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SAIU UMA COLETÃNEA DE WALLACE STEVENS.

   Dos grandes poetas americanos do século XX, Stevens é o menos conhecido, e para muita gente é o maior. E olha que a concorrência é enorme, de Marianne Moore à William Carlos Willians, de Robert Frost à ee cummings, de Pound à Eliot, o século XX foi imenso para os EUA. Stevens deveu, talvez, sua relativa obscuridade, ao fato de não ter tido vida de artista. Foi um executivo de seguros bem sucedido que escrevia apenas nos fins de semana. Não frequentava meios literários e publicou após os 40 anos. Mas sua poesia, amada pelos mais finos literatos, irá permanecer para sempre.
  Ela não é fácil. Se voce ler tentando encontrar um sentido irá se desesperar. O modo mais simples de ler Stevens é ler e se deixar levar pela sucessão de imagens. Ao final do poema, voce sente que entendeu alguma coisa muito abstrata e muito original, mas esse entendimento permanecerá vago, incomunicável, apenas e tão somente seu.
  A dificuldade não vem do vocabulário. Stevens não usa palavras difíceis e nem fica citando autores que poucos conhecem. A dificuldade vem da imensa riqueza das imagens. Stevens voa velozmente de luz à sombra, do branco ao negro, da alegria à dor. Cada verso é um universo e mora aí seu segredo: ele é completamente material.
  Stevens usa apenas os órgãos dos sentidos, descreve apenas o mundo real, sólido, e crê firmemente que este mundo, o visível, é tudo o que existe. Um cético portanto! Mas não! Ele crê e ama a imaginação e a partir da criatividade, que para ele é baseada no mundo real, sólido, palpável, ele embeleza e dá profundidade ao mundo sensível e sólido. Para Stevens não há Deus ou anjos, mas mesmo assim há beleza e dignidade no mundo. Ele transforma pela via da imaginação um lápis numa fonte de sentido, uma manhã numa maravilha e um rosto numa intriga. Realista, mas jamais corriqueiro.
  Poeta da vida como ela parece ser ( para ele da vida como ela é ), Stevens tem uma maravilhoso sabor de sala bem arejada, de maçãs no pomar, de leite com biscoitos. E, em que pese a aparente vulgaridade dessas imagens, ele faz, sem dificuldade, delas um monumento. 

ÁGUA, SOL E ARQUITETURA

   Wallace Stevens, um dos 3 melhores poetas do último século, tem uma imagem maravilhosa. Ele imagina o fim do pensamento. O que haveria no fim. A maioria das pessoas falaria numa parede. Ou uma porta. Um abismo. Depende da criatividade de cada um. Stevens imagina que ao fim do pensamento, no final do novelo de ideias, lembranças, possibilidades, medos e desejos, existe uma Palmeira balançando ao vento.
   Pense então. Em meio ao siêncio o suave barulho das folhas e do vento. O azul do céu ao fundo e a sombra dessa palmeira sobre a areia que é amarela. E ela está ao final de tudo.
   Sol e água, Água e sol. Eu penso que toda a felicidade da vida pode se resumir nessas duas entidades. Toda a alegria vem do sol e toda vida da água. Sem o sol e sem a água, a morte.
   No livro de arquitetura que leio o autor diz que toda a história da arquitetura se resume à combinação de luz e de sombra. Edificar bem é saber usar essa combinação. Ele cita os árabes, os palácios e mesquitas da Espanha como o mais elevado grau arquitetônico atingido. Colunas criando sombra nos jardins que jorram água e alimentam plantas. Deleite para os olhos ( sol e sombra ), deleite para os ouvidos ( água ) e para o olfato ( plantas e água ).
   Um pedaço de parede de Pompéia. Azul claro celeste e vermelhos ocres. Cores nas paredes que abriam a vida de seus moradores para o que está lá fora. Arquitetar é abrir para fora, é deixar a vida entrar. Sol e água. Sol e chuva. E lagos e fontes e córregos. As paredes de Pompéia anunciam sol e oliveiras e palmeiras e muita água. Anunciam gente que bebe vinho e carrega água em garrafas grandes. Peles que se bronzeiam entre panos claros. E aqueles azuis únicos nas lascas das paredes preservadas.
   São Paulo esconde a água debaixo do asfalto. E emporcalha o rio que resta. São Paulo ensombreia o sol nas sombras dos prédios que matam o céu. Feio, sujo, escuro, e muito seco.
   E a Palmeira dança ao fim de tudo.

O HOMEM DO VIOLÃO AZUL- WALLACE STEVENS ( PARA QUE SERVE A POESIA )

Cito.
" E O HOMEM DISSE: AS COISAS SÃO COMO SÃO
SE MODIFICAM SOBRE O VIOLÃO..."

"ENTÃO A VIDA É ISSO: AS COISAS COMO SÃO?
ELA TATEIA SOBRE O VIOLÃO..."

Cito mais alguns versos, a esmo.....

"....A POESIA
MAIS DO QUE A MÚSICA HÁ DE OCUPAR
O VAZIO DE UM CÉU SEM HINOS..."

" A TERRA NÃO É TERRA, É UMA PEDRA
NÃO A MÃE QUE SUSTENTAVA O HOMEM NA QUEDA"

Wallace Stevens.
Cito essas frases na esperança de passar para voces algum tipo de tema desta obra-prima. Mas é impossível. Há uma tal quantidade de temas em suas 33 estrofes, que é impossível ficar satisfeito com umas poucas citações. O que posso dizer então? Pois eu preciso falar alguma coisa sobre esta pedra. Pedra que é pai e mãe.
A partir do momento em que o mundo perde sua fé ( seja em deuses ou em heróis ) a poesia tem a missão de ser remédio. Um elixir que poucos querem tomar e que menos ainda sabem apreciar. Não me satisfaço com poetas "belos" ou poetas "rebeldes".
Poetas precisam contar o segredo. Compor os altares, as orações e os paraísos ( e infernos ) de nossos restos de pensamentos. Os poetas são necessários, úteis, vitais; mas não todo e qualquer poeta. Sómente os que se lançam a nomear a vida. A ir além do que se escreve. A dar sentido a tudo. Ou morrer tentando.
Stevens consegue. Como Eliot conseguiu. Versos que são rezas possíveis. Usando sua rigorosa razão ele chega ao paradoxo. Descrendo de tudo, das palavras e de sí-mesmo, ele dá sentido. Para o poeta ( perfeito ) essa razão é o ato de criar.
Pois para Stevens a vida é coisa criada. Não existe o real, existe um real inventado. E mais:
Tudo o que passa por nós é nós. Torna-se interpretação de nossa mente. Criado.
E como ele escreve bonito... são sóis e luas, e o mar e a terra, e cores e espelhos, e vento e sono. Não se precisa entender tudo, o que é preciso é se deixar ser penetrado pelas palavras, pelas imagens, pelo som e pelos sentidos. É preciso dormir/acordar e sonhar/racionalizar os versos. Criar sentidos no ato de se ler um caminho entre caminhos. Milagrar.

"O QUE HÁ NA VIDA ALÉM DAS IDÉIAS QUE SE TEM?
AR BOM, MEU BOM AMIGO, O QUE HÁ?"

O que pode nos dar sentido além da poesia?
Ler Wallace Stevens é preciso.

Stevens foi bem sucedido homem de negócios. Escrevia escondido. Publicou pela primeira vez já aos 44 anos. Vendeu pouco. Mas não há poeta melhor.

primavera de poesia- stevens, heaney e auden

De todos os autores que recentemente ganharam o Nobel, creio que nenhum se tornou menos conhecido que Seamus Heaney ( prêmio em 1995 ). Esse poeta irlandês ganhou o Nobel muito cedo em sua vida, precipitadamente, e permanece tão pouco lido como o era antes da honraria suéca. Talvez o motivo seja o próprio fato de ser poeta. Derek Alcott também venceu nos anos 90 e está ainda mais esquecido. Pois Heaney é um bom artesão da palavra. Fala sobre a terra úmida da irlanda, sobre sinais de tempo, a mudança das eras, o simbolismo da ruína. Longe de ser um gênio, e às vezes exagerando numa realidade "real" demais, ele deve ser lido por aqueles que pensam erroneamente que a poesia não cabe mais neste universo tão pé no chão. Heaney é pé no chão. Adora descrever minerais, raízes, solos, pântanos. Sua poesia é sólida.
Menos sólido é Auden, um não premiado inglês, mas de longe, o mais lido dos três. Auden foi moda nos anos 30/40 e viveu até os anos 60. Fez parte da boa geração de poetas ingleses que teve além dele, Spender e Day-Lewis ( pai do ator ). Políticos ( todos foram radicais de esquerda, embora Auden se tornasse mais conservador com a idade ), Auden tem o dom da mais refinada musicalidade, do brilho que jamais se torna brilhareco e de criar versos que grudam na mente, que são cheios de beleza, mas nunca de pieguice. Auden é obrigatório para quem gosta de poesia. É um dos grandes. Permanecerá. Mas não é gênio.
Gênio é Wallace Stevens. Gênio puro, gigantesco, titânico.
Pouco, muito pouco conhecido fora dos países de língua inglêsa, é considerado por autores e críticos o melhor poeta do século vinte, superior a Eliot, Pessoa, Lorca, Rilke ou Neruda. Seu único igual seria Yeats, mas Yeats não é bem século vinte, apesar de ter morrido só em 39, Yeats tem espírito típico de 1890. Para mim, Yeats fora, Stevens tem como rival apenas Eliot, e talvez Fernando Pessoa. E como os dois citados, Stevens não parecia poeta ( e quem parece poeta ? Só os charlatães se parecem com poetas. Eles usam o molde Byron-Shelley-Keats até hoje. Excessos, sofrimentos e rebeldia, a imagem apropriada pelo rock ).
Wallace Stevens nasceu em família rica do leste americano. Trabalhou em firma de seguros na qual se tornou vice-presidente. Foi casado com uma única mulher que tinha sérios problemas mentais. Jamais viajou a Europa e não frequentava escritores. Esnobou a fama e sua única diversão era jantar em bons restaurantes. Tinha a aparência de um executivo e era frio e formal. Mas escrevia, nas horas livres, como um mestre. Tinha o talento, raro, de escrever racionalmente sobre o inefável. De tocar o eterno com ferramentas lógicas, voar às alturas sem nunca perder o controle. Viveu 79 anos, até 1955. Já era cultuado em vida, mas nunca foi uma estrela. Não queria. Poesia era para ele um compromisso sério. Consigo mesmo.
POR QUE LEGAR AOS MORTOS O QUE É SEU ?
O QUE É DIVINO, SE SE MANIFESTA
SÓMENTE EM SONHOS, SOMBRAS SILENCIOSAS ?
POR QUE NÃO ENCONTRAR PRAZER NO SOL
NO ODOR DAS FRUTAS, BRILHO DAS ASAS VERDES,
EM QUALQUER OUTRO BÁLSAMO TERRENO,
TÃO CARO QUANTO O PRÓPRIO PARAÍSO ?
É NELA QUE O DIVINO HÁ DE VIVER...

Tudo em Stevens tem essa valorização do simples, do cotidiano, da vida agora, um agora que é atemporal.

TENS DE VOLTAR A SER IGNORANTE
E VER COM OLHO IGNORANTE O SOL
E VÊ-LO COM CLAREZA EM SUA IDÉIA.
JAMAIS SUPONHAS UMA MENTE INVENTIVA COMO FONTE DE IDÉIA
NEM CRIES PARA ELA UM SENHOR VOLUMOSO ENVOLTO EM FOGO.

Estes são versos de "APONTAMENTOS PARA UMA FICÇÃO SUPREMA", o único poema comparável a "QUATRO QUARTETOS" de Eliot. Um poema que mostra, em imagens de suprema elegância e aterradora beleza, o segredo e o abismo da vida. Mas há mais...

SEMPRE PODE HAVER TEMPO DE INOCÊNCIA,
NUNCA LUGAR. OU, SE TEMPO NÃO HOUVER,
NEM POR NÃO SER COISA DE TEMPO NEM LUGAR,

EXISTENTE COMO IDÉIA APENAS, CONSCIÊNCIA
QUE REPELE O DESASTRE É MENOS REAL.
PARA FILÓSOFO O MAIS VELHO É GÉLIDO,

HÁ OU PODE HAVER TEMPO DE INOCÊNCIA
PURO PRINCÍPIO, CUJA ESSÊNCIA É SEU FIM....

Em sua fase final, Wallace Stevens nos diz:

... E NO ENTANTO NADA MUDOU ALÉM DO QUE É IRREAL,
COMO SE COISA ALGUMA TIVESSE MUDADO.

Nada define melhor o que é a genialidade, que a capacidade de dizer com objetividade aquilo que nós não sabemos "já saber". O gênio é um farol que dá luz às rochas e recifes que sabíamos estar lá, mas que não poderíamos ver sem sua luz.
Wallace Stevens é um gigantesco farol. O mundo ansia por sua luz. Ele hoje me vicia, fala aquilo que creio, conversa comigo ao sol. Existe maior elogio a um escritor que este ? Ele conversa comigo revelando a mim mesmo o que não conhecia sobre eu. Stevens, que eu lí em 2000 pela primeira vez e entendí pouco, se mostra à mim inteiro, agora, em 2009. Neste começo de estação que me promete vida livre e nobre, compreendo tudo o que ele diz. Seu amor ao sol, às plantas, aos dias que passam, a tudo que é real. "E o que é real nunca muda."
Wallace Stevens é real. Sólido e superior a quase tudo que há para ser lido. Compreendeu a vida, profundamente. Entendeu que um paraíso onde os frutos não se tornassem podres e onde tudo fosse para sempre vivo, seria o pior dos pesadelos. Ele compreendeu que o que entendemos do homem e da vida é ficção. Que o real nos é interditado. E acima de tudo, ele revelou o sentido da poesia, única língua que ilumina a verdade e que fala como o sol, a grama e o mar falam. Pois são eles que falam a verdade.
Lerei e relerei Stevens pelo resto de meus dias. È bálsamo, é quente, é pra sempre.