Foi Glyn Johns que gravou mais da metade dos discos que eu mais adoro. Era ele que ficava detrás da mesa de mixagem mexendo os botões e olhando aqueles ponteiros dançarem. Glyn estava lá nos melhores discos dos Stones. Do Who. Estava no Led Zeppelin. Beatles. E depois com London Calling do Clash. Com Plush dos STP. E neste século voce vê o nome do cara em discos que tentam resgatar a sonoridade 60`s.
É muito dificil escrever sobre som. A qualidade do som, o que diferencia um som de outro som. Falar em graves, em eco, em delay, em ruído pode ser disfarce daquilo que não se consegue expressar. O som de Glyn era diferente, era redondo.
Recentemente comparei, com um jovem amigo, o som de Transformer em cd e em vinyl. É outro disco. E eu não sei exatamente onde esse som muda. No vinyl ele parece impar. O som da bateria chia, o bumbo está mais áspero, e o chimbau arranha. O baixo desaparece no cd. Ele no vinyl parece descontrolado. No cd está onde deve estar, subterrâneo. Mick Ronson em cd soa quase convencional. No vinyl ele raspa as cordas e zune. Como disse um amigo meu, músico profissional, no cd voce ganha e perde: fazer um disco é barato, mas o som fica todo chapado, o cd não permite agudos ou graves que extrapolem um certo padrão. Glyn sabia produzir trovões. Os dois primeiros acordes de Led Zeppelin I, Good Times Bad Times provam isso. Em vinyl.
Paul Valéry disse que não se pode escrever a verdade. Ela sempre escapa. Letras só se prestam a falar do mundo das letras. E, triste isso, pensamos em forma de escrita e quase que sentimos apenas em frases escritas. Quase. Então como falar de música? Como descrever um som? George Steiner dizia que toda arte aspira a ser melodia. Mais que isso, ele dizia que arte verdadeira não nasce na ordem, na paz e na limpeza. Arte surge no kaos, na injustiça e na sujeira. Ele próprio diz que talvez não valha a pena, mas a democracia mata a filosofia. E a falta da filosofia, principalmente da metafísica, destrói a criação artística. O homem democrata sob a democracia pode sentir dor, tristeza e criar boas tentativas, mas não sente o absurdo, o desespero, e a iluminação da arte mais atemporal.
Glyn Johns foi cantor e ninguém sabia mais disso. Na Londres de 1966, ainda com ruínas de Hitler, ruas de barro e casas sem banheiro, a arte tentou erguer a cara do Kaos e sorrir. Não sei se alguma coisa vai durar até 2200. Mas a coisa foi bela. No close do rosto de Glyn, estranhamente andrógino, a arte está prometendo acordar. Os moleques sujos e fedidos crescidos entre 1940-1960 queriam brincar e esquecer.
Metafísica. Para Steiner, a filosofia só é verdadeira filosofia quando se embrenha na metafísica. Filosofar é pensar na morte e em Deus. No infinito e na existência. No tempo. Uma coisa irônica está acontecendo, e eu notei isso em minhas limitadas leituras de física, a ciência mais moderna está a seguir, sem querer perceber, os passos da mistica. Mundos paralelos são agora aceitos como possibilidade real. ( E me espanta alguém ainda usar a palavra real ). O tempo é tratado como ficção. E a arte, pobre faminta, está ficando atrás da ciência. Hoje a física parece mais criativa que a arte.
Nosso corpo é apenas um tipo de tablet. Um receptor e divulgador de informações, memórias, insights que giram pelo espaço afora. O tablet se estraga, fica doente e é jogado fora. Isso não afeta o mundo da internet, que continua a rodar. Mesmo sem a máquina individual. Hoje essa ideia parece bastante comum. Em 1980 seria incompreensível. Como Wilde falava, o mundo segue a imaginação.
O desenvolvimento científico dará aval para a religião e a metafísica. No fim dos tempos a cauda da cobra vai tocar a cabeça do bicho. A ciência nos levará ao mais arcaico. Que será o futuro. O mundo é ironia. Borges é o futuro.
Glyn Johns canta Lady Jane em 1966 na BBC. É 2014 e eu o vejo só porque um técnico criou a internet, o youtube e meu PC. O cantor fala de um mundo de 1800, de Byron e Shelley. E eu o revivifico. No futuro um homem verá isso outra vez. E a imagem será cada vez mais mítica. E Lady Jane ainda mais terá status de totem. A referência de uma cultura e de um modo de sentir. O passado cada vez mais futuro, o presente cada vez mais indiferente.
Se não destruirmos tudo, e essa possibilidade existirá sempre, será o mundo mais budista que se possa exigir. Plácido. Quieto. Individualista. Voltado para dentro de si-mesmo. E a procura do oculto. Sejamos otimistas.
É muito dificil escrever sobre som. A qualidade do som, o que diferencia um som de outro som. Falar em graves, em eco, em delay, em ruído pode ser disfarce daquilo que não se consegue expressar. O som de Glyn era diferente, era redondo.
Recentemente comparei, com um jovem amigo, o som de Transformer em cd e em vinyl. É outro disco. E eu não sei exatamente onde esse som muda. No vinyl ele parece impar. O som da bateria chia, o bumbo está mais áspero, e o chimbau arranha. O baixo desaparece no cd. Ele no vinyl parece descontrolado. No cd está onde deve estar, subterrâneo. Mick Ronson em cd soa quase convencional. No vinyl ele raspa as cordas e zune. Como disse um amigo meu, músico profissional, no cd voce ganha e perde: fazer um disco é barato, mas o som fica todo chapado, o cd não permite agudos ou graves que extrapolem um certo padrão. Glyn sabia produzir trovões. Os dois primeiros acordes de Led Zeppelin I, Good Times Bad Times provam isso. Em vinyl.
Paul Valéry disse que não se pode escrever a verdade. Ela sempre escapa. Letras só se prestam a falar do mundo das letras. E, triste isso, pensamos em forma de escrita e quase que sentimos apenas em frases escritas. Quase. Então como falar de música? Como descrever um som? George Steiner dizia que toda arte aspira a ser melodia. Mais que isso, ele dizia que arte verdadeira não nasce na ordem, na paz e na limpeza. Arte surge no kaos, na injustiça e na sujeira. Ele próprio diz que talvez não valha a pena, mas a democracia mata a filosofia. E a falta da filosofia, principalmente da metafísica, destrói a criação artística. O homem democrata sob a democracia pode sentir dor, tristeza e criar boas tentativas, mas não sente o absurdo, o desespero, e a iluminação da arte mais atemporal.
Glyn Johns foi cantor e ninguém sabia mais disso. Na Londres de 1966, ainda com ruínas de Hitler, ruas de barro e casas sem banheiro, a arte tentou erguer a cara do Kaos e sorrir. Não sei se alguma coisa vai durar até 2200. Mas a coisa foi bela. No close do rosto de Glyn, estranhamente andrógino, a arte está prometendo acordar. Os moleques sujos e fedidos crescidos entre 1940-1960 queriam brincar e esquecer.
Metafísica. Para Steiner, a filosofia só é verdadeira filosofia quando se embrenha na metafísica. Filosofar é pensar na morte e em Deus. No infinito e na existência. No tempo. Uma coisa irônica está acontecendo, e eu notei isso em minhas limitadas leituras de física, a ciência mais moderna está a seguir, sem querer perceber, os passos da mistica. Mundos paralelos são agora aceitos como possibilidade real. ( E me espanta alguém ainda usar a palavra real ). O tempo é tratado como ficção. E a arte, pobre faminta, está ficando atrás da ciência. Hoje a física parece mais criativa que a arte.
Nosso corpo é apenas um tipo de tablet. Um receptor e divulgador de informações, memórias, insights que giram pelo espaço afora. O tablet se estraga, fica doente e é jogado fora. Isso não afeta o mundo da internet, que continua a rodar. Mesmo sem a máquina individual. Hoje essa ideia parece bastante comum. Em 1980 seria incompreensível. Como Wilde falava, o mundo segue a imaginação.
O desenvolvimento científico dará aval para a religião e a metafísica. No fim dos tempos a cauda da cobra vai tocar a cabeça do bicho. A ciência nos levará ao mais arcaico. Que será o futuro. O mundo é ironia. Borges é o futuro.
Glyn Johns canta Lady Jane em 1966 na BBC. É 2014 e eu o vejo só porque um técnico criou a internet, o youtube e meu PC. O cantor fala de um mundo de 1800, de Byron e Shelley. E eu o revivifico. No futuro um homem verá isso outra vez. E a imagem será cada vez mais mítica. E Lady Jane ainda mais terá status de totem. A referência de uma cultura e de um modo de sentir. O passado cada vez mais futuro, o presente cada vez mais indiferente.
Se não destruirmos tudo, e essa possibilidade existirá sempre, será o mundo mais budista que se possa exigir. Plácido. Quieto. Individualista. Voltado para dentro de si-mesmo. E a procura do oculto. Sejamos otimistas.