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O ADOLESCENTE BIRRENTO

  Ele distribui folhetos onde prega a necessidade de ser ateu. Vegetariano, esbraveja pelo pacifismo. Ostenta orgulhoso a expulsão de sua escola de elite. É feminista. Mas abandonou uma namorada grávida e foi tão infiel que levou outra ao suicídio. Adolescente mimado e moderninho? Esta é a bio de Percy Bysshe Shelley. Se Byron foi o molde do adolescente satânico, Shelley é o molde do presidente de centro acadêmico. Mas os dois são diferentes.
  Shelley não foi famoso em vida. Seus livros venderam mal. E enquanto Byron morreu em luta, Shelley se afogou no naufrágio de seu iate na Itália. Aos 30 anos. Sua influência comportamental começa apenas no inicio do século XX, com uma série de biografias romanceadas a alimentarem sua idolatria. Shelley passa a ser o corajoso adolescente rebelde, ateu e preocupado com os pobres. Inocente e sexy.
  E sua poesia nisso? Eliot o demoliu nos anos 30. Demonstrou que tudo que ele escreveu teve a marca da infantilidade. Shelley escrevia bem, mas possuía mente de criança. Via o mundo como brinquedo onde ele era o herói que tudo podia. Nos seus poemas de amor fica fácil perceber que Shelley ama por ver na amada a si mesmo. Ele só ama quem é igual a ele. Daí a recorrência da imagem das almas gêmeas.
  Mas algo há de genial. Ozymandias é sublime. Pouca coisa há que transmita melhor a tragédia do tempo que passa e destrói tudo. Quando esquecia de si mesmo, Shelley crescia.
  Byron e Shelley são e foram os dois poetas mais famosos da Inglaterra. E não é snobismo dizer que dos grandes são os menos bons. Muitas vezes são ruins. John Keats é sempre excelente. Wordsworth é quase sempre maravilhoso. E mesmo Coleridge atinge alturas que Byron e Shelley jamais atingiram. Keats foi apenas um estudante de medicina que morreu aos vinte a poucos anos de tuberculose. E Wordsworth tem uma bio aborrecida e sem tragédias. Byron e Shelley tiveram vidas interessantes, e tornadas ainda mais complexas por biógrafos empolgados, viraram mitos. Os grandes poetas de quem não lê poesia. Quando a partir da década de 1930, estudar literatura passou a ser ler o texto e esquecer quem o escreveu, os dois românticos foram desvalorizados. Keats e Wordsworth finalmente elevados a seu devido lugar.
  Porque na página diante de seus olhos, que é o que importa, eles são gigantes.
  Byron e Shelley voce lê pensando em quem eles foram.

DRACULA # ALAN BATES # ISABELLE ADJAN I# KEN RUSSELL # PAOLO SORRENTINO # MICHAEL CAINE #

   A JUVENTUDE de Paolo Sorrentino com Michael Caine, Harvey Keitel, Rachel Weisz, Jane Fonda, Paul Dano.
Sorrentino terá de conviver com A Grande Beleza para sempre. A gente não quer, mas compara. Este filme é muito bom, mas não tem nunca o alcance da obra-prima anterior. Talvez por ser em inglês e tratar de gente não italiana. Caine, que está brilhante como sempre e humano como quase nunca, é um velho maestro aposentado. Passa férias num hotel de luxo na Suíça. Lá estão seu amigo, um diretor de cinema, sua filha, recém separada, e um jovem ator em crise. O que se discute é a velhice, o tempo e o legado da vida. As imagens são sempre belíssimas, o tempo vai e volta, a memória nunca para de se mover, e as cenas vão do cômico ao trágico e horror. Há uma homenagem linda à Maradona ( sim, creia ), algumas falas brilhantes ( e outras muito piegas ), e um final que é perfeito. Mas mesmo assim sentimos que falta alguma coisa...Talvez seja a comparação ao outro filme...ou talvez a gente não perdoe as 3 ou 4 falas muito ruins...( será o inglês... ). De qualquer modo é um belo filme e Caine raramente esteve tão perfeito.
   AS IRMÃS BRONTE de André Téchiné com Isabelle Adjani, Marie-France Pisier, Isabelle Huppert.
Que tema poderia ser melhor que as irmãs Bronte!!! Filmado na região em que elas viveram, uma imensa planície cheia de vento, frio e verde; o filme consegue ser completamente vazio e sem emoção. Emily Bronte fala como uma feminista cliché, Anne tem o mal humor típico de Huppert e Charlotte parece uma fazendeira da Vogue. O problema básico é ser um filme francês. As Bronte são olhadas de fora, como excêntricas figuras inglesas. O roteiro se distancia e seca toda emoção. Elas se tornam bonecas de cera. As falas viram teses. O filme, sucesso de bilheteria em 1979, nada tem de Bronte. Quer ser tão real que se torna morto. Defeito típico do cinema da França: quando quer ser documental se transforma em tese de laboratório. Quando quer ser fantasia consegue ser real. Os piores filmes do cinema são de lá. Alguns, muitos, dos melhores também. O cinema da França é grande quando quer ser criação livre, é péssimo quando deseja retratar a vida "como ela é".
   GOTHIC de Ken Russell com Gabriel Byrne, Natasha Richardson e Julian Sands.
Ken Russell, o diretor do mal gosto e do gosto ruim, se debruça sobre a noite em que Mary Shelley criou Frankenstein. Então o que temos são: Lord Byron, Shelley, Mary Shelley, Polidori e a amante ocasional de Byron, Claire. Russell junta todos num palácio suíço e sem qualquer medida de gosto ou de equilíbrio, povoa o filme com ópio, sexo, sangue, blasfêmia, péssima música e atuações exageradas. Eu não entendi nada do roteiro, mas penso que não é para se entender nada. É só pra se sentir. E eu senti nojo. O filme é assustador. Começa como uma bobagem tola dos anos 80, com uma trilha sonora mediocre de sintetizador que invade toda credibilidade do filme. Mas depois ele insiste tanto no exagero e na histeria que começamos a nos sentir incomodados. E Russell consegue mais uma vez fazer um filme feio, desagradável, aquilo que ele quis fazer. Esqueça Shelley. Ele não era esse viciado em ópio efeminado e alucinado pelo horror. Ele era bem mais frio. E Byron não era esse diabete dos anos 80, sádico e cheio de frases bobas. O filme me fez pensar uma coisa: em 1820 os românticos eram únicos. Hoje muitos são como eles. Mas sem a novidade. Apenas cópias de seres de dois séculos atrás.
   ESSE MUNDO É DOS LOUCOS ( LE ROI DE COEUR ) de Philippe de Broca com Alan Bates, Genevieve Bujold, Michel Serrault, Jean-Claude Brialy, Micheline Presle.
Uma das melhores trilhas sonoras de todos os tempos, de Georges Delerue. Vi o filme em 1979. Na TV, Adorei. O achei livre. Revi em 2010 e detestei. Achei bobo. Vi mais uma vez agora. É bobo e livre. Mágico. Muito mágico. E ingênuo. Ele tem a ingenuidade de quando foi feito, 1966. E a magia de quando foi feito, 1966. A história: na primeira guerra mundial, uma cidadezinha da França é abandonada pelos alemães. Um soldado escocês é mandado para lá a fim de desativar uma bomba que foi deixada. Enquanto isso os loucos da cidade saem do hospício e elegem o soldado o Rei de Copas. Vemos os loucos assumirem a cidade, cada um tomando para si um papel. O padre, o cabelereiro, a prostituta, o prefeito. O soldado, um ótimo Alan Bates, resiste a essa farsa, mas se apaixona e entra no jogo. Até chegarem os dois exércitos...O filme atinge o alvo. No começo achamos os loucos apenas uma irritante troupe de atores mambembes, depois somos seduzidos por sua fantasia. Quando ele voltam os hospício nos sentimos traídos. Broca teve dez anos de grandes filmes. Este é um deles. Diferente, leve e muito profundo.
   O VAMPIRO DA NOITE de Terence Fisher com Peter Cushing e Christopher Lee.
O primeiro filme da Hammer sobre Drácula. Cheio de clima, a história é centrada em Van Helsing. Ele é o personagem principal. Lee foi o melhor Dracula do cinema. O filme não assusta mais, mas diverte.
 

  

PROMETEU DESACORRENTADO E OUTROS POEMAS- SHELLEY

  Ah esses românticos.... Veja Shelley: Sua poesia é aquele samba do crioulo doido onde cabe de tudo um pouco e nada acaba por ficar de fora: Ele é ateu radical e militante, mas ao mesmo tempo parece crer em alma e fantasmas. Politicamente é anarquista. Mas ao mesmo tempo transparece a saudade dos heróis gregos e romanos. Feminista. E violentamente egoísta. A favor dos pobres e narcisista. De origem classe mèdia alta, e paladino da simplicidade. Com tudo isso ele se torna um exemplo clássico do pior e do melhor do movimento romântico. o mais adolescente dos estilos, e por isso, mutável, contraditório, auto-ilusório e corajoso.
   A poesia de Shelley varia do excelente ao erro. Mas é sempre interessante. Influenciou Drummond, muito. Desagradava Eliot. Bastante. Nunca alça vôo como Keats. Nunca é filosófica, como Goethe. Brilha, mais que Byron.
  Neste livro recém lançado temos uma peça para ser lida e não encenada, e ainda uma boa coletânea de poemas. O tema de Prometeu cai como luva para Shelley, ele se via como o herói grego que roubou de Zeus o segredo do fogo. A peça de Esquilo é de uma beleza arrebatadora. O trágico em osso e nervo. Shelley nunca é nervo. É pele e veia. Bonito.
  Nos demais textos temos momentos de brilho intenso ( Ozymandias, Alastor ) e alguns nem tanto.
  O tradutor é Adriano Scandolara. Um trabalho de detalhe e com excelente material de consulta.
  Espero uma edição cuidada de Keats agora. Ele merece. Mais.

LORD BYRON E AS NUANCES DO ROCK INGLÊS

   A primeira vez que li sobre isso foi no núveo ano de 1984 por Pepe Escobar, e em todos esses 30 anos ocasionalmente continuei lendo outras pessoas tocarem no tema. Agora tomo conhecimento de que até Harold Bloom escreveu sobre o tema, então o desenvolvo aqui.
  Primeiro devo dizer que o sistema educacional de todo o mundo está em decadência. Não há tempo para se desenvolver potenciais e portanto mesmo os poucos países que ainda vêem a cultura como prioridade se voltam para um tipo de educação prática, objetiva, e não ligam mais para a corrente enciclopédica que dava o aluno a chance de saber e escolher. 
  A educação inglesa até os anos 60 era do velho estilo. Muita história, muita arte, línguas e tempo de sobra. Ainda é hoje uma boa educação, se comparada a nossa, inexistente mesmo em escolas de elite onde pouco se lê. Nesse contexto, dar a um aluno de 14 anos a chance de conhecer Lord Byron é dar a ele a chance de encontrar um canal de desafogo de seus sonhos e pesadelos adolescentes. O que Pepe e Bloom falam é que 95% do rock inglês que vale a pena, por ser uma arte que precisa estar sempre em contato com as dores da adolescência, está desde 1965 em forte flerte e dominio do byronismo. O que é o byronismo?
  Byron foi um nobre maldito. Primeiro sentimento: Todo byronista tem a sensação visceral de ser um nobre maldito. Fantasias de se ter sangue especial, de ter sensibilidade exaltada, de ter uma antiga origem artística. Ao mesmo tempo se é um maldito por se odiar o tempo atual. Todo o passado, seja medieval, celta ou os anos 60/70 é visto como tempo de heroísmo. Daí, o byronista passa a ser um crítico, um satirista, um dandy azedo.
  Byron amava mulheres aos montes, talvez homens também. Isso não preciso comentar. Mas atente, é sexo regado a ópio, sedas, incenso, música esquisita, taras e sadomasoquismo. 
  Byron não se aquietava. Viajava pela Europa e seu nome logo se tornou uma lenda. Num tempo em que mal existiam jornais no Brasil, todo poeta mineiro ou paulista amava Lord Byron ( 1800/1850 ).
  Byron morreu jovem lutando numa guerra fadada ao fracasso. Idealista, Byron morreu nas trincheiras da guerra dos gregos contra os turcos. Virou mito. Todo byronista pensa que vai morrer cedo e tem com o tempo uma relação de horror, medo de morrer e medo de sobreviver e ficar velho.
  Byron ia aos limites. Drogas que aumentavam sua sensibilidade, sexo como forma de desafiar a moral, flertes com satanismo e doses grandes de pura maldade ( em São Paulo na época, os amigos byronistas de Alvares de Azevedo chegaram a transar com um cadáver no cemitério da Consolação ). Missas negras se misturam a amor por Jesus.
  Byron era manco e se vestia de modo refinado mas não convencional. Muita seda, veludo, pérolas, diamantes, penas e plumas. 
  Preciso dizer mais? Sim preciso, talvez o mais importante, Byron só escrevia sobre si-mesmo. Quando criava personagens como Don Juan, eram retratos do próprio Byron. Se falava da revolução. era uma revolução de Lord Byron. Tudo era um espelho, um eu gigante.
  O rock americano nada tem a ver com isso. Mesmo a relação com as drogas é diferente. Na América a imagem mítica que marca o rock ( menos na vertente Lou Reed Iggy Pop, apesar de em alguns discos eles tocarem esse mundo ), é a do pioneiro. Walt Whitman comparece em inspiração, ideias, imagens e até no visual ( o hippie é Walt Whitman e Thoreau ). Na Inglaterra ( e não na Irlanda ), Byron e depois Shelley se intrometem em tudo. E, em acordo com Bloom, isso é facilmente comprovável, o primeiro a perceber isso consciente e espertamente foi Mick Jagger ( não Keith que sempre sonho/sonha em ser Muddy Waters ). Mick pegou a batida do rock e o clima do pop e vestiu tudo com a luz diáfana do romantismo ofensivo e sexualizado de Lord Byron. Homem/mulher, anjo/diabo, irriquieto/esnobe. Ele criou aidentidade do rock inglês que se manterá na segunda fase dos Kinks e irá adiante com 95% do que vale a pena conhecer. De Stevie Winwood a Morrissey. De Bowie a Paul Weller. 
  Interessante é até mesmo Bloom perceber que os Beatles nunca se sentiram confortáveis nesse modelo. A partir de 1967 eles seguem essa tendência, mas neles isso nunca foi convincente. Eles não conseguiam ser "do mal" e seu visual nunca pareceu andrógino. A teoria é que suas origens seriam tão "Liverpool-classe trabalhadora", que eles simplesmente não conseguiam se sentir um grupo de nobres perversos. O mesmo aconteceu com The Clash e Oasis, para citar os mais relevantes. 
  Claro que ao tomar consciência de que os 40 anos chegavam, Jagger jogou fora todo o mundo de jovem-bandido-glamuroso e assumiu o papel de velho entertainer esperto. Como ele é uma esfinge que jamais revela seu mundo interior, corremos o risco de nunca saber se um dia ele acreditou no mito de Lord Byron ou se o interpretou apenas em público. O que importa é que todos os outros jovens ingleses desde então acreditaram. Acreditaram no romantismo de Morrissey, no dandysmo revolucionário de Paul Weller, na androginia prometeica de Bowie, no esteticismo de Bryan Ferry e no romance dramático de Thom Yorke. Assim como em Nick Drake, Kevin Ayers, Damon Albarn, David Sylvian e num vasto etc.
  Fecho contando que se fosse vivo Lord Byron estaria na Criméia, pronto para morrer pelos rebeldes e com todo um aparato de midia sobre sua ação. 
  Ou, falando num modo John Keats, poeta que era o calcanhar de aquiles de Byron, ele pode estar presente no corpo daquele pássaro que pia sem cansar...

SHELLEY E O HOMEM MODERNO

Termino de reler ADONAIS de Percy Shelley. Ao longo de centenas de versos Shelley se despede de Keats, morto tuberculoso em Roma, jovem e em seu apogeu criativo. Mas Shelley se despede também de sí mesmo : pouco tempo depois ele morreria aos 30, afogado num lago italiano, em desastre com seu iate. Nos bolsos ele levava Platão e Keats. Nascia com ele o artista sensível moderno.
Shelley nasceu nobre e rico. Sua família vinha de 1200. Cresceu amado pelo pai, em terras férteis e imensas. A criança Shelley foi educada para ser fazendeiro e artista. Vagou livre pelos lagos, grutas, bosques de seu pai; e estudou línguas, quimica, música. Nesse ambiente cheio de pássaros, flores e recantos vazios, Shelley criou sua persona poética. Tudo o que ele viu quando criança alimentou sua obra até o fim. ( E não somos todos assim ? ).
Jovem, foi expulso de Oxford por ser ateu e escrever um panfleto : " A necessidade do ateísmo". Travou contato com líderes políticos rebeldes, promovia poetas republicanos, vivia o amor livre. Shelley pregava a fidelidade ao ideal do amor, nunca a pessoa. Casou-se e foi infiel, foi pai, perdeu filho, provocou o suícídio de sua ex-esposa e de uma apaixonada. Enamorou-se da irmã do grande Lord Byron, e numa noite de festa entorpecida, ela, Mary Shelley, escreveu "Frankenstein". Orgias de ópio, de sexo, de poesia. Ele vaga pela Itália, tem melancolia, ajuda crianças pobres, doa dinheiro a amigos sem talento. Veleja e morre velejando, numa tempestade. E escreve.
Shelley define, conscientemente, o que é a poesia : uma religião para quem não tem religião. O poeta é uma antena que capta o que virá, define seu tempo. Ele, Percy, viveu intensamente o parto de nossa era. Sua obra é uma quebra, um conflito, um confronto. De um lado a natureza, a eternidade, o UNO imutável. De outro lado o vento, a mudança, o corpo apodrecido. Shelley, ateu, fala da alma que não muda, daquele centro incorruptível que há em todo homem, da força da vida. E ao mesmo tempo ele chora a folha que cai, o amigo morto, o amor que nunca se encontra. Yeats será seu melhor discípulo. O mundo é sua casa.
Percy é, com Keats, Byron e Wordsworth, o poeta que nos define, o poeta do novo tempo, a era da ruptura. do tempo que voa, da mudança que nada muda, do desumanismo. Desde então, todo artista que merece tal nome, é Byron, é Keats e é Shelley.
Byron é o criador satânico. O artista incestuoso, sádico e que ao mesmo tempo luta em guerras pela liberdade. Tem a sexualidade dúbia, um narcisismo imenso e tem fama, muita fama.
John Keats é o talentoso isolado. O ídolo dos ídolos. Pobre, sem fama, mas o mais genial. Keats cria o mito do "famoso após a morte", do talento desperdiçado.
E Shelley que é o dínamo, o incansável, o insatisfeito, o ansioso, o leão entre feras. É o jovem que rompe com a tradição, com a família, é o auto-exilado, o generoso, o sensível aventuroso.
Você encontra seus clones por aí desde então. Entre atores, músicos de rock, escritores e entre falsos poetas principalmente. O exemplo de jovens bonitos e sensíveis, correndo mundo atrás da poesia de viver, amando livremente, se drogando, e se consumindo cedo. Indo onde há vida.
Nós amamos Cervantes e Dante. Rembrandt e Velazquez. Mas o que eles eram ? É impossível ser Dante ou ser Velazquez. O mundo que os criou morreu com a industrialização. Adoramos Ésquilo e Sêneca, mas eles eram homens de um mundo povoado por deuses e por faunos. O único homem moderno antes da geração romântica é Montaigne, mas Montaigne é um mistério insondável : ele está fora do tempo ( como Shakespeare ). Shelley já nos é familiar. Seu medo é nosso medo, sua raiva é a que sentimos.
Tempo glorioso esse ! Entre 1790/1810, o mundo tendo em seus braços todos aqueles que fertilizaram os 200 anos seguintes : a louca audácia de Goethe, o orgulho profano e monstruoso de Beethoven, Napoleão criando a idéia de que tudo é possível, e os poetas românticos ingleses. Goethe nos dando a idéia de que um homem para ser grande precisa saber tudo sobre todos os assuntos; Beethoven clamando que nada e ninguém pode ser maior que a mente criativa e que mesmo um rei deve pagar para vê-lo tocar; Napoleão invadindo monarquias, ousando derrubar reinos milenares, dizendo que o tempo é hoje e agora; e Shelley, desafiando crenças, ansiando sempre por mais e sendo eternamente e belamente : jovem. Com ele nasce o mito da adolescência procurada, cultivada, acariciada. O poeta nunca mais será um sábio ancião, será antes, um jovem rebelde. Nós seremos a última geração a ouvir sua voz.
Não vou dizer da excelência de sua obra. Leia. Leia no mato, entre vozes de pássaros, ou leia de noite, a luz de velas, chovendo. Leia. Sua voz é a voz de 'MORRO DOS VENTOS UIVANTES", é a voz do que vale a pena. É dele a mais bela idéia sobre o que seja a vida :
DOMO COLORIDO, DE VIDRO
QUE SE DESPEDAÇA EM MILHÕES DE ESTILHAÇOS
BELEZA QUE SE FAZ BELEZA.
MORRER É ACORDAR DO SONHO DE VIVER
A VIDA, VAZIA, É DORMIR.
Percy Bysshe Shelley foi o cristal mais puro.