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ODESSEY AND ORACLE - THE ZOMBIES E A INFANTILIZAÇÃO DO MUNDO.

   As crianças nascidas entre 1940-1950 foram salvas de Hitler por seus pais e seus avôs. E, crescidas no momento mais rico da história do planeta ( falo de Europa, EUA e Japão ), passaram a não precisar se matar de trabalho e passar fome por toda a vida. Nunca antes tanta gente teve tanto, seja em bens materiais, seja em tempo livre. Ócio leva ao tédio, tédio leva à raiva e raiva trouxe a liberação dos desejos. O mundo dos pais passa a ser o mundo errado, o mundo dos jovens é o mundo da paz e do amor infinitos. Hippies se chamam de "crianças da flor", a consequência desse "mundo mágico de neverland" vemos hoje. Desejo não é poder, mas para "as crianças da revolução", é sim.
   O rock conduziu essa revolução e este disco é um retrato do momento. Os Zombies, banda inglesa, faz no final de 1967 um disco, hoje cult absoluto, que condensa os 3 momentos chave das crianças inocentes: Beach Boys, Love e Mammas and Pappas. Cada faixa é uma citação, nunca plágio, de uma faixa das bandas de LA, a terra do sonho. Harmonias vocais doces e sinceras, arranjos flutuantes, sensibilidade à flor da pele, inocência assexualizada, bosques sem feras. Eles jamais atingem a glória de Brian Wilson e muito menos a acidez que torna Arthur Lee tão perfeito ( o Love tem uma agressividade que nenhuma dessas bandas tem, por isso é de longe a melhor ), os Zombies são belos, nunca instigantes.
  Hoje seu som é o som indie. Seu disco ficaria muito bem num set de uma banda "nova" em um festival de 2018. Por isso este é um disco tão cult agora. Infantil todo o tempo.
  Claro que Bowie, Lou ou Cale nada têm de infantil. São irônicos com tudo aquilo. Mas são minoria e representam um momento fugaz. O RAP também surge adulto e logo se torna uma brincadeira com armas e videos pornô. O querer é poder se instala em todo meio e serve para justificar tudo, do terrorismo ao pansexualismo. Este disco mostra o parto desse espírito do tempo. Nunca mais seremos adultos. A não ser que uma catástrofe nos jogue no mundo real outra vez. Coisa que pode ter certeza, eu não desejo.

CANÇÕES DE AMOR SÃO COMO AMAR O AMOR

   Para ninguém achar que eu escuto apenas Roxy e Ferry quando penso no amor ( isso está longe da verdade ), comento aqui, ou melhor, deliro aqui, sobre as músicas que me levam a esse mundo onde tudo voa ( como mostra o mais belo dos quadros, aquele de Chagall em que ele visita Bella Chagall ).
   O nascimento da minha percepção de que canções são hinos ao amor exibo na postagem abaixo. Gostaria que voces lessem o texto e que vissem os dois vídeos. E em meu sonho amoroso gosto de pensar que o garoto no video de Rod Stewart sou eu aos 9 anos. Aquelas imagens sintetizam toda a minha infância.
   Infância...O amor é um rememorar da infância e sei que o sexo é o brinquedo de adulto. A gente troca o autorama pelas comédias fantasias da cama. Casais em amor são crianças. Graças aos céus! São sinceros e verdadeiros, a minha babaquice infantil e adorável eu só mostro para quem eu amo. Têm elas feito o mesmo para mim. Nosso maior presente é nossa ingenuidade.
   Discos desse universo...Lloyd Cole and The Commotions. É tão belo que chega a doer. Violões e violinos, as músicas realmente voam. Rattlesnakes é um disco perfeito. E tudo soa a amor. Lembro também de Prefab Sprout com o disco que se chama Steve McQueen. É pop chic típico dos anos 80, mas é lindo demais. Marcou época. E se é pra falar dos anos 80 falo do Human League que nos deu Dare! um disco que voa entre suspiros e o Yazzo que trouxe Nobody's Diary.
   Mudo de clima e de mundo. The Crystal Ship dos Doors é uma das mais belas canções assim como Catch the Wind de Donovan. Nesse mundo hippie abundam canções sobre amor. O Traffic tem várias, assim como Hendrix. The Wind Cries Mary é uma das mais perfeitas. A gente levita quando a escuta.
   Várias vezes em que estive em êxtase amoroso escutei Happy dos Stones a todo volume. E já cantei Ruby Tuesday na rua bêbado. Happy dá tanta alegria por se saber dentro da loucura do amor!
    Bob Dylan é um caso a parte. Simple Twistof Fate é sobre ser adulto. Aliás, no mundo do amor, Dylan é a figura adulta. Ele sempre luta para não ser infantil. Sorria mais Bob! Outro geminiano é Brian Wilson e God Only Knows é algodão doce. Feito por um gênio da doçura.
    Não posso esquecer de Van Morrison. Astral Weeks é soberbo. Não se parece com nada. É alma falando com alma. Etéreo. Se anjos cantassem soariam terríveis e belos como Morrison. Ou como Annie Haslam em Ashes are Burning.  Ou Sandy Denny.
    Sei que nem todas essas canções falam de amor, mas o sentimento quando te toma faz com que toda bela música seja sobre o amor. Aquele concerto de piano de Mozart, o 20, é sobre amor. E talvez seja a mais bela obra já pensada e realizada sobre o tema. Ou sobre todo tema possível.
    Kevin Ayers tem montes de músicas amorosas. Gemini Child é das maiores. Kevin foi amoroso todo o tempo. Vivia em estado de apreciação. Alcoólica, carnal e amorosa. Ele continuou a tradição hedonista de poetas britãnicos que saíam da ilha fria atrás do sol do Mediterrâneo. E amavam até morrer. Kevin foi um gigante.
    Forever Changes talvez seja o melhor disco de rock sobre o amor. Arthur Lee ultrapassa tudo e chega ao auge da inspiração. A obra-prima é tão vasta, tão complexa que se torna inesgotável. Caleidoscópica. Não por acaso sua banda se chamava Love.
   Chris Isaak teve um auge de dez anos. Entre 1988 e 1998 ele foi o cantor do amor. E como canta bem! Nesse perídodo eu o escutei como um vicio. Amor dos anos 90, cheio de bossa, de referências ao passado. Estradeiro e ingênuo. Suave, sexy, lindo.
   E foi nessa década que descobri o amor adulto. E com ele veio aquele repertório que nada tem a ver com o rock. Sinatra, Chet Baker, Astaire, Crosby, Ella, Billie, Doris Day... o tesouro da canção popular americana: Cole Porter, os Gershwin, Rodgers e Hart, Irving Berlin... Bewitched, Night and Day, Never Gonna Dance, Funny Face, September Song... tantas jóias que me mudaram. Quando as descobri muita coisa do rock deixou de ter gosto para mim.
   Tento evitar falar do mundo da black music. Os gênios negros falam do amor como ninguém. Demonstram soberbo conhecimento. Marvin Gaye, Otis Redding, Smokey Robinson, Temptations, Aretha, Teddy Pendergrass, Al Green...a sensação é a de que eles são professores de amor.
    E há David Bowie. Ladystardust, Life on Mars, Wild is The Wind, Rock'n'Roll With Me, Sorrow, tanta coisa sobre amor, dor, ilusão, reconciliação, tempo, desejo, sexo, sonho...Não existisse Ferry seria Bowie o crooner do amor, mas ao contrário de Bryan, que parece viver pela musa, Bowie sempre parece viver pelo palco. Seu gênio para a canção de amor é imenso, mas não é exclusivo, ele sempre é dúbio.
   De quantos mais discos posso falar! J.J.Cale tem Grasshopper, um disco todo sobre um flerte e um amor. É dos meus mais queridos diários amorosos. Assim como Stephen Stills e seu primeiro disco solo. Neil Young e Harvest ou The Band com várias faixas de seus discos. Mas The Band não trata muito do amor-paixão, sua praia é a amizade. A bela amizade entre camaradas.
   Gram Parsons tinha o dom. Sincero ao extremo a gente ouve o amor nascer em sua voz. Comove sua fé amorosa. Ele foi um puro de coração. Não podia viver muito. Partiu.
    É engraçado como várias bandas que adoro não me trazem lembranças sobre canções de amor. The Kinks por exemplo. Existem belas faixas amorosas, mas seu espírito é outro. São satiristas, cronistas sociais. Como The Who, banda que consegue me levar as lágrimas. Mas do que eles falam? De solidão, de fé e de luta. Como o Led Zeppelin. Adoro o Led, mas a praia deles é outra. Tesão, amor de minutos, amor como conquista e posse.
    Nick Hornby tem razão. Décadas ao som de canções que falam de amor, que sonham com o ideal, deve ter modificado toda a minha visão de vida. Ninguém sai impune de I Started a Joke aos 6 anos!
    Tem muito mais, claro. Mas este desleixado texto conta apenas isso. Vou sentir pena dos esquecidos ( lembro agora de Quicksilver Girl de Steve Miller, do Steely Dan com Peg... ), mas é isso. Amar é amar o amor e se essas canções e esses caras me trazem o amor à vida eu os amo a todos. São lembretes, amplificadores, testemunhas, ecos. Escutar tudo isso é exercitar o coração, fazer falar a alma e viver melhor e mais.

ASH WEDNESDAY - TS ELIOT ( E ROXY'S MOTHER OF PEARL)

Aqui Eliot entra em sua terceira fase. Não mais o coloquialismo, não mais o modernismo. Agora ele tenta encontrar o sagrado na vida.
Escreverei sobre este poema sem citar uma só linha de seus versos. Basta saber que Eliot sempre escreve poesia sem poetasiar. É totalmente anti-Vinicius. Nada tem de poeta-das-menininhas. E também nada faz dele um "irmãos Campos". Eliot não faz experiências.
Sem rimas, seu segredo é o ritmo. Tudo que ele escreve é musical. As imagens e as palavras vêm e vão e se repetem como se fossem notas e arranjos. Sua escrita é um tornado.
Aqui ele fala do que?
Dos ossos. Dos leopardos que comeram sua carne. Da árvore seca. E de uma Dama de azul e branco. Deserto.
Mas o texto é otimista. Pois ele não mais tem medo. Eliot entendeu.
ASH WEDNESDAY, de 1930, me faz pensar. Em escolhas.
Escolhemos o dois mais dois como eternamente quatro. E agora pagamos o pato.
Optamos pelo olho e pelo ouvido. A mão e o osso. Enterramos ( no inconsciente? ) o não visível.
Religião virou igreja. Torre de pedra com ritos e mandamentos sem nenhum significado.
E arte se tornou cada vez mais a assinatura de uma vaidade.
Mas já falei tanto disso e me dá tanta preguiça..... Pois o que me motiva é a Dama de azul e branco, a rica simbologia dessa mulher que não se pode ter e jamais será conhecida. Essa imagem de religião verdadeira e de morte gloriosa. Esse sentimento que a arte superior tenta nos fazer rememorar.
Em 1300 a arte toma o lugar do sagrado ( já que a igreja se torna PODER ).
E passa a ser, quando verdadeira, a busca pelo invisível e pelo atemporal. Um sentido para uma vida que passa a negar toda transcendencia, que só crê no provado e comum. É na arte, poesia e música, depois teatro e prosa, que se ora.
Mas agora, de 1800 em diante, também a arte lentamente apodrece. Vai perdendo o dom de engrandecer e de sacralizar. Torna-se uma questão de refazer e de erguer egos.
O dois mais dois se torna a única realidade.
A grande obra hoje é sempre da ciência. O acelerador de partículas, o ônibus espacial, o micro. Nosso engenho está todo focado nisso e sómente nisso. O hiper talento humano não mora na arte, muito menos na religião. Ele é todo matemático, o que existe é o que pode ser medido, pesado e transformado em equação.
Todo o resto é poesia.
Mas é aí que a porca torce o rabo.
Pois não há satisfação nessa lousa e nesse chip. Continuamos os mesmos caras de 1300.
Queremos glória viril. Queremos ser lembrados. Queremos uma casa em paz e um campo de provas. A Dama de azul e branco. Êxtase e transcendência. Vinho e sono.
O dois mais dois nos oferece em troca glória virtual. Esquecimento. A morte da casa e o fim da busca pela sóbria paz. A não-concentração e relativização. Uma dama de preto e de vermelho, sem segredos e sem sacrifícios. Comodismo e eficiência. Pílulas e insônia.
Ouça.
Mother of Pearl, Roxy Music.
Tudo isto está lá. É como She Comes in Color do Love de Arthur Lee. Transcendência no pop. A chance de perfeição. Nosso espírito cantando.
Ouça.
Após Mother of Pearl vem Sunset.
Não há mais chance para nós?

FOREVER CHANGES- love is arthur lee

Demoro muito para escrever sobre este disco, pois temo não fazer justiça a sua beleza. É um disco cheio de segredos, de recantos úmidos, de radiante fé e de sombras tenebrosas, assustadoras. Nada nele é explícito, portanto, é incompreensível para cultores da pornografia. Ser sutil é seu maior mérito, ser obra de gênio. Arthur Lee, homem impregnado de Lewis Carrol, Poe e Shelley, bruxo leve/ voador, um pássaro.
Sua gravadora, Elektra, colocou todas as fichas neste álbum. Mas não estourou, nem poderia. Excesso de sofisticação, fineza em tempo de grossura, e acima de tudo, Lee era um negro, líder de banda branca, fazendo música nada africana. Não há swing aqui.
Antes de ouvir este disco, para quem se interessar, sugiro que primeiro procurem no youtube seu show em Glastonbury. Para vocês meninos, creio que será mais familiar assistir Lee no palco, com seu carisma fantástico, sendo aclamado pelo que sempre foi : gênio fecundador, músico hiper plagiado ( ontem, hoje e sempre. Até Madonna o roubou. ) Se você gostar do show, lindo, talvez você consiga entender o disco. Se não te emocionar, sinto por sua alma, estás definitivamente corrompido.
Primeira faixa : alone again or- é uma cascata de violões e de melodia que dão ao que virá seu caráter, música feita de água. Fluida e incorruptível. A harmonia ameaça desabar todo o tempo, mas se mantém em suspenso, à tona quase num milagre de engenho. A música, feita cachoeira, muda de rumo diversas vezes, e aqui há o maior encanto deste gênio : sua música muda a cada minuto, fica mais intrincada, complexa, mas jamais adquire peso e nunca parece pedante. O segredo de toda arte perfeita é jamais parecer difícil e sempre ser leve. A alma comunga com o universo desta canção.
a house is not a motel. Quantas vezes isto foi copiado. Quantas mais será imitado ? É a menos suave, tem um solo ácido de guitarra elétrica. Básica para a geração dos anos 80 inglesa, paira na geração inglesa de hoje como desafio etéreo. O Love foi a mais inglesa das bandas, apesar de ser da Califórnia.
andmoreagain. Alguém pensa à janela na chuva que cai e no amor que faz o coração bater arrastado. A melancolia impera, a dor vem em sedas rasgadas. Como tudo no Love, a música varia e quase afunda, mas o rumo não se perde. Isto não ter sido um hit atesta a burrice das paradas, em 67 ou em qualquer tempo.
the daily planet. A vida é urgente. Chove cristal de imaginação. Música melhor que isto ? Onde ? É brilho visual, música que aquece a alma e os ossos. É como nascer em meio a flores e sol, tudo é imperiosamente belo aqui. Uma pausa que remete a dúvida no meio da canção e então vem mais um milagre. Tudo dá certo e volta a melodia original : mas ela se enche de ácido ! Eis Lewis Carrol !!!! Sobe e desce e vai e vai e vai....... roda em cores e risos. Arthur Lee foi um anjo se anjos pudessem ser.
old man. Num bosque há uma torre mofada e lá um velho. Faço-lhe um pedido e me sinto velho como ele, ou mais. É música medieval, de sempre, é melodia para se morrer de tristeza. Mas, milagre ! ela cresce e renasce ! Violinos, este é um disco de violinos e desse piano dedilhado por mãos de gelo. Nada na música de Arthur é força. Tudo é poder.
the red telephone. Abre-se uma outra porta : cuidado ! Você vê mortos do outro lado. Mas você crê em mágica e muda de canal : olhe os olhos de Lee, o que você vê ? O que você sente ? Passos dentro de seu corpo e a vida flue dia a dia a dia... ser feliz é não saber o quanto se é infeliz... pare e veja : eu sinto você uma vez e estive em você duas... e às vezes viver é estar entre números e fora de tudo. Esta é a mais mágica das canções, ela é fora de tempo, fora de você e de mim e de mundo. Roda e roda e enlouquece e é um perigo em forma de poesia. Leve como dormir no verão.
maybe the people. A canção de estrada do disco. Talvez seja a mais simples e a mais influente. É quase feliz e chega a ser solar. Os metais guiam toda a melodia.
live and let live. Um gnomo a canta. Medieval ao extremo. Mas muda, tudo muda neste disco. Ela é na verdade um enorme ponto de interrogação. Um encontro de dois rios que vão para uma queda que dá no espaço e volta ao nascedouro. Há ira, mas existe a fonte também. Ela é uma prece e é blasfema. Agulha no ponto vital.
the good humor man. Ironia. Uma cançoneta de ironia. Elegancia profanada : Lee estraga a popicidade que ela poderia ter. A letra é alegrinha, tola, infantil e se torna ferina por tanto ser boba. Arremedos de outras possíveis melodias se vão. Ele mata sua beleza sendo mais belo do que se poderia tentar ser.
bummer in the summer. Uma homenagem a Dylan. Mas é um Dylan celta. Letra longa que se vomita, mas a melodia é tingida por música tonta, folk de sonho, acordes de poetas provençais turbinados. Dylan de erudição, Dylan à Paul MacCartney. É lindo.
you set the scene. O fim. Um hino. Você anda por onde andou e não sabe que já lá andou. É pra cantar junto se você souber cantar... ela roda.
Love. Forever. Changes. Após isto, a decadência. Arthur Lee não poderia repetir o que já fizera. Então... o nada. A geração de 1999 lhe fez justiça e lhe paga tributo até hoje e para todos os sempres. Ouvir isto é amar.