PEDACINHOS DE VIDA= PEDAÇÕES DE COVARDIA

   Chesterton tem humor, mas não é simpático. Não espere nada de confortável nele. E nem de liberal oco. No livro que estou lendo há uma ideia que nos deveria ser óbvia, mas que de tão clara se torna esquecível. A ideia, antipática, é a de que o erro da arte moderna é o de crer que a vida pode ser fragmentada.
   Sim, voce pode cortar uma vida em pedaços e misturar tudo. Voce pode transformar uma história em pedacinhos desconexos. Mas ao fazer isso voce paga um preço: voce mata a vida. A vida é um fluxo constante. A história é um fluir e se voce corta esse fluxo a história morre.
   Chesterton usa um exemplo que nos recusamos a aceitar. Se voce tem vários flertes, vários casos, voce não tem na verdade vários flertes e vários casos. O que voce tem é um grande flerte e um grande caso. Voce carrega a história de cada um desses flertes e casos. Não existe algo como "um encontro inconsequente". Todo encontro é consequente e sem perceber ele lhe fará pagar seu preço. Ideia antipática né?
   Não gostamos de ser lembrados disso. De que cada ato tem sua história e de que todas essas histórias formam um única história, a sua. De que na vida real, e ela não é a vida de livros modernos ou de filmes contados ao contrário, existe um inicio e um fim. E que eles são consequentes. A cada erro cabe uma dor e a cada acerto uma alegria. E que é impossível se ter uma historinha aqui e outra ali, todas são a grande e única narrativa.
   Esse é o fascinio da tragédia. Toda tragédia é a história correndo em sua fluidez indomável e cobrando o preço do ato feito. Nosso tempo, covarde, tem horror a tragédia. Temos a ilusão de que ao cortar a vida em pedacinhos poderemos ter pequenas dores. Casinhos ruins rendem dores suportáveis.
   Ironia dos deuses: Eis a nossa tragédia. A trágica fuga, constante e apavorada, da vida.