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AQUELAS CANÇÕES DE AMOR

Eu sei que bandas indie continuam fazendo musiquinhas fofas. E que o rythm n blues ainda tem cantores falando de sexo e namoro. Mas houve um tempo, mais ou menos entre 1969-1979, em que 80% do que vendia muito era sobre o amor romântico, aquele que vem direto dos menestréis. Adolescentes, e mesmo crianças como eu era então, consumiam essas dores de amor. Como dizia Nick Hornby, ninguém passa por isso impunemente. Somos a geração mais vidrada em amores frustrados da história recente. Nós, que hoje temos entre 50-60 anos, somos viciados em amar errado. Hey, foi Cazuza quem disse isso! E ele teria 60 se vivo fosse. Claro que sempre houve música de rádio romantica. Sinatra fez a fama assim. Mas era diferente, era adulta. Por mais que Sinatra em Bewitch sofra, há controle naquilo. Frankie pode estar quase cortando os pulsos, e estava, mas ele mantém a pose. Virilidade era o nome disso. E maturidade também. Era um tempo em que aos 15 anos um moleque acendia um cachimbo e imitava Bing Crosby. Ser adulto era cool. Mas então vieram, adivinha quem, os Beatles. E de repente todo mundo passou a querer ser Peter Pan. E assim, as canções românticas passaram a ter o desespero adolescente. Uma canção de amor não falava mais de um homem e uma mulher, falavam de um garoto e de uma garota. E como todo amor juvenil, o coração se abria na canção. Era ingênuo. Era puro idealismo. E era às vezes lindo de morrer. Daydream Believer dos Monkees foi a primeira canção desse tipo que eu amei. Pasmem, eu tinha 8 anos. Com essa idade eu já me emocionava com o mel dessa canção ( que hoje me parece tão boboca ). Depois veio If, do grupo Bread, aos 9 anos. Acho incrível o fato de como as pessoas amavam essas músicas tão tristes. As tears go by dos Stones, Hamburg dos Procol Harum, Nights in White Satin, dos Moody Blues. São milhares. Aos 12 comecei a colecionar discos e eu amava Elton John por causa de sua melancolia. Eu e toda a torcida do Flamengo. O que Elton vendia era Your Song e Dont Let The Sun Go Down On Me, Goodbye Yellow Brick Road e Candle in the Wind, não seus rocks espertos como Bitch is Back. Nunca vou saber o quanto, mas crescer ouvindo no radio, dia e noite, All By Myself do Eric Carmen e Mandy do Barry Manillow muda sua vida. Mesmo artistas mais frios, mais artísticos, como Bowie ou Lou Reed, tinham seu sucesso garantido pela balada de amor. A hora do choro. A parada da Billboard começava em Without You do Nilsson, em 1972, e ia até My Love, com Paul e Wings. Ter 10 anos de idade era começar a sofrer por amor. Aqui no Brasil era ainda mais forte esse romance de mel e fel. Roberto Carlos, Antonio Marcos, Morris Albert, os sambas de amor de Martinho, Paulinho e Tom e Dito, Benito ah eu vou embora...tinha coisas lindas, de um romantismo sem pudor, assumido, inteiro. Não era uma geração da depressão, era a época do exagero e da histeria, que seja.

31 CANÇÕES - NICK HORNBY

   Voce sabe que livro é este né? Lançado em 2005, fala de 31 canções pop. Não são as favoritas de Hornby ( sua number one é Lets get it on, do Marvin Gaye, e ela nem está no livro ), são canções aleatórias, claro, todas amadas, mas não as top. Tem Rod, tem Richard Thompson, Nelly Furtado, Bruce...e ele fala ainda de Jackson Browne, Ian Dury ... Não, não vou comentar uma por uma. Aleatoriamente digo que seu texto sobre o Led é legal ( com 14 anos temos preconceito contra canções sem guitarras altas, e aos 30 temos preconceito contra hard rock ). Ele escreve também um belo mea culpa sobre o punk. Diz que black music dura muito mais que o melhor do punk.
   No ótimo texto sobre Ian Dury ele fala o que é ser inglês, e esse é o melhor texto do livrinho. Lembra do que era a Inglaterra de 1974, um país que "sonhava em ser a Polônia"...apenas 3 canais de TV, comida ruim, tédio absoluto e comodismo medíocre. Sua descoberta da América,( foi morar lá aos 16 anos ), a terra da fartura, da diversão, do excesso, da mania de beleza. Uma sacada ótima: Nick Hornby não tem mais saco para música que é "como um tiro na cabeça", "como ser asfixiado", música de sofrimento, de perigo. O insight dele é perceber que as pessoas que consomem música perigosa, música de drogados, criminosos, suicidas, são as pessoas que vivem protegidas, longe do perigo, longe da fome, longe de tiroteios. Quem vem da guerra não quer ouvir uma coisa que é como um tiro na cabeça.
   É um livrinho que li em uma hora, de uma sentada.

PRA ONDE FORAM TODOS ESSES CARAS...

   Uma das coisas mais bobas que a gente pode ver hoje é o povo em um show de rock. Falo dos grandes shows, tipo festival ou arena. É uma multidão de pessoas limpinhas, bonitinhas, tirando fotos e gravando o seu prazer e a sua sorte por estar lá. Tudo fica parecendo tão posado como o show em si. Até a viagem de droga parece posada.
   No futebol a coisa ficou ainda pior.
   A gente ia ao campo pra ver o jogo, claro. Mas principalmente pra ver a torcida. Quem entrou no Morumbi com 120000 pessoas e uma floresta de bandeiras, faixas, confete e tambores sabe do que falo. Mesmo o jogo mais ridículo, e eram muitos, virava festa. O ingresso custava o preço de uma Coca e um hot dog. A loucura era free.
  Escrevo isso após dar mais uma lida no Febre de Bola, do Nick Hornby. E posto um dos jogos ícone dele: Leeds e Arsenal em Wembley. Mesmo no frio Wembley a gente sente a energia. E os jogadores, todos com rostos de loucos ou de caminhoneiros, dão o sangue para estar ali. A violência corre solta e eu não a defendo. Mas há algo de visceral nesse jogo selvagem e bretão, jogo que hoje só podemos ver na várzea. E pra onde foram esses garotos desdentados na arquibancada, os mesmos que formavam bandas de rock sujas, jogavam bilhar nos pubs e trabalhavam nas minas de carvão...
  O futebol hoje é melhor jogado. Mas ao mesmo tempo ele tem uma limpeza, pretensão à classe alta, terminologia classe média, que fez dele um tipo de show da Broadway, exatamente o que aconteceu ao mesmo tempo com o show de rock. 
  Nick Hornby fala muito dos Buzzcocks, e eles, a banda, tinha dentes horrorosos e caras feias. Vejo num video que o ponta esquerda é banguela ( do Derby County, campeão êm 1972 ).  Hornby fala que fãs de rugby ouviam Mozart. Os de futebol ouviam soul music e pegavam em seios de meninas.
  Bem...hoje nem todos ouvimos Mozart. E não pegamos mais em seios de meninas. Mas todos nós somos torcedores de rugby. Isso sim é verdade.

BIG EYES/ JACQUES TOUNEUR/ MIKE LEIGH/ REESE/ MICHAEL REDGRAVE

LIVRE de Jean-Marc Valée com Reese Witherspoon e Laura Dern
Adoro Reese. Eu realmente a acho encantadora. E aqui ela tem seu tour de force. Faz uma garota que percorre toda a costa do Pacífico. Sózinha. Faz isso para tentar superar a dor. Heroína, a morte da mãe e o fim do casamento. O filme incomoda. Reese é mignon, sua bagagem é imensa. O roteiro é de Nick Hornby. E ele é um dos produtores. O filme é baseado num livro. História veridica. E faz belo uso de El Condor Pasa, canção de Simon and Garfunkel. Valée analisa a relação filha e mãe. É o centro do filme. Mas é um filme deprimente. Triste, muito triste. Existiram cowboys, beatnicks e hippies. Hoje os andarilhos são deprimidos. Aff....Nota 4.
MR. TURNER de Mike Leigh com Timothy Spall
Turner foi um dos mais impressionantes pintores do século XIX. De certo modo ele antecipou os impressionistas. Seu objetivo era pintar a luz e o movimento. Era um excêntrico. O filme de Leigh não romantiza nada. Spall faz um Turner muito desagradável. As pessoas aqui são feias, falam grunhindo. Isso é realismo? Ou essa busca do real não será outro tipo de afetação? A fotografia concorre ao Oscar 2015. O filme é bastante enfadonho. Ficamos duas horas vendo o balofo Turner grunhir, comer, e ser sovina. Nota 2.
GRANDES OLHOS ( BIG EYES ) de Tim Burton com Amy Adams e Christoph Waltz
Tim Burton é um feminista. Seus filme sempre defendem as mulheres. E não só elas. As crianças e os sinceros do mundo o encantam. Quando ele defendeu Ed Wood ele defendeu não um cineasta ruim, mas antes um homem que acreditava naquilo que fazia. Wood era sincero. O mesmo ocorre aqui. Keane é uma pintora medíocre, mas sincera. Como bem disse o José Geraldo Couto, Burton defende aqui o cinema bem feito, honesto, sincero, puro. Burton é um anti-David Fincher, um anti-Nolan. Tim Burton não tenta ser um artista, um gênio, ele nunca quis e não quer parecer, ele é. Keane é isso. Quando acerta Burton é um poeta. Quando erra, como em Batman, no Planeta dos Macacos, em Alice, ele parece apenas um diretor sem vida, sem inspiração, morto. Tim Burton não consegue filmar sem paixão, sem crer no que faz. Voce jamais o verá defender uma teoria, ser explícitamente político, tentar parecer mais que um cineasta. Ele filma. E tem o dom da imagem. Este filme é bonito. É moderno. E é de uma delicadeza quase sublime. Simples. Muito simples. E, como tudo em Burton, sincero. Como Wood, como Keane. Nota 8.
NA SOLIDÃO DA NOITE de Basil Dearden, Robert Hamer, Alberto Cavalcanti com Michael Redgrave
Foi lançado um box com seis filmes de horror. Eles variam do ruim ao excelente. Este é um filme inglês de 1948 muito bom. Um homem vai a uma reunião. Cada pessoa nessa reunião conta um caso de mistério e de horror que tenha vivido. Cada história tem um diretor diferente. A melhor é do diretor brasileiro Cavalcanti. Sim, brasileiro. Ele ainda é até hoje o cineasta brasileiro mais internacional da história. Fez filmes no Brasil e na França, Alemanha e Inglaterra. É a história de um ventriloco que é dominado por seu boneco. Nos outros contos se fala de fantasma, de pesadelos e de um espelho maldito. No geral há muito clima, excelente fotografia e um elenco brilhante ( com destaque ao genial Redgrave ), Nota 7.
A ALDEIA DOS AMALDIÇOADOS de Wolff Rilla com George Sanders
Um clássico! A história da cidadezinha que é tomada por uma nuvem. Quando ela se vai, todas as mulheres estão grávidas. Nove meses depois nascem crianças super inteligentes. São ETs. Como se livrar deles se eles podem ler pensamentos? É o único filme bom do diretor. Tem um estilo seco, trilha sonora tenebrosa e mexe com nossos nervos. Muito bom! Nota 7.
A NOITE DO DEMÔNIO de Jacques Tourneur com Dana Andrews e Peggy Cummings
Uma pequena obra-prima. Tourneur foi um diretor francês que fez carreira nos EUA. Dirigiu filmes noir, filmes de piratas, westerns e policiais. Todos bons, alguns geniais. Um americano vai à Inglaterra averiguar um homem que se diz bruxo. O filme narra o embate entre esse americano cético e o bruxo demoníaco. O filme é levado como um noir. Tem clima, estilo, suspense, escuridão. É uma diversão estupenda. Nota 9.

ARSENAL X AJAX, FUTEBOL HISTÓRIA

   Como é o Flamengo de 81, o São Paulo de 93 ou o Santos de 62, segundo Nick Hornby, o Arsenal atinge seu auge em 72 e este jogo, que posto inteiro, é seu momento mágico. Não é o melhor Arsenal, é o mais querido. Como o Corinthians de 77, longe de ser o melhor, mas para sempre o mais especial.
   O velho Highbury. Aquelas cabeças com suas expressões de pub à beira do gramado. Um mar de fanáticos, bêbados, apertados, mal vendo o jogo. E cantando. Os grossos do Arsenal dominando os dandys do Ajax.
   A beleza das camisas sem patrocínio. O vermelho puro dos londrinos, a faixa sagrada do Arsenal, a camisa histórica de Crujiff. 14. A grama péssima, lamacenta e irregular, a bola quica. Uma surpresa: o jogo é mais objetivo que hoje. É um anti-Espanha. O que se quer é resolver logo a jogada. Chegar ao gol rápido, poucos passes. Não se domina o tempo, tenta-se encurtá-lo. Pouca cera. O jogo é todo feito de área a área. As chances de gol se acumulam.
   Não se marca tão mal quanto se pensa. Se ataca com muita gente. Quase não ocorrem passes para trás. Gol, gol e gol. Só se mira o gol.
   Ruy Castro diz que só no Brasil se confunde história com saudosismo. Cultura é inevitávelmente olhar a história e compará-la ao presente. Aqui isso é descartado como saudosismo. Modo tonto e burro de se zombar da Cultura.
   Este jogo é uma narrativa histórica. Um momento em que os ingleses eram ainda 100% britãnicos e os holandeses criavam o futebol rebelde ( e dandy ). Mundo perdido, serve para percebermos o que ganhamos e o que perdemos. Essa gravação, por sua antiguidade é hoje arte. Pois tem originalidade, surpresa e história. Postarei outras. O futebol é às vezes uma emoção.

FEBRE DE BOLA- NICK HORNBY

   Este é meu livro favorito de Hornby. Alta Fidelidade foi lido logo em seguida a um fora que levei, não tinha como ter boas lembranças dele. Grande Garoto eu gosto bastante ( talvez seja o melhor ), mas me identifico muito com o cara que narra esta "saga", que é Nick, aqui escrevendo seu primeiro livro. Ele é 7 anos mais velho que eu, e como aqui nos brasis sempre estivemos dez anos atrás, acabamos eu e Nick sendo da mesma geração. Ou voce nunca notou que nossa década de 60 foi a de 70, a de 70 foi a de 80 e nossos anos yuppies foram no governo FHC, em plena década de 90?
   Em 1968, o jovem, o muito jovem Nick Hornby, aos 11 anos, é levado pelo pai a um jogo do Arsenal. Contra o Stoke City. Os pais dele haviam se separado, ele estava down, e cansado de ir nas visitas do pai a zoos, lanchonetes e cinemas. No futebol ele descobriu um mundo insuspeito até então. Um mundo de homens, de palavrões, de multidões. Das enormes massas de torcedores de então. Mas foi somente alguns jogos mais tardes que ele se tornou um obsessivo, um fanático pelo Arsenal. E foi numa muito dolorosa derrota. Para o Swindon, exatamente o jogo que postei abaixo. Nick chega a uma conclusão: ninguém vai ao futebol para ter prazer. Futebol não é uma diversão, um passatempo e muito menos uma arte. Só pensa isso quem não torce. Voce sofre num jogo, tem medo, e JAMAIS espera que seu time jogue bonito, o que voce quer é vencer, vencer sempre. Jornalistas e intelectuais falam do jogo artístico, uma besteira!!!! Se futebol fosse uma arte voce vibraria ao ver Zidane exibir sua arte e destruir seu time. NÃO! Futebol é outra coisa.
   Cada capítulo do livro é um jogo e cada jogo é uma lembrança daquilo que ele vivia. O colégio, a faculdade, os primeiros amores. O futebol muda, o mundo muda, Nick admite nunca ter mudado. O futebol, como o rock, faz da pessoa um eterno crianção. Ele continua sendo o garoto que chorou ao perder uma final contra um time da segunda divisão.
   Ficamos sabendo o que é o futebol inglês. Hornby se lamenta de ter se apaixonado logo pelo Arsenal. Porque não o Tottenham, um time que tem fama de jogar bonito sempre, ou o WestHam, que é considerado um time de gente especial. Mas não, ele foi gostar do time que sempre teve a fama de ser violento, defensivo, maldoso, o mais odiado time da Inglaterra, o Arsenal. E lá vai ele, indo a Plymouth, debaixo de chuva e frio, numa noite de quarta, para ver um jogo que nada vale. Porque? Pra que? Ele admite, é uma obsessão e seu time, um perdedor na maior parte do tempo, é sua paixão.
   Highbury com seus cantos, suas ruas, as brigas. A raiva do Chelsea, do Leeds e do Tottenham, os amigos de torcida, as gozações nas derrotas, a raiva da seleção inglesa ( os ingleses têm o costume de abominar sua seleção, torcem apenas pelos clubes ), os sotaques de cada cidade, cada bairro, cada canto de Londres e dos subúrbios. Os times medíocres do Arsenal, as várias humilhações.  E as mudanças.
   A explosão da violência nos anos 80, violência que obrigou a mudanças, a diminuição das multidões, as grades de segurança, as câmeras. Nada disso havia em 68, as torcidas se misturavam, disputavam espaço e onde cabiam dois se metiam quatro. ( Eu cheguei em 1981 a ir a um Morumbi com 135.000 pessoas, sei o que é isso...e posso dizer? Era puro suicidio, mas era very fun ). Nick Hornby diz que o futebol tem matado seu verdadeiro amante, e sem ele não pode haver esporte. Ele explica. O sonho dos times agora é fazer do futebol um tipo de teatro, ingresso caro e super conforto. Mas há um problema: esse tipo de "show da Broadway" comporta apenas um tipo de torcedor vip, que enche o estádio num United e Liverpool, mas que jamais irá até Newcastle ou Cardiff para acompanhar seu time num jogo de segunda rodada. Sem o povo fanático teremos apenas a copa dos campeões e mais nada. ( E os ingressos em 1969 custavam a metade de um ingresso de cinema ). Outra coisa. Entre 68 e 88 o campeonato inglês teve como campeões: Liverpool, Arsenal, Leeds, Nottingham Forest, Manchester United, Aston Villa, Derby County e Everton. Oito campeões diferentes!!!!  Se a tendência se mantiver, teremos apenas um campeonato de quatro times: United, Liverpool, Arsenal e Chelsea. O que fará com que todas as outras torcidas se encolham, os estádios fiquem às moscas e toda a atenção se volte apenas para dez ou onze jogos ao ano. Isso não é futebol de verdade!!! Dez anos nessa rotina destruirá qualquer chance de que Forest ou Villa voltem um dia a contar. ( Acho esse processo irreversível e chatíssimo! A linha de títulos seguidos do United tirou a graça de um campeonato que era tão imprevisível quanto o brasileiro ).
   Ao final do livro, Hornby já quase quarentão, começa a perceber que seus hábitos mudaram. A idade faz com que ele queira conforto, mais segurança e menos apuros. Mas fica um gosto nostálgico, saudades dos passes de Brady e mesmo das jogadas ridiculas de Ian Ure. Pra quem como eu, gosta muito de futebol e cresceu vendo suas transformações, é obrigatório.

AGORA EU FALO DA INGLATERRA PARA NICK HORNBY

   Se no seu ótimo livro Hornby elogia o Brasil, deixa agora eu elogiar a Inglaterra.
   Os brasileiros vão me xingar mas em 1970 a Inglaterra não deveria ter perdido. Ela teve mais chances de gol e um zagueiro brasileiro deveria ter sido expulso. Um empate seria justo e o saldo de gols resolveria a chave e quem teria de pegar a Alemanha nas oitavas. Assim como em 2002, em que num jogo bem pior que o de 70, o Brasil venceu os ingleses na sorte. Mas Nick Hornby sabe que o azar combina com o futebol inglês. Com o verdadeiro futebol inglês, e creia-me, isso ainda existe.
   Eu odeio, abomino o Manchester United e mais ainda o Chelsea. Por um motivo simples: eles transformaram o futebol britânico numa competição entre os donos de clubes. Como diz Hornby, as multidões de 100.000, 130.000 loucos-insanos dos anos 30/70 foram substituidas por 50.000 confortáveis torcedors vip. Mais que isso, o jogo se tornou uma bolsa de apostas onde as contratações são mais noticia que os jogos. Jogadores mimados, técnicos-burocratas, acionistas ávidos por lucro, torcida selecionada. Las Vegas. O futebol que era tipo Small Faces ou The Who, virou George Michael ou Beyoncé. Bonito, clean e frio. Voce investe 100 milhões e leva a taça. Quem gastar 20 não leva nada. Um mercado de ações com público.
   Postei um jogo em Highbury, 1969. O campo absurdamente lotado. Aquela multidão de cabeças brancas em meio a escuridão da arquibancada. Dá pra ver o lugar onde Nick ficava então, aos 13 anos de idade ( ele estava nesse jogo ), o lugar dos "estudantes", junto a bandeira do corner, na altura do chão. Eles viam só os pés dos jogadores, apertados, xingando todo o tempo, com uma sensação de júbilo na cabeça. E aguentavam o grotesco Arsenal, com seu jogo de chutões e correria, de gols tomados por pura estupidez. Um futebol feio, mas profundamente emocionante. Apaixonante. Dionisíaco.
   Em 1976 assisti a meu primeiro jogo inglês ao vivo. Não sei que Tv transmitiu, sei que era um sábado ( aos domingos não se jogava futebol nas ilhas, era o dia sagrado do cricket ), o que sei é que Ray Clemence era o goleiro e o jogo foi em Wembley hiper lotado. Inglaterra e Escócia? Me lembro que o jogo era a antítese do futebol que se jogava no Brasil da época. Aqui o jogo era lento, pensado, armado e malicioso; lá em Londres o que vi era um futebol muito corrido, instintivo, sem qualquer armação e levado na empolgação. Chutes do goleiro ao ataque e chuveirinhos, montes de carrinhos, e uma quantidade absurda de gols perdidos. A bola pingava nas duas áreas, sem dono, livre e solta, e ninguém a colocava pra dentro. A bola era matada no joelho, os passes eram rápidos e sempre "pra correr", o meio campo não existia ( parece que descrevo o futebol do Brasil de hoje ). No rosto de cada jogador, em meio aos cabelos sujos, às costeletas mal feitas e as camisas sem patrocinio, havia determinação, vontade de dar o sangue, luta. E risos ( não era futebol Felipão ). Os jogadores riam muito e Hornby diz que o futebol inglês dos 70 é considerado o auge dos cantos engraçados das torcidas. O Brasil todo detestou aquele jogo. Eu adorei cada chutão.
   Desde então, e para sempre, times como Tottenham, Aston Villa, Newcastle e Ipswich Town ( tem time mais inglês que Ipswich Town? ), se tornaram meus times. E principalmente o Arsenal.
   No futuro eu iria ver o Arsenal se tornar um time francês com tipo de jogo francês e resultados à francesa. Mas ainda era melhor torcer pelo Arsenal que pelo hiper-profissional United ou o artificial Chelsea. Havia uma história tosca naquela camisa. Uma torcida de patinhos feios.
   Acho que é isso que tenho pra dizer. E saiba Hornby, que aqui as coisas caminham igual. O estilo próprio do país também foi pro espaço e desde 1982 caminhamos para a "Milanização" de todos os clubes. Nossa opção não foi pelo Ajax ou pelo Barcelona, foi pelo Milan e Juve. Deveria ter sido pelo Brasil mesmo. Assim como fico triste ao ver que o estilo inglês só se mantém em times mais pobres, o estilo Brasil só existe em uns poucos jogadores e nunca em um clube ( o mais brasileiro dos times, o Flamengo, a anos é uma bagunça indefinida entre um passado de toque e classe e um "futuro" à la Grêmio ).
   É isso.
   PS: Vai Arsenal !!!!

NICK HORNBY E O FUTEBOL DO BRASIL

   Estou relendo Febre de Bola de Nick Hornby. É tão bom quanto eu lembrava. Falo do livro inteiro em outra postagem. Esta é só pra falar de um momento do livro. Quem leu sabe, Febre de Bola é um livro em que Hornby divide sua vida ( o livro é uma auto-bio ), em jogos do Arsenal. Cada jogo é um momento em sua vida.
   O Arsenal, um fracasso na década de 60, tem seu espirito. É time tosco, de jogo feio, grotesco, de jogadas ridiculas. Não ia falar disso agora mas falo: que Arsenal é esse? Tem uma hora em que ele diz que o Chelsea era o time dos artistas, a arquibancada cheia de stars, de modelos, de jovens alternativos. E do outro lado o Arsenal, um bando de sujos abnegados. O que quero dizer é: Na globalização existe um Arsenal? Na verdade não se tornaram todos o mesmo? Milans ou Bayerns, todos são times sem espirito. Weeelll..... Como brasileiro, o que me emociona mais é ler o que ele escreve sobre junho de 1970, Brasil x Tchecoslováquia. Transcrevo trechos para voces....
   "Até 1970, quem tinha a minha idade, ou era pouco mais velho que eu, sabia mais sobre Ian Ure que sobre o maior jogador do mundo.  A copa do mundo de 1970 inaugurou uma nova era do futebol. O esporte sempre fora global, no sentido de que ele era jogado em todo o mundo, mas em 1962 quando o Brasil fora bicampeão no Chile a TV ainda era um luxo e não uma necessidade. E em 1966 Pelé fora expulso da copa pelas botinadas dos portugueses. 1970 é na verdade a primeira copa em que se dá o confronto Europa x América do Sul testemunhado pelo mundo inteiro.
   Quando a Tchecoslováquia abriu o placar, David Coleman na BBC comentou: "As previsões sobre o Brasil se confirmam", ele falava sobre a defesa desleixada do Brasil. Nos 80 minutos seguintes tudo o que ouvíamos falar sobre aquele time também se confirmou. Igualaram numa falta batida por Rivellino em que a bola veio descaindo, virando e deslizando ( alguma vez eu já vira um gol de falta? Não lembro de nenhum ). ..... Venceram por 4 x 1, e lá na nossa vizinhança ficamos literalmente assombrados.
   Não foi só pela qualidade daquele futebol, foi pelo jeito como eles encaravam as firulas mais engenhosas e desconcertantes como se fossem tão funcionais e necessárias como um lateral ou um escanteio. .... até a maneira brasileira de comemorar os gols, uma corrida de quatro passos, um pulo no ar, a mão para o alto, era esquisita, engraçada, invejável, tudo ao mesmo tempo.
   ....num torneio que forneceu dúzias de superlativos- o melhor time de todos os tempos, o melhor jogador de todos os tempos, até os melhores gols perdidos de todos os tempos- tivemos duas contribuições próprias, a melhor defesa de todos os tempos ( Banks contra Pelé, claro ) e o melhor e mais elegante desarme de todos os tempos ( Moore contra Jairzinho ). É significativo que nossa contribuição a esse carnaval de superlativos se deva à excelência defensiva, mas não importa- durante 90 minutos a Inglaterra jogou tão bem quanto o melhor time do mundo. Chorei depois do jogo....
    De certa forma o Brasil estragou a festa de todos nós. AQUELE TIME REVELOU UMA ESPÉCIE DE IDEAL PLATÔNICO QUE NINGUÉM, NEM OS PRÓPRIOS BRASILEIROS, SERIA CAPAZ DE ATINGIR NOVAMENTE. PELÉ PENDUROU AS CHUTEIRAS, E NAS COPAS SUBSEQUENTES ELES SÓ MOSTRARAM PEQUENOS LAMPEJOS DAQUELE FUTEBOL, COMO SE 1970 FOSSE UM SONHO SEMI-ESQUECIDO QUE UM DIA TIVERAM DE SI-MESMOS.
   Um sonho semi-esquecido que tiveram de si-mesmos... é preciso que venha um inglês doido por futebol para nos lembrar desse sonho.
   Neste mundo em que só um único time tenta jogar diferente, bonito, voces podem, brasileiros chatos, estar pensando: Ora, não foi tudo isso.... E eu recordo da final com a Itália. Alguém já viu alguma final em que a seleção perdedora, após um 4x1, corre para os adversários, e como fãs pede por favor uma camisa, um autógrafo?
   Nick Hornby, louco pelo Arsenal, lá nos frios bancos da zona norte de Londres, escreveu o que foi uma visão de sonho para ele. Cabe a nós aplaudi-lo.