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Zoltán Kodály - String Quartet No. 2, Op. 10

ZOLTAN KODALY - QUARTETO DE CORDAS NÚMERO 2

Quarenta anos atrás, solitário mas nunca sozinho, eu descia a rua Cardeal Arcoverde em Pinheiros, SP. Era o começo da noite de um maio frio. Os carros passavam soltando muita fumaça e os postes emitiam pouca luz. Lojas sujas e pequenas, alguns bares cheios e barulhentos e os muros do cemitério. Eu havia recentemente descoberto a existência da morte e por isso andava bastante cheio de medo. Tudo parecia sem sentido porque tudo deixaria de existir. Hoje eu sei que nada há de original ou estranho nesse sentimento que provei, de certo modo agora em 2022 esse é o sentimento que norteia toda nossa cultura, inclusive a popular. Mas em 1982 isso era estranho pois o clima geral era sempre de celebração. Olhando em retrospecto, foi um tempo festivo, não só no Brasil como no ocidente, mas não para mim. No vigor dos meus 20 anos de idade eu me arrastava pela calçada. Se voce quiser saber como era meu mundo mental assista M, de Fritz Lang. E se quiser ouvir a trilha sonora dessa neurose, escute este quarteto. --------------- Nunca saberemos se a música expressionista do século XX conseguia colocar em música o mal da época ou se o mal da época encontrou na música sua trilha sonora. O que eu sentia está expresso nessa música. Cada sombra, cada beiral de balcão, o muro do cemitério e o contorno dos túmulos, as pessoas passando, a fumaça pesada dos ônibus, tudo pode ser sentido em cada acorde. Kodaly fragmenta sons que irrompem e afundam no vazio, retornam, súbitos, e passam espectrais. É gótico, é soturno, é tchecoslovaco. Entenda, não é triste, não é desesperado, não é feio, pode até mesmo ser belo, ele é após o sentimento, é uma espécie de sentimento vago, que ameaça ser e nunca é. Pode ser chamado de potência contida. Triste é Mahler, desesperado pode ser Chopin ou Liszt, mas aqui, nos anos 30 do século XX, há a desconfiança do sentimento "normal". Há a dúvida: belo? triste? O que é isso? -------------------- Ouvir Kodaly em 1982 era insuportável para mim porque era como assumir meu mundo de então, mundo que eu não queria assumir. Hoje é apenas música. "Apenas". Zoltan Kodaly foi um desses pesquisadores da Europa Oriental que renovou a música do mundo. Indo ao folclore de seu país ele encontrou harmonias e melodias que o inspiraram a tentar algo novo. Da turma de Bartok, ele jamais atinge a abstração do seu colega, mas consegue expressar as dúvidas, medos e sensações da época. Eu gostaria de saber quem está expressando nosso tempo absurdo.