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PARA QUE SERVE UMA RAINHA?

   O que diferencia um homem de um urso é sua capacidade de abstrair, e na abstração, simbolizar. Nosso mundo, humano, se coloca à parte da natureza porque enquanto ela é o que é, nosso mundo é uma criação simbólica. Do número às letras, da cruz à tatuagem que voce tem na pele, tudo o que construímos ou pensamos é símbolo de alguma ideia.
  Quando alguém pergunta para que serve uma rainha, e hoje, 21 de abril, é aniversário de nascimento de Elizabeth II, essa pessoa está tentando sair do nível humano e ir ao animal. Sim, porque a rainha não é a pessoa mais forte. Nem a mais inteligente. Nem mesmo, creia, a mais rica. Ela é apenas e tão somente filha de um rei. E por isso, é um símbolo. Sendo símbolo ela nada precisa fazer ou dizer. Ela apenas deve estar.
  Apenas é vicio de linguagem, pois estar simbolizando é algo tão rígido e tão cercado de expectativas que poucos executam esse papel com perfeição.
 Elizabeth nasceu e viveu como símbolo e nunca como pessoa real. Ela é o Reino Unido, e sendo isso ela é tudo, menos humana. Como rainha, ela é cada navio pirata de 1700 e cada cockney de 2020. Mas é também o fish and chips e inclusive os punks que a ridicularizavam. Pois como rainha ela garante que os súditos tenham o direito britânico de a ridicularizar. Enquanto houver rainha, ou rei, o reino tem a garantia de manter seu caráter. E é por isso que a Espanha mantém seu rei, e é por isso que Portugal sempre parecerá um barco à deriva.
 Um rei, ou no caso uma rainha, é o ponto de convergência. Sendo assim, mesmo nas piores crises, há a garantia do símbolo. Caem catedrais, caem soldados, cai a confiança, mas o rei permanece. Inclusive porque não é preciso nem mesmo um rei vivo, basta a ideia de que a instituição permanece.
  Não se preocupe que jamais irei defender a monarquia no Brasil. Seria ir contra o que falo aqui. A monarquia é um símbolo e o Brasil quebrou a redoma que mantinha o símbolo vivo. Quando voce perde a fé ela não retorna. A volta da monarquia na Italia ou em Portugal seria uma farsa. No Brasil seria um tipo de carnaval.
  Dom Pedro, óbvio, jamais deveria ter sido expulso do trono. Nossa república, como tudo que aqui acontece, foi um ato de revanche e de ódio. Senhores de escravos não perdoaram o imperador por ter libertado seus "bens". Entender como teria sido nossa história sem a república é impossível. Mas pode-se imaginar uma maior segurança institucional.
  Então hoje é aniversário de Elizabeth. São 94 anos de vida. Quando subiu ao trono Hitchcock filmava Janela Indiscreta. Paul MacCartney tocava piano na casa do tio. TS Eliot se dizia anglicano e monarquista. Ela passou pelos hippies, venceu os Sex Pistols ( cadê eles? ), entregou dezenas de taças e sobreviveu à Diana. Jamais deixou de estar simbolizando o reino. Jamais cometeu um só deslize.
  E se voce a acha inútil, bem, voce não entendeu nada my dear.