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MILES DAVIS AO VIVO NO BLACKHAWK
O quinteto toca no começo dos anos 60 em um restaurante, sim, tem gente que viu Miles tocar a dois metros de si, e entrega uma atuação de gala. O clima é intimista e o trompete de Miles soa como a coisa mais cool do universo. Ele toca suave mas nunca fraco. Seu som é noturno, frio, elegante ao extremo. É o Miles Davis ainda puro jazz. O auge de seu trompete. Hank Mobley é o sax. Tortuoso, ele mostra o que é a tal blue note, o que diferencia o toque do jazz do toque erudito europeu. O acorde é sempre torto, idefinido, floreado, áspero, sem a reta perfeição do classicismo. Wynton Kelly tem o piano cristalino e Paul Chambers é um dos meus top contra baixistas. Observe seu ritmo. Fica fácil se soltar, solar à vontade quando se tem esse ritmo seguro a te apoiar. A bateria é de Jimmy Cobb, um mestre irrepreensível. É um disco perfeito. Solam com naturalidade, nunca demais, sempre o certo. All Of Me é o cume dessa cordilheira de picos. Tem de ouvir pra crer.
LESTER YOUNG, O REI DO COOL
Lester Young tocava sax. E tinha um chapéu tipo "porky pie". Foi da orquestra de Count Basie, e Basie é meu pianista favorito. O piano de Basie tem poucas notas, apenas as necessárias. Ele não floreia como Oscar Peterson ou Teddy Wilson ou Art Tatum. Basie toca uma nota e isso é exatamente o que faz a diferença. Pouco. E o bastante. Thelonious Monk, meu outro pianista favorito tem o mesmo modo de deixar silêncios nos solos. Eu não gosto de música que não usa o silêncio. Quem enche o espaço de sons tem de saber tudo sobre o silêncio. Repare em Basie, há espaços vazios que dizem tudo. Ele faz um milagre: o silêncio tem ritmo!!!!! -------------------- Lester Young faz o mesmo no sax. E o saxofone é às vezes uma voz que fala demais. Dizem que o sax moderno foi inventado por dois caras: Lester Young e Coleman Hawkins. Hawkins abriu o caminho para o sax que fala muito, que floreia, que vai até o limite; Lester criou o sax que fala menos e fala suave. É a versão em sopro do piano de Basie. -------------------- Quando ele começa a tocar voce logo sabe, é Lester Young, Pres para os amigos. O toque é mínimo, o volume é suave, ele volteia sem ferir, e o principal: Lester toca fácil, nada parece requerer esforço físico. Ele não transpira, ele não ameaça perder o fôlego. Ele toca como quem joga gelo no copo. É simples, é discreto e é absolutamente perfeito. O saxofone na boca de Pres parece um instrumento que só existe para ele mesmo. Há o sax e há o sax de Lester Young. ---------------- Ele define o cool. Fazer muito fazendo quase nada. Chamar a atenção não querendo chamar nada. Intrigar sem querer ser notado. O cool em música passa sempre por Lester. É a voz contida, que nunca se esforça, que faz o mínimo, que mantém a frieza discreta, nunca afetada, simples e sem igual. Depois de Lester veio Ben Webster, Miles, e então o cool virou moda. -------------- Hoje nada é cool porque nada é discreto. Tudo vira hype ou desaparece. ----------------- Lester era amigo de Billie Holiday. E tocou muito com ela. Depois fez alguns discos com grupos pequenos. Ele é, como Bud Powell ou Eric Dolphy, heroi de quem conhece jazz. Escute.
O COOL MORREU?
Johnny Marr e Chrissie Hynde, numa conversa publicada na midia, dizem que acabou o "Cool". Ninguém mais é cool, isso infelizmente se extinguiu. Eles falam o que é isso e evitam dizer o porque da sua morte. ----------------- O que seja Cool, dito pelos dois, tem alguns erros. Ler no metrô nada tem de cool. É pose de quem quer parecer inteligente, muitas vezes é só isso, e querer parecer algo é a coisa menos cool que há. Resumindo, tudo que os dois chamam de cool é ser frio e silencioso, como um felino. Okay, pode ser, mas ser cool é bem mais profundo que isso. ------------------- Ser cool é não perder o controle. É manter o vulcão sem explodir. Preste atenção: ter a chama, mas não a deixar queimar. É a diferença entre Leonard Cohen e Neil Young. Entre Lou Reed e Patti Smith. O cool fala do inferno mas não parece ligar muito. Ele está lá, vê e sente, mas continua sob controle da razão. O não cool grita, cospe, chora, pula, gagueja. -------------------- Se voce ler meu post abaixo sobre a Covid vai entender que a pandemia foi a pá de cal sobre a atitude cool. Voce foi cobrado a ser histérico, canino, obediente. O cool era um ser sem empatia, um gato. ----------------- O cool jamais quer ser alvo de atenção e parece não dar atenção a ninguém. Ele fica na sombra, sem julgar, pouco ligando. Ele não faz ruído. Ele não segue ordens. Não obedece mas odeia revoluções e atos de niilismo. O cool é sexy porque voce nunca sabe o que ele pensa ou quer. Há sempre uma dúvida. E ele parece não se importar muito com ninguém. É cada umpor si. --------------- Steve McQueen foi o mais cool dos atores porque ele passava tudo isso. Um vulcão sob controle. Já atores como Brando ou De Niro são o anti cool, explodem o tempo todo como fossem adolescentes que beberam. Mesmo italianos podem ser cool. Nada mais cool que Mastroianni. E se falei de McQueen, me desculpe. Alain Delon era mais que ele. --------------- Uma pessoa feia quando é cool se torna mais cool que uma pessoa bonita. Porque ela passa uma impressão de superação. Ela é tão cool que superou esse nariz horrível. Ou essa boca torta. Penso em Gainsbourg. ---------------------- Chrissie diz que o rock não é mais cool. Todos são over. Exagerados. Grotescos. Histéricos. Ela está certa? Não, pois deve haver excessões. Mas sim, o mainstream é choroso em exagero ou um sexy pornô de puteiro barato. Nada menos cool. ---------------- Termino dizendo que nos anos 50 até o carnaval podia ser cool. Há fotos de bailes onde impera o espírito felino. Aliás, ver um bloco na Bahia não é diferente de ver um bando de viralatas na rua brigando por uma fêmea. Cool?
O SAMURAI, UM FILME DE MELVILLE COM ALAIN DELON. UM TRATADO SOBRE O COOL.
Aviso que O SAMURAI não é um filme típico de Melville. E aviso também que Jean Pierre Melville é talvez meu diretor favorito do cinema francês. O SAMURAI, feito em 1967, é o filme mais elogiado feito por Melville, mas não é meu favorito. BOB LE FLAMBEUR é imbatível. Revejo O SAMURAI. O que sinto, o que vejo? ------------------ Alain Delon é Jeff Costello, um assassino de aluguel. Na primeira cena ele está deitado, vestido, em seu quarto. Uma cama, um armário, um passarinho na gaiola. O quarto é pequeno, sujo, e ao mesmo tempo é estremamente arrumado. Tudo em seu lugar preciso, cada coisa completamente à postos. Delon pouco fala no filme, seu rosto não muda de expressão. Ele não sorri, não demonstra medo ou raiva. Mas Delon não é um Eastwood. Clint é impassível e seu rosto é sempre indecifrável. Delon é impassível mas deciframos ou pensamos decifrar sua alma. Neste filme achamos que estamos vendo dor ou raiva em seu rosto, talvez solidão? Alain Delon sempre foi muito melhor ator do que se pensa. Por ser uma super estrela tende- se a o perceber como "uma personalidade". Ele é mais que isso. Tinha a capacidade de transmitir dor sem fazer esforço algum, de ser mau sem abrir a boca, parecia explodir em silêncio. ------------------- Costello mata um homem, é pego como suspeito, a polícia o pressiona, ele foge, é traído. E no meio de toda essa ação o que vemos é Alain Delon colocar seu chapéu, vestir o terno preto, deitar sobre a cama, andar pelas ruas, roubar um carro. ------------------- Melville se deixa parar sobre atos que parecem à toa: um curativo feito no braço, o vestir-se, a porta sendo trancada. São dezenas de cenas que parecem gratuitas, sem porque. Cenas longas, sem música, METICULOSAS. Noto então o sentido do filme: ele é sobre método, sobre precisão, sobre um homem que faz tudo corretamente, cada gesto é econômico, exato, perfeito. Eis o foco: ele é um samurai, e quando ele coloca um esparadrapo no braço ou alisa a aba do chapéu, é como um samurai golpeando seu inimigo. Cada movimento é perfeito, leve, sem nada fora do lugar, gestos de arte pura. ---------------- E se Delon-Costello é assim, Melville também é. O filme é um ataque de espada, aço que corta o ar. E como vemos nos filmes de samurai do Japão, para haver o golpe é preciso horas de preparação. Quando uma arma dispara ela se move de A para B sem nada que a distraia. O braço e a arma se tornam um objeto único. -------------- Costello foge da policia no metrô, nas estações, nas ruas. A ação acontece em silêncio, em economia, em suspensão. Matemáticamente. O filme é cartesiano, e por isso é 100% francês. Nenhum outro país poderia fazer um filme como este, tão seco, tão preciso, tão cool. Concentrado.----------------- Sim. Não há filme mais cool que este. Costello é gelado, alheio e atento, um tigre. A SOLIDÃO DO SAMURAI SÓ PODE SER COMPARADA À SOLIDÃO DO TIGRE NA SELVA. Melville abre o filme com essa citação. Diz ser do livro Bushido, dos samurais. Mas é mentira. Essa citação não é japonesa. Foi inventada pelo diretor. -------------- Em que pesem Bogart e Mitchum, Alain Delon é o ator mais cool do cinema. E Melville o mais cool dos diretores. Não há ator que seja tão cool em papeis tão antipáticos. E não há diretor que seja tão cool em filmes tão pouco afetados. A impressão que tive é que diretor e ator fizeram o filme em tal estado de concentração que nada poderia entrar na obra sem estar em foco absoluto. Tudo nele é importante e nesse mundo há quase nada. Eis a palavra que procuro e agora encontro: ZEN. --------------- O ZEN se encontra quando conseguimos fazer um ato simples com absoluta precisão e suprema perfeição. Para isso é preciso que olhar um passarinho ou dar um nó de gravata seja tudo o que existe para quem o faz no momento eterno em que o faz. O SAMURAI é isso: Costello é zen: ajeitar o chapéu com tamanha concentração é atingir o zen. --------------- Melville sabia tudo. Seu filme é nú. Seu filme é simples. Seu filme é perfeitamente conciso. Seu filme é zen.
...E POR FALAR EM PESSOA COOL.....
Ontem fez 7 anos que o cara mais cool do rocknroll morreu. Ele nasceu rico e por ser muito efeminado, o pai
o internou e autorizou várias sessões de eletrochoque. Saiu de casa e ganhava a vida escrevendo canções pop
que eram vendidas a artistas mega pop. Se enturmou com a galera das artes visuais, video e pintura, e o pai do
POP ART lhe montou uma banda. A ideia era fazer trilha sonora para happenings. Vaidoso, ele logo se livrou da
cantora e depois da banda inteira. Falido, lançou um disco super fiasco e foi salvo por um fã. Daí pra frente fez
sempre o que quis. Sem jamais posar de vítima, sem jamais perder a pose, sem nunca apelar para a emoção dos fãs.
Ao contrário de Bruce Springsteen ou dos Rolling Stones, ele jamais parece querer agradar. Como Miles Davis fazia,
ele apresentava seu show e fuck you para quem não gostasse. Fãs inclusos. Sim my man, é Lou Reed o cara.
Antes de, digamos 1970, mesmo artistas super inteligentes, gente como Ray Davies ou Pete Townshend, tinham sempre
uma certa postura de: Poxa! Se eu fizer isso voces vão me amar? Quando não a performance tipo: Não sou mesmo o
máximo? Jim Morrison foi o primeiro cara no rock a usar a indiferença como charme e Lou Reed deu o passo adiante.
Lou não era indiferente, era ausente.
Ele gravou vários discos chatos e várias obras geniais. Todos são extra cool. A voz gelada. As letras distanciadas.
O som sob controle. Mesmo o ruído em White Light White Heat é não casual. Há método ali.
Hoje até Snoopy Dog é chamado de cool. Como disse em outro post, o adjetivo cool se tornou sinônimo de " eu gosto".
Mas se voce quer saber o que é cool como estilo de viver, ao ver um artista, pense sempre: Qual seu coeficiente de
Lou Reed?
O QUE É COOL?
A palavra cool se vulgarizou. Deixou de ser um adjetivo e passou a ser uma interjeição. Isso desde que
Beavis e Butthead grunhiam cool ao ver MTV. Se Beavis gostava era cool. Uma cerveja, a bunda de uma loira,
o AC\DC, tudo poderia ser cool. A palavra virou uma espécie de "muito louco", ou "radical"...algo que se fala
quando se quer elogiar algo que te impressiona.
Sem sentido.
Mas há o REAL COOL. O conceito raro, nobre, hiper difícil de obter.
O que seria?
Há um filme, de 1967, em que Steve McQueen é preso e colocado numa solitária. Jogam ele lá. Ele se senta no chão.
E sem dizer uma só palavra, pega uma bola de tênis e fica a jogando contra a parede. Uma semana depois, quando o
tiram de lá, ele ainda nada reclama. Apenas joga a bola.
Todo o conceito está aí: ele é duro como gelo. Frio como gelo. Não revela o que sente. Não explode facilmente.
Não se curva.
THE BIRTH OF COOL - MILES DAVIS ( E UM CERTO PILOTO )
Em 1949 foi lançado um disco de Miles Davis chamado O Nascimento do Cool. Nesse disco, Miles se unia à galera
da costa oeste e gravava aquilo que seria chamado de cool jazz. É o primeiro uso popular do adjetivo cool.
Até então Jazz era Hot. Charlie Parker e Dizzy, ambiente onde Miles surgiu, era hot. Count Basie era hot.
Hot é grito. Hot é exibir fôlego nos solos. Hot é dar seu máximo todo o tempo. Hot é fazer força.
Assim fica mais fácil definir cool. É o contrário do hot. Economizar. Nunca dar o máximo. Ameaçar ir longe e se conter.
No hot voce transpira. No cool voce não amassa a roupa.
Ficou fácil definir o cool agora...Duke Ellington já era cool antes do cool.
Vejo numa revista inglesa uma lista dos esportistas mais cool do século XX. Imaginei Bjorn Borg em primeiro. Ele
jogava tênis sem jamais emitir grito. Nunca perdia a calma. Imaginei que poderia ser algum piloto tipo James Hunt
ou Gilles Villeneuve, esportistas que pareciam não ligar em perder ou ganhar.
Mas sabe quem venceu?
Pelé. Nosso tão mal amado Pelé. Por que venceu? Por conseguir tudo sem nunca parecer fazer força. Por jamais ser
visto mal vestido, bêbado ou gritando com a imprensa. Por vencer tudo como se tudo fosse nada.
Não se esqueça. Chuck Yeager, lendário piloto, quebrava recordes de velocidade toda manhã. Após mais uma quase morte,
ele ia a seu café favorito e dizia: Manhã normal. Fui lá e quebrei mais um recorde...os Yankees venceram ontem?
Ser cool é acima de tudo pouco ligar pra nada.
Principalmente a seus próprios feitos.
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