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LIGEIRAMENTE FORA DE FOCO- ROBERT CAPA

   o melhor fotógrafo de guerra relata sua experiência na segunda-guerra. Na verdade era para ser um roteiro de cinema ( e que filme soberbo ele seria! Principalmente se botassem Huston pra dirigir ). Heminguay deu uma ajuda ao amigo, o livro tem um másculo sabor que remete ao autor americano de O Sol Também se Levanta. Mas isso é marca do tempo. Escrever em inglês em 1940/1960 era geralmente escrever como Heminguay. 
  Capa salta de paraquedas e é dos primeiros homens a cruzar o canal e aportar na França. É o dia D. Suas fotos são definitivas. E seu relato? É bom, nos sentimos lá. Capa esteve nas guerras da Espanha, da China, na França, na Alemanha, em Israel e na Indochina ( Vietnã ). Aqui é só França e Alemanha, O melhor episódio é seu encontro com os espanhóis que lutaram pela França. O coração de Capa está com eles. A sua guerra foi a revolução da Espanha. Guerra que marcou todos aqueles que lá estiveram. Heminguay, Capa, Orwell, Dos Passos, Steinbeck...
  O livro, da Cosac Naify, tem algumas fotos que eu nunca vira. São maravilhosas. Rostos de soldados, aviadores, camponeses, a resistência em Paris. Robert Capa nunca deixa de dar suas cutucadas. Tem humor irônico. Vê o absurdo, sente medo, mas nunca foge. A narrativa é entremeada por seu caso com uma inglesa em Londres, Pinky. Na verdade Capa teve muitas mulheres mas só um amor. E esse amor morreu numa explosão, na Espanha.
  Li todo o livro em poucas horas de prazer. Uma bela história de guerra. Sangue e confusão. 
  

PARIS- ROBERT DOISNEAU, O FOTÓGRAFO DA VIDA SIMPLES

   Porque precisava de dinheiro, pois nem todo fotógrafo tem a sorte de ser rico desde sempre como Bresson, Doisneau conseguiu um emprego de fotógrafo de publicidade, na Renault. Mas faltava tanto que logo foi mandado embora. E essa é a filosofia de Robert: "Desobedecer é uma questão de viver bem". Este belo livro da Cosac Naify, fotos da cidade de Paris, desde os anos 30 até a década de 90, exibe a vida de Doisneau, a mistura das fotos com seus comentários.
  Primeiro que ele nada tem contra o progresso. Diz jamais chorar sobre um edificio que desaba. Mas se assombra com a nova Paris. Tece um comentário perfeito sobre a impessoalidade dos novos prédios de aço e vidro:: "São todos idênticos. Querem o anonimato, a não-personalidade. Pessoas que lá vivem têm um anúncio de conformidade."
  Nos anos 50 Doisneau foi convidado para trabalhar na Vogue. Ficou apenas dois anos. E chegando sempre atrasado. A Paris que vemos em suas lentes é suja. E rica, muito rica. Ao contrário de Capa que buscava o drama, ao contrário de Bresson que sempre trazia o abstrato, Doisneau é um poeta, suas imagens são sentimentos. Todo o tempo.
   Fotos das ruas em labirinto, cheias de crianças, de gente, de ação, as fachadas que nunca s repetem. Cenas de Les Halles, com seus açougueiros, o sangue, o lixo na sarjeta. Bares de strip, as moças peladas, e a tocadora de acordeon, o rosto de pedra. Os moços da resist6encia, nas trincheiras, belos como modelos da Dolce e Gabanna! Vida real que parece um anúncio de modas...Doisneau é esteta por instinto!
  Crianças brincando, maio de 68, jovens bonitas de minissaia. Chuva no chão, fotos com cachorros, a França e seus chiens. Diz Doisneau que era comum um músico tocar na rua ( ainda é ), a diferença é que as pessoas cantavam com ele, em coro. Se cantava muito no metrô também. Em grupo.
   Bares com seus copos de Marc, de Absinto e de Calvados. O rio, bateau, muita gente pescando nas margens do Senna. E vinho.
   Robert Doisneau é feliz, porque ele vê a alegria mesmo no açougue. Percebe o medo na foto do bombardeio, mas mesmo assim a foto é bonita, tem equilibrio, tem charme...
  Se viver em SP tendo consciência de sua decadência é uma bosta, viver em Paris agora e saber aquilo que foi perdido...une merde!
  Mas...a vida segue, e Doisneau sabe viver. Os escuros das gráficas onde franceses imprimem panfletos, os discursos nas ruas, o homem com um falcão no ombro, o nobre com sua limousine cheia de cachorros, o salto sobre a poça de chuva, o olhar discreto na bunda de uma pintura... Discrição, sutileza, charme, o charme sempre, a discrição bonita, a sutil afirmação da presença.
  E o beijo, que tanta gente pensa ser foto de Bresson. A mais chic das fotos ( apesar de tão batida! ), a Mona Lisa das fotos de pessoas na rua... Não negue, ainda mexe!
  Que prazer de livro!!!

PORQUE OS HOLANDESES ERAM TÃO MAGROS?

   Quando em 1974 a seleção da Holanda, o mais revolucionário dos times, surgiu para o Brasil, o que mais me impressionou foi a magreza dos caras. Cruijff era cadavérico e Neeskens parecia um etíope branco. Logo depois, numa entrevista, o gênio do futebol europeu dizia que em sua infância ele aprendera a jogar bola nas ruas, entre as ruínas da guerra. O futebol holandês nada mais era que a lembrança daquela alegria do jogo de rua entre muros destruídos. Lindo não é?
   Leio então no livro de Alex Kershaw sobre Capa, que na Holanda pós-guerra, a ração diária a que cada um tinha direito mal daria para alimentar uma criança de 6 anos. De 1939 até a recuperação, que se dá apenas no meio da década de 50, europeus passavam fome. Manteiga, café, leite, carne ou ovos, eram artigo de luxo. A base era batata e pão preto. A falta de tecido é que originou a onda do vestuário mais simples, e não a inspiração de algum Dior. E a fome é que nos levou a magreza como beleza.
   As bios de, por exemplo, Keith Richards, MacCartney ou Peter O'Toole mostram isso: terrenos baldios, ruas em escombros, liberdade para andar e sumir, espaços de ninguém. Crianças nascidas entre 1935/1950, de poucos recursos, gripadas, sujas, famintas. Fabricando brinquedos, inventando jogos, sem conforto, usando a imaginação. Vendo os EUA como reino da fartura, sonhando com Hollywood e com Elvis.
   Todos eles ao crescer romperam radicalmente com esse passado miserável. Novos ricos, renasceram numa exuberância de sexo livre, drogas, sonhos, utopias e tempo em velocidade. Cresceram em meio ao caos, a carência material, mas por outro lado, conheceram a solidariedade entre vizinhos, a comunhão, sonhos de reconstrução, o ato de se dar valor a um pedaço de pão. Trouxeram para a vida adulta esse conhecimento. Saber o que seja nada ter. Saber o que é só poder contar com sua força e com a little help from my friends. Essa Europa, a Europa de quem hoje tem 80, 70, 65 anos, lhes vem a mente como pesadelo, pobreza "que parece ter sido irreal", ou nostalgia, saudade de "um lugar onde tudo era de todos e todos eram pobres. Juntos." Penso que essa geração, exatamente a que vem antes da minha, a de meus pais, foi a última geração européia a ter força e fé, por ser a última a ter conhecido o desespero e o horror na casa ao lado. A partir dos caras nascidos me 1955, 56 ( sou de 63 ), começa o mimo, a bundice, o não ter o que dizer por não se ter vivido. Tédio. É a geração flácida de Morrissey, a turma chic e esnobe, o povo que luta pela liberdade em um mundo que já liberou tudo.
   Leiam esse livro de Kershaw. É uma aula de história. Imperdível.

SANGUE E CHAMPAGNE-ALEX KERSHAW, A VIDA DE ROBERT CAPA, TRAGÉDIAS UTÓPICAS E CONCLUSÕES PRAGMÁTICAS.

   O livro é de uma beleza imensa. E simples. Cheio de suspense, a vontade é de o ler de uma vez só. Pode ser a melhor bio que já lí. Que me desculpe Richard Ellman.
   Capa nasce na Hungria e adota esse pseudômino ao se profissionalizar. Há uma lenda de que ele queria ser confundido com Frank Capra. Bobagem, Bob é um nome bem americano e ele quis parecer americano, e Capa era seu apelido de adolescência. Capa em húngaro quer dizer Tubarão. E como o tubarão, que nada e caça a vida toda sem parar, Capa viveu muito, sem endereço fixo, sem familia e nunca só. Ele tinha uma capacidade enorme em fazer amigos, estava sempre fazendo piadas e foi, entre seus amigos paqueradores famosos ( Picasso, John Huston, Gary Cooper ) o mais Don Juan de todos. Tinha jeito de criança levada, olhar de desejo, cheiro de aventura, humor, muito humor e bom gosto. Combinação irresistível para as mulheres. Não era bonito, era baixo, e nunca teve dinheiro, gastava tudo, mas era um rei. Fundou a agência Magnum ao fim da segunda-guerra, a primeira agência a defender e ser dona de todos os direitos dos fotógrafos, com Cartier-Bresson ( de origens nobres e sempre um cavalheiro ) e Seymour Chim ( de origem judaica e plebéia como ele ), fez da Magnum um novo capítulo na história das artes visuais. Chim fotografava a Europa, Bresson o oriente e Capa o que desejasse. Foi o mais famoso fotógrafo de guerra e o maior prêmio da fotografia de ação leva seu nome. O melhor do livro é observar as mudanças na vida de Capa, mudanças que contam a tragédia do mais triste dos séculos, o XX.
   O muito jovem Capa se faz promissor ao conseguir fotografar Trotski em comicio. Pouco antes de ser assassinado, o revolucionário russo faz um discurso. Capa sente cheiro de morte no ar e consegue fazer as únicas fotos do evento. Logo depois é mandado para a Espanha.
   A Espanha vivia então o sonho socialista em seu radicalismo total. Tudo era comunitário, a liberdade era absoluta. Uma mistura de solidariedade, sonho, idealismo e fé nos homens posto em prática. Mas logo a coisa azedou. O general Franco une tropas na África e avança sobre a Espanha. Hitler e Mussolini usam essa guerra como campo de provas, treinam tropas na ajuda à Franco e lançam novas armas. Socialistas de todo o mundo se alistam como voluntários para defender a Espanha livre. Orwell, Heminguay, Dos Passos, Steinbeck, todos se unem na luta. Capa fotografa e faz seu maior trabalho. Fotografa com paixão, toma partido, luta e corre riscos terríveis. Lança uma frase famosa: "Se uma foto não estiver boa é porque voce não chegou perto o bastante". Diz ele que as pessoas lutavam sorrindo. Iam alegremente para o sacrificio. Ainda acreditavam na morte por uma ideia. Crianças morrem nos primeiros bombardeios da história contra civis ( obra de Hitler ). Fome, dor, orfãos. Fogem espanhóis para a França. Cruzam os Pirineus na neve, morrem de frio aos montes. Capa junto. Na França são postos em campos de concentração para morrer. A França não quer se comprometer. Capa se aflige e faz piadas, dá humor para quem sofre, fotografa e divulga ao mundo a tragédia. Franco massacra espanhóis aos milhares. Vence. Será ditador por mais de 35 anos. A Espanha voltará a ser medieval. Os voluntários voltam chorando. Há uma cena explêndida no livro: A homenagem que o povo espanhol faz aos voluntários quando eles desfilam se despedindo. Capa chora. Pior que tudo, ele amava Gerda, uma grande fotógrafa que morre numa explosão. Capa nunca mais irá se recuperar. Começa aqui a nascer um novo Capa, mais cínico, mais mulherengo, muito mais ansioso.
   Vai à China. Guerra contra o Japão. Chiang-Kai-Chek e Mao-Tsé-Tung, ainda unidos, lutam contra o imperador Hiroito. Capa sente que a China consegue virar a guerra. A guerrilha de Mao. O povo sempre sorrindo. Bombas e mais bombas.
   Capa não suporta a vida comum. Viciado em adrenalina, viciado na guerra. Contradição: Capa odeia a guerra, mas ama o que ela traz de ação e de amizades. Nesse tempo, na guerra de campo, no chão, homens fazem amizades para toda a vida, compõe sagas biográficas e sentem a "Terrível alegria da ação".
   O que Capa faz? Joga. Joga muito, é uma geração do poker e da roleta, de enormes apostas. Capa perde muito. Não liga. Ele ama a adrenalina. E faz sexo. Traça atrizes ( Ingrid Bergman foi uma paixão real em que ele não investiu muito ), prostitutas, modelos, cantoras, nobres e pobretonas. Faz fotos de esportes. E vem mais uma guerra.
   Spielberg usou as fotos de Capa como base de todo o "Resgate do Soldado Ryan". Alex Kershaw faz do desembarque algo de eletrizante e inesquecível. Dor, sangue, suspense, pavor, crueldade. Capa é dos primeiros a pisar na praia e dispara a câmera. Balas zunem, todos morrem a seu redor. Mar cheio de sangue, de pedaços de corpos. Não tenho a arte para descrever a cena. Kershaw tem. "A deusa banalidade ainda não tomara o poder. O Horror absoluto era uma novidade."
   Capa acompanha as tropas na Itália depois. Anzio tem as cenas mais cruéis que ele viu. Ele vive. Os soldados vivem. "Voce vive de verdade quando sabe que daqui a um segundo pode estar morto. Então voce passa a beber muito, comer tudo, e a amar com volúpia plena. Assim era a Itália em 44." Nos bombardeios em Londres Capa percebe que os casais fazem amor em praças e em cantos escuros. No medo da morte todos se entregam ao sexo. Londres era cheia de gemidos de coito. Mas a Itália foi mais. Mortos demais, fome demais, medo demais. E a amizade. A imensa amizade entre aqueles que sofrem juntos.
   Após a guerra, Capa foi aos campos mas não os fotografou. Dor demais? Por ser judeu? Ninguém sabe. O homem famoso por fotografar a morte não tirou uma só foto de Auschwitz. E faz uma observação inteligente: "Americanos sabem vencer uma guerra. Não matam prisioneiros e não estupram ( muito ). Querem ser aceitos pela população. Russos, assim como os franceses, entram arrasando. Matam tudo que se mova. Nâo fazem prisioneiros. Subjugam o povo "liberto". Não sabem fazer politica."
   Capa após a guerra vai, sem vontade, à Hollywood. Faz amizade com Huston e namora Ingrid Bergman. Se entedia. Tem aversão ao estilo americano. Acha tudo vazio, futil, infantil. Vai a sua cidade favorita, Paris. Cobra desfiles de moda. Vê a controvérsia: o povo odeia a ostentação dos ricos. Dior usa pouco tecido, faz vestidos mais curtos e simples por falta de tecido. Capa, o cara que fotografou gente lutando por pão e liberdade, agora fotografa sedas e veludos.
   Vai a Israel. Mais uma guerra. Solidariedade e socialismo de novo. Hoje, em 2013 pouco se fala disso, mas Israel nasce como kibutz, e o kibutz é a experiência comunista extrema. Tudo é de todos e todos são da comunidade. Judeus chegam de todo o mundo. Judeus pobres, ricos, ignorantes, escuros, louros, famosos, famintos. Um país se faz do nada. E seis nações árabes se unem e atacam. Outra volta à Espanha de 36. Um povo lutando alegremente por terra. Bombas explodindo enquanto crianças brincam se se importar. Velhos e mulheres com fuzis. Israel vence. Derrota o Egito. Vence exércitos oficiais com um bando de civis. Mas Capa percebe e fala: "O que será dos Palestinos? Onde eles irão viver?"
   Esfarrapados de Israel sorriem na vitória. Esfarrapados da Palestina ficam aturdidos. Onde ir?  Logo em seguida o fim do sonho. A ultra-direita de Israel em guerra com seu próprio povo. Capa parte. Chega de guerra.
   Vai ao Japão, onde fotografa o país em reconstrução. Capa diz que o Japão é um país feito para ser fotografado. Ama o povo. A calma. O trabalho persistente.
    Mas Capa está falido. E por isso aceita mais uma guerra. A última. No Vietnã em 1954.
   A França luta contra os vietcongues. E pela primeira vez Capa vai a serviço do lado "errado". Seu coração está com o povo oriental, os muito inteligentes vietnamitas que humilham os franceses com derrotas inesperadas. Mas Capa acompanha as tropas colonialistas. É um trabalho sem coração.
    E é lá que ele morre. Capa pisa numa mina em meio ao arrozal. Será o primeiro fotógrafo morto no Vietnã. Com 40 anos de idade, ele já um mito, comove o mundo. A França será expulsa do Vietnã e os EUA tomarão seu lugar "na luta contra os vietncongues". 
    Robert Capa viveu do idealismo puro da Espanha ao cinismo do Vietnã. Esteve no dia mais glorioso do século ( o fim da guerra em 45 ), e no dia que segundo Eisenhower "Foi o auge dos EUA", o dia D. Capa viu a decadência do mundo, o fim da fé humana, o fim das ilusões. Cansou de lutas, de morte, e de correr. Mas dizia que jamais conseguiria ser pacato, pai de familia, comum. Precisava de adrenalina. Viu demais. Viveu demais. Partiu.
   O livro de Kershaw é maravilhoso.

DIEGO COSTA E O QUE É SER UM PATRIOTA

   Com toda essa coisa do jogador que escolheu a Espanha vem a tona a questão do que é ser brasileiro hoje. Mais que isso, o porque de ninguém estar mais disposto a morrer e matar por um país. ( Mata-se por uma religião ou por vingança pessoal- Iraque, Palestina, Afeganistão...)
   Eu amo o que restou do meu bairro. E amo os valores e o estilo de vida que nele existiam. Não amo a cidade que hoje existe e muito menos o way of life paulistano. Jamais seria voluntário numa guerra por SP, muito menos pelo Brasil. Mas eu mataria e morreria para defender a Serra do Mar de fazendeiros e o mesmo faria por Butantã e Caxingui- de eles ainda existissem- e grifo essa questão.
   Estou lendo a bio de Robert Capa, e já adianto que é a melhor bio que li na vida. De todas as páginas eletrizantes, as melhores são aquelas sobre a guerra civil da Espanha. Morrer alegremente por um estilo de vida. Os homens morriam e matavam na absoluta certeza da missão cumprida, a defesa de seus antepassados e todo um sistema de valores. De seu chão. Hoje isso não mais existe. Vou defender uma cidade que não reconheço como minha? Um lugar que em nada lembra as ruas e lugares que eu amava? Eu já perdi essa guerra para o progresso. Gente estranha vive onde viviam meus amigos. A cidade esqueceu de minha passsagem, morreu para meus passos. Vou morrer pelo que não mais conheço?
   Eu seria voluntário para defender valores que me são vitais. Mas eles já foram perdidos. O que me resta é lutar pelo pouco que sinto ser meu. um animal, meu bairro, a Serra, uma praia.
   Ser brasileiro ou ser francês se torna assim um problema. Como vou lutar por Alphaville que nada tem a ver comigo? Me sinto em casa na Torre de Dona Chama, norte de Portugal, fronteira espanhola, mas me sinto um estrangeiro no Tatuapé. E antes que pensem em esnobismo, me sinto muito estrangeiro em Lisboa.
   Não me venham então falar em patriotismo. O jogador escolheu o lugar onde lhe deram valor. Ele defenderá seus amigos e sua familia, familia que hoje tem vida melhor graças a seu trabalho na Espanha. O que sua Sergipe natal lhe oferecu? Nada.
   Sou estrangeiro em Manaus, tanto como em Belgrado. Não gosto da comida, não gosto do clima e mal entendo a lingua. Mas conheço Miami mesmo sem ter ido lá. Gente como eu sente que New York e Londres são nossas. Mas essa New York e essa Londres deixou de existir lá por 1960. Paris faleceu, mas Roma é pra sempre. Eu lutaria pela Londres da Segunda-Guerra, lutaria contra Hitler, seria voluntário contra a escravidão. Daria tiros em navios que pescam baleias. Mas jamais mataria um argentino que lutasse contra o Brasil por uma questão de fronteira. Jamais.
   Minha pátria é onde se registra minha história. É onde vive quem eu amo. Lugares que me formaram. Cantos seguros. Onde eles estão?

HOMENAGEM À ROBERT CAPA

Deem-me uma guerra para lutar. Mas que seja justa, que eu possa atirar em nazistas. Libertar judeus e ciganos, me sentir vivo.
Me deem uma cidade em ruínas para reconstruir. Unida por ter vencido um inimigo. Eu quero vizinhos em abrigos onde se dividem coisas que são poucas. Deixem-me querer pouco.
Eu quero viver e o homem, falemos a verdade, nasceu para a ação.
Para onde foram meus partisans? Onde morreram os bolcheviques? Confederados e cruzados, onde estão? Me canso de lutar em telas ou de me jogar em abismo ( amarrado ) tentando uma emoção.
Essa molecada que se entope de crack e fica por aí gastando energia no mal. Lhes falta onde viver. É só isso, e é terrível de dizer. Nos falta um campo de batalha onde provar a vida e o valor.
Quero inimigos e poder odiá-los.
Para assim poder amar meus companheiros.
Quero proibições e perigos.
Para poder os derrotar.
Meus partisans, onde foram?
Se tudo vale, nada tem valor. Se tudo é relativo, nada é de verdade.
Vejo essas fotos de Capa e os rostos que nelas estão. Por que eles parecem tão de verdade? E por que tantos rostos de hoje parecem ser tão falsos?
Quero o cheiro de corpos reais, e a falta de jeito de quem nunca posou.
Uma guerra justa para ser vencida. Ser o tigre em seu jangal.

ROBERT CAPA NA TV CULTURA

Cartier-Bresson e Robert Doisneau são mais conhecidos. Man Ray é mais artístico e Richard Avedon glamuroso, mas Robert Capa foi o maior. A tv Cultura, em seu atual renascimento, exibiu ontem um suscinto e belo documentário sobre esse herói da objetiva.
Capa cobriu guerras. A revolução da Espanha, a chinesa, a segunda grande guerra, a revolução do México. E sempre esteve contra o fascismo. Foi o único fotógrafo no desembarque do dia D. Ele estava lá, desceu em meio as balas, na areia e no frio. Entrou em Pequim e fotografou discursos e tiroteios. Seu ditado era : se a foto não saiu boa, foi porque não me arrisquei o bastante.
Amava a vida. Bebia e namorava muito. Bom conversador, sorridente, um tipo latino. Suas fotos têm a força de literatura completa. Cada foto é uma narrativa sobre aquele fato. Voce as olha e imediatamente ouve a história. Serão eternas.
O maior momento de Capa foi a libertação de Paris. Nossa geração, penso eu, jamais terá idéia do que foi aquilo. Imagine um dia em que todos saem à rua para celebrar a derrota de um inimigo comum. Mais que isso, o final de um terrível pesadelo. Penso que nunca mais comemoraremos a derrota de um inimigo. Pois nunca mais poderemos crer na vitória. Milhões de pessoas nas ruas, cantando, chorando, rindo, se beijando. Milhões de pessoas completamente felizes. Sem qualquer pudor. Me é, nos é, inimaginável. E aconteceu a tão pouco tempo.....
Após a segunda-guerra Capa foi para Hollywood. Para descobrir que o mundo falso do cinema lhe era insuportável ( o que não o impediu de ter um caso com Ingrid Bergman. Mas ela era uma estrela anti-Hollywood ). Mesmo assim, Capa tem belas fotos de Hitchcock, Ingrid, James Stewart, Cary Grant e George Cukor. Mas seu lugar era Paris.
Volta e cria a Magnum ( nome tirado de uma champagne ). Com Bresson e outros, é criada a primeira agência de fotógrafos. Eles vendem suas fotos aos veículos que desejarem. São donos de seus narizes. Sebastião Salgado é hoje membro dessa agência ( que sempre tem apenas dez ou doze participantes ).
E Capa vive. Festas, casos, jazz. Até que é chamado pela revista Life para fotografar o Vietnã. Os vietnamitas lutavam contra a França. Tentavam se libertar. Capa foi. Tirou fotos assombrosas. E morreu por lá, ao pisar numa mina. Tinha trintae oito anos.
Os vietnamitas queriam o enterrar em Hanoi. Mas foi levado para New York.
Não haverá mais espaço para novo Robert Capa porque hoje temos um bilhão de fotógrafos fotografando tudo. Isso é bom. Posso brincar de ser Capa. E sei que meu mundo estará para sempre vivo nessas imagens que não param de se reproduzir. Democracia.
Mas por outro lado, em meio a essa massa imensa, se existir um talento tão forte quanto o de Capa, ele será imediatamente subjugado pelo clamor dessas imagens que não cessam de brotar. E pior, nosso olhar, sempre instigado e confundido por cenas que não páram de chegar, não será mais educado por outro olhar, um olhar mais apurado, treinado e sábio. Na bilhanesca quantidade de imagens, todas terminam por ter o mesmo valor : a irrelevância.
Nisso a geração de Capa foi privilegiada. Como aconteceu com o cinema e a música da época, é uma geração que teve a sorte de ser a primeira e ao mesmo tempo a última. A primeira a conhecer a comunicação global, e a última a ter o tempo necessário para se desenvolver e ser apreciada.
Tenho em casa um livro de Robert Capa. Fotos da Espanha, da China e da grande guerra. E das festas em Paris. São como textos de Heminguay ou páginas de Proust. Tudo está lá. Tudo. Mas o que mais se percebe é a força de quem tirou essas fotos. Se em Bresson percebemos a ordem e a suprema maestria do francês, e se em Doisneau vemos a poesia e a fé do fotógrafo, em Capa não paramos de notar, em toda foto, a coragem, a virilidade, a confiança de quem as produziu.
Robert Capa foi um Homem.