Mostrando postagens com marcador nabokov. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador nabokov. Mostrar todas as postagens
REI, VALETE E DAMA - VLADIMIR NABOKOV
Eu não gosto muito de romances sobre mulheres insatisfeitas no casamento. É um dos temas mais banais. Apesar de amar Anna Karenina, livro que é muito mais que isso, escritores escrevem demais sobre esposas sedentas e maridos desatentos. Nabokov, em seu segundo romance, usa esse tema. E compõe seu livro mais simples, e segundo ele, seu texto mais feliz. -------------------- Um jovem alemão encontra num trem um homem esnobe e sua esposa deliciosa. Nada acontece, mas ao ir pedir emprego a seu tio rico, ele descobre que o casal no trem são seu tio e sua esposa jovem. Tímido, ele passa a trabalhar numa das lojas do rico comerciante, e acaba sendo seduzido pela esposa, mulher entediada que entra na relação por moda. O marido, na verdade ele é o personagem mais interessante, e nisso há uma originalidade nabokoviana, mal percebe o que se passa, ocupado que está em negócios e ir a seu clube. ---------------- As primeiras 50 páginas são brilhantes. Nabokov descreve a viagem de trem de uma maneira impressionista que nos faz querer que o volume todo fosse apenas isso, a viagem de trem. Um desfilar de sensações, imagens e intuições que quase nos hipnotizam. Mas depois vem o caso de sexo corriqueiro, e isso faz com que Nabokov quase caia no lugar comum. Mas não cai. É um autor de gênio. ---------------- Eis um bom livro para quem quiser ler um Nabokov fácil.
DETALHES DE UM PÔR-DO-SOL - VLADIMIR NABOKOV
Uma coleção de contos de Nabokov, escritos em Berlim, por volta de 1925-1928. São portanto, dos primeiros contos do mestre da prosa. Todos são curtos ( de 6 até 9 páginas ) e de certo modo perfeitos. Capturam um momento da vida de personagens que variam do patético ao nobre. Um pai que acaba de voltar do enterro do filho, um marido traído, um homem que teme o dia de seu aniversário, um mistério num trem. E muito mais. O que mais gostei talvez seja GUIA DE BERLIM, uma narrativa que não é muito mais que aquilo que o título anuncia, mas que é muito mais que o que aqui conto para voces. Para quem ama ler, Nabokov é sempre algo mais. Uma espécie de encontro com um guia. ----------------- Vladimir Nabokov escreveu histórias bem escritas e belíssimas e também livros herméticos e quase inacessíveis. Era do tipo de autor que se propunha dificulades. Escrevia para si e para uns poucos amigos. Por sorte, muita gente amava aquilo que ele escrevia. Estes contos são dos mais simples que ele escreveu. Uma ótima porta de entrada para seu mundo. Aproveite.
O OLHO - VLADIMIR NABOKOV
Se voce já leu Nabokov sabe: nenhum livro dele se parece um com o outro. Nabokov dá a impressão de se colocar um problema, quase matemático, e então resolver esse desafio escrevendo um livro. Mestre da escrita, ele explorou campos literários como poucos antes dele e como nenhum após. Escrito em 1930, novela curta, O Olho é mais um exercício, desta vez de humor. ---------------- O personagem principal, jovem russo vivendo em Berlin, se envolve com mulher casada e é humilhado pelo marido. Tenta se matar ( ou morre ? ) e então, ao crer ser um morto, passa a viver como Um Olho, um observador da vida e de si mesmo. Parece simples? Não é. Esta pequena obra prima vai te confundir. Não espere grandes aventuras, é uma vida pequena dentro de uma casa de emigrados russos. O personagem se vê, se confunde, se perde e se acha. E o leitor vai junto, SEM PERCEBER. ------------------ Eu, como qualquer pessoa alfabetizada, invejo Nabokov porque diante dele eu vejo um desses homens que dominam 100% sua arte. Nós amamos quem se esforça e consegue vencer, mas NÃO AMAMOS quem parece chegar aos 100% quando quer. Ele nos diminui. Então o que sinto por Nabokov é admiração, assim como admiro Henry James ou Proust, eles são os maiores. Tão grandes que sempre nos sentimos distantes deles, são inumanos. Amor eu sinto por Yeats, Heminguay, Wodehouse, autores que podem ser geniais ( Yeats ), grandes ( Heminguay ) ou deliciosos ( Wodehouse ) mas nunca inumanos. Eles falham. E lutam para escrever bem. Estão ao nosso lado, ombro a ombro. Nabokov e os outros são aristocratas da escrita. Outro mundo, outro sangue e outra visão. ----------------- Por fim, repito: Que belo livro!
POR QUÊ LOLITA, O FILME, É TÃO RUIM?
Assisto Lolita mais uma vez. Detesto. É um filme muito, muito ruim. Mas não basta dizer isso, é preciso apontar os erros. Por que eu amo o livro e odeio o filme? -------------- Livros maravilhosos que se tornaram filmes péssimos são muitos. Anna Karenina não tem nenhum versão que preste. Idem para Madame Bovary. E mesmo Poe, tão filmado, nunca foi filmado direito. Lolita, em livro, é uma maravilhosa sátira, nada erótica, sobre a tolice de um europeu diante da América. Lolita é os USA: bela, infantil, maldosa e inocente, inconsciente, egoísta, saudável, voraz, indecifrável. Humbert é o europeu: pretensioso, velho, vaidoso, racional, elegante e ao mesmo tempo tolo, vulnerável, assassino. Nada disso há no filme. Nada. Os erros são percebidos já nos créditos iniciais. O roteiro é de Vladimir Nabokov. Ora, era óbvio que ao transpor seu romance para as telas, Nabokov, gênio que é, tentaria fazer algo novo, diferente, outra versão. O que era um romance de estrada se torna um romance familiar. No livro Humbert se impressiona pela quantidade de moteis, estradas, postos de gasolina da América. Nada disso aqui. Pior, Lolita quase desaparece, basicamente é uma comédia ridícula, nas telas, entre a mãe e o escritor. ---------------------- Oswald Morris fez a fotografia. Ele é um dos maiores da história, mas o filme é em preto e branco. Erro fatal!!!! Lolita pede rosas, azuis, roxos, vermelhos berrantes, laranjas. A América é colorida em technicolor, isso impressiona e enlouquece Humbert, um inglês em preto e branco com fog. O filme é todo fog, sisudo, alemão. Lolita perde a validade e o charme. --------------- Nem vou comentar o que todo mundo sabe: Lolita tem 12 anos e um metro e trinta de altura. É uma boneca americana. Infantil e má. Nas duas versões para a tela ela tem 16 e poderia passar por ter 18. Seria um crime colocar uma menina no papel? Então que não se filme. -------------------- Humbert, no romance, é um belo homem que faz as mulheres sentirem desejo. Ele é solteiro por escolha, tem propostas sexuais e escolhe Lolita. Melhor, cai sob seu feitiço. Nobokov fala da paixão que a Europa sente pela América, o continente criança. Aqui Humbert é feito por James Mason, ator nada feio, mas sem sex appeal. Entenda, Mason é um grande ator, mas jamais poderia ser Humbert! Poderia ser Richard Burton, Olivier, se feito dois anos mais tarde Peter O'Toole ( esse seria perfeito ), mas nunca Mason. Lawrence da Arábia, O'Toole, fazendo Humbert melhoraria o filme em 100%. ---------------- Comentar o erro na escolha de Sue Lyon é tolice. Ela tem a idade e o tipo errado. Mas qual a culpa dela? Na verdade, no cinema, Lolita quase some da história. A mãe aparece demais e as cenas entre ela e Humbert são de uma chatice insuportável. Shelley Winters é perfeita, mas o que lhe deram para fazer pesa demais. Kubrick estica as cenas, parece se divertir com aquilo. Nós não. --------------- Por fim há Quilty, o escritor de sucesso que é o amante de Lolita. É feito por Peter Sellers. De um modo tão perfeito que Kubrick o chamaria no ano seguinte e lhe daria 3 papeis em Dr Fantástico. Vendo o filme eu tive vontade de ver a história de Lolita e Quilty e esquecer Humbert e a mãe. Os primeiros minutos, Quilty à mesa de ping pong com Humbert pronto para o matar, são os únicos minutos divertidos do filme. " Vamos jogar ping pong romano? Ping Roma....agora voce diz Pong Roma...." Sellers tenta salvar o filme. Não pode. ------------------- A versão de Adrian Lyne é menos ruim.
O MAGO, NOVELA DE VLADIMIR NABOKOV
Nabokov escreveu esta novela em 1939. Leu o texto numa reunião com amigos e esqueceu sua existência. Nos anos 80 seu filho encontrou uma cópia entre os papéis do pai. Foi publicada então. Com 60 páginas, voce lê num fôlego só. O que me incomodou foi sua introdução, escrita pelo próprio filho de Nabokov, em 1987. Há nele uma tentativa politicamente correta, já em 87!!!!, de justificar a "imoralidade" do texto. É sempre lamentável quando vemos alguém tentando convencer o censor a aceitar uma obra "imoral". Principalmente quando esse advogado de defesa é o filho do mestre. Ele fala e argumenta sobre a inocência do pai. Só faltou dizer que ele amava velhinhas e cachorros. ------------------- A novela em si fala sobre um homem, rico, de 40 anos, que na Paris de 1935, tenta seduzir uma menina de 12 anos. Lolita? Sim e não. Sim porque fala de pedofilia. Não porque personagens, estilo, ação são completamente diferentes. O sedutor é muito mais decidido, pensa menos, age com pressa. A menina não é nem de longe uma ninfeta ( termo criado nos anos 50 por Nabokov ). É apenas uma criança sem maldade ou malícia. O ambiente não é importante aqui, já em Lolita a AMÉRICA é o personagem principal. Quanto ao estilo, Lolita é quase uma comédia negra, este é um exercício de ourivesaria. E eis o ponto central: Nabokov escreve bem. Muito bem. Magicamente bem. --------------- Existem 3 tipos de leitores e portanto 3 tipos de autor. Existe o leitor que procura emoção no enredo do que lê. O que lhe seduz é a história contada, aquilo que os persoangens fazem, falam, as surpresas criadas na ação. Não pense ser simples escrever assim. Autores como Defoe, Conrad, London, eram mestres nisso. Descrever ação, cenários, caracteres, fazer o enredo andar, essa é uma arte árdua, exigente, cruel. O segundo tipo de autor se interessa com o lado psicológico do que escreve. São os escritores que fazem nascer grandes personagens, que fazem com que nos apaixonemos pelos seres dos livros. Nos interessamos pelo que eles sentem, pensam, pelo modo como mudam dentro da história contada. Jane Austen, Balzac, Tolstoi são mestres neste estilo. E por fim há o autor que nos seduz pelo modo como escreve. É o mestre que ao descrever uma rua no crepúsculo tira dessa rua milhares de imagens e de pensamentos verbais. Lemos porque sentimos paixão por ler aquilo que ele escreve. Henry James e Proust eram assim. Nabokov é imenso nisso. ------------ Óbvio que grandes autores como os citados misturam esses 3 estilos. Tolstoi ou Conrad conseguia fazer enredo, psicologia e verbalismo ao mesmo tempo. Nabokov também. O pedófilo age, consegue o que deseja, mas perde tudo por um erro seu e só seu. Este livro, tão curto, é brilhante. O mestre russo consegue nos fazer entrar na mente do pedófilo, ver o que ele vê, sentir o que ele sente, errar o que ele erra. ---------------- O filho de Nabokov fala muito na introdução da "doença", da "loucura" do pedófilo. Leitura errada meu querido. Ele é normal em termos de funcionamwento mental. Seu problema é de caráter. É mau. È egoísta. É amoral. Uma das aramdilhas do nosso tempo é confundir doença com caráter, diagnóstico com moral. Basta ler o livro para perceber. Nabokov descreve um homem vaidoso, egocêntrico, dono de seus atos. Não é uma vítima. É autor de sua vida.
3 FILMES DE UM CANCELADO
O diretor de cinema mais amado pelo liberal americano, entre 1972-2000, foi, sem a menor dúvida, Woody Allen. Ele era tudo aquilo que o liberal amava ( e era como ele se via ): inteligente, engraçado, chique, neurótico, freudiano, vindo da minoria ( judeu ), amante de arte e ao mesmo tempo adorando coisas POP como jazz e beisebol, anti republicanos, não cooptado pelo sucesso, um cara que era niilista e que ao mesmo tempo parecia amar a vida. Seus filmes eram cheios de professores, feministas, músicos, escritores, gente interessante. Apartamentos com livros em cada canto, discos de vinil, pinturas dos anos 30 e 40, sofás de couro. Esses personagens falavam de Bergman, de Freud, dos irmãos Marx e de sexo, muito sexo. Mas então, a partir de mais ou menos 2005, a coisa desandou. Woody Allen, como aconteceu e acontece com tanta gente, começou a ser cancelado, comido, odiado pelos filhos daqueles que o amavam. Pois os liberais hoje não aceitam nada que saia da raia delimitada por eles mesmos. Se antes eram pró livre expressão, hoje fazem a censura de tudo que lhes ofende. E sensíveis como são, quase tudo que faz parte do mundo real os magoa. -------------- Revi 3 filmes de Woody. O DORMINHOCO eu revejo cada dois anos. E fiquei chocado com sua atualidade. Convido voces a verem o filme. É um futuro onde é proibido discordar, perguntar, ser do contra. Todos são felizes com sexo mecânico e drogas bobas e o governo os vigia pelo bem de todos. Em 1973, ano de produção do filme, Allen devia pensar em um futuro de republicanos assanhados, mas o que salta aos olhos hoje é que aquele povo é idêntico ao povo que colocou Woody no ostracismo. Eles odeiam seu sexismo, no filme, seus modos naturais, seu não alinhamento. São liberais de 2022. -------------------- Ah sim...o filme é muito, muito emgraçado e os rebeldes que lutam contra o governo, homens nas matas, parecem cowboys....isso deve irritar muito um Sean Penn da vida. ------------------- Me decepcionei muito com DESCONSTRUINDO HARRY. Tinha boas lembranças dele, mas visto agora ele pareceu terrivelmente chato. Não tenho mais paciência para aquelas pessoas falando sem parar de seus problemas tão banais. O filme é constrangedoramente metido a intelectual, cheio de truques, esperto sem impressionar. -------------- Mas por fim, A ÚLTIMA NOITE DE BORIS GRUSHENKO. Talvez, quem sabe, o melhor filme do diretor. Devo dizer que a música, a maior das artes, prova aqui sua superioridade sobre as outras artes. Tem Prokofiev o tempo todo na trilha sonora e qualquer imagem fica magnífica com música tão maravilhosa. Mas o filme é ótimo porque Woody brinca com ele mesmo. As falas chatas de DESCONSTRUINDO HARRY aparecem aqui como aquilo que são: óbvias. O filme é a história de Boris, na Russia de 1815, da infância à morte. Há citações abundantes de Dostoievski, Tolstoi, Gogol, do cinema de Eisenstein ( a cena no campo de batalha com seus cortes rápidos e closes simbólicos ). Até Nabokov entra em dois momentos: quando um velho padre diz que a felicidade é uma menina loira de 12 anos; e na cena em que Boris vai pra guerra levando uma rede de caçar borboletas ( Nabokov era maluco por caçar e classificar borboletas ). Diane Keaton está bonita e muito engraçada e o filme tem algumas cenas inesquecíveis. E claro, há o final que homenageia Bergman. E além do mestre sueco, identifiquei citações aos irmãos Marx, várias, e aos filmes do leste europeu dos anos 60. Curto, frenético e profundo sem jamais parecer solene, é uma joia de um diretor que morrerá em cancelamento.
ADA OU ARDOR, UM LIVRO DE VLADIMIR NABOKOV
Nabokov não tem pudor algum em exibir a felicidade. Lançado em 1969, ADA foi recebido como mais um triunfo do então chamado "maior escritor vivo". Mas, desde então, ano a ano, esta obra vem recebendo descrédito. A crítica mais repetida diz que " os personagens não possuem profundidade ". --------------- Erro cada vez mais comum em nosso mundo, pessoas fazem leituras superficiais de obras complexas e se gabam de encontrar complexidades em obras rasas. ADA é uma obra prima sobre o TEMPO, sobre a consciência do tempo e sobre a FELICIDADE. Críticos obtusos reparam apenas na psicologia dos personagens. São incapazes de entender que são símbolos. -------------- Van e Ada são dois irmãos. Que pensavam ser primo e prima. No fim do século XIX, ambos se envolvem num caso de amor. Ela tem 12, ele tem 15 anos. Mais tarde, entre idas e vindas, descobrirão a verdade. No processo, temos contato com uma galeria de pessoas inesquecíveis: Demon, o pai de ambos, Lucette, a irmã mais jovem que se envolve no ménage dos dois, Marina, a mãe atriz, Percy, o rival e um brilhante etc. A prosa de Nabokov não se castra: ele produz beleza sem pudor, descreve riqueza, opulência, felicidade absoluta. O amor dos dois é irrefreável, sem drama, sem culpa e sem psicologismos. O desejo manda. -------------- Não conheço autor que descreva melhor a infância. Metade do livro, longo, se passa entre os 10 e os 15 anos dos dois. ARDIS é o nome da propriedade onde eles vivem sua história. São ricos de um modo ilimitado. Nabokov sabe que metade de uma longa vida, eles chegam aos 90 anos, é ocupada pela memória da infância. Nossa meninice sempre nos parece longa, esticada, cada dia, cada ato sendo uma pequena epopéia sem fim. Neste livro Nabokov consegue recriar esse encanto da infância. ADA e VAN vivem em ARDIS um tempo que dura, que permanece, que se recusa a ser passado. Conforme eles envelhecem os atos e as cenas vão se tornando cada vez mais curtos, breves, abruptos. Mas a felicidade permanece a mesma. ---------------- Van ama o sexo e durante o livro ele tem várias amantes. Ada também tem aventuras sexuais, mas ao final eles se reencontram e morrem unidos. Van escreve livros e os temas são sempre o tempo e o espaço. Há um longo capítulo em que ele discorre sobre esse assunto. Ao final, Van diz que tempo e espaço são irmãos, mas não a mesma coisa. Ada seria o tempo? Van o espaço? ---------------- Importante dizer que o livro se passa na Anti Terra, um tipo de planeta paralelo à Terra. Nesse mundo, aviões existem em 1880, cinema é comum em 1890 e os costumes são bem mais liberais. O povo da Anti Terra sonha em conhecer a Terra, um lugar mítico. Penso que a criação da Anti Terra nesta obra tem duas funções: Primeiro, Nabokov libera o fato de que em nossa memória misturamos o encadeamento do tempo. Quando penso em meus 9 anos de idade, é comum pensar que a TV tinha desenhos coloridos ( não tinha ), ou que tocava Rolling Stones no rádio ( não tocava ). Na Anti Terra ele pode misturar o tempo da memória à vontade. ---------- Segundo e mais importante, Nabokov fala mais uma vez da alegria que existe ao nosso lado todo o tempo, alegria que não conseguimos ver. Nós lemos aqui sobre vidas felizes ( menos Lucette, a trágica ), vidas que mesmo imersas na riqueza material e sexual, sonham com uma Terra melhor, perfeita, mítica, a nossa Terra. Pensando sempre no futuro, que não existe, deixamos de ver o agora, o aqui, e também perdemos a alegria de reviver o passado. Para Nabokov, nada é pior à nossa vida que a ideia de que existe um futuro. ------------------ Com palavras e frases de uma opulência encantadora, com cenas de desejo sem fim, Nabokov nos lembra o tempo todo de que a vida é a construção de uma memória e de que o tempo nada mais é que o prazer de estar de volta ao mundo que vivemos um dia e que vivemos sempre. Nossa Ardis.
TRANSPARÊNCIAS - VLADIMIR NABOKOV
Eis aqui o livro de 1972 de Nabokov. Curto. Conta a aventura, se é que se pode chamar disso, patética, muito patética, de um jovem revisor de livros. Na Suíça ele se apaixona por Armande, liberal e misteriosa. Nosso herói é sonâmbulo. Foi internado em hospícios. Entrevista um escritor velhusco e tarado. Comete um crime. Casa-se. Lembra do pai. E divaga...A melhor frase do livro se encontra em seu final. Não irei a repetir. Mas, brilhante, ela meio que elucida todo o sentido de romance tão confuso. E simples.
Existem dois tipos de escritor. O que escreve com enorme luta, imensa dificuldade; e o que escreve fácil, produz muito, como quem respira. Nabokov, assim como Dickens, Balzac, Greene ou Updike, escreveu muito, sem parar jamais. E, óbvio, em meio a tanta coisa, encontramos textos geniais e outros que parecem automáticos. Este é um dos automáticos. Fácil perceber que ele escreve com pressa, quase se repete, cumpre uma obrigação ( com ele mesmo, seja bem frisado ). Nada há de ambicioso aqui. Mas entenda, nada de ambicioso para o homem que escreveu Pale Fire. Este romance está longe de ser vulgar, comum ou simples. Em 1972 Nabokov era o escritor mais festejado do mundo, e ele sentia a febre de ter de escrever sem parar. Revistas, jornais, produtores de filmes, todos queriam algo dele. Eu ainda peguei o fim dessa onda. Nabokov morreu em 1977, sendo criança, recordo dele vivo, escrevendo contos para a Playboy e sendo muito bem pago por isso. Não ache indigno! Todo autor dos anos 60 e 70 escrevia para a revista.
130 páginas esquisitas.
Existem dois tipos de escritor. O que escreve com enorme luta, imensa dificuldade; e o que escreve fácil, produz muito, como quem respira. Nabokov, assim como Dickens, Balzac, Greene ou Updike, escreveu muito, sem parar jamais. E, óbvio, em meio a tanta coisa, encontramos textos geniais e outros que parecem automáticos. Este é um dos automáticos. Fácil perceber que ele escreve com pressa, quase se repete, cumpre uma obrigação ( com ele mesmo, seja bem frisado ). Nada há de ambicioso aqui. Mas entenda, nada de ambicioso para o homem que escreveu Pale Fire. Este romance está longe de ser vulgar, comum ou simples. Em 1972 Nabokov era o escritor mais festejado do mundo, e ele sentia a febre de ter de escrever sem parar. Revistas, jornais, produtores de filmes, todos queriam algo dele. Eu ainda peguei o fim dessa onda. Nabokov morreu em 1977, sendo criança, recordo dele vivo, escrevendo contos para a Playboy e sendo muito bem pago por isso. Não ache indigno! Todo autor dos anos 60 e 70 escrevia para a revista.
130 páginas esquisitas.
UM POST DIFÍCIL: LOLITA- NABOKOV. UMA OBRA PRIMA QUE NÃO É NADA DAQUILO QUE VOCÊ PENSA.
É muito difícil escrever sobre Lolita. Não só pelo seu tema espinhoso. Mas também por ser uma obra muito, muito complexa. Os filmes péssimos feitos com base no livro, até Kubrick se perdeu e fez uma chatice sem fim, apenas deturparam o texto do romance. Então vamos deixar claro certas coisas que são óbvias mas que muita gente não sabe:
1- Nabokov nunca gostou de meninas. É até ridículo falar isso, mas ele amava mulheres que tinham um jeito de nobreza perdida, e todas eram profundamente intelectuais.
2- O livro não tem nenhuma cena erótica e é tão bem escrito que você mal percebe quando ele está descrevendo uma cena de masturbação.
3- Humbert Humbert, o narrador, é uma pessoa bastante fantasiosa. Tudo o que sabemos é aquilo que ele nos conta. E o que ele percebe é aquilo que ele quer perceber.
4- O tema do livro não é a tara, é a América. Lolita fala do deslumbramento de um emigrante da Europa central por uma americana jovem, muito jovem ( ela tem 12 anos e um metro e quarenta de altura ).
Lançado em 1956, e ainda acho um milagre ele ter sido editado, Lolita se tornou um best seller de escândalo. Penso na quantidade de gente que pensou estar comprando pornografia e comprou um romance poético. Sórdido, imoral, cruel e às vezes até mesmo repugnante, porém sempre poético. A linguagem é hipnótica. Nabokov escreve com toda sua potência. Ele escreve como uma força da natureza.
A história você conhece: ele chega a América, se casa com a mãe de Lolita, a mãe morre e ele e a criança partem numa viagem pelos motéis do país. Os capítulos em que os USA são descritos são maravilhosos. Humbert sente ódio e amor pela nação jovem e brega, linda e óbvia, vulgar e inesgotável. Os USA são Lolita. Uma ninfeta ( Nabokov criou esse nome neste livro ) que mistura sujeira e saúde, voracidade e ignorância, praticidade e inocência.
Humbert narra e mesmo assim, se voce prestar atenção, verá onde suas mentiras surgem: ele diz que Lolita o seduziu, mas lemos que ela chora de manhã, tenta escapar e é chantageada por ele. Estamos diante de simples rapto. Lolita é orfâ, não tem ninguém no mundo, Humbert se aproveita disso. Eles transam o tempo todo. Ele diz que ela é indiferente. Estupro é a palavra. Humbert é asqueroso. E mesmo assim lemos com prazer tudo que ele diz. Milagre de grande autor: seguirmos as palavras de um pulha.
O livro é delicioso. O livro é revoltante. Lolita não é adorável. Ela é uma menina com poucos banhos e muita fome. Apenas uma ninfeta. Nabokov descreve o que é uma. Seria uma menina que olha para adultos com curiosidade. Apenas isso. Ah sim, antes que acusem o autor de machista: há na história a plena sensação de como é difícil ser desejada. Os homens são descritos como maduros homens frustrados ou meninos cheios de espinhas loucos para transar. Humbert é interessante como personagem, mas voce jamais iria querer o encontrar na vida. Quanto à Lolita...ela nunca parece real. A olhamos pelos olhos de Humbert, e ele jamais a viu de fato.
Muito se fala sobre a coragem de Joyce ou Kafka por escreverem os livros difíceis que escreveram. Mas este ex nobre russo teve uma coragem de titã ao lançar este romance. Não usarei a palavra imoral. Mas ele vai fundo contra o tabu. E para deixar tudo ainda mais complicado, Lolita o chama de pai.
Nabokov percebeu como estrangeiro a hiper sexualização dos EUA. E viu que essa sexualização vinha via adolescentes. Não esqueça que 1956 é o ano de Elvis e do rock n roll. Lolita é lançado no tempo de Good Golly Miss Molly e de Be Bop a Lula. Já naquele tempo meninas de 12 anos pensavam em transar todo o tempo, e algumas faziam a coisa em moitas e banheiros públicos. Adultos ficavam loucos em meio à essa liberalidade. Queriam fazer parte da festa. Humbert enlouquece no processo. É o scholar europeu, o professor que escreve livros sobre poesia francesa, que mergulha na vertigem sexual do país novo, muito novo, jovem, muito jovem, caipira, muito caipira. Lolita TINHA de ter 12 anos. Fosse uma garota de 18 ou 19 a mensagem e a loucura não seria tão clara e tão poderosa. A Europa, sábia e morta, com seus 3000 anos de cultura se deixa levar pelo desejo americano, desejo que tem apenas 456 anos. Posso ir mais longe e dizer que Humbert está morto. Ele nunca viveu. Nasceu sem nascer. Lolita é viva. E por isso lhe escapa. Mesmo no ato sexual ela nunca está presente.
Lolita foi nos anos 60 chamado de o melhor livro do século. Um milagre de escrita refinada. Nem tanto. Mas...caramba! Que grande livro!!!!
1- Nabokov nunca gostou de meninas. É até ridículo falar isso, mas ele amava mulheres que tinham um jeito de nobreza perdida, e todas eram profundamente intelectuais.
2- O livro não tem nenhuma cena erótica e é tão bem escrito que você mal percebe quando ele está descrevendo uma cena de masturbação.
3- Humbert Humbert, o narrador, é uma pessoa bastante fantasiosa. Tudo o que sabemos é aquilo que ele nos conta. E o que ele percebe é aquilo que ele quer perceber.
4- O tema do livro não é a tara, é a América. Lolita fala do deslumbramento de um emigrante da Europa central por uma americana jovem, muito jovem ( ela tem 12 anos e um metro e quarenta de altura ).
Lançado em 1956, e ainda acho um milagre ele ter sido editado, Lolita se tornou um best seller de escândalo. Penso na quantidade de gente que pensou estar comprando pornografia e comprou um romance poético. Sórdido, imoral, cruel e às vezes até mesmo repugnante, porém sempre poético. A linguagem é hipnótica. Nabokov escreve com toda sua potência. Ele escreve como uma força da natureza.
A história você conhece: ele chega a América, se casa com a mãe de Lolita, a mãe morre e ele e a criança partem numa viagem pelos motéis do país. Os capítulos em que os USA são descritos são maravilhosos. Humbert sente ódio e amor pela nação jovem e brega, linda e óbvia, vulgar e inesgotável. Os USA são Lolita. Uma ninfeta ( Nabokov criou esse nome neste livro ) que mistura sujeira e saúde, voracidade e ignorância, praticidade e inocência.
Humbert narra e mesmo assim, se voce prestar atenção, verá onde suas mentiras surgem: ele diz que Lolita o seduziu, mas lemos que ela chora de manhã, tenta escapar e é chantageada por ele. Estamos diante de simples rapto. Lolita é orfâ, não tem ninguém no mundo, Humbert se aproveita disso. Eles transam o tempo todo. Ele diz que ela é indiferente. Estupro é a palavra. Humbert é asqueroso. E mesmo assim lemos com prazer tudo que ele diz. Milagre de grande autor: seguirmos as palavras de um pulha.
O livro é delicioso. O livro é revoltante. Lolita não é adorável. Ela é uma menina com poucos banhos e muita fome. Apenas uma ninfeta. Nabokov descreve o que é uma. Seria uma menina que olha para adultos com curiosidade. Apenas isso. Ah sim, antes que acusem o autor de machista: há na história a plena sensação de como é difícil ser desejada. Os homens são descritos como maduros homens frustrados ou meninos cheios de espinhas loucos para transar. Humbert é interessante como personagem, mas voce jamais iria querer o encontrar na vida. Quanto à Lolita...ela nunca parece real. A olhamos pelos olhos de Humbert, e ele jamais a viu de fato.
Muito se fala sobre a coragem de Joyce ou Kafka por escreverem os livros difíceis que escreveram. Mas este ex nobre russo teve uma coragem de titã ao lançar este romance. Não usarei a palavra imoral. Mas ele vai fundo contra o tabu. E para deixar tudo ainda mais complicado, Lolita o chama de pai.
Nabokov percebeu como estrangeiro a hiper sexualização dos EUA. E viu que essa sexualização vinha via adolescentes. Não esqueça que 1956 é o ano de Elvis e do rock n roll. Lolita é lançado no tempo de Good Golly Miss Molly e de Be Bop a Lula. Já naquele tempo meninas de 12 anos pensavam em transar todo o tempo, e algumas faziam a coisa em moitas e banheiros públicos. Adultos ficavam loucos em meio à essa liberalidade. Queriam fazer parte da festa. Humbert enlouquece no processo. É o scholar europeu, o professor que escreve livros sobre poesia francesa, que mergulha na vertigem sexual do país novo, muito novo, jovem, muito jovem, caipira, muito caipira. Lolita TINHA de ter 12 anos. Fosse uma garota de 18 ou 19 a mensagem e a loucura não seria tão clara e tão poderosa. A Europa, sábia e morta, com seus 3000 anos de cultura se deixa levar pelo desejo americano, desejo que tem apenas 456 anos. Posso ir mais longe e dizer que Humbert está morto. Ele nunca viveu. Nasceu sem nascer. Lolita é viva. E por isso lhe escapa. Mesmo no ato sexual ela nunca está presente.
Lolita foi nos anos 60 chamado de o melhor livro do século. Um milagre de escrita refinada. Nem tanto. Mas...caramba! Que grande livro!!!!
MAIS UM NABOKOV: O DOM.
Este é dos anos 30 e é bastante ambicioso. Uma auto biografia fake, o livro mistura xadrez com borboletas ( dois amores de Nabokov ), com o início da vida de um emigrado russo na Alemanha pré nazista. O estilo é elaborado ao ponto da quase saturação. Elitista. Saboroso.
Longo, tem no capítulo 2 o seu maior momento: o autor descreve e narra a vida de seu pai. Um homem que explorava o mundo atrás de espécies raras de borboletas. Um tipo de nobre muito em moda no fim do século XIX, o "homem de ciências". ( Penso em nosso Dom Pedro II ). Apaixonado por conhecer este mundo pela via científica, esse homem não mede esforço para ir onde seu desejo de saber o manda. O filho, o autor, ama esse pai sem nenhum pudor. O pai de Nabokov, sabemos, foi bastante assim.
Os demais capítulos, são poucos e são imensos, nos seduzem com a exposição de um universo que não existe mais. Sinto pena por Nabokov não ter visto a morte da URSS. Ele amaria ver Leningrado retornar a São Petersburgo. E seus livros serem finalmente lá editados. Mas não houve tempo, ele morreu em 1977, aos 78. Teria de ter chegado aos 90.
Um escritor tem de ser muito bom para conseguir me fazer sentir prazer em ler páginas e páginas sobre borboletas. Ele consegue. Jamais leia um autor deste tipo, mestre na arte da escrita, esperando a fascinação de um enredo. O fascínio aqui nunca está no que se conta, está no como se conta. Pouco importa o motivo, o que queremos é ler palavras. Palavras que se transformam em sentenças, que harmonizam como música e metamorfoseiam-se em borboletas ou peças de xadrez. Ou um quarto barato em Berlin.
Ah! As personagens, muitas, são maravilhosas!
Longo, tem no capítulo 2 o seu maior momento: o autor descreve e narra a vida de seu pai. Um homem que explorava o mundo atrás de espécies raras de borboletas. Um tipo de nobre muito em moda no fim do século XIX, o "homem de ciências". ( Penso em nosso Dom Pedro II ). Apaixonado por conhecer este mundo pela via científica, esse homem não mede esforço para ir onde seu desejo de saber o manda. O filho, o autor, ama esse pai sem nenhum pudor. O pai de Nabokov, sabemos, foi bastante assim.
Os demais capítulos, são poucos e são imensos, nos seduzem com a exposição de um universo que não existe mais. Sinto pena por Nabokov não ter visto a morte da URSS. Ele amaria ver Leningrado retornar a São Petersburgo. E seus livros serem finalmente lá editados. Mas não houve tempo, ele morreu em 1977, aos 78. Teria de ter chegado aos 90.
Um escritor tem de ser muito bom para conseguir me fazer sentir prazer em ler páginas e páginas sobre borboletas. Ele consegue. Jamais leia um autor deste tipo, mestre na arte da escrita, esperando a fascinação de um enredo. O fascínio aqui nunca está no que se conta, está no como se conta. Pouco importa o motivo, o que queremos é ler palavras. Palavras que se transformam em sentenças, que harmonizam como música e metamorfoseiam-se em borboletas ou peças de xadrez. Ou um quarto barato em Berlin.
Ah! As personagens, muitas, são maravilhosas!
SOMOS TODOS ARLEQUINS - VLADIMIR NABOKOV
Escrito em 1974, já em sua velhice, este livro, meio auto biográfico, mostra mais um tipo de Nabokov.
Fascinante autor, ainda não li dois livros dele que fossem parecidos. Li dois bastante ruins, li três geniais, e ainda mais dois "apenas" ótimos. Este é um dos ótimos.
Aqui ele conta as memórias de um refugiado russo. Vadim é escritor de sucesso, professor universitário nos USA e se casou várias vezes. O que ele mais lembra aqui são seus casamentos. O primeiro termina em tragédia, outro vira pesadelo, mais um que se torna uma piada e um novo casamento que promete ser bom. Há ainda a relação com uma filha. ( Estranho mundo o nosso. O personagem, não há como evitar, parece ter uma relação carinhosa demais com essa filha...incesto? Ou estamos educados e amestrados a ver doença em ato sem conotação sexual? ).
Vadim é esnobe, hedonista, vaidoso, preconceituoso e brilhante. E terrivelmente sexista. Não é simpático, é interessante. E tem queda, outro problema neste século, por ninfetas. Penso em como um rapaz médio ou uma garota mediana, irá reagir ao fato dele "adorar" quando Dolly, uma sua vizinha, senta-se em seu colo insinuando uma nascente sensualidade. Detalhe: Dolly tem 10 anos...Quando ela chega aos 22 ele é seduzido pela antiga criança.
Disse que Nabokov cria livros diferentes. Mas eu menti. Nabokov nos faz bons mentirosos. Seus livros são sempre o mesmo. Sexo é o centro e há sempre um homem muito vaidoso perdido em seus pensamentos. Esse homem tem uma cultura clássica, vasta, e é russo. Anti bolchevique, ele tenta sobreviver em meio às delícias do ocidente. Não tem lar. Não tem raiz. E é seduzido pela jovem ninfa: a América. Linda, tola, alegre, saudável e limpa.
Acho que voce não vai encontrar este livro para venda. Mas vale à pena. Nabokov escreve como se letras fosse notas musicais. É um estilo grande, exibicionista, faminto.
Ele corre o risco de ser enterrado e banido de nosso mundo diverso e igualitário. Nabokov lembra um tipo de homem que as pessoas querem fingir nunca ter existido. Eu adoro ele. E não tenho problema algum quanto à isso.
Fascinante autor, ainda não li dois livros dele que fossem parecidos. Li dois bastante ruins, li três geniais, e ainda mais dois "apenas" ótimos. Este é um dos ótimos.
Aqui ele conta as memórias de um refugiado russo. Vadim é escritor de sucesso, professor universitário nos USA e se casou várias vezes. O que ele mais lembra aqui são seus casamentos. O primeiro termina em tragédia, outro vira pesadelo, mais um que se torna uma piada e um novo casamento que promete ser bom. Há ainda a relação com uma filha. ( Estranho mundo o nosso. O personagem, não há como evitar, parece ter uma relação carinhosa demais com essa filha...incesto? Ou estamos educados e amestrados a ver doença em ato sem conotação sexual? ).
Vadim é esnobe, hedonista, vaidoso, preconceituoso e brilhante. E terrivelmente sexista. Não é simpático, é interessante. E tem queda, outro problema neste século, por ninfetas. Penso em como um rapaz médio ou uma garota mediana, irá reagir ao fato dele "adorar" quando Dolly, uma sua vizinha, senta-se em seu colo insinuando uma nascente sensualidade. Detalhe: Dolly tem 10 anos...Quando ela chega aos 22 ele é seduzido pela antiga criança.
Disse que Nabokov cria livros diferentes. Mas eu menti. Nabokov nos faz bons mentirosos. Seus livros são sempre o mesmo. Sexo é o centro e há sempre um homem muito vaidoso perdido em seus pensamentos. Esse homem tem uma cultura clássica, vasta, e é russo. Anti bolchevique, ele tenta sobreviver em meio às delícias do ocidente. Não tem lar. Não tem raiz. E é seduzido pela jovem ninfa: a América. Linda, tola, alegre, saudável e limpa.
Acho que voce não vai encontrar este livro para venda. Mas vale à pena. Nabokov escreve como se letras fosse notas musicais. É um estilo grande, exibicionista, faminto.
Ele corre o risco de ser enterrado e banido de nosso mundo diverso e igualitário. Nabokov lembra um tipo de homem que as pessoas querem fingir nunca ter existido. Eu adoro ele. E não tenho problema algum quanto à isso.
CÂMERA OBSCURA - VLADIMIR NABOKOV
Odiei. Abominei. Detestei.
Escrito quando Nabokov vivia em Berlin, quero crer que este livro foi escrito apenas com o desejo de conseguir algum dinheiro. É um tipo de Anjo Azul em versão russa. Homem rico e casado se envolve com menina ( 16 anos ), pobre, bonita e desinibida. Ele afunda em solidão e claro, é humilhado. Há o mérito de nuançar a menina, ela não é apenas má. Tem seus motivos. Mas não há nada do inventivo Nabokov aqui. É um livro terrivelmente pop. Prevemos tudo o que irá ocorrer, a história corre em seu caminho comum e banal. Odiei ver o mago Nabokov, mago da linguagem, dos climas mágicos, da sensibilidade, percorrer esse circuito best seller vulgar. Não há jogo de escrita, não há refinamento, não há surpresa nenhuma.
Curto e bobo, joguei ao lixo o livro assim que terminei de o ler. Raras vezes fiz isso na vida. Minha reação irada revela o amor que tenho pelo autor.
Escrito quando Nabokov vivia em Berlin, quero crer que este livro foi escrito apenas com o desejo de conseguir algum dinheiro. É um tipo de Anjo Azul em versão russa. Homem rico e casado se envolve com menina ( 16 anos ), pobre, bonita e desinibida. Ele afunda em solidão e claro, é humilhado. Há o mérito de nuançar a menina, ela não é apenas má. Tem seus motivos. Mas não há nada do inventivo Nabokov aqui. É um livro terrivelmente pop. Prevemos tudo o que irá ocorrer, a história corre em seu caminho comum e banal. Odiei ver o mago Nabokov, mago da linguagem, dos climas mágicos, da sensibilidade, percorrer esse circuito best seller vulgar. Não há jogo de escrita, não há refinamento, não há surpresa nenhuma.
Curto e bobo, joguei ao lixo o livro assim que terminei de o ler. Raras vezes fiz isso na vida. Minha reação irada revela o amor que tenho pelo autor.
FOGO PÁLIDO - VLADIMIR NABOKOV
Como vou falar deste livro, esplêndido, sem revelar seus muitos segredos? Seria terrível contar para você tudo aquilo que será descoberto conforme você avança em suas duzentas e poucas páginas.
A questão que Nabokov propões é certeira: Existe alguma coisa que seja verdadeira? Nosso cérebro tem o poder de absorver e compreender a realidade? Ou tudo que conseguimos é criar mentiras para nosso tolo consumo? Pior, só percebemos aquilo que desejamos perceber e queremos viver o que nosso passado e nosso meio nos faz querer viver. Mesmo sem o perceber.
Lemos um livro, ou vemos um filme, e o que assistimos ou lemos é aquilo que podemos e ansiamos por encontrar. Não há leitura isenta. Não há vida imersa na verdade. Criamos nossa crisálida de ilusão segundo a segundo. Se você é apenas um bobalhão, voce cria uma realidade curta e simplória, feita de desinteresse e funções corporais. Se voce tem uma mente mais sofisticada, voce cria um universo de visões e crenças complicadas. Nunca verdadeiras.
Este livro é uma maravilhosa peça de ilusão. É divertido e trágico. Venha comigo...
Voce abre o livro e trava conhecimento com um professor universitário. Ele vai comentar e lhe apresentar o último poema de um amigo morto. Nessa introdução, ele te aconselha a ler primeiro as notas que ele compilou.
E lá vou eu ler essas notas. O poema tem cerca de 15 páginas, as notas são duzentas páginas. Eis um livro em que as notas são mais importantes que a obra em si. Eis um livro em que o editor é mais importante que o autor.
Então leio as notas. Ou melhor, começo pela bibliografia. Depois leio o índice. E então as notas.
Falo do que elas tratam? Ok, só uma pista: O editor se vê na obra. Assim como voce se vê em seus filmes e livros favoritos. E por ter sido "amigo" do autor, ele vê sua biografia no poema.
Nabokov escreve como quem cozinha e sabe cozinhar. Tempera e aquece, bate e mistura, serve e exige paladares treinados. O livro é de 1962, e em 1962 ele era o autor mais importante a escrever em inglês. O Nobel não veio. Ele não era simpático a duas coisas que os juízes do Nobel amam. Política e vitimismo.
Não é um livro fácil. Mas é um prazer.
A questão que Nabokov propões é certeira: Existe alguma coisa que seja verdadeira? Nosso cérebro tem o poder de absorver e compreender a realidade? Ou tudo que conseguimos é criar mentiras para nosso tolo consumo? Pior, só percebemos aquilo que desejamos perceber e queremos viver o que nosso passado e nosso meio nos faz querer viver. Mesmo sem o perceber.
Lemos um livro, ou vemos um filme, e o que assistimos ou lemos é aquilo que podemos e ansiamos por encontrar. Não há leitura isenta. Não há vida imersa na verdade. Criamos nossa crisálida de ilusão segundo a segundo. Se você é apenas um bobalhão, voce cria uma realidade curta e simplória, feita de desinteresse e funções corporais. Se voce tem uma mente mais sofisticada, voce cria um universo de visões e crenças complicadas. Nunca verdadeiras.
Este livro é uma maravilhosa peça de ilusão. É divertido e trágico. Venha comigo...
Voce abre o livro e trava conhecimento com um professor universitário. Ele vai comentar e lhe apresentar o último poema de um amigo morto. Nessa introdução, ele te aconselha a ler primeiro as notas que ele compilou.
E lá vou eu ler essas notas. O poema tem cerca de 15 páginas, as notas são duzentas páginas. Eis um livro em que as notas são mais importantes que a obra em si. Eis um livro em que o editor é mais importante que o autor.
Então leio as notas. Ou melhor, começo pela bibliografia. Depois leio o índice. E então as notas.
Falo do que elas tratam? Ok, só uma pista: O editor se vê na obra. Assim como voce se vê em seus filmes e livros favoritos. E por ter sido "amigo" do autor, ele vê sua biografia no poema.
Nabokov escreve como quem cozinha e sabe cozinhar. Tempera e aquece, bate e mistura, serve e exige paladares treinados. O livro é de 1962, e em 1962 ele era o autor mais importante a escrever em inglês. O Nobel não veio. Ele não era simpático a duas coisas que os juízes do Nobel amam. Política e vitimismo.
Não é um livro fácil. Mas é um prazer.
O DOM, ROMANCE DE VLADIMIR NABOKOV
São as impressões de um jovem poeta russo morando na Berlim dos anos 30. Na verdade ele é um vulcão de lembranças, sensações, sentimentos, medos, desejos, raivas e sonhos pesadelos. A escrita de Nabokov, um exibicionista aristocrático, é hiper rebuscada. Se ele pode escrever 70 linhas por parágrafo, porque não aumentar para 90?
Eu adoro esse estilo, um modo de narrar que não facilita nada para o leitor e que mostra o dom do autor em sua plenitude. E este pensamento me faz pensar nos autores que são muito famosos e pouco lidos. Qualquer pessoa de cultura média conhece Nabokov de ouvir falar. Assim como são famosos Joyce, Proust, Beckett ou Eliot. Mas a questão é: Voce leu esses autores? Gente como Nietzsche ou Kafka são famosos e sabemos que são lidos. As edições em banca de jornais provam isso. Dostoievski e Tolstoi são famosos e continuam sendo lidos. Mas e Nabokov? A editora Alfaguara tem lançado seus livros, mas acho quase impossível que mais de 5000 pessoas, número ridículo, leiam este livro.
Nabokov, assim como Joyce, deve sua imensa fama à censura. Lolita fez dele um astro, e essa obra prima do humor é seu livro mais acessível. De longe. Sua escrita jamais deixa de ser refinada, é um aristocrata escrevendo para seus pares. É sempre um grande escritor, mesmo em seus excessos.
Se 5000 pessoas lerem este romance então serão 5000 aristocratas da leitura. É um belo número em termos de sangue azul. Mas diante de sua fama, é quase nada.
Eu adoro esse estilo, um modo de narrar que não facilita nada para o leitor e que mostra o dom do autor em sua plenitude. E este pensamento me faz pensar nos autores que são muito famosos e pouco lidos. Qualquer pessoa de cultura média conhece Nabokov de ouvir falar. Assim como são famosos Joyce, Proust, Beckett ou Eliot. Mas a questão é: Voce leu esses autores? Gente como Nietzsche ou Kafka são famosos e sabemos que são lidos. As edições em banca de jornais provam isso. Dostoievski e Tolstoi são famosos e continuam sendo lidos. Mas e Nabokov? A editora Alfaguara tem lançado seus livros, mas acho quase impossível que mais de 5000 pessoas, número ridículo, leiam este livro.
Nabokov, assim como Joyce, deve sua imensa fama à censura. Lolita fez dele um astro, e essa obra prima do humor é seu livro mais acessível. De longe. Sua escrita jamais deixa de ser refinada, é um aristocrata escrevendo para seus pares. É sempre um grande escritor, mesmo em seus excessos.
Se 5000 pessoas lerem este romance então serão 5000 aristocratas da leitura. É um belo número em termos de sangue azul. Mas diante de sua fama, é quase nada.
MONGES
Quando os vikings invadiram a Europa, e estupraram, queimaram, massacraram, nosso mundo sobreviveu graças a meros monges irlandeses. Eles esconderam textos antigos e esperaram a poeira baixar. Então andaram a pé por todo o continente, fundando mosteiros, escolas. Sem eles a Europa seria hoje um apêndice do mundo e eu seria um muçulmano. Quais serão os monges de hoje? Quem salvará os textos?
Quando comecei a ler jornais, nos cadernos culturais os autores vivos mais comentados eram NABOKOV, BORGES, CORTÁZAR, BELLOW, GRAHAM GREENE, BECKETT. Ainda se falava de Gide e Malraux. Hoje se fala do que? Aliás, ainda há caderno cultural?
Hoje um amigo falou de Paulo Francis. Francis dizia que quando fumava maconha ouvia Wagner a todo volume.
Em 1752 Samuel Johnson mandou uma carta para um nobre inglês dizendo dispensar um mecenas. Um artista não mais obedeceria a ninguém. O publico culto o sustentaria. O mundo do que conhecemos nasceu nesse dia. Ainda existe?
Quando comecei a ler jornais, nos cadernos culturais os autores vivos mais comentados eram NABOKOV, BORGES, CORTÁZAR, BELLOW, GRAHAM GREENE, BECKETT. Ainda se falava de Gide e Malraux. Hoje se fala do que? Aliás, ainda há caderno cultural?
Hoje um amigo falou de Paulo Francis. Francis dizia que quando fumava maconha ouvia Wagner a todo volume.
Em 1752 Samuel Johnson mandou uma carta para um nobre inglês dizendo dispensar um mecenas. Um artista não mais obedeceria a ninguém. O publico culto o sustentaria. O mundo do que conhecemos nasceu nesse dia. Ainda existe?
MARIO PEIXOTO, O ÚLTIMO DOS ESTETAS
Na madrugada de 2015, com calor, sem querer me deparo com a imagem de nuvens que se dispersam no céu. E uma voz que fala. Que a realidade não o interessa. Que ele nem mesmo acredita na realidade. Sim, ele pode ver essa tal realidade. Mas ela não o atinge. Não lhe importa.
O documentário sobre Mario Peixoto é lindo de doer. Poesia em forma de video. Tem até mesmo Satie na trilha sonora. Ao som de Satie até ler um jornal se torna poesia. Porém a poesia maior está em Mario. Nas cenas em que ele fala. Em sua vida. Em seu filme. E percebo, vendo-o falar, que Mario Peixoto, que morreu nos anos 90, foi das últimas provas. Ele provava que era verdade, as pessoas foram um dia mais poéticas, mais calmas e delicadas, as pessoas foram um dia, maiores.
E mesmo assim Mario nasceu na hora errada. E, claro, no lugar errado. Mario poderia ter sido um austríaco de 1800.
Tudo nele tem modos de aristocrata decaído. Ou melhor, anjo. E poderia ser personagem de Nabokov. Afinal, ele foi um desconsolado estudante inglês, odiando o clima e fazendo amizade com dois japoneses. Em Londres ele assiste Metrópolis, e isso muda sua vida. Apesar do fato de que ele é muito mais Murnau que Lang. Volta ao Rio e vira cineasta. Seu filme, Limite, é considerado o maior dos filmes feitos aqui.
O documentário de Sergio tem cenas de Limite. E sabemos que 1929 foi o apogeu da linguagem do filme silencioso. E que o cinema sonoro veio atrasar a arte dos filmes. Toda a linguagem moderna do silencioso foi abandonada. Para se criar um novo modo, com som. A imagem se desvalorizou. Limite é imagem. Ensina a ver.
Depois vem o resto. Mario fracassa em seu segundo filme. Pode-se dizer que ele errou por delicadeza. E foi viver num sitio a beira mar. E fez nesse sitio sua maior obra, viveu. Os empregados dizem que ele levava um mês para plantar um pé de qualquer coisa. Why?
Mario explica: Porque o tempo, ele não existe. Passado e futuro, eles são invenções. E sem tempo, além do tempo, Mario criou seu mundo.
Sensibilidade refinada, ver Mario falar é ter contato com a sensibilidade que não mais existe. Ele é um Tilacino, um Dodo, um babilônio.
Ver este documentário é um privilégio.
Usei a palavra fracasso? O que significa fracasso para quem viveu o que quis?
O documentário sobre Mario Peixoto é lindo de doer. Poesia em forma de video. Tem até mesmo Satie na trilha sonora. Ao som de Satie até ler um jornal se torna poesia. Porém a poesia maior está em Mario. Nas cenas em que ele fala. Em sua vida. Em seu filme. E percebo, vendo-o falar, que Mario Peixoto, que morreu nos anos 90, foi das últimas provas. Ele provava que era verdade, as pessoas foram um dia mais poéticas, mais calmas e delicadas, as pessoas foram um dia, maiores.
E mesmo assim Mario nasceu na hora errada. E, claro, no lugar errado. Mario poderia ter sido um austríaco de 1800.
Tudo nele tem modos de aristocrata decaído. Ou melhor, anjo. E poderia ser personagem de Nabokov. Afinal, ele foi um desconsolado estudante inglês, odiando o clima e fazendo amizade com dois japoneses. Em Londres ele assiste Metrópolis, e isso muda sua vida. Apesar do fato de que ele é muito mais Murnau que Lang. Volta ao Rio e vira cineasta. Seu filme, Limite, é considerado o maior dos filmes feitos aqui.
O documentário de Sergio tem cenas de Limite. E sabemos que 1929 foi o apogeu da linguagem do filme silencioso. E que o cinema sonoro veio atrasar a arte dos filmes. Toda a linguagem moderna do silencioso foi abandonada. Para se criar um novo modo, com som. A imagem se desvalorizou. Limite é imagem. Ensina a ver.
Depois vem o resto. Mario fracassa em seu segundo filme. Pode-se dizer que ele errou por delicadeza. E foi viver num sitio a beira mar. E fez nesse sitio sua maior obra, viveu. Os empregados dizem que ele levava um mês para plantar um pé de qualquer coisa. Why?
Mario explica: Porque o tempo, ele não existe. Passado e futuro, eles são invenções. E sem tempo, além do tempo, Mario criou seu mundo.
Sensibilidade refinada, ver Mario falar é ter contato com a sensibilidade que não mais existe. Ele é um Tilacino, um Dodo, um babilônio.
Ver este documentário é um privilégio.
Usei a palavra fracasso? O que significa fracasso para quem viveu o que quis?
FOGO PÁLIDO- VLADIMIR NABOKOV
Após o imenso sucesso de Lolita, Nabokov lança em 1962 este original, intrigante e muito irritante romance. Um enigma, eu termino sua leitura e ainda não consigo entender do que se trata. Talvez seja uma brincadeira de literato para literatos. Ou um grito de raiva de um exilado. Um tabuleiro de um novo tipo de jogo lógico. Uma barafunda de intenções que deram em nada.
Um exilado do reino de Zambla apresenta, na introdução, os poemas de John Shade. Shade é um grande poeta americano que acaba de morrer. O exilado-narrador, conseguiu fazer amizade com o poeta, conseguiu dar um baile nos herdeiros, e agora edita o último poema de Shade, o livro que temos em mãos. Antes de ler o poema, somos convidados a ler todas as notas de rodapé, que vêm numeradas ao fim do livro. Lemos. E começamos a nos incomodar.
O narrador se revela vaidoso, um homossexual erudito e um quase maluco. Ou talvez um completo lunático. Cada palavra, cada imagem do poema remete a Zembla. É assim que o exilado o entende e é assim que ele quer que o compreendamos, um poema sobre sua nação e sobre ele mesmo. Ele edita o livro e distorce todo o sentido em seus comentários inflados. As notas são muito mais longas que o poema. E segundo esse editor-zembliano-exilado, contam de forma cifrada a história da revolução em Zambla, a fuga do rei e sua odisséia pessoal.
Isso incomoda o leitor porque todo o romance passa a parecer uma grande farsa. Estaremos lendo uma piada? Estaremos lendo uma alucinação? Como levar a sério uma obra que parece ter sido escrita por um Nabokov futil e mal intencionado? E então vem a parte final. O começo renasce no final da saga. Não conto. O livro é fácil de achar. Compre se puder. Mas aviso, é leitura cansativa. Sofisticada ao extremo, um jogo de escritor.
Nabokov foi complicando cada vez mais sua escrita. Seus textos dos anos 30 e 40 são jóias de estilo, e mesmo assim fáceis de ler. A partir dos anos 60 ele foi se complicando. E é simples entender o porque: Ele se entediou com sua arte. Escrever bem lhe era pouco desafiador. Como aconteceu com Joyce, ele se deu tarefas cada vez mais duras. Marca de um autor grande e de um homem ambicioso.
Lolita foi seu passaporte. Essa comédia ácida, cruel, certeira foi o sucesso que lhe deu a liberdade para ousar. O filme lhe deu uma casa na Suiça.
Este livro é o começo de sua livre diversão.
Um exilado do reino de Zambla apresenta, na introdução, os poemas de John Shade. Shade é um grande poeta americano que acaba de morrer. O exilado-narrador, conseguiu fazer amizade com o poeta, conseguiu dar um baile nos herdeiros, e agora edita o último poema de Shade, o livro que temos em mãos. Antes de ler o poema, somos convidados a ler todas as notas de rodapé, que vêm numeradas ao fim do livro. Lemos. E começamos a nos incomodar.
O narrador se revela vaidoso, um homossexual erudito e um quase maluco. Ou talvez um completo lunático. Cada palavra, cada imagem do poema remete a Zembla. É assim que o exilado o entende e é assim que ele quer que o compreendamos, um poema sobre sua nação e sobre ele mesmo. Ele edita o livro e distorce todo o sentido em seus comentários inflados. As notas são muito mais longas que o poema. E segundo esse editor-zembliano-exilado, contam de forma cifrada a história da revolução em Zambla, a fuga do rei e sua odisséia pessoal.
Isso incomoda o leitor porque todo o romance passa a parecer uma grande farsa. Estaremos lendo uma piada? Estaremos lendo uma alucinação? Como levar a sério uma obra que parece ter sido escrita por um Nabokov futil e mal intencionado? E então vem a parte final. O começo renasce no final da saga. Não conto. O livro é fácil de achar. Compre se puder. Mas aviso, é leitura cansativa. Sofisticada ao extremo, um jogo de escritor.
Nabokov foi complicando cada vez mais sua escrita. Seus textos dos anos 30 e 40 são jóias de estilo, e mesmo assim fáceis de ler. A partir dos anos 60 ele foi se complicando. E é simples entender o porque: Ele se entediou com sua arte. Escrever bem lhe era pouco desafiador. Como aconteceu com Joyce, ele se deu tarefas cada vez mais duras. Marca de um autor grande e de um homem ambicioso.
Lolita foi seu passaporte. Essa comédia ácida, cruel, certeira foi o sucesso que lhe deu a liberdade para ousar. O filme lhe deu uma casa na Suiça.
Este livro é o começo de sua livre diversão.
VLADIMIR NABOKOV, OU, O QUE É UM ESCRITOR
Nabokov morreu em 1977. Como Chaplin. E Hawks. As pessoas falam dos mortos de 2014 mas nenhum deles tem a estatura dos mortos de 77. Quando morreu, na Suiça, Nabokov era o escritor mais famoso do mundo. E um dos mais dificeis. Lolita se lê facilmente ( se voce for minimamente culto ), mas seus livros pós-Lolita são tão áridos como Beckett e Joyce. A fama popular de Nabokov caiu. Lolita virou tabú, a palavra Ninfeta é hoje um palavrão. Ele é esquecido porque todo escritor dos últimos 50 anos se torna esquecido depois de morto. Saul Bellow, Mailer, Yourcenar, Updike, Vidal, todos são muito menos conhecidos hoje que quando vivos. A molecada não faz a menor ideia do tamanho da popularidade de Bellow. E de Nabokov.
Ele não recebeu um Nobel. Bellow sim. O que posso falar é que Heminguay, Faulkner, Mann e Yeats receberam. Eliot também. Mas Joyce, Proust, Borges e Rilke não. Assim como Waugh. Penso que a lista dos não agraciados é melhor. Well...Nabokov é lembrado por alguns, e esses o chama de melhor escritor em inglês dos últimos cem anos. Funny....assim como Conrad foi o maior da virada dos 1900, e era um polonês escrevendo em inglês, temos aqui um russo que escreve em inglês.
A Veja publicou uma péssima resenha sobre Nabokov. A moça não entendeu nada! Fez uma crítica bolchevique a um aristocrata fugido. Nabokov é fino, chique, cômico, um esteta. Ele nos faz ver a beleza do quase nada. Nos ensina a olhar a vida. A moça nada percebeu. Pobre escriba...
Bebo as páginas de Nabokov e ao lê-las me sinto um privilegiado. Alcanço sua nobreza. Comungo com sua vida fugitiva. Na verdade ele nunca saiu de sua fazenda. Esteve em Berlim, em Paris, viveu em Londres e na Califórnia. Por fim a Suiça. Era vizinho de Chaplin. E em todos esses lugares ele foi o mesmo. Um garoto russo da aristocracia. Culto ao extremo, cercado por seus 50 lacaios. E curioso sobre tudo e sobre todos. Um escritor.
Vale!
Ele não recebeu um Nobel. Bellow sim. O que posso falar é que Heminguay, Faulkner, Mann e Yeats receberam. Eliot também. Mas Joyce, Proust, Borges e Rilke não. Assim como Waugh. Penso que a lista dos não agraciados é melhor. Well...Nabokov é lembrado por alguns, e esses o chama de melhor escritor em inglês dos últimos cem anos. Funny....assim como Conrad foi o maior da virada dos 1900, e era um polonês escrevendo em inglês, temos aqui um russo que escreve em inglês.
A Veja publicou uma péssima resenha sobre Nabokov. A moça não entendeu nada! Fez uma crítica bolchevique a um aristocrata fugido. Nabokov é fino, chique, cômico, um esteta. Ele nos faz ver a beleza do quase nada. Nos ensina a olhar a vida. A moça nada percebeu. Pobre escriba...
Bebo as páginas de Nabokov e ao lê-las me sinto um privilegiado. Alcanço sua nobreza. Comungo com sua vida fugitiva. Na verdade ele nunca saiu de sua fazenda. Esteve em Berlim, em Paris, viveu em Londres e na Califórnia. Por fim a Suiça. Era vizinho de Chaplin. E em todos esses lugares ele foi o mesmo. Um garoto russo da aristocracia. Culto ao extremo, cercado por seus 50 lacaios. E curioso sobre tudo e sobre todos. Um escritor.
Vale!
CONTOS REUNIDOS DE VLADIMIR NABOKOV
Estou mergulhado e enfeitiçado nas 800 páginas de CONTOS REUNIDOS do mago esteta Vladimir Nabokov. Li as primeiras 200 páginas. Elas correspondem a seus primeiros contos, escritos na Alemanha e na Inglaterra, por volta de 1924. Um jovem de 25 anos portanto. E quanta invenção, quanta sensibilidade e melhor que tudo, já nascente, seu dom de unir humor a drama e dar pinceladas de sobrenatural e de inefabilidade à vida cotidiana. Sentimos toques de invisível. Como borboletas, como metamorfoses, como folhas que não se consegue ver.
Li 15 contos até agora. Não há um só que seja menos que ótimo. E alguns têm a marca de genialidade refulgente. Pegue NATAL por exemplo. Fala da morte de um filho. E de um pai que sofre sozinho. Em apenas 5 páginas Nabokov nos faz quase ver Deus em nossa frente. Raramente li alguma coisa mais bem acabada, bem construída, matematicamente precisa. À beira da morte nasce um lembrete. Não, não posso contar o final. O que posso dizer é que ele entra na muito restrita conta de meus contos favoritos. Eu daria tudo para escrever alguma coisa como essa.
Mas temos também A VENEZIANA. Esse é uma aula de surpresas plantadas, de clima estranho, de suspense e de beleza. Fala de um quadro, uma esposa e um jovem tímido. Perfeito. Há ainda BATER DE ASAS, um conto assustador, feio, sujo e bastante pessimista em seus erros denunciados. DETALHES DE UM PÔR DO SOL, outra perfeição, narrativa que se desenrola como música, harmoniosa e sempre surpreendente.
Ler Nabokov é um prazer que descobri aos 48 anos. Todos sabem que meu autor favorito, em prosa, é desde os 38 anos, Henry James, mas Nabokov escreve exatamente aquilo que eu gostaria de escrever se tivesse talento. Vladimir é vasto e ao mesmo tempo pequeno. Seu humor reside na sombra, em meio ao Kaos, no cerne da dor. As descrições nos fazem ver e quase sentir o cheiros das coisas. E os personagens vivem, mesmo quando descritos em apenas 3 linhas. Um mestre.
Lerei o resto lentamente. Lê-lo é como beber um Porto. Em pequenos goles, usufruindo do momento, da cor.
Li 15 contos até agora. Não há um só que seja menos que ótimo. E alguns têm a marca de genialidade refulgente. Pegue NATAL por exemplo. Fala da morte de um filho. E de um pai que sofre sozinho. Em apenas 5 páginas Nabokov nos faz quase ver Deus em nossa frente. Raramente li alguma coisa mais bem acabada, bem construída, matematicamente precisa. À beira da morte nasce um lembrete. Não, não posso contar o final. O que posso dizer é que ele entra na muito restrita conta de meus contos favoritos. Eu daria tudo para escrever alguma coisa como essa.
Mas temos também A VENEZIANA. Esse é uma aula de surpresas plantadas, de clima estranho, de suspense e de beleza. Fala de um quadro, uma esposa e um jovem tímido. Perfeito. Há ainda BATER DE ASAS, um conto assustador, feio, sujo e bastante pessimista em seus erros denunciados. DETALHES DE UM PÔR DO SOL, outra perfeição, narrativa que se desenrola como música, harmoniosa e sempre surpreendente.
Ler Nabokov é um prazer que descobri aos 48 anos. Todos sabem que meu autor favorito, em prosa, é desde os 38 anos, Henry James, mas Nabokov escreve exatamente aquilo que eu gostaria de escrever se tivesse talento. Vladimir é vasto e ao mesmo tempo pequeno. Seu humor reside na sombra, em meio ao Kaos, no cerne da dor. As descrições nos fazem ver e quase sentir o cheiros das coisas. E os personagens vivem, mesmo quando descritos em apenas 3 linhas. Um mestre.
Lerei o resto lentamente. Lê-lo é como beber um Porto. Em pequenos goles, usufruindo do momento, da cor.
EUGÊNIO ONEGUIN- PUSHKIN
Existem livros que lemos no momento exato. Falam diretamente ao momento que vivemos então. Eu não sei porque, entre tantas opções, resolvi reler este livro. Pushkin é o maior poeta russo. Um romântico típico, mas um romântico que conseguiu sobreviver em nossos tempos cínicos. Porque Pushkin é um gênio, e o gênio sobrevive a modas.
Dostoievski o adorava. Nabokov o ama. E se Nabokov ama alguma coisa essa coisa merece muita atenção.
Li esta obra-prima pela primeira vez dois anos atrás, apenas. Gostei, mas senti que aquele não era seu momento. Este é. A névoa do poema, do romance, da narração cai sobre mim. Romantismo. Belo romantismo. Todas as características do melhor romantismo estão presentes. O spleen. Os personagens sofrem de tédio. Vivem sem interesses, isolados, presos de uma sensação de que nada vale a pena. Indiferentes. Ao mesmo tempo há um amor sublime à natureza. Descrições apaixonadas de estações do ano, de bosques, de céus. Um agudo senso de psicologia. A alma das pessoas se desnuda. E, súbito, o amor surge e é feita a escolha, esse amor será frustrado.
No deserto que é a vida, Eugênio, um seguidor de Byron, mata em duelo seu único amigo. E depois se apaixona pela menina que antes recusara. O final, seco e abrupto, é magistral.
O estilo de Pushkin é simples. Um poema em rimas que é um romance. Pois o poeta não escreve poesia, ele narra uma história. Lemos em seu ritmo, rápido, musical, leve, vibrante. Um soberbo prazer nos invade. Parece que estamos nas estepes russas, sentimos a luz, vivemos a vida dos personagens.
Se voce está in love, eis seu livro.
Dostoievski o adorava. Nabokov o ama. E se Nabokov ama alguma coisa essa coisa merece muita atenção.
Li esta obra-prima pela primeira vez dois anos atrás, apenas. Gostei, mas senti que aquele não era seu momento. Este é. A névoa do poema, do romance, da narração cai sobre mim. Romantismo. Belo romantismo. Todas as características do melhor romantismo estão presentes. O spleen. Os personagens sofrem de tédio. Vivem sem interesses, isolados, presos de uma sensação de que nada vale a pena. Indiferentes. Ao mesmo tempo há um amor sublime à natureza. Descrições apaixonadas de estações do ano, de bosques, de céus. Um agudo senso de psicologia. A alma das pessoas se desnuda. E, súbito, o amor surge e é feita a escolha, esse amor será frustrado.
No deserto que é a vida, Eugênio, um seguidor de Byron, mata em duelo seu único amigo. E depois se apaixona pela menina que antes recusara. O final, seco e abrupto, é magistral.
O estilo de Pushkin é simples. Um poema em rimas que é um romance. Pois o poeta não escreve poesia, ele narra uma história. Lemos em seu ritmo, rápido, musical, leve, vibrante. Um soberbo prazer nos invade. Parece que estamos nas estepes russas, sentimos a luz, vivemos a vida dos personagens.
Se voce está in love, eis seu livro.
Assinar:
Postagens (Atom)