem me escuta? Ao mesmo tempo tenho a vaidade de não fazer parte da sujeira. Não sujo as mãos com o poder vulgar e nem com as parcas ambições dos simples. Será isso? Um simbolista, eu?
   Mas onde o pessimismo? Simbolistas cultuam a morte e o desregramento. Sou comedido e vejo vida em tudo. Simbolistas são muito mais, sem que o saibam, certos amigos que tenho. Então vejo no livro de Otto, talvez eu seja um dos pós-simbolistas, aqueles que perceberam a alegria após a dor. Os que conseguiram criar um mundo parte do mundo. Os que se desembaraçaram do eu e olharam ao redor. Bá....
   Vejo então que sou um tipico homem de 2012, e que escolho um rótulo como quem escolhe em paletó. Procuro na vitrine de estilos aquele que me convém. Esqueça. Sou mais um blogueiro. Apenas isso. Exibo vaidade. Só isso.
   O interessante, é que eu, como todos os outros leitores médios, procura, ainda, em 1910 seus modelos, seus produtos, seus paletós.
   Otto acertou.

A SINGULAR HISTÓRIA DE PETER SCHLEMIHL- ADELBERT VON CHAMISSO, AS DELÍCIAS DA CRIATIVIDADE E O MUNDO SOLTO E RACIONAL DO SÉCULO XVIII

   Belo tempo...tempo das narrativas onde a imaginação corria solta.
   O século XVIII é inalcansável por nós. O romantismo ainda não nascera, então nada de desejos de se confessar, de se expor o ego, de usar o papel como vomitório. Mais que isso. As nações da Europa ainda não se firmavam. Mais que alemão ou italiano, um homem era de Weimar, de Estrasburgo ou de Milão. Isso dava ao continente um aspecto de livre ir e vir. Todos os intelectuais e artistas se expressavam em lingua comum ( francês e latim ) e estudavam em várias culturas. Não havia endereço fixo, voce era súdito de uma ideia e da necessidade. Ora, nesse ir e vir, a criatividade fluia. Em plena adolescência, a razão, longe do cansaço de hoje, florescia em novas possibilidades. Ler os contos ou novelas da época é encontrar mentes em plena alegria criativa.
   Chamisso já faz a transição para a nossa época, a época romântica. ( Sim meu caro, somos ainda todos românticos com nossa obsessão pelo coração e a mente, nossa visão de que tudo é o EU, nosso culto a lideres e gurus, nossa hipervalorização do amor, do ódio; desejos de viagem, de aventura e de poder "viver"...Tudo isso é romantismo, criação de Goethe, Schiller, Keats, Wordsworth e Shelley...Beethoven e o endeusamento de Shakespeare... Napoleão e patriotismo...)....
   Weeellll....voltando: Chamisso, nobre, é cientista, poeta, romancista, viajante, pesquisador. Viaja o mundo, vai aos polos, ao Brasil, ao Pacifico. E vive essa transição. Ainda é um clássico, um nobre do século XVIII, pensa racionalmente, é livre de país e de confissões; mas amadurece no XIX, já tem o germe do exagero de sentimento. Em 1814 escreve esta noveleta. Um sucesso! Se lê muito nessa Europa. Não há cinema ou TV, o que existe é ópera e romance, e a mesa do jogo e do bordel. Do que trata? Em clima de sonho, um homem vende sua sombra ao diabo. Em troca de ouro infindável. Triste destino! Sem sua sombra ele deixa de ser aceito pelo mundo. Se torna um pária rico. Após várias peripécias, se isola como um tipo de estudioso da natureza.
   Várias teorias explicam a sombra. Seria um bom nome? A alma?  Saúde?  Fé?
   Diversão pura, escrito no estilo simples e direto da época, este é um conto ( novela? ) que sobrevive ao tempo, às modas. Encontrando ao fim da vida sua razão e seu alivio no estudo e na pesquisa, o conto acaba por espelhar a vida do próprio Chamisso e mais ainda, a vida de toda uma geração. Leia.
  

MAL DO SÉCULO

Um cara bem sucedido. Descreva esse cara...... excelente saúde, físico perfeito, jovem, sorridente. Vários amigos, vários amores, sempre fazendo coisas legais. Antenado às novidades, rápido e ágil, cheio de poder. Engraçado, acabamos de mirar uma máquina. Funcional, revisada, último tipo, leve e rápida, belo design. É a descrição de um carro ou um celular.
Depressão. Um homem jamais conseguirá ser máquina.
Um cara invejável. Pele sem mancha ou ruga. Magro´porém forte. Sangue sem colesterol. Taxas corretas de açúcar. Não fuma ou bebe. Alongado e concentrado. Sem gastrite e sem prisão de ventre. Oito horas de sono. Verduras e legumes. Muita água. Dentes brancos.
Depressão. Um homem jamais é apenas seu corpo.
Coragem. Honestidade. Honra. Inteligência. Lealdade. Fé. E poder também. Esses eram os valores pelos quais a humanidade sempre se pautou. Ser um bom filho, um bom pai, um bom cidadão e um bom cristão. Objetivos hipócritas, porém, humanos. Qualidades INTERIORES.
Hoje. Fotos tiradas às centenas. Para provar ao mundo o quanto sou vivo, o quanto sou bacana, o quanto sou feliz. Não mais existo perante Deus e cidade, existo apenas em seu olho. Me coloco em imagens de tela, em vozes distantes, tento existir. Veja : eu sou isto que voce é.
Ontem. Eu existo pelo meu nome. Sou Silva, filho de Silvas. Sou brasileiro, sou paulista. Mais, sou filho de Deus. Existo visto por Deus. Sou continuação de meu pai.
Diz minha gurú ( Maria Rita Kehl ) citando Winnicott : a vida só pode ser agora se houver uma narrativa. O passado carregado para o futuro. Pois o futuro nunca existe, é apenas uma idéia, e o presente torna-se passado no momento em que surge. Apenas o passado nos dá o CONFORTO da segurança.
Máquinas não têm passado. Ela é somente um presente. O corpo não tem futuro. Será a morte. Sendo máquina e corpo vivemos sem passado e sem futuro. Um hoje que é nada.
Mal deste século : DEPRESSÃO.
Não quero e não posso ser máquina. Não sou apenas um corpo. Páro. O deprimido renega a máquina, ele deixa de funcionar. O deprimido nega o corpo, ele sente dor e medo. Ele quer ser humano.
Mal do século XIX : histeria e esquizofrenia. Não sou amado por Deus. Não tenho família ou país. Estou fora do coração do mundo. Não consigo crer ou seguir as regras. Quero ser livre.
Hoje o mundo é o doente do século XIX. Não cremos, não pertencemos, não temos regras. Somos livres. Herdamos a saudade de ser humano.
Onde meu lar ? Todo o tempo nos vigiamos. Ser máquina de ponta, ter corpo funcional. Dá pra crer que não era assim ? Que ninguém se preocupava em parecer jovem, parecer alegre, ter dentes brilhantes ? É inacreditável, mas a pressão já foi bem menor.
Máquinas são revisadas. Precisam fazer aquilo para que foram feitas.
Pensamos que a vida é uma doença. Funcionar é saúde. Quem funciona é máquina, humanos vivem. Viver é envelhecer, perder, chorar, ter medo, ficar doente e morrer. Viver é falir. A vida não " funciona", ela é. Remédios e virtualidades para esquecer de viver. Curar a vida.
Sem envelhecer nada cresce. Sem o vazio da perda não existe ganho do novo. Sem choro não se toma decisão. Sem o medo a vida nada vale. Sem doença não existe a interdependencia. Sem a morte inexiste a criatividade. Se viver é anti-funcional, curar a vida é não viver. Quarto limpo e vazio onde nada acontece.
O deprimido grita por acontecimentos. Sua vida acontece. Ela desaba.
Mesmo eu, ser saudade, que ora pela idade média, que ama os simbolistas decadentes, eu, homem-passado, homem vitoriano, sou miserávelmente um humano século XXI. Apressado, afobado, estressado. Tentando se curar da vida e se deprimindo. Me comparando a máquina ( e sempre perdendo na comparação ) e querendo ser um corpo ( todo o segredo da vida TEM de estar na química e na biologia !!!! ). Um filho do século, procurando os rastros de seus passos e nunca os encontrando. Vazio como o quarto limpo.
O homem hoje pergunta : O que quero ? O que tenho ?
As perguntas sempre foram : O que sou ? De onde venho ?
O deprimido ainda pergunta quem é. Ele sabe que já perdeu.