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ESPIONAGEM NA INGLATERRA E UM LIVRO MUITO PERIGOSO

Acabo de ler que um dos serviços de contra espionagem inglês possui um comunicado onde se lê: " Qualquer pessoa que for vista com o livro 1984 de Orwell, ou obras de Joseph Conrad, Tolkien, CS Lewis será considerada uma perigosa extremista de direita. Livros que pregam a contra revolução não podem ser tolerados. " Pasmado? Eu não. Esse movimento não é novo e durante a pandemia foi bastante solidificado. Na crise do vírus, governos perceberam que a população é hoje facilmente comandada. Quem foi e é crítico será sempre chamado de extremista. E de direita, porque quem não aceita a "união pelo bem " só pode ser um egoísta e todo egoísta é direitista. ---------------- Um técnico mostra na NET, com imagens, que a AI, a inteligência artificial que começa a ser dada agora para uso geral, já está ideologizada. Se voce pede para o cérebro eletrônico criar um poema sobre Bolsonaro, ele responde não poder criar nada que seja sobre política. Mas se voce pede um sobre Lula, ele te dá um longo poema sobre o heroi. ---------------- Eu não fico surpreso e nem alarmado. O bom senso prevalecerá. A incompetência da esquerda destroi a ela mesma. Aliás, acabo de reler mais um livro de Evelyn Waugh, e ele não entra na lista da Inglaterra porque ninguém mais o lê. MALÍCIA NEGRA foi escrito em um tempo em que as pessoas discutiam, não cancelavam e fingiam ignorar. Seria interessante ver um lacrador de 2023, um típico comedor de ostras da Vila Madalena lendo este livro. Como um nazista, ele provavelmente o queimaria na calçada. A sátira demolidora de Waugh fala de um imaginário país africano onde a crueldade e a corrupção impera. O presidente só se preocupa em parecer chique e fino, gasta fortunas em decoração e palácios, seus aliados o traem por qualquer quantia, o exército é antigo e sem disciplina, os estrangeiros brancos vivem em ócio impotente e loucos para fugir do lugar, cenas e mais cenas de assassinatos, roubos, fugas, troca de favores. Fome e miséria para o povo, uma nova limusine para o líder. Waugh jamais pensa estar sendo racista, ele simplesmente cria uma ficção que espelha a realidade. A África dos anos 60 era exatamente aquilo e escrever sobre o que se via não era ofensivo ou proibido. Não era coisa de chato de direita. Era a época de Idi Amin comendo a carne de seus rivais e de guerrilhas dizimando quem não lutasse por elas. Não houve um só país da Africa negra que não fosse vítima de líderes metidos à besta. Waugh nos faz sentir nojo e rir amargo. Sim, o livro é uma comédia. -------------------- Estou surpreso por ainda não terem se metido a criticar Jung por sua fé na INDIVIDUAÇÃO. Talvez porque Jung foi tomado por charlatâes que só percebem nele aquilo que desejam ver. Já Eliot, assumidamente conservador, é complicado demais para um militante censor e por isso ainda não foi atacado. Toda censura é burra e ao mirar em Orwell ou Tolkien eles esquecem do muito mais perigoso, para eles, Nietzsche, o homem que pregava o indivíduo sobre tudo o mais. Literatura de valor é sempre anti grupal e aqueles que tentaram ou foram fortemente socialistas envelheceram rapidamente: Gorki, Brecht, Shaw. Neruda só é lido na América do Sul, continente que nunca irá sair de 1968, e Saramago já começa a exibir teias de aranha em sebos. Mesmo autores "de esquerda branda", quando lidos com isenção, revelam, se são muito bons, um individualismo imenso, um descompromisso com revoluções, uma desconfiança às promessas de união pelo bem. Os ingleses vão ter de queimar mais livros que os nazis queimaram em 38.

OS QUATRO AMORES - C.S.LEWIS

   Em edição com capa dura, bonita, este livro pensa a cerca de quatro formas de amor: o afeto, a amizade, o amor erótico e a caridade. Há uma decepção óbvia com o primeiro texto. Lewis parece não se animar com o afeto. Afeto seria o amor que une pessoas em interesse comum. É aquilo que nos faz ser gregários, sociais. Sentimento que nos faz precisar de alguém ou apreciar alguma coisa. É o amor que sentimos por animais, objetos, lugares, lembranças. O texto é parcialmente convincente.
   Isso não acontece com o que ele escreve sobre a amizade. Aqui Lewis beira a genialidade. Basta citar sua percepção de que a amizade é o amor menos prezado e valorizado pelo mundo moderno. Isso porque a associação de dois ou três amigos, faz deles seres à parte, fora do comum. Um tipo de amor sem ciúme e sem cegueira, a amizade dispõe os participantes lado à lado, prontos para observar e usufruir do mundo. O texto de Lewis é muito mais que isso. Ele consegue nos mostrar o porque da desconfiança de esposas, maridos e chefes em relação à amigos. Amor valorizado ao máximo no mundo antigo, desde o romantismo ele é desvalorizado. Por não ser trágico, perigoso, sanguíneo, a amizade tornou-se vista como um tipo de amor sem risco, sem narrativa e sem tragédia. Deixou-se de perceber sua nobreza. A grande sacada de Lewis: é, dos amores, o mais humano. Amor sem corpo, puro espírito. Pode-se viver sem amigos. Ele é uma escolha sempre, jamais uma necessidade.
   Belo é também o texto sobre eros. E, como os outros textos, Lewis faz uma coisa matreira, que seja: exibe o bem de eros para em seguida provar seu perigo. A amizade é nobre, mas pode se tornar soberba. Eros é lindo, mas pode virar crueldade. Eros não é animalidade, pois precisamos de uma única pessoa e não de qualquer uma. Lewis descreve o caminho que o amor-sexo percorre e seu crescimento quando unido à amizade.
  Por fim temos a caridade, e ela não é aquilo que voce imagina. Aqui Lewis se poetiza, cresce, e se cala ao fim. O livro, apenas 200 páginas, se encerra em clave celestial. Se levamos algum amor conosco para outra vida, quem pode saber?, esse amor seria o caridoso e não o eros ou a amizade. Não nos cabe saber qual de nossos amores é o caridoso. Não nos cabe saber qual deles seria o mais celestial.
  Sei que é um pequeno livro bonito.

ALEGORIA DO AMOR - C.S. LEWIS, UM ESTUDO DA TRADIÇÃO MEDIEVAL.

   Lewis vai contra as ideias de Denis de Rougemont. Para quem não lembra, Denis dizia que o amor cavalheiresco, aquele que inaugurou nosso modo de ver o amor ideal, foi uma espécie de sublimamento do amor cristão. A donzela amada posta como símbolo da donzela original, a Virgem mãe inalcançável de Cristo. Denis de Rougemont é engenhoso e seu livro se tornou um clássico. Mas Lewis vai em outra direção ( e não nos esqueçamos de que Lewis se tornou católico pouco depois de compor este livro ), ele diz que o amor romântico é uma ALEGORIA, uma forma de dar imagem e voz à um impulso erótico que sempre houve. O importante para Lewis é a criação da alegoria e não a invenção do novo tipo de amor. ( Estamos falando do século IX de nossa era ).
  Para expor sua tese, Lewis vai aos autores latinos tardios, autores que testemunharam a morte do paganismo e o nascimento do novo cristianismo. Na morte dos deuses pagãos, eles passaram a alegorizar o amor, a guerra ou a cobiça. Sai vênus de cena, sai marte, e nasce O Amor e a Guerra como personagens dotados de rosto e de voz humanas. A nova Afrodite pode ser Guinevere, Isolda ou a musa futura de Keats. A nova Afrodite pode ser inclusive chamada de Amor. Para Lewis, erudito amante das letras, o que influencia uma nova literatura é a própria literatura anterior. E dessa literatura nova surge um novo conceito e um novo modo de pensar.
  Este é um livro árduo, sua leitura não é simples e não o recomendo para leigos.

A IMAGEM DESCARTADA - C.S. LEWIS ( escrevemos para eternizar a vida ).

   Lewis não foi um autor de livros juvenis. Ele foi também um autor de livros infantis. Mas, assim como Tolkien foi um linguista em Oxford e Cambridge, Lewis foi um professor de literatura medieval nas duas instituições. Este é seu último livro, uma coletânea de uma série de palestras dadas em 1963.
  O objetivo do livro não é falar de literatura. É tentar aproximar o mundo medieval de nossa época. Jogar ao lixo preconceitos e mostrar como era a cultura medieval. E ele me surpreendeu muito. Ao contrário do senso comum de 2017, a idade média NÃO FOI um tempo de improviso e de falta de ordem. O homem medieval tinha um profundo amor pela ordem. Sua grande paixão era catalogar, listar, colocar tudo em uma hierarquia. Desse modo, havia a hierarquia da guerra, o catálogo do amor, o modo certo de se escrever, a maneira de ver a vida. Lewis fala da catedral, da igreja, dos anjos, dos livros, da zoologia, da geografia e do espaço sideral.
  Ao contrário do que se pensa, a Terra era considerada redonda, mas centro e periferia do Cosmos. Centro por ser o alvo das influências planetárias; periferia por ser o lugar menos elevado do Cosmos. A Terra era "morta" por não se mover, os planetas eram considerados "animais", seres viventes que influenciavam mas não dirigiam a vida do homem. ( Sim, isso é astrologia ). Talvez a imagem mais bela do livro de Lewis seja essa: O homem medieval via o espaço não como um lugar "lá fora", mas sim um lugar "lá dentro". O espaço era cheio de luz, de anjos, de planetas vivos, de estrelas animadas, de sons, de movimentos. O espaço era olhado como "o alto", o ponto mais perfeito e elevado. O espaço era festa, objetivo de vida, vida absoluta. Daí se deduz que esse homem via a morte como ilusão, a vida era a condição natural do cosmos. Cada planeta vivo em sua órbita, cada espaço escuro, noite de um dia luminoso, cada estrela reino de anjos.
  Homens letrados medievais tinham um profundo amor pelos livros. Para eles tudo que era escrito era "verdadeiro". Se Platão escreveu, mil anos antes, sobre os hermafroditas, então esses seres são uma verdade. Não importa se eles existiram ou não, por terem sido pensados e escritos, eles são parte do mundo. O mesmo se dá com a história. Heitor ou Ajax existiram pois estão na Ilíada. Eles fazem parte da história e a história existe para divertir e para ensinar. Se desconhece o conceito de informar. O que importa é ensinar e divertir.
  Esse mundo se revela, desse modo, pleno de interesse. É um mundo onde tudo importa. Cada pedra e cada animal, cada texto e cada lenda oral, tudo tem algo a ensinar e a dizer. Então o autor medieval escreve com paixão sobre aquilo que a vida é. Nossa dificuldade em os ler é o fato de acharmos que eles "perdem muito tempo" descrevendo o trivial. Esquecemos que isso ocorre porque para esses autores tudo na vida é digno de espanto. A descrição de uma fonte, de uma fada ou de uma parede é tão importante quanto a vida de um rei ou um santo. Tudo é da vida e tudo DEVE SER HOMENAGEADO. A escrita medieval é sempre uma homenagem, a vontade de eternizar o mundo na escrita. O que se escreve é o que se sabe, o que se sabe é amado.
  Lewis diz que um escritor medieval sentiria pena de um autor moderno. Acharia uma pena ele ter de inventar histórias. Isso lhe mostraria que o mundo deveria ser indigno de ser homenageado. O medieval pegava o que já existia e o descrevia. O atual imagina e descreve sua imaginação.
  Não falarei dos anjos pois esse não foi o assunto que mais me seduziu neste muito interessante livro. Termino dizendo que talvez voce tenha pensado que a biografia seria então um tipo de literatura medieval. A resposta é sim e não. Sim porque ele pega o real e vê interesse nisso. Mas essa biografia só terá esse espírito medieval se tiver por objetivo "ensinar e maravilhar". Uma biografia puramente jornalística está tão longe da idade média como o cinema de ação está próximo desse espírito.
 

CS LEWIS DIZ O QUE FOI A IDADE MÉDIA.

   Contos e poemas fantásticos são uma parte da idade média. Assim como peças religiosas. O que Lewis destaca, em suas últimas aulas, é que o ponto central do pensamento medieval é o desejo de ordenar, catalogar, salva o universo. ( Salvar no sentido que hoje damos a "salvar um texto ou uma foto no arquivo de nosso computador ). Lewis diz que nenhuma invenção moderna deixaria o homem medieval mais feliz que a enciclopédia. Com sua ordem, índice e abrangência, ela pareceria ao medieval a realização suprema de um sonho.
  O homem medieval amava o livro. E acreditava em tudo que estava escrito. Para ele, se estava num volume, era uma verdade. Mas esse homem conhecia textos que se negavam, que brigavam entre si, e daí vinha a vontade de os ordenar, de construir um pensamento, um sistema que os abrangesse, em ordem e sem conflito. Essa é a raiz de toda filosofia medieval, a ordem, a classificação, a criação de um tipo de sistema onde tudo se encaixa. Hierarquicamente.
  Esse PANO DE FUNDO, preste atenção nessa frase, PANO DE FUNDO, criou a ordem heráldica para a guerra, criou o amor cortês para o sexo e toda a cerimônia da igreja para a religião. Um pano de fundo feito de ordem, ritos, deveres, costumes, a serem usados a fim de dar um sistema coeso àquilo que antes lhes parecia caótico.
  A Divina Comédia é o ápice desse modo de pensamento, a transformação do além em um sistema ordenado, mecânico, coeso, infalível. Longe da ideia popular, de que o homem medieval era um tipo de beberrão infantil, ele era um amante de sistemas, um buscador de ordem, um construtor de catedrais.
  PANO DE FUNDO. Lewis diz que se o pano de fundo de toda obra medieval é o sistema, no século XX é Freud. Toda obra traz as teorias de Freud como pano de fundo, como um tipo de cenário onde o drama acontece. Interessante ele observar, e acertar, que logo esse pano de fundo poderia ser trocado por Einstein. Ou seja, a relatividade e a ciência como pano de fundo às obras da arte e do pensamento.
  Outro fato é que Lewis conta que toda grande obra vai contra esse pano de fundo. Desse modo, Freud seria destruído pelos grandes pensadores ou artistas, assim como os sistemas seriam corrompidos por Shakespeare após a idade média.
Z, A CIDADE PERDIDA de James Gray com Tom Holland e Robert Pattinson.
O coronel Fawcett, soldado aventureiro inglês que se perdeu nas terras do Mato Grosso ganha um filme que não foi bem de bilheteria. A crítica gostou, eu achei este filme apenas morno. Li o livro e sei que Fawcett tinha uma personalidade muito mais rica do que o filme mostra. Falta mistério, falta o senso de desconhecido da loucura dele. Andar por onde ele andou quando andou é muito mais do que aparece aqui.
LOUCOS E PERIGOSOS de Mark Cullen com Bruce Willis e John Goodman.
Nas primeiras cenas Bruce Willis anda de skate pelado na rua. O filme é isso. Willis é um cara legal, mas sem nenhuma ambição como ator. Nunca teve. Penso que isso depõe a seu favor. Penso que ele viu a muito a futilidade de uma carreira. Ele ganha uma grana, paga as contas e tudo ok. Eu me diverti vendo o filme porque gosto do Bruce. Mas sei que o filme é uma zona.
UMA SUAVE MANHÃ de Neil LaBute com Stanley Tucci e Alice Eve.
Um cara e uma moça discutem. E falam. E se agridem. E enquanto isso voce morre de tédio. Não entendo pra que um filme desses!
MARIA ANTONIETA de Sofia Coppolla com Kirsten Dunst, Jason Schwartzmann e Steve Coogan.
Ótimo filme. A rainha fútil vira uma menina inocente dos anos 2000. E nossa identificação com ela aumenta muito. O filme tem uma trilha anos 80 muito boa. É melancólico, é belo e é um ato de coragem. Escrevi mais sobre ele abaixo. Procurem.
AS CRÔNICAS DE NARNIA de Andrew Adamson e Michael Apted
Janeiro de 2014 foi um tempo delicioso em que li os livros de CS Lewis. Os filme vejo agora. São como eu pensava, uma aventura Disney bem infantil. Aumentam o papel do Rato, dão alguns toques teens e jogam fora parte imensa do simbolismo cristão. Pois é.

X-MEN CS LEWIS ANTHONY HOPKINS MILES DAVIS DEPP JULIE CHRISTIE ROEG

   DON'T LOOK NOW ( INVERNO DE SANGUE EM VENEZA ) de Nicolas Roeg com Donald Sutherland e Julie Christie.
Terceira vez que vejo esse filme e quanto mais o revejo mais eu gosto. A revista Time Out o elegeu em 2012 o melhor filme inglês da história. Nos extras, fartos, temos Danny Boyle nos explicando porque ele é tão bom e confessando quanta coisa ele roubou desse filme. Os primeiros 10 minutos são uma obra-prima: numa montagem primorosa, vemos um pai adivinhar a morte de sua filha. Tudo está interligado nessa sequência que condensa tudo o que virá a seguir. Água, o elemento da alma compõe todo o filme. O casal, já dentro do luto, vai à Veneza. O que vemos lá é a luta entre a razão e a intuição. A esposa se entrega à intuição, o marido resiste e morre por isso. Julie Christie está sublime. Nunca ninguém sorriu na história do cinema como ela sorria. Donald dá uma interpretação que beira a possessão. Seu medo se torna nosso medo. O filme dá sempre a sensação de que algo muito grave está já acontecendo. Isso porque Roeg une tudo, cada imagem e cada objeto é uma pista do que virá a seguir e ao mesmo tempo; a memória do que aconteceu. Poucos filmes, segundo Boyle, são ´tão "cinema", no sentido de que poucos captam tão bem o que seja o tempo. Recebido como apenas mais um filme em sua época, ele tem hoje o status de viga mestra de um futuro. Um muito grande filme. E, acima de tudo, um prazer.
  ALICE ATRAVÉS DO ESPELHO de James Bobin com Johnny Depp, Helena Bonham Carter, Sacha Baron Cohen, Anne Hathaway.
Menos ruim que o Alice de Tim Burton ( Tim é apenas o produtor aqui ), este filme tem da obra de Lewis Carrol apenas os personagens. O livro maravilhoso de Carrol em nada se parece com isto. O roteiro trata de uma Alice feminista que tenta voltar no tempo para ajudar o Chapeleiro a recuperar sua alegria. Tem ação e belas imagens. É bobo.
  MILES AHEAD, A VIDA DE MILES DAVIS de Don Cheadle com Ewan McGregor.
Se ainda não viu, veja! Talvez seja a melhor bio de jazz já feita. Isso porque Don Cheadle nunca sente pena de Miles e nem tenta mostrar a vida do gênio. O que o filme conta é um período de cerca de duas semanas, no fim dos anos 70, quando Miles, recluso desde 1974, volta aos palcos e aos discos. ( Nos anos 70 ficar mais de dois anos sem gravar ou tocar era muito estranho ). O filme, brilhante, tem energia, ação, beleza e clima de jazz-funk, exatamente o som que Miles fazia na época. O cara era um ego imenso, era frio, era malandro e era violento. O filme nada esconde. Não faz dele um "gênio sofrido" e nem um "cafetão malandro". Ele é Miles, único. Don dá um show. Fisicamente ele nada tem a ver com Davis, mas a gente aceita. O cara merece. Ewan está muito legal também. Adorei o filme. E no fim tem um show com Herbie Hancock que é de matar.
  TERRA DAS SOMBRAS de Richard Attenborough com Anthony Hopkins e Debra Winger.
Se voce for fã de C.S. Lewis talvez goste. Se não for...Lançado em 1993, lembro que críticos brasileiros diziam que o filme seria ignorado aqui. Isso porque em 93 ninguém no país tupi lia Lewis. Ele era bem desconhecido. Hoje, em 2016, felizmente, as livrarias têm livros de Lewis em estoque e seu nome é conhecido até nesta esquina do mapa mundi. O filme mostra ele em Oxford, por volta de 1952, tempo em que ele conhece sua esposa, a americana Joy. Lewis foi o tipo de professor britânico que hoje não mais existe, ou seja, seu mundo era feito de chá, conversas, aulas, cachimbo e nada, nada de sexo. Ele se casa aos 50 e tantos anos, virgem, e logo sua esposa começa a decair, com um câncer muito doloroso. Attenborough filma como sempre: solene e frio. É seu estilo. Lewis não era uma pessoa fria, a coisa destoa. Hopkins está soberbo. Em um olhar ele mostra toda a complexidade do autor. Winger sempre foi uma atriz maravilhosa. Pena o roteiro ser tão...comum. Não é um filme ruim, apenas penso que o tema merecia muito, muito mais. Belas imagens de Oxford compensam todo erro.
  LOVE AFFAIR de Glenn Gordon Caron com Warren Beatty, Annette Bening e Kate Hepburn.
Warren é um atleta aposentado, famoso e mulherengo, Bening uma mulher casada, infeliz. Se conhecem num voo, se apaixonam... Esse filme é refilmagem de um excelente filme de 1957, com Cary Grant e Deborah Kerr. Este é bonito. Até que não é ruim, a gente vê com algum prazer. Annette tá bonita como nunca e Warren é sempre ok. E tem o último papel de Kate, a maior de todas, que eletriza a tela. Vemos de forma explícita, Warren e Annette intimidados pela grande dama. Vale ver. Com alguém ao lado.
  X-MEN APOCALIPSE de Bryan Singer com James MacAvoy, Michael Fassbender, Jennifer Lawrence.
Se Mad Max foi o melhor de 2015, este é o melhor filme deste ano! Vamos deixar de ser idiotas! O cinema de ação é o melhor cinema que se faz agora. Só saudosistas radicais ou esnobes preconceituosos não reconhecerão nesta obra poderosa, a força do melhor cinema que pode ser feito. Ele tem ação que emociona e mensagens importantes  e sérias todo o tempo. A gente pode falar de Ford, Kurosawa, Huston, Hawks e até de Lang vendo este filme. Uma de suas sequências, aquela onde um dos heróis interrompe o tempo e salva vidas, é de uma genialidade, graça e leveza dignas do melhor Keaton. E não só isso. A complexidade das cenas de ação poderia fazer disto um tédio sem fim, mas Singer já provou a tempos ser um maestro, conseguir fazer de explosões, socos e correrias uma coisa harmoniosa, direcionada. É um grande diretor! Assisti este dvd a dois dias e já sinto vontade de rever. Esqueça seus dramas sérios sobre vidinhas medíocres, aqui voce tem o espetáculo, a grandiosidade, a coisa verdadeira, o cinema. E com muito, muito cérebro.

A TORRE NEGRA E OUTRAS HISTÓRIAS - C.S. LEWIS

   Entre os papéis deixados por Lewis, um deles é esta novela. A TORRE NEGRA foi encontrada incompleta. Tem apenas 60 páginas, faltam algumas folhas e a história parece não chegar nem perto do final.
 O tema é bastante interessante. Fala de um clube de amigos que se reúne para discutir filosofia. Num dos encontros, um deles lhes apresenta uma máquina do tempo. Mas, ao contrário de Wells, esta máquina não leva uma pessoa à outro tempo. Lewis fala que um corpo não pode ir à outro tempo porque "num outro tempo os átomos que nos formam já são árvores, ar ou areia". Lewis sabe que o universo não aumenta sua matéria, a transforma, e portanto não há como acrescentar matéria de outro tempo à um universo estável.
 A máquina, um tipo de cinema, dá a chance de se olhar outro tempo. E é isso que eles fazem. Observam uma Torre Negra onde quase nada acontece. E eis que então acontecem terrores, sacrifícios...
 Não sei se voce vai ler este livro. Por via das dúvidas, e por não querer ser bobo, me calo. A coisa é uma surpresa. Li o livro à luz de velas, numa noite de tempestade sem energia elétrica. Fiquei impressionado.
 Este lançamento tem ainda alguns contos de Lewis. Todos são bons. Falam de pontos de vista diferentes, da relatividade daquilo que vemos, de mundos outros que na verdade são o mundo real. Para Lewis, o mundo que vemos nunca é o mundo real. Há uma luta que se desenrola ao nosso lado, uma luta que não podemos ver, mas que podemos sentir.
 Existem escritores que nos dão personagens. Gente pelas quais sentimos ódio ou amor sincero. E existem aqueles que contam histórias. Ações. Lewis é desse tipo. O século XX precisou de mais autores como ele. O século XXI vê, felizmente, a revalorização da boa história.

CRISTIANISMO PURO E SIMPLES- C.S. LEWIS.

   O mal considera que seus atos são o bem. O bem pode às vezes ter dúvidas, teme que o bem que pratica possa ser o mal. Lewis sabe que o homem verdadeiramente bom duvida sempre de sua bondade. Lewis diz que Deus nos deu o livre arbítrio exatamente para isso: o amor e a bondade só podem ter valor se forem conquistas, e não algo dado. Não há valor algum naquilo que em nós é natural. O homem cristão é aquele que nega o que é natural. ( E só nessa frase já cai por terra todo argumento que diz que o erro dos cristãos é serem não naturais. Ora, essa é a própria razão de ser do cristianismo. Sair do que é natural. )
  O homem só pode começar a ser feliz quando abre mão de seus desejos e de suas posses. Essa é mais uma verdade que costuma ser mal lida. Não significa virar escravo ou cair na mendicância. No livro de Eric Clapton isso é bem explicado. É o momento em que reconhecemos que nada sabemos, que não temos mais força, que nada mais podemos fazer. É o momento além do desespero. É quando depomos as armas. Há quem chegue a esse momento de forma gradual, mas os vaidosos costumam chegar apenas após um imenso sofrimento. Foi o caso de Eric. Ele entregou tudo a Deus como forma de dizer: "Chega, nada mais sei e nada mais sou". E então ele iniciou sua caminhada rumo a paz. Imperfeita paz, pois Eric continua sendo humano, claro, mas um humano melhor.
  Lewis diz que não é preciso ser cristão para seguir as pegadas de Cristo. Há quem as siga pensando ser budista, ateu ou até mesmo pagão. Como existem fiéis que nada têm de cristão. O grau de comprometimento está no tanto de descompromisso com sua vaidade e seu orgulho. Quanto mais um homem preza seu ego mais ele sofre. Simples assim.
  Durante a segunda guerra CS Lewis falava dez minutos por noite, na BBC, sobre o cristianismo. A igreja dele era a inglesa, mas ele sabia que as mensagens do bem são dadas em várias fés. Este livro é um apanhado daquilo que ele falou no rádio. Por isso o texto é simples e conciso.
  Lewis explica o mal como um ato de orgulho. Toda maldade tem como raiz esse pecado, o orgulho. O diabo, anjo caído, é aquele que se achou melhor que todos. Toda alma começa a se perder ao se considerar especial, e termina presa na cela da solidão dos vaidosos. Mas não é preciso ser crente para ler este livro. A moral que ele advoga é inatacável. A única derrapada se dá quando ele fala das mulheres. Mas é uma pequena derrapada. Lewis se esforça para suavizar o machismo, e até se sai bem. No resto não há como atacar alguém que crê na bondade, na vida como aprendizado, e na evolução das almas rumo a perfeição.
  Penso que todos vocês, mesmo os ateus, deveriam ler este livro. Não pense que ele vai os irritar ou tentar os converter. Talvez vocês se surpreendam ao perceber que desde sempre suas estradas são as mesmas de Lewis.

C.S.LEWIS, ALÉM DO UNIVERSO MÁGICO DE NÁRNIA. ORGANIZADO POR ROBERT MCSWAIN E MICHAEL WARD.

   Poucas coisas foram piores no século XX que a transformação da Imaginação em brincadeira ou brinquedo. Tão ruim quanto, foi a afirmação da Razão como um tipo de fetiche ou de superstição. É disso que trata este livro. Lewis foi um homem de letras, professor, escritor, que lutou pela reconciliação. Ele via nossa vida como um Todo. Imaginação e razão, fé e conhecimento, intuição e experiência, tudo isso unido dentro de uma alma individual. E existindo fora, no universo. A imaginação como um poder central, uma verdade, um conhecimento intuitivo. Mas o livro é muito mais.
  Cerca de 50 intelectuais escrevem sobre Lewis. Cada um pega um tema ( obras, poemas, filosofia, teologia, politica.... ) e analisa Lewis dentro desse campo. Os textos são críticos. Nunca elogios vazios. O que salta desse volume de escritos é precioso. Ele nos faz pensar. Melhora nossa visão. E para mim descortinou todo um campo, imenso, de saber que eu desconhecia. Nosso mundo intelectual, este do século XX ( ainda ele ), desvaloriza e sente imenso preconceito contra todo tipo de razão que leve em conta imaginação e intuição. Nossos gurus são incapazes, e se orgulham disso, de pensar em termos unos. Para eles a razão exclui a imaginação e a lógica mata a intuição. Eles se esquecem que seus gurus, Shakespeare, Giordano Bruno, Montaigne ou Espinoza pensavam no modo harmônico. Eram homens de antes da ruptura que dividiu a mente e a alma em campos desarmônicos. Eram inteiros.
  O livro portanto me exibiu uma série de pensadores que conseguem raciocinar em termos integrais. Procuram aceitar a totalidade. Não são discriminadores. Mas posso falar mais sobre este belo volume. Posso falar sobre a palavra alemã que designa um estado de espírito " Onde desejamos sabendo jamais satisfazer esse desejo, e mesmo assim esse desejo é mais prazeroso que uma satisfação."
Posso falar sobre o ateu Lewis, ateu radical que zombava de Deus, e o modo como ele se converteu, lento e doloroso. Posso ainda contar que sua explicação sobre o porquê da existência do mal é engenhosa e racional, quase convence, e dá um sentido à dor.
  Lewis tem principalmente vários pontos de afinidade comigo, talvez o principal a condenação que ele faz ao niilismo. O mal irremediável que se esconde num certo tipo de arte que transforma o homem em menos que um inseto e faz da vida um estrumeiro. Essa arte é profundamente imoral, pois ela destrói por destruir, nada traz de novo ou de bom. Ela é fácil de fazer, falsa em sua profundidade covarde e fake, tola em sua moral amoral. Posa de tudo aquilo que não é. É lixo.
  Mas não se trata de uma censura. Ela existe e sempre existiu. O problema é que esse niilismo se confunde hoje com A Verdade. É como se toda arte tivesse a obrigação de ser sórdida para ser séria. Ou pior, propagar o mal para poder ser considerada inteligente.
  Inteligência é alegria. Nunca tal qualidade foi considerada uma dor. Hoje é.
  A grande mensagem do livro é essa. A vida é uma alegria. Viver é um sorriso.
  Neste século, nada pode ser mais revolucionário que a alegria.

C.S.LEWIS, O HOMEM NÃO É NATURAL

   Estou lendo um grande livro sobre o autor C.S.Lewis. Cerca de 50 filósofos, historiadores e escritores escrevem textos sobre os pensamentos e ideias de Lewis. Quando terminar de ler escreverei algo sobre a obra. O que desejo falar agora é sobre uma ideia central de Lewis que é muito próxima a certas coisas que acredito.
  Ele diz que o Homem não é parte da natureza. Natureza é tudo aquilo que nos cerca. O mundo, o universo são naturais. O homem, sempre intuitivamente sentindo-se fora de lugar, está em meio à natureza, mas nunca faz parte dela. Lewis então desenvolve essa ideia e chega à moral. Explico.
  Se o homem fosse apenas um grupo de células, e se a vida fosse somente um acidente, nada teria nos levado à moral. A hipótese de um costume histórico ou de uma invenção não se sustenta. Nosso mal estar perante o sofrimento, nosso apego a animais, nossa ideia de bem e de mal não se explicam se a vida for vista como acidente. Assim como a razão não se encaixa em um universo acidental. Se fosse o universo apenas uma explosão sem sentido, a razão não teria lugar nesse absurdo inconsciente de sua condição absurda.
  Todos esses pensamentos vão radicalmente contra o mundo pós Darwin. Lewis tem total compromisso com o sentido. E sua mais bela ideia é a que diz que a história tem sido, desde o renascimento, um caminhar reto e resoluto rumo a transformação do homem em desumano. Tudo aquilo que define um homem : moral, razão, alma, imaginação, história, tem sido cruelmente destruído. O homem se faz como um adorador da ciência, e ciência é voltada apenas e tão somente à natureza, àquilo que nos é dado pela vida lá fora. Para poder estudar o homem ela faz do homem mais uma parte da natureza, mais um acidente.
  Lewis diz que nesse mundo sem humanidade, só podem existir 3 modos de viver ( ou de estar ): o absoluto niilismo. O hedonismo radical. E a convivência angustiosa onde se procura desesperadamente um sentido onde ele foi negado. Mas haverá saída...
  Para cima e para dentro. Esse o mote de Lewis. E deixo com você esse mote para ser pensado. Para cima e para dentro.

UMA HABILIDADE PERDIDA...J.R.R.TOLKIEN, O SENHOR DA FANTASIA- MICHAEL WHITE. PORQUE GENTE COMO EU DETESTA O SENHOR DOS ANÉIS.

   Em 1997, numa eleição feita por uma rede de livrarias inglesa, O Senhor dos Anéis foi eleito o melhor livro do século XX. Com profunda indignação, autores modernos expressaram um profundo ódio pela coisa. Uma crítica feminista chegou a dizer:- Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus, meu Deus!!!! Onde chegamos!!!!!, um outro disse:- Tolkien? Não é aquele cara que escreve livros tolos para adultos mentalmente deficientes?
 Suspeitando de fraude, o jornal Daily Mail fez outra pesquisa. Mesmo resultado, com Ulysses em segundo lugar. No auge da raiva, uma associação de leitores cultos da Grã-Bretanha fez mais uma votação. Essa incluindo livros de todos os tempos. Por 120 votos de diferença, Tolkien venceu Jane Austen e deixou Dickens em terceiro. Well...
 O autor desta bio tem uma boa tese. Mais que boa, talvez seja um fato. No modernismo, começado com Flaubert e desenvolvido por Henry James, o estilo importa mais que o enredo. Voce pode escrever sobre qualquer coisa, voce pode escrever sobre nada, contanto que alí haja um estilo próprio, uma marca de autoria, um sinal de voz única. Esse movimento, muito interessante em seus começos, levou a um impasse, o fim do enredo e com ele a morte da habilidade em se narrar uma história. Mais que isso, a incapacidade de se criar personagens. Livros modernos passaram a falar apenas do eu e de mais nada. Para White, Tolkien foi e é tão odiado por jogar na cara de certos escritores sua incapacidade em escrever. Sim, em escrever. Não sabem narrar, não conseguem inventar uma história, não têm o dom de construir livros coerentes em si, ricos de invenção e de personagens, criativos e organizados. Sabem apenas falar de si-mesmos. São impotentes em criação e sobretudo em imaginação. 
  Não precisei ler este livro para aceitar essa tese. Tentei ser um romancista por toda a vida e desisti porque percebi que não sei escrever. Ou melhor, não consigo criar. Tudo o que escrevia eram confissões sobre coisas que vivi, presenciei ou sofri. Escrevo, portanto, aquilo que não gosto de ler. Por honestidade, desisti. Foi assim que me encantei por aquilo que não tenho, e que poucos hoje têm ( e quase ninguém confessa ), o dom de criar. Inventar uma boa história e saber contá-la, de forma clara, encantadora, rica e excitante. Alguns conseguiam unir o estilo moderno a esse dom criativo ( Nabokov, Borges, Bellow ) mas são raros. A maioria finge ter optado pelo hermético quando na verdade são apenas limitados. Jack Kerouac é um belo exemplo de escritor que escreve sem ter  a mínima criatividade. A lista não tem fim. Tolkien ao escrever criou personagens, cenário e narrativa. E assim pareceu ultrapassado em 1954, ano de O Senhor dos Anéis. Tempo em que Camus, Sartre e Moravia eram a moda. O que aconteceu foi a maior zebra do século: um autor conservador, careta, metódico, meticuloso e ultra-católico se tornar o ídolo de adolescentes rebeldes e criativos. 
  A história de Tolkien é fascinante por não ser boêmia. Ele não tinha vicio nenhum, pouco ligava para sexo, detestava tudo o que era moderno e só gostava de livros escritos antes da renascença. Achava Shakespeare fake, Cervantes um chato e Dante um mal exemplo. Amava narrativas antigas escritas em inglês arcaico. Sabia várias línguas nórdicas. Desprezava o francês. Foi professor em Oxford. E tinha uma dificuldade imensa em ganhar dinheiro.
  Sua infância foi um desastre. O pai foi para a África do Sul e Tolkien nasceu lá. Seu ambiente até os 3 anos foi esse, longas estepes quentes. A mãe passava mal no calor e ele voltou à Inglaterra com ela e um irmão. O pai, que trabalhava muito, ficou para juntar mais dinheiro. Acabou morrendo meses depois, com uma infecção. A mãe, muito pobre, foi morar com parentes em casas lotadas. Quando ela se converteu ao catolicismo toda a família lhe virou as costas. Ninguém a perdoou por virar uma papista. Poucos anos depois ela morreria de diabetes. Tolkien sempre consideraria que ela fora morta por abandono, por ódio religioso, por perseguição. 
  A vida de Tolkien passa a ser uma confusão. Mora com parentes. Alguns menos ruins, outros terríveis. Ele e o irmão mais jovem ( 3 anos de diferença ), vagam como ciganos, mudam de casa sem parar, e estudam. Um padre os ajuda e esse padre se torna um novo pai para eles. Tolkien consegue passar em Oxford e sua vida será para sempre acadêmica. 
  Se enamora de uma moça 3 anos mais velha, Edith. Têm um longo noivado. Tolkien luta na Primeira Guerra,conhece as trincheiras, vê amigos morrerem, fica doente, consegue sobreviver. Se casa e será pai de 4 filhos. Amoroso, sua vida passa a ser uma luta por dinheiro.
  Escreve de noite. Narrativas épicas sobre um mundo de fantasia. Deixa sua imaginação fluir. Escreve muito, corrige muito, reescreve. Lança O Hobbit e faz sucesso. Não aproveita a maré e demora 17 anos para lançar outro livro. O Senhor dos Anéis sairá apenas em 1954, após mais de uma década de escrita, correção, dúvidas, negociações. Um sucesso imediato, a saga toma novo impulso em 1966, quando estudantes universitários o descobrem. Mais uma geração de fãs surge aí. Desde então novas gerações se sucedem e o livro nunca mais deixa de vender. São 120 milhões até 1995. Após os filmes, mais 10.
  Tolkien morre em 1973. Rico, mas ainda sovina. Discreto, com medo da fama, sem entender o porque de tanta adoração. 
  Como homem Tolkien era um daqueles ingleses que não mais nascem. Um homem que adorava conversar com outros homens, inseguro com mulheres, o tipo que considera o máximo de alegria ter um cachimbo aceso e uma poltrona quente ao pé da lareira. Passava noites com seu grupo de amigos ( C.S. Lewis era seu melhor amigo ), discutindo livros, religião ( Lewis era protestante até a medula ), aulas. Tolkien não tinha o menor interesse por politica, música ou arte em geral. Odiava comida francesa, adorava cerveja preta, tinha um excelente dom para as aulas, e nunca foi visto sem o cachimbo na boca. Falava com ele pendurado no lábio. Seu mundo era seu escritório, a coisa mais importante era o catolicismo. Rezava muito, acreditava no poder da fé e ia muito `a igreja. Era ecológico antes do termo ser moda, ficava bravo quando uma árvore era derrubada, tinha aversão a carros, TV e toda máquina. Vivia suspenso no mundo imaginário do século XI ou XII. E escrevia todo o tempo.
  Terminando a leitura fica a impressão que, assim como aconteceu com Chagall, por méritos próprios, Tolkien foi um grande vencedor. Não no sentido material. Vindo de uma infância de desamparo, de pobreza e de dor, ele, com a força de sua mente, venceu. Foi professor na maior das universidades e de quebra eternizou seu nome nos corações de milhões de leitores. A sorte nunca fez parte desse ganho. Na verdade ele venceu o azar. 
  Quanto a minha opinião. O título que usei foi propositadamente enganoso. Eu odiava os filmes dos Anéis sem os ter visto. E odiava Tolkien com o orgulho idiota de jamais o ter lido. Era como se ao dizer ODEIO TOLKIEN eu declarasse ser invulgar, culto e adulto, tudo ao mesmo tempo. Estranho fenômeno esse, ao NÃO fazer algo ( ler Tolkien ) me torno um leitor melhor. Uma verdadeira asneira de nosso tempo. Preconceito de classe. 
  Comecei a mudar no momento em que percebi que minha leitura estava travando. Lentamente eu perdia o prazer da leitura. Meu preconceito, a vontade que me foi imposta de só ler o que fosse ""relevante, único, brilhante"", dava ao ato de ler o sabor de coisa fria, estéril e ocasionalmente mórbida. 
  Lembro de quando isso mudou. Foi com Sherlock Holmes. E em seguida com os livros de Jeeves. O prazer de se acompanhar uma trama, de se conhecer personagens bem criados, de sofrer surpresas, de se crer naquilo que se lê, me salvou do abismo do desprazer. Reconquistei a magia da leitura. Foi uma sorte.
  Desde então respeito e invejo, assumidamente, todo criador. Admiro o dom, arcaico e primordial, que alguns poucos têm de nos fazer viajar através das palavras. De poder recuperar a hora da história ao pé do fogo. 
  Esse dom não tem explicação. E esse presente não tem preço.

AS CRÔNICAS DE NÁRNIA, TODOS OS SETE LIVROS- C.S.LEWIS. O PRAZER DA LEITURA.

   Lembro bem. Lembro do prazer que eu senti ao ler A ILHA DO TESOURO, de R.L. Stevenson pela primeira vez. Consigo ver o sol que iluminava as páginas e sentir o cheiro que o volume exalou quando livre do plástico que o aninhava. E esse prazer nascia da narrativa. Eu lia por causa de Jim, o personagem principal e não por causa de Stevenson. E eu estava lendo em Bristol e depois no mar e não em minha casa. A narrativa me levava a ler. Era a fé naquilo que é narrado. Eu não lia um autor escocês chamado Stevenson. Lia o que um garoto de Bristol me contava, Jim. 
   Esse é o prazer que reencontro em Lewis. Vamos tentar falar dessa obra imensa e magnífica. Li todos os sete livros. E digo, foi um tremendo prazer. 
   AS CRÔNICAS DE NÁRNIA começaram a ser publicadas em 1950, na Inglaterra. Nessa altura Lewis tinha 50 anos e era um homem conhecido. Professor em Cambridge, tinha programa de rádio e publicara diversos livros. Seu interesse central era o cristianismo. Nárnia seria portanto um livro cristão? Com certeza. Mas mais que isso ele é platônico. Para Lewis nosso mundo racional é apenas uma possibilidade. Mundos dentro de mundos, quanto menor, quanto mais dentro das coisas maiores elas ficam. Tudo o que vemos são pontas de icebergs. Perceber que isso tudo foi escrito na casa ao lado daquela onde Wittgenstein vivia e nas imediações dos físicos que criaram a teoria quântica faz todo o sentido do mundo.
   Logo se tornaram um sucesso e foram premiados. Como literatura infantil. E digo que uma das boas coisas de nosso tempo, 2015, é o fato de que a literatura infantil, assim como o cinema de animação, tem deixado seu gueto de lado. Existe boa e má literatura, não importa se para meninos, velhos, crentes ou ateus. Não importa se escrita por mulheres ou por indios. A literatura infantil tem duas coisas que a literatura ""mais séria"" tem temido tocar: a criatividade despudorada e a crença naquilo que se narra. Lewis acredita no que escreve.
   Será preciso falar da história? Do portal que une mundos? Um desses portais é um armário, outro é uma estação de trem ( Harry Potter bebeu muito aqui. Sem Lewis não haveria Harry. ) Mas pode ser um muro de jardim ou uma luz. Esse outro mundo é mais real que nosso mundo. Esse outro mundo é o mundo que suspeitamos existir. Lewis o descreve para nós. Nele há uma luta. Bem e mal guerreiam. É um mundo onde o bem é o bem, e o mal é o mal. Maniqueísta? Não bem isso, pois há gente má que se torna boa. Mas a luta acontece. 
   Nárnia tem muito de paraíso ecológico. Árvores têm alma e alguns animais falam ( não todos ).  As crianças de nosso mundo, que cruzam o portal, vão lutar pelo bem, passar por aventuras, crescer e voltar para cá. E há Aslam. 
   Aslam é um enorme leão. Ele criou Nárnia. E ele cuida do sentido das coisas. Mesmo que a vida pareça não fazer sentido, tudo se revela depois de um tempo. Visto à distância, cada um tem o que merece. Ou não. Pois Aslam só intervém em momentos decisivos. Sim, podemos dizer que Aslam é Jesus Cristo. Ele chega a morrer e retornar. E é admirável o modo como Lewis encaixa esses acontecimentos. Há uma lógica perfeita nessa fantasia. A crença na fantasia faz com que a tal realidade perca seu valor. Nosso mundo, lendo os livros, parece se tornar pouco importante. O mundo decisivo está aqui, mas não é o que vemos. Cada ato nosso repercute no universo mais real, no mundo de Aslam. É uma responsabilidade grande. E é isso que amadurece as crianças.
   O primeiro livro, na ordem em que Lewis desejou que fossem lidos, O SOBRINHO DO MAGO, narra a criação do mundo de Nárnia. Aslam cria todo esse mundo e Lewis descreve, com muita simplicidade, essas imagens. Há uma feiticeira do mal, as primeiras crianças da Terra, e a primeira explicação sobre a relação temporal entre os dois mundos. Mas, devo dizer, este talvez seja o mais fraco de todos os sete. É bom, mas jamais encanta.
   O segundo livro é o mais famoso, O LEÃO, A FEITICEIRA E O GUARDA-ROUPA. Este sim, completamente viciante em sua maravilha. Crianças, Lucia, Pedro, Susana e Edmundo, são transportados para Nárnia. Edmundo será seduzido pelo mal, Lucia será a mais poderosa em relação ao bem. Suspense e poesia se mesclam criando uma fantasia inebriante. Jamais sabemos se o bem poderá prevalecer. É uma saga que abre nossa mente para a criatividade. E é um belo livro.
   O terceiro se chama O CAVALO E SEU MENINO. É um dos meus favoritos. ( Tenho dois como favoritos ). Fala de fuga, travessia de um deserto, medo e sofrimento e tem um sabor de Mil e Uma Noites que me deixou completamente apaixonado. Acima de tudo, é este o mais aventuroso, o que esbanja mais ação e tem personagens muito bem descritos. O tipo do livro que voce sabe que um dia vai ler outra vez. E talvez com mais prazer ainda. O sol, a sede, a areia, voce vive dentro dessas paisagens e desses estados. Fantástico.
   PRÍNCIPE CASPIAN é uma delicia. Narrada por um anão, é cheia de mistério. Muitas lutas, muitas reviravoltas e talvez seja a menos simbólica dentre todas as histórias. Caspian é um grande personagem! Como voce já deve ter notado, cada livro acrescenta personagens. Cada livro se passa em uma época diferente.
   A VIAGEM DO PEREGRINO DA ALVORADA é o quinto livro e é perfeito. Empatado com O CAVALO E SEU MENINO, é meu favorito. Num navio a remos e velas, partem os aventureiros em busca do fim do mundo. Este é o volume estilo ""história de pirata"". Personagens apaixonantes: RipChip é um rato que luta como um herói de Walter Scott. Ilhas de horror, de sedução, decepções, muitas surpresas. Lewis está aqui em pleno dominio. Um livro para guardar na alma. Sensacional.
   O sexto livro é de todos o mais triste e o mais trágico. A CADEIRA DE PRATA traz muita melancolia à saga e um sabor cristão bastante explícito. O sofrimento se acumula. É um bom livro, mas após tanta maravilha ele nos dá um travo azedo. Recomendo a quem for ler toda a saga que não faça o que eu fiz. Que leia os cinco primeiros e espere alguns meses para ler os dois últimos. O choque será menor.
   O último livro se chama A ÚLTIMA BATALHA e é o mais simples. Nárnia acaba, o mundo morre e Aslam surge para....Não conto o final. É um livro bonito, arremata toda a saga em tom de beleza, mas o auge de NÁRNIA está nos livros dois, três, quatro e cinco. 
   Termino este texto citando uma fala de A CADEIRA DE PRATA. Fala que explica toda a obra de Lewis.
   ...estou do lado de Aslam, mesmo que Aslam não exista. Quero viver como um narniano, mesmo que NÁRNIA não exista. Assim, agradecendo esta ceia, agradecendo a estes dois cavalheiros e a esta dama, estamos de saída para os mundos da escuridão.  Passaremos o resto de nossas vidas procurando o mundo de cima, o mundo de Aslam. 
   Se a vida real, a vida da Terra, é tão chata como voces dizem, prefiro este mundo de ilusão.
   Essa é toda a crença de Lewis. E diz ele que essa é toda a crença cristã. Apostar na fantasia crendo ser a fantasia a verdade final. 
   Há modo melhor de viver?
  

CLIVE S. LEWIS E A ESCRITA PARA CRIANÇAS

   Imaginário é algo que foi criado falsamente pela mente humana. Imaginativo é a tentativa da imaginação em responder algo verdadeiro, porém, obscurecido.
   A frase acima é de Lewis e se encontra como um comentário aos seus livros sobre Nárnia. Se nessa obra, por exemplo, os animais falam, há um motivo para isso. Não é um simples desejo de fantasia, que seria válido também, mas sim a busca por uma resposta. Segundo o próprio autor, os animais falam porque NADA nos autoriza a nos sentirmos donos de suas vida e de suas mentes. Eles falam como ato que lhes dá o direito de existir independentes da vontade humana. ( Já que o homem só dá direito àquele que pode falar). Lewis lutou contra as experiências feitas em animais, contra a tortura dos bichos e não é por acaso que um dos mais heróicos dos personagens seja um rato, exatamente o menos valorizado dos bichos. Digamos que Lewis fez conscientemente aquilo que a Disney fez sem querer: aumentou nossa estima aos animais através de sua humanização. Nessa luta, da qual faço parte, esse não é o caminho ideal, mas é o único que funciona. Porque a verdade é que o respeito aos bichos deveria vir do fato de eles serem radicalmente diferentes de nós e não por serem primos. O respeito deveria ser o da Noblesse obligée, a obrigação nobre de proteger os mais fracos.
   Mudemos de assunto.
   Em nosso mundo desconfiado, e por isso profundamente descrente, o autor dito sério sente-se proibido de narrar. É como se todo escritor adulto e talentoso tivesse a obrigação de desconfiar sempre. Desconfiar do entendimento do leitor, desconfiar da comunicação entre autor e leitor, ser blasé em relação sua profissão e mostrar a todos que ele, o criador, tem inseguranças e não sabe se aquilo que escreve pode ser considerado algo de real. A escrita adulta se torna assim sempre claudicante, tateante, escurecida pela dúvida. É como se o autor já partisse da certeza do fracasso. Ele pensa em não se entendido e não poder criar à priori. É a escrita da impotência.
  No mundo da literatura dita infantil ou juvenil, isso não existe. Por estar escrevendo em teoria à mentes mais jovens, o autor se solta e deixa de se preocupar com a realidade. No lugar dessa realidade social ou moral se coloca a verdade da fantasia. O autor se autoriza a criar, criar sem se preocupar em ser verdadeiro ou não, relevante ou não. Assim, a fé na narrativa pode assumir o controle. Pois se o autor comete o maior dos pecados, que seja, crer na força da narração, acreditar ainda no poder embriagador de um livro, isso se dá pelo fato de ele pensar estar escrevendo para gente que ainda está salva do cinismo. Gente pequena. Se o autor é um cinico, o que aqui não é o caso, ele escreve para não cinicos. E assim pode crer naquilo que conta, assumir essa fé e relaxar em seu oficio. Inexiste a necessidade de se ironizar.
  Os livros contam histórias. Boas histórias. Excelentes histórias. E nessas semanas me trouxeram a recordação do porque comecei a ler e do porque me apaixonei por esse ato privado. Por gostar de encontrar outro mundos que são meus mundos. Por adorar crer na verdade e um personagem, seguir sua saga e não ficar todo o tempo pensando no estilo e na originalidade de escrita do autor. Crer naquilo que se lê. Entrar dentro das páginas.
  Tudo isso acontece nesses livros. E assim tive muito prazer em ler. O prazer comum, simples e honesto. Escutei lendo. E li escutando.
   E guardo esse mundo dentro de mim. Passou a fazer parte. E, segundo Lewis, passou a fazer parte porque sempre esteve lá.

C.S.LEWIS, DO ATEÍSMO ÀS TERRAS DE NÁRNIA, BY ALISTER MCGRATH

    Leio com surpreendente prazer a bio deste escritor, professor e famoso apologista inglês. Hoje, com certeza, mais famoso por sua série de livros infantis sobre Nárnia, Lewis foi durante os anos 40 e 50 uma celebridade na Inglaterra e nos EUA. 
   Nasceu em lar de razoável conforto e logo cedo perdeu a mãe. Mesmo assim viveu uma bela infância, livre, gasta em brincadeiras com o irmão. O pai lhe deu o amor aos livros, mas os dois nunca se deram bem. Lewis enfrenta as trincheiras na Primeira Guerra e é ferido. Estuda em Oxford e depois se torna professor de literatura inglesa na mesma escola. Sua predileção é pela idade média e renascença. Faz amizade com Tolkien, que também leciona em Oxford. Ateu exaltado, racionalista, lentamente se converte ao cristianismo. Como? 
  Na verdade nada acontece de espetacular. Lewis se torna cristão por questões literárias. Ele vê Deus como um tipo de sol. Com a presença de Deus a realidade se ilumina, as coisas ficam mais claras e as obras de arte são melhor entendidas. Lewis diz que a absoluta falta de fé leva a arte ao vazio. Obras sem vida, frias e mal executadas, personagens ralos, textos que falam apenas do autor que os escreve, textos mortos. 
  Na Segunda Guerra ele faz uma série de programas para a BBC. No rádio se torna famoso. Fala sobre Deus às pessoas, aos soldados. Lança livros sobre religião, sua fé e a do cristianismo "puro e simples", independente de igrejas. Sua fé e sua fama fazem dele um solitário em Oxford. Perde a amizade de Tolkien, que se sente roubado quando ele lança a saga sobre Nárnia, que estoura em vendas nos anos 50. Sai de Oxford e é chamado por Cambridge. Morre em 1963, no mesmo dia em que Kennedy é assassinado. Crítico feroz dos tempos modernos, é logo esquecido nos anos 60, visto como um velho inglês conservador e ultrapassado. Renasce nos anos 90. Volta a moda no século XXI.
  Alister McGrath escreve de modo leve, mas nunca tolo. Também professor, em Oxford, tem flagrante carinho por Lewis, mas não deixa de demonstrar as falhas em seu pensamento. Lewis tenta demonstrar que a razão foi um dia irmã da criatividade. As duas se separaram logo depois da renascença e com o correr do tempo se fizeram inimigas. Essa a grande tragédia da modernidade. A razão deve ser aliada da imaginação e saber que criar é saber. A verdade está naquilo que imaginamos. Mitos, lendas, sagas, sinais de verdades, pistas de sabedoria, modos de tornar claro aquilo que vai além da miopia da razão.
  Devemos conhecer aquilo que não conhecemos. Ler o que não lemos, ir onde não fomos, tomar contato com formas alternativas de pensar e de sentir. AUMENTAR NOSSA VISÃO. IR ALÉM DA NOSSA JANELA.
  Cabe a imaginação reorganizar a realidade, colocar o real em novo arranjo e assim torná-lo inteligivel. Só fala em Mundo sem Sentido aquele que não consegue ou não quer ver a realidade iluminada da vida. 
  O mundo faz sentido para Lewis. Deus o fez ver o sentido. Iluminou a vida e lhe deu a liberdade de criar. Lewis fez mapas que nos ajudam a perceber onde estamos e de onde viemos. Se ele estava certo ou errado jamais o preocupou. Porque ele criou e nessa criação achou a vida real.
  O que mais uma filosofia pode nos dar?

IMAGINAÇÃO

   O amor que sinto por minha mãe é inquestionável. E ela as vezes, triste ou doente, poderia ser ajudada por certas coisas que eu poderia fazer ou falar. Mas ela pensa que me conhece, e na imagem formada que ela tem de mim, um homem frio, distante, indiferente, se fecha a minha palavra. Não posso a ajudar porque ela não me escuta. Quando tento falar ela não me entende, não me ouve, não me quer por perto. 
  E espero então, só posso esperar que um dia ela olhe e me veja e entenda aquilo que posso lhe dar: Ajuda.
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  Ando lendo a bio de  Lewis. E ele fala de como entende o amor de Deus. 
  Acho que o entendo.
  Jamais terei a certeza.

  A vida pode ser o desejo de poder. A vida pode ser o instinto sexual. Mas eu penso que não. A vida é ansiedade. A ânsia por algo que conhecemos e não conseguimos ver. 
  Não somos como bichos. Mas podemos amar os bichos. Eles nunca nos ajudarão. E se podemos os ajudar, temos o dever de os ajudar.
  O homem pode ser cruel. A vida pode ser um inferno. Mas se conseguimos imaginar a bondade, se pudermos sentir saudades da paz, então temos o dever moral de crer na paz e na bondade. Se um dia criamos a moral, temos a missão de a afirmar.
  A vida não é feita de relativismos. Existe o mal, existe o bem. E fora do futil jogo de palavras sabemos o que seja bom e o que seja mal. Como sabemos o que é a paz, a beleza e a felicidade. Mesmo que estejamos exilados.
  
  Tenho me tornado um babaca religioso. Porque eu não sei. Mas ser babaca é hoje a maior das coragens. Não é cool ser babaca. E nem é fácil.
  
  Enquanto houver violência no mundo não haverá sono. 
  
  Aquilo que se imagina foi, é agora ou será um dia.
  Viver é imaginar a vida que se vive.
  O resto é morte.

A LITERATURA E A MORTE DE DEUS

   Tenho lido a biografia de C.S.Lewis. Tenho um profundo amor por essa turma, esses ingleses que viveram entre 1890/1940, essa época de Eduardo, de George. Lewis tinha uma vida dupla, era um dos mais destacados professores de Oxford, um dos melhores críticos literários e talvez o melhor leitor de seu tempo. E ao mesmo tempo escrevia livros populares, é ele o autor da saga de Nárnia. Não por acaso, um de seus melhores amigos era outro grande professor de Oxford, J.R.R.Tolkien. O que seus contemporâneos não conseguiram entender é algo que nosso tempo, felizmente, consegue compreender um pouquinho melhor ( mas ainda com muita ignorância ), Lewis tentava unir a razão a criatividade, um casamento que foi um dia a regra entre artistas, mas que no mundo moderno havia sido cada vez mais raro. Ele e Tolkien procuravam salvar a literatura da asfixia onde ela se encontrava. Que asfixia era essa?
 Há que se dizer que nos seus primeiros trinta anos de vida foi Lewis um racionalista. Em seu diário ele diz que conseguia deixar cada coisa numa gaveta separada de seu cérebro. E mesmo a experiência na Primeira Guerra, ele esteve nas trincheiras, foi colocada em lugar seguro, longe da parte central de sua vida. 
 Ateu convicto, Lewis começou a perceber, em seus estudos literários, ele logo seria um dos melhores professores de literatura inglesa, que os autores ateus, céticos, os que colocavam todo campo espiritual de lado, tinham sempre uma prosa limitada. Esses escritores não conseguiam criar vida. Seus livros são como teatro de bonecos, os personagens jamais parecem reais, o que esses relatos transmitem é sempre a voz do autor, em total isolamento, lutando para criar vida, e sendo sempre derrotado. Porque isso acontece? Porque a criatividade desses escritores é sempre castrada, truncada, tristemente árida? E porque escritores como Sterne, Dickens, Dostoievski, Tolstoi, Balzac, Stendhal, conseguem criar tanta vida, tantos personagens que falam, agem, vivem como se fossem gente de carne e de osso? Mais que isso, porque esses escritores parecem ter tanto interesse na REALIDADE? Descrevem árvores, cidades, guerras, rostos, bichos e mares como se os conhecessem em profundidade. O que eles, assim como Huxley, Lawrence, Waugh, têm que Wolff ou Dreiser não têm?
 Lewis percebeu então que o que unia os autores criativos era a não negação do mundo espiritual. Para eles a ruptura entre razão e criatividade nunca se deu COMPLETAMENTE. Eles não dissecavam a criatividade, não extirpavam o maravilhoso da razão, em suma, e para seu espanto de ateu, eles jamais mataram Deus. Podiam blasfemar, duvidar, amaldiçoar, mas não ignoravam Deus. Lewis ficou aterrado ao se deparar com isso. Tendo Deus dentro de seu mundo, autores como Dante e Cervantes conseguiam criar como jorro, eram completamente férteis. Criar para eles não era um problema, era um dom divino, uma herança bendita. Com a morte de Deus a criação começa a ser tomada por algo de herança maldita. Ser criativo se torna uma ilusão, uma doença, um problema e deve assim ser analisado, domesticado ou negado. Como a religião, o homem da razão deve ENTENDER a criatividade a luz da razão e nunca com a colaboração da razão. Criação e razão se divorciam. Dois antagonistas. Toda criação deve ter um porque, um motivo, um símbolo. Nessa aridez a criatividade morre, daí a secura mórbida de tantos autores modernos. Fez-se com o ato criativo aquilo que se fez com o Criador. 
  O resto, que tem surpreendentes semelhanças com meu processo espiritual incompleto, deixo para futuro post.

ALÉM DO PLANETA SILENCIOSO- C.S. LEWIS ( O PLANETA MUDO É ESTE E ELE ESTÁ MUDO PORQUE? )

   Ás vezes a grandeza dos gênios nos é dada pela comparação com o pequeno alcance dos meros talentosos. O hábito de ler coisas brilhantes faz com que o gosto se apure, e sem perceber voce passa a notar a diferença entre o verdadeiro criador e um mero "talento". Lewis está longe de ser um grande escritor. Mas sempre tive a curiosidade de ler algo do autor de 'Nárnia". A filosofia que ele usa muito me interessa ( cristianismo puro ), e lê-lo era para mim uma questão de tempo.
   Mas sinto dizer que sua escrita é banal. E entenda bem, estou falando de seu "estilo", não daquilo que ele pensa e tenta nos passar. Este livro fala de um linguista ( na verdade é seu amigo, Tolkien ), que é raptado por dois ex-colegas de Cambridge. Os dois o levam em nave para um planeta onde, em que pese a aparência primitiva dos seres e das coisas, há um enorme desenvolvimento filosófico, o que os leva não só a paz, como também a serena aceitação da morte e da extinção. Poderia ser um grande livro, mas Lewis escreve mal. Aborrece em descrições infindáveis da paisagem, não consegue criar encanto, empatia, e sua linguagem é óbvia, redundante, banal.
   Porém, existe um pensamento, ensinado pelos seres intergaláticos, que é de bela complexidade. A de que o verdadeiro prazer da vida reside na memória. Mas não a memória saudosista, que é a vontade de voltar ao que foi vivido, mas sim a memória que tem a sabedoria de saber que tudo de bom na vida dura uma hora ou um dia, e que na lembrança que permanece, esse momento dura toda uma vida. É no lembrar que reside a verdadeira alegria. O momento feliz é apenas isso, um momento, mas a recordação é uma alegria para sempre.
  Há um outro pensamento, este dado pelo tipo de "deus" do planeta. A de que o fato de na Terra só haver um ser racional ( nós ), cria uma grande pobresa de vida e de entendimento. Como aqui só existe um tipo, uma única forma de pensamento, não temos com quem, ou com o que trocar experiências, não temos onde aprender, onde conceber novas formas de razão. É um único ser falando, eternamente, consigo mesmo. Nenhuma troca. Nada. No planeta visitado existem três formas de razão, três seres inteligentes, três modos autônomos de ver, sentir e pensar. O diálogo entre eles os enriquece, eles são três vezes mais complexos.
  É um livro mais ou menos, mas esses pensamentos são grandes. Muito grandes.