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GONE TO EARTH 1950 Jennifer Jones YouTube222

Kathleen Ferrier (Contralto) - "I Know Where I'm Going"

TRÊS GRANDES FILMES DE MICHAEL POWELL E EMERIC PRESSBURGER

Como disse Scorsese, entre 1943-1953, Michael Powell e Emeric Pressburger produziram a filmografia mais variada e rompedora de limites da história do cinema. Assisti nesses dias a 3 filmes da dupla, Powell dirigia e escrevia, Pressburger escrevia e produzia. SEI ONDE FICA O PARAÍSO ( I KNOW WHERE I'M GOING ) é um filme de 1945. Da filmografia de Powell, é o que foi mais recentemente alçado à categoria cult. George Romero ama este filme, assim como Coppola. O famoso estilo de Powell é levado aqui ao limite. Que estilo é esse? O de cortar aquilo que todo filme mostra e exibir aquilo que normalmente os filmes evitam. Dou um exemplo: O filme fala de uma moça inglesa que recebe uma proposta de casamento de um milionário. O casamento será numa ilha no extremo norte da Escócia e para lá ela se dirige. O filme mostra sua chegada lá, seu contato com a vida da ilha e sua mudança de vida, de pessoa controlada e cheia de método, ela se abre ao não planejado. Pois bem, quando a filha ( Wendy Hiller, brilhante como sempre ), diz ao pai, em um pub, que irá se casar, todo filme mostraria a reação do pai, a descrição do noivo pela filha. Mas não aqui. Ela conta que vai casar e o pai a convida para dançar. E quando achamos que durante a dança tudo será discutido, POWELL CORTA A CENA e o que vemos é ela subindo no trem e partindo. Para o filme, não importa a reação de pai e de filha, o que interessa é a partida e é só isso que nos é dado assistir. Powell é sempre assim. Aparentemente seus filmes podem parecer convencionais, porque não ousam em movimentos de câmera, truques de iluminação, não apelam ao sensacional, ( The Red Shoes é uma excessão ). Sua profunda originalidade mora na escrita, naquilo que se conta. A noiva chega à ilha e lá há uma tempestade. Também mal se mostra a chuva e a destruição, o que importa é que ela fica presa na cidade e conhece um escocês, Roger Livesey faz o papel. Ele se interessa por ela, ela não por ele e o romance é discreto, travado, sem nada de romântico. O filme é só isso: um passeio pela ilha, uma festa dos moradores, um castelo em ruínas, um homem que ama falcões e uma águia, um moço que tem um barco, um telefone. Não há herois, não há clima de romance, não se busca a beleza. Tudo é sóbrio, e mesmo com tanto realismo, não se tem aqui aquele tipo de "obra realista francesa ou italiana" onde o diretor do filme toma o posto de heroi em filmes sem herois. O que acontece é que voce gosta de estar na ilha, no filme, na companhia do filme. Original, não uma obra prima, nem mesmo um grande filme, mas sim um filme que se ama. Discretamente. ------------------ CORAÇÃO INDÔMITO ( GONE TO EARTH ) é de 1950 e é um dos fracassos de Powell. David O. Selznick, o gigante egocêntrico que produziu E O Vento Levou, contratou Powell e Pressburger para produzirem um sucesso para sua esposa, a ótima Jennifer Jones. Filmando em Gales, o filme é tudo que Selznick não queria: Original. O que o americano fez? Pegou o filme pronto, cortou montes de cenas, filmou um novo final e assim destruiu a obra. O que vejo em DVD é ele inteiro, refeito, como Powell o queria ( graças a Coppola houve a recuperação do filme ). Na Gales do fim do século XIX, vemos a história de uma moça do campo, rebelde, meia bruxa, que protege uma raposa dos caçadores. Um religioso casa com ela, mas o nobre do lugar a deseja e a seduz, levando-a para sua casa. Ela volta ao pastor, mas o povo do lugar não aceita isso e a situação se torna sem saída. Como Powell conta essa história? Com cenas que mostram Jennifer Jones correndo pelo campo, com a presença do clima local ( a fronteira Gales-Inglaterra ), mostrando os bichos ao redor das pessoas, o céu que se move, a relva verde, os cavalos, a sujeira dos casebres, a grosseria do nobre vaidoso, o modo como ela não é dona de sua vida, ela vive toda ao sabor da natureza, sem decidir nada. Dizem que poucos filmes mostraram de modo tão real o que é o interior de Gales, sinto pena é que em 1950 quase ninguém o viu e mesmo nas décadas seguintes ele passou apenas uma vez na TV americana e na vesão truncada. Scorsese o viu quando tinha 9 anos de idade e nunca esqueceu. É impressionante o modo como os filmes de Powell marcam a memória não com suas histórias ou grandes cenas, mas com uma imagem, um clima que se fixa dentro de nós. É um filme belíssimo. --------------------- Por fim o muito dramático DE VOLTA AO PEQUENO APARTAMENTO ( THE SMALL BACK ROOM ) de 1949. Imagine o choque...Powell acabara de ser aclamado pelo imenso sucesso, popular e artístico, de The Red Shoes, e em seguida, em vez de fazer um filme que lembre seu sucesso, produz este filme, sobre guerra, alcoolismo e com um modo terrivelmente pessimista. David Farrar, numa atuação soberba, é um especialista em explosivos, um tipo de cientista, que trabalha em um departmento do governo, em Londres, durante a guerra. A missão de seu grupo é descobrir como desativar uma nova bomba nazista. Veja que o filme é sobre a guerra mas não sobre batalhas. Não haverá um só tiro, um soldado, um avião, nada. O foco é todo nesse cinetista, no alcoolismo dele, na esposa que o adora, no horrível sofrimento que ele sente, na perna que doi, na sua auto-piedade, sua fraqueza. Todo filmado em bares, salas escuras, no apartamento do casal, no trabalho, nada há aqui que lembre "beleza" ou "poesia" e mesmo assim é um filme belíssimo. O elenco explode em atuações de entrega total e o filme, para quem conhece Powell, surpreende por ser diferente do Powell dos anos 40. Aqui se anuncia o diretor dos anos 60, moderno, duro, objetivo, frio, aquele que faria o doentio Peeping Tom. É o mais forte dos 3 filmes, mas não o melhor pois o melhor é impossível de ser apontado. ----------------------- Um maravilhoso prazer poder os assistir.

PEEPING TOM ( A TORTURA DO MEDO ), FILME MALDITO DE MICHAEL POWELL

Não conheço filme mais neurótico que este. E se voce conhecer a carreira de Powell, até 1960, ano deste filme, ficará mais perturbado ainda. --------------- Até então, Powell era um bem sucedido diretor inglês. Seus filmes, estimados por diretores e críticos, público e técnicos, eram sempre refinados, exuberantes, muito bonitos de se olhar, cheios de bons sentimentos. Surpreendente ele já era, pois Powell fazia filmes que sempre negavam o estilo da produção anterior. Ele fazia filmes de guerra, das mil e uma noites, filmes de viagem, religiosos, de ballet, de ópera, biografias longas, filme policial, filme de fantasia, filme semi documentário. Seu estilo era eclético, seus interesses vastos. Mas então, em 1960, ele faz um filme sobre sexo. E sexo em sua forma mais doentia. Crítica odiou e público fugiu apavorado. A carreira de Powell na Inglaterra terminou. Até o fim de sua vida, em 1990, ele faria apenas mais 3 filmes baratos. Nenhum deles em seu país. ( Um deles seria o maravilhoso A IDADE DA REFLEXÃO, na Austrália ). -------- PEEPING TOM foi feito no mesmo ano que PSYCHO de Hitchcock. Claro que o filme de Hitch é muito mais divertido. Dá pra fazer um paralelo: ambos falam de filhos reprimidos, traumatizados e assassinos. Ambos tratam de sexo. São opostos: Peeping Tom tem cores berrantes e que nos incomodam, Psycho é em PB. O trauma no filme de Hitch é em relação à mãe, em Powell é o pai que destruiu o filho. --------------- Em um mundo artificial, de vermelhos irritantes e azuis estourados, noturno e sujo, vemos um fotógrafo e cinegrafista matar uma prostituta. Então acompanhamos sua vida doentia. Ele é rico e trabalha tirando fotos de nú. Sua personalidade varia entre o hiper tímido e o ousado assassino. Uma vizinha se interessa por ele. Uma dançarina é morta. Sua tara é gravar o medo no rosto de suas vítimas. Por isso ele filma em close o momento de seu assassinato. -------------- A fotografia é do grande Otto Heller e a trilha sonora, jazz esquizoide, de Brian Easdale. Carl Bohm, filho do maestro alemão na vida real, faz o assassino. Ele é bonito e elegante, mas não um grande ator. Faltou um Anthony Perkins para dar vida ao criminoso doido. Não há suspense aqui, o que há é incômodo, doença, perversidade, e muita dor. É um filme feio, sujo, vazio de sentimentos. Um anti Powell feito por Powell. NUNCA UM DIRETOR NEGOU DE FORMA TÃO RADICAL TUDO O QUE FEZ ANTERIORMENTE. Seria o equivalente a Fellini filmar uma história com apenas 3 personagens em close e sem cenários. Bergman filmar uma história entre pobres da India, ou Spielberg fazer uma comédia no estilo dos Irmãos Coen. -------------- Mais chocante é ver que o assassino enlouqueceu porque seu pai filmava-o desde de criança em situações de medo provocadas pelo próprio pai. E vemos que esses flash backs usam filmes reais, feitos pelo próprio Powell, que filmava seu filho, real, desde criança. Real e ficção misturados como raramente se vê. --------------- Foi a segunda vez que vi este filme. A primeira o odiei muito. Ontem percebi seu valor.

O LADRÃO DE BAGDÁ....A OBRA PRIMA DO TECHNICOLOR

Na primeira cena voce já percebe: barcos e mar, céu, um azul que é mais azul que o azul pode ser. Eis o technicolor em toda sua força. Esta aventura não para! Príncipe vira pobre, ladrão vira cachorro, tem gênio da lâmpada gigante, tem cavalo que voa. John Justin é o príncipe e Sabu o menino cachorro. Conrad Veidt o vilão perfeito, com trejeitos de filme mudo alemão, e Rex Ingram o gênio. Produção gigante, Miklos Rosza fez uma trilha sonora exuberante, Georges Périnal a fotografia que é festa visual e a direção passou pela mão de Tim Whelan e de Michael Powell. Sim, meu querido Powell. É um clássico. ( Zoltan Korda dirigiu tambem sem ser creditado ).

NARCISO NEGRO ( BLACK NARCISSUS ). UM DOS MAIORES FILMES INGLESES DE TODOS OS TEMPOS.

Nas eleiçõe maiores filmes ingleses de todos os tempos, BRIEF ENCOUNTER de David Lean vencia sempre. Ultimamente é O TERCEIRO HOMEM de Carol Reed que vence. Não vou considerar a vez em que INVERNO DE SANGUE EM VENEZA venceu. É um grande filme, mas jamais o maior das ilhas. ---------------- Narciso Negro, filme de 1947 de Michael Powell sempre aparece entre os maiores. Depois de CORONEL BLIMP e de RED SHOES, é o filme mais famoso desse diretor tão amado. ----------------- O enredo parece simples ( não há enredo complicado para Powell ): um grupo pequeno de freiras é enviado para uma alta montanha na India. Lá elas se alojam num palácio em ruínas doado por um general poderoso do lugar. Deborah Kerr é a freira líder e entre elas há Flora Robson, uma freira que percebe logo a força do lugar. David Farrar é um inglês meio bêbado que vive entre os hindús, homem que irá desestabilizar duas das freiras. Há ainda Jean Simmons como uma nativa "perdida ", na verdade ninfomaníaca, e Sabu, fazendo o jovem filho do general. ---------------- Jack Cardiff é o fotógrafo e o Oscar premiou seu trabalho. Os cenários são magníficos e em um estúdio inglês eles conseguiram criar uma India que parece mais indiana que a própria Índia é. Vento sem fim, gente estranha, ciganas, uma velha que assusta ( que atriz brilhante!!!! ), e uma freira que começa a enlouquecer de desejo. --------------------- O tema do filme é um só: sexo. Poucos filmes mostraram de modo tão convincente o que seja o perigo do desejo sexual. Tudo lá parecem em cio, há apelo sexual no palácio, nas pessoas, na natureza. O ascestismo das freiras entra em parafuso e elas afundam. =================== Não há drama neste filme. Powell é inglês até a medula: nada em seus filmes parece descabelado ou exagerado. Há emoção sempre, mas nunca descontrole. É uma aula de clima e é um filme inclassificável.

NESTE MUNDO E NO OUTRO, FILME DOS ARCHERS

Feito logo ao fim da segunda guerra mundial, ESTE MUNDO E NO OUTRO é mais um filme da dupla Powell Pressburger e como em todos os seus filmes, é original, inquieto e cheio de toques arriscados. Um avião está caindo em chamas e seu piloto, único sobrevivente, sem paraquedas, se despede da vida conversando com uma americana que o escuta via rádio. O avião cai e explode e o piloto morre. Ou não... Ele, feito por David Niven, acorda numa praia e aturdido, percebe lentamente que não morreu. Apaixonado pela americana que o escutou à morte, ele e ela vão a julgamento no tribunal do céu: terão o direito de enganar a morte? Sim, pois o enviado da morte errou, deixou-o escapar e por isso esse é um caso único. Ao final, tudo chega a sua conclusão durante uma operação cerebral a que ele é submetido. -------------------- O filme fez grande sucesso em seu tempo e é bastante cultuado, mas não é dos meu Powell favoritos. Há algo nele que me incomoda e penso ser a escolha do elenco. David Niven é ótimo como lordes de classe elevada, aqui, como apaixonado, ele não nos toca. Kim Hunter é a americana, e não sentimos que alguém venceria a morte por ela. Mas....mesmo assim há uma profusão de coisas que nos impressionam: a fotografia de Jack Cardiff ( pra quem não sabe, Jack foi o maior mestre de foto colorida da história ), os cenários originais, a ousadia de Powell em filmar algo tão fantasioso e tão pouco apelativo. Observe como não há uma só cena onde Powell filme por filmar. Toda e qualquer cena possui a marca da tentativa de criar. ---------------- Wim Wenders baseou-se aqui em sua ideia de mostrar que somente a vida humana é colorida, o outro mundo é todo em preto e branco. --------------- Talvez seja este o melhor filme para se entrar no mundo dos The Archers, nome que definia a dupla Powell ( direção e roteiro ) e Pressburger ( roteiro e produção ).

George A. Romero on "Tales of Hoffmann"

The Tales of Hoffmann official HD trailer

A BELEZA SALVARÁ O MUNDO....CONSIDERAÇÕES SOBRE DOIS FILMES QUE TENTAM SER BELOS

Me admira o fato de como a esquerda vive em um mundo completamente diferente do meu. Então, se voce for de esquerda, provavelmente voce não sabe que uma das frases mais amadas pela direita, e que virou mania na rede, é aquela que diz : NADA É MAIS REVOLUCIONÁRIO NO MUNDO DE HOJE QUE A BELEZA. Claro que como esquerdista voce deverá perguntar: DEFINA BELEZA. Nossa resposta é simples: SUA PERGUNTA É FEIA. O fato de voce precisar que alguém te explique o que é belo prova que desse assunto voce nada sabe. Touché! --------------------------- A quantidade de gente hoje, no meio do cinema, que diz amar os filmes de Michael Powell serve apenas para o desvalorizar. É muito provável que o amem pelo motivo errado. Ou pior, digam que sentem amor quando na verdade querem apenas provar ter raízes cinematográficas. Scorsese o amou muito antes da moda. Nos anos 70 ninguém lembrava de Powell porque politicamente ele é direitista. Mas Martin já entendia que a beleza é o bem supremo. O americano nunca mais deixou de crer nisso. Powell felizmente morreu velho. Houve tempo de ganhar homenagens. E se casou com a montadora de Scorsese, a multi premiada Thelma Schoomaker. ( Se escrevi errado é porque voce sabe quem ela é ). ------------------- Rubens Ewald Filho odiava Powell. Ele dizia que o inglês era brega, datado e risível. Sempre gostei do anti intelectualismo de Rubens, ele gostava de filmes por serem bons e apenas por isso. Mas nessa ele nada entendeu. Powell é acima de tudo bonito e logo em seguida divertido. ------------------------ Ontem revi CONTOS DE HOFFMAN, pela quarta vez. Quando o asssiti pela primeira vez, uns dez anos atrás, dormi no meio da exibição. Na segunda tentativa gostei muito e na terceira me emocionei. Ontem pensei no ROXY MUSIC. ------------------------- Roxy Music é uma banda inglesa de rock progressivo e pop. Em seus melhores discos voce nunca sabe se eles estão falando a sério ou se estão brincando. O alvo deles é sempre a beleza, e, como todo homem que entende o que o belo seja, eles jogam ao lixo o pudor e o bom gosto. Bryan Ferry e seus asseclas não temem ser brega. Eles sabem que a beleza moldada em bom tom nunca é totalmente convincente. Se é para chorar, o Roxy derrama rios de dor, e se é pra ser chique, eles misturam tuxedos com purpurina. Os clips de Ferry nos anos 80 e 90 são incrivelmente lindos. E soberbamente bregas. Auto confiança. Ferry é formado em artes plásticas, ele conhece Klimt. --------------------- CONTOS DE HOFFMAN é o maior clip de Bryan Ferry já feito e é a mais bela capa do Roxy Music imaginada. Powell e seu camarada, Pressburger, sempre em dupla, Powell dirigia, Pressburger produzia, os dois escreviam, usam as duas formas de arte mais demodé do século XX: Opera e ballet clássico, e ousam fazer um filme que é um desfile gay de afetação e breguice explícita. É lindo, e por isso é profundamente revolucionário. ------------------------ Scorsese ousou dizer, mais de uma vez, que entre 1942-1952, Powell e Pressburger fizeram a sequência de filmes mais ousada de TODA A HISTÓRIA DO CINEMA. Nem Bergman em 1954-1968 ou Godard em 1959-1967 foram tão longe. Porque isso? ---------------------------- Nessa sequência de filmes não há duas obras que se pareçam. Eles vão de contos das mil e uma noites à romance espiritualista, filme sobre religião e fé e filme sobre o sentido da arte, filme sobre guerra e filme sobre viagem interior. Todos os gêneros, todos os estilos, mas sempre dentro do mundo criado pelos dois, Powell e Pressburger ( assinavam The Archers ): Beleza e fantasia, nobreza e sonho. ------------------------------- CONTOS DE HOFFMAN não hestia em usar pérolas penduradas em óculos cor de rosa, batom e lamê, sedas e veludos às toneladas, penteados esquisitos, vapores e cores berrantes, efeitos sonhadores. É uma busca de beleza epifânica sem trégua. A flecha viaja e o alvo a espera. ------------------- THomas Beecham, talvez o maior maestro da história inglesa rege Jacques Offenbach. Hoffman é uma opereta, e o fato de Powell não ter optado pelos mais "finos" Mozart ou Verdi diz muito sobre sua arte. Ele busca a imagem cinematográfica. Não importa onde. --------------------------- A música é bela, às vezes divina, mas jamais complexa. È o pop do seculo XIX. A fotografia, technicolor farto e generoso, é de Christopher Challis. Moira Shearer dança, Ashton faz a coreografia, Ludmila Tcherina tem uma beleza imorredoura. -------------------- Eu não gosto de ballet clássico e ainda não aceito a ópera, e mesmo assim amo este filme. Porque ele não faz sentido. Não é elegante. Não exibe filosofices. É apenas e tão somente bonito. E é dos poucos filmes que realmente atingem o mundo onírico. É um vasto sonho. E sonhos meu bebê, são bregas. --------------------------------- Depois, com insonia, assisti FANTASIA, o de 1940. Como já esperava, Paul Dukas, Mickey e o Aprendiz de Feiticeiro são a melhor coisa. Stravinsky quase chega lá. E Beethoven é assassinado. A Sexta Sinfonia com unicórnios coloridos, arco íris, crianças com bundinhas de fora, centauros atléticos e centaurinhas de 13 anos, a natureza escorrendo mel e a bondade fake mandando nesse mundo de algodão doce? Deus meu! Eis o mundo PC de 2021 em 1940 !!!!! Quase vomito vendo tamanha bobagem. Pobre Beethoven....

O CINEMA ÚNICO DE MAX OPHULS

ERA moda na virada do século XX para o XXI a Viena de 1900. Queriam fazer um paralelo, como se este nosso tempo tivesse algo a ver com o hiper chique período de Klimt e Schoenberg. Estamos em alma muito mais próximos da virada do XVII para o XVIII. Max Ophuls é representante desse tempo. Seus filmes nos mostram o que foi aquele tempo. VEJO uma caixa com 4 filmes do mestre, lançadas em 2020 pela Versátil. Mais que filmes, são educação. Os filmes refinam nossa visão, afinam nossos ouvidos e despertam nosso gosto. A RONDA é dos filmes mais elegantes já feitos. Único diretor que pode ser comparado à Max é Michael Powell. Mas Powell é inglês, sua elegância é a do vitorianismo, assexuada. Raramente Powell fala abertamente de sexo, e quando o fez perdeu seu público. Sexo em Powell é desafio, consequência típica de um puritano. Sexo em Ophuls é prazer, sempre prazer, mesmo quando termina em dor. Anton Walbrock, o maravilhoso ator alemão que atua em tantos filmes de Powell está em filme de Ophuls. Isso não é casual. A BELEZA é superlativa. Há sofrimento em Ophuls, mas não há neurose. O mundo aqui é não freudiano. A valsa é o segredo deste cinema. Cada um dos filmes é como uma dança organizada. Max Ophuls é famoso por seus movimentos de câmera, e de Wes Anderson à Todd Haynes, não há esteta que não o admire. O problema é que o esteticismo desses diretores é, na maioria das vezes, apenas exibicionismo e homenagem. Em Ophuls é um modo de viver e de contar uma história. A CAMERA CANETA. É assim que muitos se referem à camera de Ophuls. Em época de máquinas grandes e pesadas, anos 50, ele já fazia a camera valsar. Ela não para. Corre pelas casas, voa entre rostos, revela cenários de luxo, dialoga com quem assiste. A melhor palavra para descrever as imagens é essa: LUXO. Os filmes de Ophuls são objetos de luxo. UM DOS FILMES se chama O PRAZER. É a própria filosofia de Max. Sua obra é uma ode à vida e as mulheres. Poucos diretores revelam tamanho amor às mulheres. E tanta compreensão por elas. São o centro do mundo e dos filmes. Klimt amaria estes filmes. VEJA esses filmes. Nada é mais apropriado para nossa época, tempo que ama o gozo mas não o prazer.

O CASTELO MAL ASSOMBRADO E OUTROS CONTOS - E.T.A. HOFFMANN. O PONTO MÁXIMO DO ROMANTISMO.

Ao contrário do que muitos pensam, existem pouquíssimos filmes genuinamente românticos. Um dos motivos é que a alma romântica é acima de tudo, solitária, e o cinema é a mais socializante das artes. Milhões de filmes falam de amor, ou são góticos, ou falam de uma vida romântica, mas muito raros são aqueles que são feitos dentro de um espírito romântico. O Atalante é o maior exemplo dentre todos. Michael Powell fez um filme chave chamado OS CONTOS DE HOFFMANN, baseado o roteiro numa ópera de Offenbach que por sua vez se baseia no autor alemão. Vejam o filme se quiserem entrar no clima. Powell consegue parecer romântico. Não só nesse como em The Red Shoes. Der Sandmann é o primeiro conto do livro. Freud tinha fixação por esse conto. O vienense dizia estar no conto a primeira discrição consciente de uma neurose. Hoffmann fora o primeiro homem, antes do próprio Freud, a entender que fantasmas, medos súbitos, loucura, histeria, não eram manifestações de fora, mas sim criações de estados mentais. O horror não era uma ação externa, nem um ato da natureza, era reflexo daquilo que vivia dentro de nossa alma. Sandmann fala de um homem que tem toda sua vida destruída pelo medo do Homem de Areia. Ele crê desde criança nesse homem do mal, e assim faz com que para ele o Sandmann seja real. Hoffmann é grande escritor e nos deixa sem saber se o advogado era de fato o mal ou se o pobre personagem é que o via como tal. Hoffmann além de escritor foi músico e pintor, e foi ele quem chamou a atenção da Europa para a genialidade de Beethoven. Mas seu ídolo era Mozart, e temos dois contos sobre música. Em um deles há a aparição de um fantasma durante uma apresentação do Don Giovanni. No outro é a própria música que surge como algo do além. O último e mais longo conto é o que dá nome ao livro. Engenhoso e sempre irônico, Hoffmann mostra o crime como desencadeador de maldições sem fim. Sua influência sobre Poe é imensa. Mas Hoffmann é bem melhor. Poe parece sempre apressado e às vezes se repete. Hoffmann escreve bem. Otto Maria Carpeaux na sua HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL coloca Hoffmann nas alturas. Para ele foi o alemão quem criou o romantismo em prosa. Deu nascimento a Walter Scott e Gogol. Li-o com grande prazer. Quero mais.

CORONEL BLIMP, MICHAEL POWELL. GENTLEMAN

   Tendemos a não crer que um dia as coisas foram diferentes. Não existem mais pessoas vivas que eram adultas nos anos de 1930. Então quando lemos testemunhos de um mundo diferente, tendemos a pensar que tudo é apenas caso de nostalgia. Coronel Blimp, filme de Michael Powell feito em 1942, no auge da segunda guerra, o momento em que realmente parecia que Hitler iria vencer, fala do assunto que Churchill menos queria ouvir falar então: Bons Modos.
  Churchill tinha sangue azul e era um conservador. Portanto ele conhecera o mundo de Blimp. Mas em 1942 ele já incutira na mente dos ingleses que para vencer a Alemanha era preciso lutar como os nazis lutavam: de um modo sujo. Sem respeitar acordos. O vale tudo absoluto. A destruição total. Blimp é um general que ainda crê na honra entre iguais e nos bons modos mesmo na guerra.
  O filme foi em seu tempo um fracasso de público e poucos críticos lhe deram atenção. Hoje é chamado de obra prima por gente como Roger Ebert, Martin Scorsese e Copolla. Falo agora do que vemos...
  Ele é dividido em 3 grandes blocos. No primeiro, todo em clima de comédia farsesca, vemos Blimp já velho, em 1942, sendo ofendido por jovens soldados da nova geração. Fazem uma palhaçada com ele. Então vem um flash back e vamos à 1902. Jovem, Blimp vai à Berlin resolver um problema. Lá, se envolve em duelo com oficial alemão. Estranhamos o duelo e o que acontece depois como se fosse um tipo de fantasia para crianças. Mas aquele é exatamente o mundo dos oficiais em 1902. O mesmo mundo que Renoir mostra em outro filme sobre o mesmo tema. Acima de tudo há o orgulho em se manter um bom nome. Um compromisso de classe. Um código de honra que precisa ser mantido para que a civilização que se defende não desabe. Observe bem essa frase: A civilização não desabe. A educação humanista da época pregava isso: Acima de Alemanha ou Inglaterra, vinha a civilização romana-cristã-ocidental. Tudo poderia ser perdido, menos essa base. O código de honra a mantinha a salvo.
  No segundo bloco está a primeira guerra mundial, e aí o código começa a ruir. A guerra química destrói o acordo de cavalheiros e a Alemanha dá o primeiro chute no início do fim. Blimp diz que é um orgulho ter vencido a guerra dentro do código de respeito e honra, mas ele está enganado. Os ingleses já usam a tortura para obter confissões. E após a guerra erram ao humilhar os vencidos. Esse segundo bloco é já em outro clima, o filme fica mais seco e a comédia desaparece.
  O terceiro bloco é trágico. É a segunda guerra e Blimp é afastado do exército. Suas crenças atrapalham a nação. A Inglaterra luta como a Alemanha, de modo sujo. O filme se torna trágico e de uma beleza absoluta. A fala do amigo alemão, tentando obter refúgio em solo inglês, é comovente.
  Paralelamente à tudo isso, há a amizade entre os dois duelistas. Blimp e o alemão mantém a amizade porque ambos acreditam nas mesmas coisas. Mais que ingles e alemão, eles são civilizados. A mulher que o alemão rouba de Blimp, sem saber, é o símbolo do mundo perdido pelo general, a beleza que jamais poderá voltar.
  É um filme imenso em todos os sentidos. Roger Livesey como Blimp tem uma das melhores atuações da história do cinema, e Anton Wallbrock como o alemão é ainda mais fascinante. O filme é considerado um exemplo do estilo biográfico. Ele humilha as biografias feitas nos últimos anos.
  Voce pode falar que na idade média se torturava etc etc etc. Sim. É fato. Mas se torturava quem não fazia parte do universo dentro do código: o herege. Entre iguais se observava a honra da guerra justa. Cinismo? Pode ser. Mas dentro dessa civilização, a nossa, havia pelo menos essa certeza. A guerra feita com hora e local marcado, dentro de um limite. Quando esse limite era quebrado, e era, a punição era exemplar. Os crimes cometidos em países fora da Europa eram crimes contra outra civilização. O que Blimp diz, e que tanto irritou Churchill, é que ingleses e alemães são da mesma origem, têm os mesmos códigos e se os alemães erraram, e realmente erraram, o filme deixa isso muito claro, são ainda participantes da mesma civilização.
  Vivemos um tempo de relativismo e achamos extremamente falso um código de honra que abrange apenas os iguais. Mas mesmo no globalismo atual é isso que acontece. Voce respeita quem é da sua tribo e só quem compartilha de suas crenças. O problema pós nazismo é que não há limite algum mesmo dentro da tribo. Vale tudo para vencer, mesmo que se negue a sua própria honra.
  Não existe civilização sem acordo. Não vale a pena manter uma estrutura baseada apenas no prazer. Blimp sabe que o que dá sentido à vida é a crença em coisas que estão acima e além de voce mesmo.
  O filme, antigo, velho, ultrapassado, está muito além do cinema.

THIS HAPPY BREED - DAVID LEAN ( CONSTELAÇÃO FAMILIAR ).

   Infeliz o povo que não consegue mais fazer filmes como este. Pior ainda, infeliz o povo que não vê mais sentido em histórias como esta. Do que trata, e por que "constelações familiares" ?
   Primeira cena do filme: Um jovem casal está de mudança para uma casa simples. É uma daquelas casas inglesas de tijolo marrom, uma fila sem fim de casas iguais: uma sala e uma cozinha; em cima, dois quartos, mais um jardinzinho nos fundos. A mudança é feita eles arrumam e limpam tudo, a casa é bem suja. Um filho e duas filhas, são os Gibbons e a história começa nos anos 20. A Inglaterra se encontra tomada por greves e desemprego.
  Um vizinho faz amizade com eles. Começam os namoros. Casamentos, vinte anos serão exibidos em duas horas de filme. Eles passam pela Segunda Guerra, passam pela morte de um membro da família, e depois de mais um. Uma filha foge de casa, e depois, muito depois retorna. E tudo é regado a chá, muito chá, dor contida, piadas, whisky, mais chá e o jardim do pai. E é aí que desejo chegar:
  Um namorado da filha é um jovem socialista anarquista, do tipo que havia aos montes nas ilhas dos anos 30. Numa discussão com o pai dos Gibbons, ele diz que "o mundo precisa mudar já!" O pai, cuidando das rosas, diz que "a Inglaterra ama jardinagem...e por isso somos do jeito que somos...temos paciência porque sabemos que as coisas têm um tempo para crescer, florir e morrer...quero que o mundo seja melhor...mas sei que a vida não é diferente deste jardim..." Robert Newton é o ator que diz esta frase simples, e muito do seu encanto se deve ao charme desse ator inglês. Talvez voce então já tenha notado o que desejo dizer... O filme, de uma forma discreta, leve e grave, sem apelos, mostra despudoradamente o VALOR SUPREMO DE UMA FAMÍLIA. O que vemos diante de nossos olhos, cheios de maravilhamento, é a mais simples, a mais banal das histórias: vinte anos na vida de uma família absolutamente comum. Nem ricos nem pobres, nem felizes, nem infelizes, sem bandidos ou santos. Banais, banais como todo pai é, banais como toda mãe é.
  Steven Spielberg gosta de dizer que David Lean nunca fez um filme menos que bom. Discordo. Ele tem um filme chato ( A Filha de Ryan ) e cinco obras primas. Este é talvez seu maior e melhor filme. E é o mais simples e modesto. This Happy Breed se tornou nos anos 2000 um clássico tão cult como Coronel Blimp, de Powell. São amados com carinho e com respeito.
  Voce tem de ver este filme. Para entender a IMPORTÂNCIA DE SUA VIDA. A dignidade da vida comum. A beleza do chá banal de toda hora. O pai modela toda a moralidade daquela família. E a mãe dá à todos a força física de uma presença real. O filme, feito em 1949, é retrato perfeito e doloroso de um mundo que morria após a guerra. Um mundo do qual sentimos falta. Não criamos ainda um melhor para colocar no vazio deixado.
  Não veja este filme esperando moral ou beleza fácil. A vida dos Gibbons é árida. Espere dele uma lição. Uma aula. Uma chamada à ação.
  Um dos mais belos filmes já feitos. E o mais comum entre os grandes.

The Tales of Hoffmann (1951) - The Tale of Giulietta



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MARCEL CARNÉ/ POWELL/ TRUFFAUT/ MELHORES FILMES DA FRANÇA

   O BOULEVARD DO CRIME de Marcel Carné com Arletty, Jean Louis Barrault, Pierre Brasseur, Maria Casarés
Foi eleito, a coisa de cinco anos, o melhor filme francês de todos os tempos. Será? Esta foi a minha segunda visita a esse épico de 1945. Com mais de 3 horas, trata das paixões, misérias, ilusões de um trio ligado ao teatro. Arletty faz a atriz que todos amam, Barrault é Pierrot, o ator ingênuo que a adora. Brasseur é um ator-astro, cheio de si. Ao redor deles uma multidão de ladrões, nobres, escroques. Tudo lembra Balzac. É uma painel da França do fim do século XIX. Ruas com multidões, lixo e luxo. Tudo no filme é superlativo. A fotografia, o cenário, a música. E todos os atores. As interpretações são ao estilo francês puro, palavrosas e posadas. Hoje lembram cinema moderno, envelheceram tanto que viraram novidade. O roteiro, do poeta Jacques Prévert é brilhante. O filme varia entre poesia, drama pesado e comédia leve. Crime e vingança. É o maior filme da França? Não sei se é, mas o título não fica mal. Para mim existem 3 grandes filmes que merecem o título: este, Orfeu de Jean Cocteau e O Atalante, de Jean Vigo. Com vantagem para a obra-prima de Vigo. Claro que há ainda Clair, Renoir, Clouzot, Godard, Bresson, Melville, Tati, Truffaut...mas estes 3 são gigantes, amplos, completos. Cada um a seu modo, Vigo é intimista e simples, Cocteau é simbólico e hermético e Carné, belo e imenso.  Um filme que todos devem ver. Nota DEZ.
   CAPITÃO PIRATA de Gordon Douglas com Louis Hayward e Patricia Medina.
Aventura padrão de piratas dos anos 50 da Columbia. Pirata inglês se envolve no resgate de seus companheiros capturados por espanhol mal em ilha do Caribe. Nada de especial, produção pobre, mas para quem como eu adora filmes de piratas, não decepciona. Nota 5.
   ALEXANDRE O GRANDE de Robert Rossen com Richard Burton, Fredric March e Claire Bloom.
Há quem diga que Burton deveria ter sido o maior ator de todos os tempos. Mas ele se vendeu à Hollywood e perdeu tempo e vontade em filmes como este. Uma produção grande sobre Alexandre da Macedônia. O filme...bem, como levar a sério Burton de peruca loura? Rossen era um diretor metido a artista, mas este filme afunda em roteiro sem ação e personagens ralos. Só March se salva. Seu Filipe, pai de Alexandre é complexo, sutil e ao mesmo tempo dramático ao extremo. Nota 2.
   O RIO SAGRADO de Jean Renoir com Esmond Knight e Adrienne Corri
Renoir saiu dos EUA e foi a Inglaterra. De lá à India fazer este que é um dos filmes favoritos de Wes Anderson. E é realmente um filme mágico. E, como tudo de Renoir, de uma simplicidade absoluta. Uma familia inglesa vive na India à beira de um grande rio. Vivem de uma fábrica de juta. São cinco meninas e um garoto. Um americano chega e passa a ser cortejado. Uma tragédia ocorre, mas a vida continua. Renoir consegue nos fazer entender um conceito profundo sem falar quase nada. Imagens belas de Claude Renoir, irmão de Jean, e apesar dos atores ruins, o filme se eleva `grandes altitudes. É seu melhor filme. Disso não duvido. Nota DEZ.
   A NOITE AMERICANA de François Truffaut com Jacqueline Bisset, Jean Pierre Leaud, Valentina Cortese e Jean Pierre Aumont
Me apaixonei por cinema em 1978 vendo este filme na Sessão de Gala da Globo. Eu quis ser Truffaut. Durante uns 3 anos ele se tornou meu diretor fetiche. E 3 anos na adolescência são dez como adulto. Então posso dizer que Truffaut atingiu sua meta, mostrar o amor ao cinema de uma forma simples, ingênua  e pura. É claro que fazer um filme não é isto, mas o que Truffaut quis foi mostrar o amor à coisa, nunca um documentário sobre a feitura de um filme. Godard rompeu com François por causa deste filme. O que mostra a cegueira de Jean Luc. O filme é sublime, encantador, o conto de fadas dos que amam cinema. E tem uma das melhores trilhas da vida de Georges Delerue, o que não significa pouco, pois Georges foi sempre magnífico! Nota DEZ.
   OS CONTOS DE HOFFMAN de Michael Powell
Eis...Powell, o irriquieto, o corajoso, faz um dos mais arriscados filmes da história. Filma os contos de E.T.A.Hoffman em sua forma original, ou seja, como ópera, inteiramente cantado. E com cenários que são extremamente artificiais. O resultado é radical, voce adora ou odeia. Eu não me dou bem com ópera, mas adorei o filme. Porque ele é de uma beleza irreal, artificial, embonecada, brega, surpreendente, mágica. Se voce quer saber o que seja o romantismo eis o filme. Ele nos apresenta todo o universo de Hoffman, mas também de Shelley, Hugo, Lamartine...e chega até Poe. Vejo que George Romero é um de seus fãs e isso não me surpreende, este é um filme de horror. A beleza aqui é morta, espectral, como aquela de um cemitério. Se voce gosta desse mundo, veja. Se voce é um prático pés no chão, fuja correndo. Nota.........?

GREAT BRITISH FILMS- JERRY VERMILYE

   São descritos, criticados, explicados e exibidos em fotos os 75 mais importantes filmes ingleses feitos entre 1933-1971. 
   Primeiro, por que esse período? Segundo o autor, porque essa é a época do apogeu da indústria britânica de filmes. Antes de 33 os filmes eram quase insignificantes, depois de 71 várias produtoras fecharam e as produções passaram a depender completamente do governo, da TV ou de capitais americanos. O cinema inglês, puramente inglês, deixou de existir.
   Dentre os 75 o autor avisa ter eliminado todo filme que tivesse capital em co-produção. Isso elimina filmes como Lawrence da Arábia, todos os James Bond ou Laranja Mecânica. São filmes com capital parcialmente americano. Bem...mesmo assim há surpresas.
   Alfie não consta. Não é um filme assim tão bom, mas é muito importante, sem dúvida. Também não há Get Carter, a obra-prima do policial com Michael Caine. Aliás, acho que o autor não gosta de Michael. E de Sean Connery. Nada de nenhum deles. 
   Um Golpe à Italiana também deveria estar, e veja só, tem Caine em seu elenco! 
   E não temos nem IF... de Lindsay Anderson e nem KES, de Ken Loach. Como ambos são de 1968 e NÃO tem capital made in USA, onde a desculpa? Mesmo que voce os deteste, eles são dois dos dez filmes ingleses mais influentes e aqui não estão nem entre os 75. 
   Legal pensar no que poderia estar aqui pós 1971. Possivelmente um ou dois filmes do Stephen Frears, um Nicolas Roeg, Bill Forsyth, um Monty Python e mais um Terence Davies. Mike Leigh e Transpotting. E só. Engraçado é que todos têm mesmo a chancela da BBC ou da Granada TV. E a maioria estreou na TV. E têm produção pequena. Nunca tinha notado. Filmes ingleses maiores, mais produzidos, desde 1971, têm Fox, Paramount ou Warner no meio. O puro cinema inglês só na TV. E TV não é cinema. 
   O livro foi originalmente lançado em 1980, e isso é muito interessante. Pois além de demonstrar a mudança de gosto, mostra aquilo que permanece. O mais interessante é que temos apenas 3 filmes de Michael Powell. E em todos eles o autor enaltece a fotografia, os atores, mas jamais a maestria da direção. A recuperação de Powell, via Scorsese e Spielberg, se daria exatamente em 1980, e parece que o autor pensava ao contrário, que Powell estava prestes a ser esquecido. Qualquer lista hoje tem;  além dos 3; mais outros 3 filmes desse grande mestre.  David Lean domina a lista, Carol Reed, Alexander Korda, Tony Richardson, John Schlesinger estão bem citados. Uma pena a pouca atenção também aos filmes baratos de Joseph Losey feitos com Stanley Baker. São excelentes!
   De qualquer modo, só os belos stills, de gente como Vivien Leigh, Charles Laughton, Rex Harrison, Albert Finney e Alan Bates já valem o preço.
   Bem legal.

HITCHCOCK/ POWELL/ CAROL REED/ JACK CARDIFF/

   GESTAPO de Carol Reed com Margaret Lockwood, Rex Harrison e Paul Henreid
Ando revendo filmes ingleses. Carol Reed forma, ao lado de Powell, Lean e Hitchcock, o quarteto soberbo do cinema clássico da ilha. Cada um com seu estilo definido, eles são mestres consumados e sábios em sua forma de narrar e de seduzir. Reed é o mais realista. Aqui ele narra um jogo de gato e rato entre dois inimigos, um nazista e um inglês, ambos em busca de um cientista. Rex já tem aqui desenvolvida sua forma de atuação, leve, sorridente e elegante. O filme é pura diversão e demonstra magnificamente o modo como os ingleses se percebiam a si-mesmos. Nota 7.
   E UM DE NOSSOS AVIÕES NÃO REGRESSOU de Michael Powell
Revejo os filmes menos famosos de Powell. O modo como ele e Pressburger viam a guerra tem muito a nos ensinar. Ele nunca deixa de ser patriota, afinal, este filme foi feito durante a guerra, mas o modo como ele vê os alemães é não só humano como também corajoso. Eles são gente também, diferentes dos ingleses, lutam pelo lado errado, mas não são monstros, têm alma. Aqui é narrada a missão de um grupo de aviadores que ao voltar de um bombardeio em Stuttgart são alvejados e caem na Holanda. A população holandesa os ajudará a voltar a sua terra. É um belo filme e tem retrato carinhoso do homem comum, não dos heróis. Nota 7.
   PARALELO 49 de Michael Powell com Laurence Olivier, Leslie Howard e Eric Portman
Um grupo de marujos alemães é atacado nas costas do Canadá. Seu submarino afunda e eles devem em terra conseguir voltar a Alemanha. Este é o filme que deu fama a Powell. Sucesso nos EUA, é uma linda aventura filmada no Canadá. Os alemães são individualizados, sim, há um vilão, mas também há um alemão bom. Ver este filme durante a guerra deve ter sido muito estimulante. Nota 7.
   A BATALHA DO RIO DA PRATA de Michael Powell com Peter Finch e Anthony Quayle
Aqui já estamos na fase dificil da carreira de Powell. Feito nos anos 50, o filme fala de um navio alemão famoso por afundar navios mercantes aliados nas águas do Atlântico Sul. O que se narra é sua caçada e sua agonia. Powell mostra o capitão do navio alemão como um homem honrado, quase um herói trágico. O estilo de Powell está todo aqui, ele exibe com calma e cuidado a civilidade dos homens, a camaradagem e o respeito entre os iguais. O filme emociona, mas em seu inicio pode irritar, não estamos acostumados a tanta educação! Revisto, este filme cresceu muito em meu conceito e hoje é dos meus filmes de Powell mais queridos. Estranha a sina desse diretor, a de ser querido só em revisões...todos os seus filmes me decepcionaram na primeira vista ( inclusive Red Shoes ) e se tornaram gigantes na segunda olhada. Nota 9.
   FESTIM DIABÓLICO de Alfred Hitchcock com James Stewart, John Dall e Farley Granger
Que delicia!!! É o famoso filme de Hitch sem cortes. Eu o adoro, mas Hitch não gostava dele. Um casal gay mata um amigo só pelo prazer de cometer uma obra de arte. Convidam os pais da vitima para jantar, e o corpo está dentro de um baú que é usado como mesa de jantar. Dá pra ser mais macabro? O pai come carne sobre o corpo do filho. O humor de Hitch raras vezes foi tão afiado. James Stewart entra em cena como o professor dos assassinos. E nós nos alegramos ao rever esses ator-amigo. O filme é absolutamente perfeito. Nota DEZ.
   CORRESPONDENTE ESTRANGEIRO de Alfred Hitchcock com Joel McCrea, Larraine Day e George Sanders
O excesso de ação atrapalha a narrativa desta aventura de Hitch. Joel é um repórter americano que vai a Holanda cobrir a guerra. Se envolve em jogo de espionagem. Sanders é excelente, mas Joel e Day são muito peso leve, estão no filme errado. Nota 6.
   OS PÁSSAROS de Alfred Hitchcock com Rod Taylor, Tippi Hedren e Jessica Tandy
Uma mulher destrói a harmonia masculina de uma comunidade. Sim, esse é o sentido do filme. Desde a cena na loja de pássaros, até o final inesquecível, todo lugar em que ela pisa surge uma ameaça. Pássaros se juntam e passam a atacar. É um dos filmes aparentemente mais simples de Hitch e o mais absurdo ( em superficie ). Mas seus medos estão todos aqui.  O maior de todos seu pavor das mulheres. Falar de suas cenas é chover no molhado, o filme é muito conhecido. As melhores são aquela que mostra os pássaro se reunindo atrás de Tippi, e o final, eles andando em meio as pássaros que se aquietam, talvez porque ela foi vencida... Vi esta obra-prima pela primeira vez em 1973, na velha TV Tupi. Eu era criança e confesso que tremi todo o tempo. Era uma época bacana pra se assistir filmes de suspense, basta dizer que o silêncio na rua ainda existia e a iluminação lá fora era precária. Nota DEZ.
   FILHOS E AMANTES de Jack Cardiff com Dean Stockwell, Wendy Hiller e Trevor Howard
O mundo de D.H.Lawrence levado ao cinema. Numa comunidade pobre da Inglaterra, vemos uma familia de mineiros. Uma familia infeliz, onde o pai violento tem rancor pelo filho que o renega e a mãe, hiper protetora, mima esse filho que quer ser pintor. A vida desse filho é destruída pelo meio em que vive. Parece bom, mas não é. O primeiro erro é Stockwell. O outro é a falta de criatividade de Cardiff. Ele foi o grande diretor de fotografia de Red Shoes, mas como diretor nunca funcionou.  O filme é chato. Nota 3.