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MÚSICA RUIM E FILMES COMUNS

Estava com uns amigos conversando, quando de repente eu falei: Incrível como a música hoje é tão ruim, tão constrangedora, que aquilo que antes parecia muito ruim, hoje parece uma coisa tão boa. Dei um exemplo cantando: " Sai da minha aba sai pra lá...." Sim, citei o SPC, Só Pra Contrariar. -------------------- Imediatamente vieram à cabeça canções como Pimpolho, Carrinho de Mão, Haja Amor. Luiz Caldas e Salgadinho pareciam ser muito bons. É saudosismo? Sim, é. ( Apesar que as pessoas que estavam comigo variavam entre os 30 e os 35 anos, ou seja, em 1995 elas eram bebês ). ---------------- Não é apenas saudosismo. É questão de comparação. As letras se esforçavam para ter alguma beleza e a alegria era genuína. Pablo Vittar, DJ qualquer coisa, MC qualquer "inho" ou a nova cantora top não são alegres, são histéricos. Eles fingem alegria em meio ao desespero. É uma euforia agressiva, violenta, pornográfica, alegria em que os dentes não surgem em sorriso, eles surgem em mordidas. -------------- O pagode dos anos de 1990 procurava a alegria e a malandragem sem crime, e o sertanejo tentava atingir a verdade do peão. Filhos de um país que ainda ensinava a ler e a escrever, eles conseguiam falar alguma coisa. A realidade era narrada em forma de anedota. Ouvindo agora, em meio a tanto lixo, é isso que percebemos: eles sabiam falar. -------------------- A música que os substituiu não diz mais nada. A voz, sempre balbuciante, repete ao infinito um refrão que não faz sentido nenhum. Nada narram porque nada conseguem observar. Desprovidos de linguagem verbal, tudo que eles fazem é afirmar sensações primárias. " Tou louco", " Estou com desejo", "Quero voce", "Vamos transar". Usando uma lingiagem ainda mais simples que aquela que escrevi, eles nada mais têm a dizer. São apenas animais que se guiam pelo instinto geral. -------------------- No pagode de 95 havia um esforço para narrar. O Pimpolho é uma personagem maravilhosa e a Abelha que deseja pousar na sua Flor é um conto malicioso. A alegria nascia no prazer de se descrever. Eram letrados. ------------------------- Na música feita nos USA ou na Europa se dá o mesmo. Por isso que hoje qualquer rock star dos anos 70, mesmo os mais banais em seu tempo, aqueles que nós detestávamos, parecem ser cool. Falo de ABBA, de DR HOOK, de DOOBIE BROTHERS, de Barry White, Hall and Oates, entre centenas. Nomes que em 1978 eram chamados de brega, lixo, dejetos, primários, e que hoje parecem ser " o cara". Porque isso aconteceu? --------------------- Nas linhas de Kiss you all over-Exile, ou de When you are in love with a beautiful woman - Dr Hook, o que se vê é uma letra que conta alguma coisa, que descreve algo e melodias feitas com extremo profissionalismo. Não esqueçamos: na época dos grandes estúdios de gravação, para uma canção ser gravada era preciso ser muito profissional. Daí a valorização daquilo que era desprezado então. Perto das canções de 2023, refrões que se repetem ao infinito, sem arranjos, sem desenvolvimento, sem introdução, uma coisa banal como Dancing Queen passa a ter ares de arte Pop. ----------------- Não se engane. Em 1978 ABBA era lixo escutado por tias sem gosto. Pop de bom nível era Elton John e Paul Simon. Donna Summer e Grace Jones não eram nem mesmo consideradas. Eram música para quem não ligava para música. ---------------------- Voce pode dizer o mesmo sobre o cinema. Filmes comuns em 1974 são tratados hoje como arte e filmes muito ruins se tornaram cult. Por que? Não se engane. O motivo se deve ao muito, muito baixo padrão deste século.

CORE - STONE TEMPLE PILOTS, BOM PRA CACETE

Para quem amava rock, não houve tempo melhor que o começo dos anos 90. Sim, melhor que 1968 ou 1972 ou 1980. Isso porque em 1992 lançaram tudo de 68, 72 e 80 em cd. E havia uma novidade: gente com menos de 25 anos usando cabelo comprido. ------------------ Não dava mais pra aguentar o rock minimalista dos anos 80. Era preciso retomar o rock hedonista, grande, de arena dos anos 70. Minha alegria, imensa, eu vivi os anos 90 com prazer vingativo, foi ver bandas desprezadas em 1984 voltarem a dar as cartas: Black Sabbath, Led Zeppelin e também Thin Lizzy, Humble Pie e Free. De repente ouvir Alice Cooper não era mais vergonha. E a maior banda da hIstória se tornou, enfim e para sempre, o Led Zeppelin ( sim querido, todo ano conheço alunos e alunas de 14 ou 15 anos que amam o Led Zeppelin ). ------------------ MTV: Alice in Chains, Soundgarden, Pearl Jam, Nirvana, mas também Porno for Pyros, Faith No More, Sonic Youth, Primal Scream, Happy Mondays, Smashing Pumpkins e imenso etc. O POP era de George Michael, Madonna, Prince, Lenny Kravitz e fofuras como Betty Boo, Deee Lite, Right Said Fred ou o grande Seal. No RAP, em auge de audácia, Public Enemy, NWA, De La Soul, Ice T, Beastie Boys, Tone Loc, Young MC, Cypress Hill, House of Pain ------------------- Mas o que eu ouvia, sem parar, era Core, do Stone Temple Pilots. Uma mistura perfeita da sonoridade metálica com charme à The Doors. Robert De Leo era um guitarrista brilhante, riffs pesados à vontade e o irmão, Dean De Leo, tinha pegada de trator, no contrabaixo discreto. Eric Kretz é talvez o melhor baterista da safra 1990. Toca alto, vira com precisão, mantém o pedal ecoando. E Scott Welland seria o Jagger de sua geração se as drogas não tivessem feito dele um zumbi. Scott tinha beleza, era sexy, perigoso e sabia usar a voz, uma voz feita para o rock pesado. -------------- Core é puro rocknroll, não tem descanso, não cessa, não diminui, é trilha sonora daqueles anos mágicos em que o rock parecia ser o centro do mundo mais uma vez. Os críticos, chatos como sempre, preferiam muitas outras bandas, mas pra mim os STP eram perfeitos. Traziam algo da energia soturna dos Sabbath com a sem vergonhice tipo "olha! somos o máximo!!!" do Zeppelin de chumbo. Eles não tinham problema algum em fazerem um som que se afirmava como POP e pesado, viril e nem aí pra nada, real sem ser babaca. Puro rock porra! ------------------- Durou nada, durou muito pouco. Os 3 primeiros cds são do grande cacete. Ouvindo hoje, de novo, nada mudou. É bom, é puro, é como whisky sem gelo. Venceu o tempo, 30 anos já. Que eles sintam orgulho do que fizeram. Eu tenho de os ouvir, Pra sempre. ---------------- PS: Plush é um hino.

MEU TEMPO E SEU TEMPO

======================================== O meu tempo não é o seu tempo. E isso é corriqueiro. ---------------- Luis Schiavon morreu nesta semana e disse uma frase interessante ( frase que sinto sempre ): " O pior de ficar velho é se despedir de seu mundo. Ele desaparece dia a dia ". Não, não pense que este texto é choroso. Não faço elegias ao meu tempo. Ele existe enquanto existo. E tenho orgulho em ser dele e não deste. Muita coisa se foi, mas eu estou aqui. Sujando e poluindo o mundo de hoje. ------------------ Fui criança nos anos 60 e o que morreu daquele tempo foi o espaço. Havia espaço, não apenas uma quantidade imensa de terrenos vazios e ruas desertas, veja os mapas de então, como espaço para planejar. O futuro parecia um campo sem muros. Otimismo baby, um imenso otimismo. Nas ruas, tomadas por crianças, seja aqui seja no Japão ou em NY, o que mais lembro são dos rádios, volume alto, muita música. Música alegre. Minha cidade era muito pobre, mas não se ligava muito pra isso, porque a vida era vivida na rua. Em comunidade. Muita festa: carnaval com lançaperfume, guerra de confetes, em cada rua crianças jogando água em quem passava. Páscoa com os Judas amarrados nos postes. Festas juninas com fogueiras nos quintais e balões aos céus. Muita pipa, pião, bola, corda pra pular. --------------- Minha melhor década foram os anos 70. Quadrinhos, as bancas tinham cerca de 50 títulos mensais de quadrinhos. Discos e revistas de mulher pelada. Foi uma década colorida, de rock e de surf na alma. Carros amarelos, laranja, verdes, camisas de estampados absurdos, calças rosa e roxa. Tudo era exagero e eu exageradamente só pensava em mulheres e rock. Longos cabelos, longas noites na rua, longas conversas, Amigos vinham em casa sem avisar, porque ninguém tinha telefone, então pra ver alguém tinha de ir lá e correr o risco de dar com a cara na porta. Normal. No fim da década veio a discoteque e a coisa mudou, agora a gente tinha de ser elegante. E saber dançar. Adorei. ------------------- Os anos 80 foram uma chuva de cocaína. Todo mundo cheirava, era barato. Década de se sair toda noite e voltar com o sol. Eu detestei essa década desbundada, onde se falava muito, onde todo mundo parecia histérico, onde nada fazia sentido nenhum. Foi minha década pesadelo mas também minha década de apaixonado, em love por livros, filmes, meninas, praias, festas. Tudo sem regra, tudo free. Foi o tempo mais livre, mais irresponsável, mais over que eu vivi. ------------------ Nos anos 90 começaram os primeiros anúncios do que somos hoje. Mas ainda era louco. Foi um tempo que tentou pegar o melhor dos anos 70 e juntar ao que havia de bom dos anos 80. Não rolou. Os anos 90 foi um replay dos anos 70 em modo cínico. De repente tudo que era dos anos 70 era cool: filmes, discos, cabelos, roupas, modismos, tudo feito em 1976 parecia cool em 1996. Mas a coisa era fake, 1996 tinha uma frieza e uma melancolia que não havia em 76. --------------------- Então veio 2000 e logo veio a queda das torres e o mundo virou uma merda. A propagação do medo fez de nós um bando de dedo duros sem trégua. É um mundo de pavor, de cuidados, de receios e de policiamento absoluto. Quem nasceu dentro desta paranoia não pode a perceber, isto é tudo que se conhece, mas para a minha geração a coisa é ridícula. ------------------- Meu mundo tinha Paulo Francis e Nelson Rodrigues. E eles seriam impossíveis hoje. Meu mundo tinha Von Karajan e George Solti. Eu vivi sabendo que Dali e Miró estavam vivos. E fui acostumado a esperar um livro novo de Saul Bellow, Norman Mailer, John Updike e Graham Greene. Eu conheci o cinema lendo sobre a estreia dos novos filmes de Bunuel, Truffaut, Kurosawa e Bergman. Quando comecei a ir ao cinema sozinho, aos 13 anos, ainda produziam filmes gente como Hitchcock, Elia Kazan, Vincente Minelli e pasmem!, George Cukor!!!! Kubrick e Fellini estavam cheios de energia. ----------------- Aqui no Brasil a nova música tinha Secos e Molhados, Alceu Valença e Fagner. O país crescia a 12% ao ano. Mais que Coreia do Sul ou Singapura. Tivemos nossa chance. Mais uma. 1988 mataria nossas chances. ------------------ Esse é meu mundo e todo dia eu vejo um pouco dele sumir. O primeiro sinal faz muito tempo, foi a morte de Lennon em 1980, um sinal de que minha infancia estava partindo. Depois foram centenas: desde a casa de minha ex que é demolida, a rua que fica cheia de prédios, o amigo que morre ou enlouquece. -------------------- Mas o fim de meu tempo não é exatamente a morte de um guru ou a destruição de uma memória física, a morte do meu mundo é muito mais cruel e muito mais sutil, é o fim de um modo de viver, de pensar, a morte de valores e de sonhos. É o fim do "numa boa", a extinção do "eu quero é mais", o silenciamento do "é proibido proibir", tudo isso trocado por coisas, para mim ridículas, atitudes que cobram de todos uma espécie de eterna guarda, eterna tensão contra "o inimigo", inimigo que não existe, que é um espantalho criado para unir os diferentes em pseudo igualdade. ----------------- No meu mundo ser diferente era ser melhor. Hoje são todos falsamente iguais. A diversidade dos que pensam o mesmo e são diversos apenas na fachada. ------------------------ Meu mundo ria, ria muito. Ria do careca, do gordo, do magro, do baixo, do alto, do preto, do portuga, do gringo, do paulista, do baiano, do gaúcho, de todo mundo. Rir era recomendado e se voce era alvo de riso, então que se crie uma piada melhor como resposta. O brasileiro era famoso por contar piada. Por rir. Se contava piada no ônibus lotado, na praia, no bar, na escola. E acima de tudo, se admirava a mulher.... Se amava a beleza, as curvas, o sorriso da mulher. Drummond, Vinicius, Bandeira, eles falavam da mulher que passa, do molejo, do bamboleio, da felicidade que era a presença da mulher. ------------------------- Preciso dizer que isso morreu? As feias tiveram sua vingança. --------------------- Irreconhecível mundo meu. Amado mundo meu. -------------------Penso então que ele não morreu. Na verdade ele passa, eternamente, em looping, bamboleando como aquela mulher indo à praia. ---------------- Não falo de mulher por acaso, a beleza e o elogio à beleza são hoje atitudes rebeldes. Nada parece mais revolucionário que amar a beleza e elogiar a mulher como ser mágico e encantado encantador. -------------------- Então encerro dizendo que elas ainda existem e ainda são lindas e que o eu de 13 anos, que as descobria e as amava como fossem elas mágicas, tem seu canto em meio a melodia da moça que passa ao caminho do mar. Pois a moça bonita e o mar, esses não mudam, não morrem e resistem. E eu, ainda aqui, e esperando viver pelo menos mais 20 anos, testemunho, alimento, insisto e faço presente o meu mundo vivo. E como diria o poeta maior: Bebete vão bora pois já tá na hora!

ANOS 90 HOJE? NÃO MAIS BB.

A década de 1990 foi divertida. Muito divertida. Os gérmens do politicamente correto já estavam lá, mas a gente não sabia disso. O que importava é que eram feitos, ainda, filmes como Dazed and Confused ou The Limey. Duas correntes corriam paralelas naquele tempo, uma delas era a do deprê gótico, mas ainda era um gótico que erguia a cabeça, que olhava nos olhos, que usava o estilo e não era usado por ele. A outra corrente era a da esperteza, feita de carros velozes, mulheres fatais e estradas cheias de pó. Essa corrente, muito americana, muito sexy, naufragou nos últimos dez anos. Foi extinta de tal maneira que hoje qualquer série de TV que mostre um cara fumando ou bebendo é considerada nostálgica. Filmes como os primeiros de Tarantino ou de Soderbergh se foram para sempre e bandas de rock se tornaram fofas. A impotência tornou-se comum. ------------ Ontem vi um post sobre a NASA. A NASA em 1960. Uma lousa imensa onde cinco cientistas fazem cálculos. Aquele era o computador que mandou os primeiros caras pro espaço: uma lousa. Fascinante né? Pois bem. Choveram comentários do tipo: cadê os negros? As mulheres foram exploradas! O que esses brancos machos sabiam? " HAVIA UM GRUPO DE MULHERES NEGRAS FAZENDO OS CÁLCULOS EM UMA SALA SECRETA" ( sim, uma mocinha disse isso ) ...... ----------------- Em outro post foram eleitos, por uma revista americana, os 10 maiores singles da história. Todos black music. Sem Beatles, Dylan ou Beach Boys, o que temos é Aretha, Otis, Marvin, Stevie Wonder, Beyoncé, James Brown, Outkast, Supremes, Prince, Whitney. Eu sempre defendi a beleza da black music, desde criança eu dizia aos meus amigos que Ray Charles tinha mais voz que Robert Plant, mas caramba!, o que está acontecendo? ------------------- Nos anos 90 havia ainda o bom humor de se poder dizer foda-se e uma série incorreta ao extremo como MARRIED WITH CHILDREN ia ao ar. Nessa série, um pai de família fracassado, vive seu dia a dia com uma esposa perua que nunca transa com ele, um filho virgem e uma filha idiota. O pai, Ed O'Neill em um daqueles momentos que definem uma era, ataca gordos, gays, mulheres, feministas, yuppies, vegetarianos, pacifistas, todos são alvo. Um de seus amigos é negro, então jamais acontece um ataque racial, mas fora isso a metralhadora verbal dispara sem cessar. O pai, Al Bundy, nunca é descrito como um tolo, ele é um cara que fracassou, amargo, desesperado, e com o qual nos sentimos parceiros de derrota. É um tempo onde ainda se podia rir com os republicanos e não se desumanizava sua existência. Os democratas ainda não haviam pirado, eram apenas os caras que davam as melhores festas. --------------------- Pensei tudo isso ouvindo Jon Spencer Blues Explosion, um tipo de rock muscular-macho-de estrada que nos anos 90 ameaçava fazer sucesso mas que nunca vingou. Quando o século virou o que deu certo foi o rock fofo tipo Coldplay ou a espécie de banda, muitas, engraçadinha, que reciclava os anos 80 sem o chique de 1981. Nunca mais houve um sex symbol rocker ( Casablancas? Ele era conhecido por quem? ), e em 2015 o estilo já não importava. Na corrida das duas tribos o que venceu foi o tristonho, o politicamente correto, o bonzinho. Eu não sei e não há como saber o que virá depois, mas acho que o espírito safado dos anos 90 nunca mais voltará. Estamos em 2023 e o século dos anos 90 já se foi a tempos. PS: Funk é safado? Não. Funk é apenas masturbação para gente que ama bandidagem ou pensa que ama. São corpos suados. Pornografia de desesperados. A safadeza de que falo possui cérebro, ela vê, ela observa, ela é cool. Pense em George Clooney até o ano 2000. Os anos 90 eram aquilo. Hoje não mais.

SOBRE CIGARROS E LIBERDADE ( VENDO FILME DE JACQUES BECKER )

Talvez voce não se recorde, mas um dos maiores prazeres na infancia é ver um homem fazer um trabalho bem feito. Recordo da alegria que era ficar o dia inteiro assistindo os pintores trabalharem em minha casa quando ela sofria uma reforma. Eu e meu irmão ficavamos atrás dos pintores vendo eles lixarem e passarem massa nas paredes, pintarem, limparem. Ainda hoje o cheiro de tinta látex me traz boa sensação. Na rua, quando um eletricista consertava algum poste, logo dezenas de crianças se juntavam para observar. Dos maiores prazeres era ver o técnico abrir a TV e revelar o mistério do aparelho cheio de tubos, lâmpadas e fios. Pois bem, assistindo a dois filmes de Jacques Becker, Le Trou e Grisbi, recordo esse deleite. E penso, o grande cinema nos faz recuperer esse prazer puro de olhar. Em Le Trou o que vemos é um grupo de presos escapar, ou tentar escapar, da prisão. O filme dura 3 horas e consegue não cansar mesmo sendo inteiramente feito dentro de uma prisão. Observamos barras sendo lixadas, buraco escavado, porta arrombada, tudo com tão grande detalhe e capricho que voltamos a ser a criança olhando um pintor a pintar. Em Grisbi, filme fetiche meu, o revejo vezes sem fim, vemos Jean Gabin viver sua meia idade. Um bandido que quer se aposentar. Ele come torradas com foie gras, bebe vinho, se veste, e esses são os grandes prazeres do filme, olhar Gabin viver. A câmera o focaliza 100% do tempo. Becker é um diretor sem limites, faz o que quer, se filmar Gabin lendo a lista telefônica conseguirá parecer interessante. ------------------ Mas é do cigarro que desejo falar. Gabin fuma Gitanes no taxi, na rua, no bar, no bordel, no restaurante. E penso, mais uma vez, que o mundo ficou bem chato a partir dos anos 90, quando deixamos que os fumantes se tornassem o primeiro grupo a ser perseguido pelos "bons". Todos sabiam que fumar dava câncer, mas essa era uma escolha indivudual e ninguém tinha nada a ver com isso. Então criou-se a história de que existia o fumante passivo e em seguida se fez a conta do quanto custa um câncer de pulmão. Pronto! o fumante era um pária. ------------------ Desde então foram criados centenas de párias, o fumante foi o primeiro. A partir dele tornou-se comum uma coisa que até então era impensável: obrigar um adulto a ser saudável. Mais ainda, vigiar esse adulto todo o tempo. Abriu-se um precedente. Consigo lembrar que dentro de seu carro, ambiente que era privado, meu pai podia dirigir sem cinto, colocar o braço para fora, me levar no colo, fumar. Era uma escolha de um adulto e caso houvesse um acidente ele pagaria por seu erro. Como adulto responsável ninguém se sentia no direito de invadir sua vida. Eu não era fumante e odiava bares e cinemas cheios de fumaça, mas jamais passara pela minha cabeça proibir que pessoas deixassem de viver sua escolha. Eu prefiro uma boate sem fumaça, mas abomino obrigar um fumante a fazer algo que ele não quer fazer. Não fumar. Penso que as pessoas foram abrindo mão de suas escolhas individuais pelo tal "bem de todos", e isso sempre pode ir longe demais. ------------------------ Democracia não é liberdade. Democracia é um acordo onde a minoria aceita obedecer a maioria. Liberdade é individualidade, é uma coisa diferente de democracia. Sociedade livre é aquela onde há democracia e liberdade individual. O cigarro acompanhou o mundo nas décadas mais livres de sua história, entre os anos de 1900 até 1990 ( com várias tiranias, eu sei, mas nunca antes houve tanta liberdade ). Temo que seu fim marque o fim do mundo de Jean Gabin.

MÚSICA ELETRÔNICA

Existem 3 tipos de o música eletrônica: aquela que assume sua artificialidade e faz um tipo de arte de robots ( Kraftwerk e afins ), a que faz o digital soar como intrumentos convencionais ( Pet Shop Boys e uma multidão sem fim ), e os que procuram unir os dois mundos, são gelados e artificiais, mas sem deixar de demonstrar emoção. No começo dos anos 80 o estilo Kraftwerk dava as cartas. Yazoo, o começo do Human League, Gary Numan, Soft Cell, todos tinham a frieza, a emoção contida, o distanciamento dos alemães. E a elegância sublime também. A partir de 1985 isso mudou. O techno se tornou muito POP. Pet Shop Boys e vasto etc desenvolveram um tipo de canção que unia o grude de Abba com a instrumentação do eletrônico. Esse estilo domina o POP até hoje. 90% do que se ouve em 2022 é POP eletrônico. Refrões comuns com fundo de baterias digitais. ------------- Nos anos 90 se desenvolveu um tipo de eletro que me fascinou muito. Ele tinha o melhor dos dois mundos, a frieza e a sonoridade do eletrônico mais robótico com a emoção do punk ou do rock visceral. Na receita entrava até psicodelia, progressivo, metal, blues, jazz, tudo que fosse bom. Essa foi parte grande de minha trilha sonora entre 1994-2002. Reescuto hoje alguns desses sons e o que sinto? Imensa decepção. Parece chato. Parece datado. Parece sem valor. Pior, não tem a emoção da saudade. Dá sono. --------------- Que discos foram esses? ------------- Moby. Sua delicadeza hoje parece apenas melancolia de nerd mal amado. É infantil. Sons que remetem a berçário. Três discos do Massive Attack: Blue Lines, Protection e Mezzanine. Não são nada ruins, claro. Bons discos. Mas não encontro mais o chique que parecia abundante. Têm hoje a cara de quarentões posando em festas entediantes. Tricky e seu disco Maxinquaye, disco que em 1995 alguns chamaram de "melhor disco da história" ( a crítica inglesa é sempre uma piada ). Pop normal, nada ousado. Okay, todo disco que um dia foi vanguarda depois de um tempo parece normal. Será? os discos arrojados de Miles Davis parecem hoje normais? .... Tricky é black music bem feita, bem gravada, com sons interessantes. Mas em 2022 parece igual a tudo que toca no rádio. Appollo Four Forty tem stop the rock que é legal porque usa riff do Status Quo. De resto serve pra fazer ginástica. Moloko, aquele cd que tem fun for me. Esse é bem ruim. Pretensioso. Metido à bacana. Um saco! Daft Punk com Homework. Este cd é bom. O fundo com sons de baixo à discoteque salva o disco. Boa trilha para tomar café e andar na rua. Na verdade, e Eno sempre soube, música eletrônica não é para ouvir, é para fazer algo. Stereo MCs com connected. Bem bom. O vocal é muito bom. Perto dos outros ele parece mais viril, mais malandro. Adamski, aquele cd que tem Seal cantando killer. Deus! É muito ruim! Ouço ainda dois Fatboy Slim, os dois que mais venderam. Como parecem hoje? Divertidos. E ao mesmo tempo, como todos os outros, têm momentos de chatice braba. Chemical Brothers com exit planet e dig your own hole...em 1997 pareciam tão modernos, tão surpreendentes. Hoje são apenas uma vaga lembrança de um doce que voce engoliu e esqueceu. Não é entediante não, é apenas inútil. Estranho eu usar essa palavra, mas parece inútil. É como um carro que não anda mais. E por fim Prodigy, os melhores da época. E ainda os melhores em 2022. Porque parecem punk e não eletro. A sonoridade "moderna" não diz mais nada, mas os vocais e a atitude ainda são impressionantes. Junto à Stereo MCs, são os únicos que parecem ter tripas guts, e por isso respiram, chutam e pulam, ainda. ---------------------- Ouvi Autobahn do Kraftwerk também. Beach Boys misturado à rock alemão. É outro mundo, é o mundo onde apenas o Kraftwerk existe. Incomparável.

NINE INCH NAILS - THE DOWNWARD SPIRAL

Em 1994 o rock ainda conseguia nos surpreender. Beck e Loser, Sonic Youth, Massive Attack, Portishead, ainda brotavam timbres estranhos, misturas novas, o RAP parecia insaciável engolindo jazz, soul, blues. Havia bombons deliciosos como Spin Doctors e os Hanson, Supergrass e Blur. E talvez o mais radical fosse Trent Reznor com os Inch Nails. Reescuto hoje e ele continua quase insuportável. -------------- Ele fez algo impensável até então. Música eletrônica tinha dois estilos: ou era chique e moderninha, tipo Human League e Depeche Mode, ou era gelada e inumana, como Kraftwerk e Visage. Trent Reznor sujou o eletrônico. O desespero já habitava os teclados desde Suicide e Cabaret Voltaire, mas ele encheu o som de lixo, de ruídos que incomodavam, de erros propositais, peso asfixiante. O que ele fez foi aproximar a música eletrônica do mais violento hardcore. Isso só poderia ter ocorrido nos USA, pois na Inglaterra já pairava a sombra da passividade absoluta sobre o rock de então e do seu futuro. Nos USA ainda se acreditava em dentes sujos e notas desarmônicas. -------------- O disco é a história da destruição de uma mente perversa. É um dos mais deprimentes discos já gravados. Bowie, na época em busca da inspiração que jamais retornou ( Bowie sempre foi um ladrão. Em 1972 roubou Marc Bolan e Lou Reed, em 1975 roubou o som da Philadelphia, em 1977 roubou o som de Eno e Robert Fripp, em 1983 Nile Rogers e depois mais nada deu certo ), Bowie em 1994 flertou este som e passou mais de década nessa tentativa. Mas este som, que hoje parece antigo mas nunca velho, é só de Trent e de mais ninguém. -------------- Ouvir este disco em seu tempo era ter a certeza de ouvir o som do futuro ( todos os citados acima pareciam ser o som do futuro ). Mas esse futuro não foi e não é dele. Estranhamente o rock se prendeu a fórmulas que encerraram sua comunicação com os jovens mais espertos. Virou música de deprimidos e de saudosistas. 1999 foi seu último ano. O século XXI não é seu século. ------------- Mais que um disco, este é um epitáfio de todo um gênero musical e de um modo de vida.

SCREAMADELICA - PRIMAL SCREAM

Anos atrás, em um momento de caixa baixa, vendi meu vinil de Screamadelica. Consigo o cd e ouvi ontem. Fazia mais de década que não o ouvia inteiro. Claro que é bom, mas não é um disco normal, é na verdade uma coleção de remixes, por isso o fato de ser um album com cara de greatest hits. Para os ingleses é um dos 10 maiores discos dos anos 90, para os americanos ele nem existe. É antiga essa diferença entre EUA e UK. Tudo que é americano vende muito bem na Ilha, até mesmo Willie Nelson e Garth Brooks. Já americanos deixam de consumir verdadeiras joias do rock inglês. Isso desde 1964. Posso citar Status Quo, Gary Glitter, Gentle Giant, Small Faces, The Jam, Happy Mondays, como exemplo de gente que é hiper estrela em UK e mal chegam aos 100 primeiros postos na Billboard. Há também aqueles que são razoáveis nos USA, mas que na Ilha são smash hits: Kinks, Traffic, T.Rex, Roxy Music, Smiths, Style Council, Ultravox, Blur, são todos BIG na Inglaterra e medianos em vendas nos USA. ------------- Na onda baggy de 1988-1992, Stone Roses, Happy Mondays e Primal Scream eram os maiorias e nenhum estourou nos EUA. O movimento do clube Hacienda em Manchester nem passou perto de se tornar popular na América. Em 88 a Billboard descobria o RAP e o eletro de Detroit e em 92 era a vez do grunge. Nesse meio tempo houve o estouro dos Red Hot e o fenômeno Metallica. Não havia espaço para o rock viajante dos Primal Scream. Screamadelica é psicodélico até a medula, e como disse em outro post, os anos 90 inauguraram o saudosismo como fenômeno hype. Pela primeira vez escutar coisas velhas era cool. Doors e Love, Hendrix e Cream, todos deixaram o mofo para trás. Cabelos longos, sons meio prog meio hard rock, guitarras, blusas coloridas, valia reciclar tudo. O Primal Scream reciclava um album antigo apenas: Beggars Banquet dos Rolling Stones. Screamadelica inteiro tem acordes de piano chupados de Sympathy for The Devil. Nicky Hopkins é o dono dos acordes originais. Jimmy Miller produziu o Beggars Banquet e surpresa! Foi Jimmy quem produziu algumas das faixas daqui. A guitarra, presente em vários momentos, sempre bem vinda, repete também os acordes keithrichardianos de Sympathy for The Devil. Não, nada de plágio!!!! Primal Scream usa influências, assume esse ato, e as rejuvenesce com batidas de acid house. Acontece então um fenômeno que se repetiu por toda a década de 90: O passado casado com o presente, o rock dos anos 60 e 70 recauchutado. O Nirvana usou um hit do Boston para estourar mundialmente, riffs do Black Sabbath fizeram a vida de metade dos grupos de Seattle e o Led Zeppelin parecia ser, outra vez, o maior grupo de rock do universo. Grandes anos 90! Beck misturou RAP com John Fogerty, STP era Led Zeppelin com Beatles e Janes Addiction citava toda uma discografia em apenas quatro minutos de som. Pode-se dizer que foi uma década onde toda coleção de discos era usada todo o tempo em todo disco. Os anos 90 foram o paraíso para quem tinha conhecimento nerd de rock. ( Todos os grandes rock stars da época foram grandes colecionadores ). --------------------- O rock viveu momentos brilhantes. 1968-1972....1978-1982....1988-1993....talvez 1997-2002. E então o fim. O rock perde o posto de protagonismo e se torna apenas mais um gênero. Bandas sempre haverão, mas nunca mais haverá um rock star como "maior estrela do mundo". Esse posto é, faz vinte anos já, do RAP, do POP, do R and B, do cinema. Screamadelica é um disco que nos faz viajar de volta a seu tempo, é uma capsula temporal. Atemporal? Em tempos virtuais, tudo é atemporal e nada parece eterno. Falar em atemporalidade na arte hoje é absurdo. O fato de eu estar falando deles para voce AGORA faz deste disco atemporal. E é um prazer poder o escutar.

OASIS

Reouvir o primeiro disco do Oasis após mais de 20 anos sem o escutar. Após ler uma crítica atual de uma revista inglesa. Ela o coloca nas alturas, o chama de "o último disco de rock que vale a pena". Fala que ele tem algo de muito raro nos dias de hoje: é confiante. Viril. Profundamente feliz. ------------------ A minha geração ficou irritada com o Oasis pelo excesso de elogios e por que nós achávamos que outras bandas mereciam mais tanto sucesso. Oasis passou a ser a banda que muita gente torcia para seu fracasso. Quando eles afundaram em brigas e discos ruins, nós adoramos. Podíamos falar: Eu sabia que eles eram fake. ------------ Não eram. Após quase trinta anos, e tantas bandas ruins, dá pra dizer que eles eram reais. Rock n Roll na alma. E pasmem: nada Beatles. ----------------- O trio de canções que abre o primeiro disco é das melhores sequencias de músicas que abrem qualquer disco de estreia. Poucos LPs de começo de carreira possuem uma abertura tão poderosa. E a palavra é essa: Oasis era potente. O som é cheio, forte, barulhento, gordo, cheio, excessivo, viril. É uma banda que tem um pau. Chegam chegando. Liam ainda não era tão maneiroso, a voz ainda não parecia tão cliché dele mesmo, e a guitarra de Noel é incisiva. Steve Marriot encontra Mick Ronson. Aliás, neste disco, a influência da primeira fase de David Bowie é muito maior que qualquer outra. Em vários momentos sentimos o amor de Noel a músicas como Suffragette City ou Hang on To Yourself. Kinks, Beatles, Small Faces, Pretty Things, a espinha dorsal do rock inglês está toda aqui, mas são os 4 primeiros discos de Bowie que dão o tom. Lançado em 1994, em meio a deprê do som de Seattle, este disco convidava a mandar tudo à merda e sair para beber. Foi um alívio. Nunca mais eles seriam tão felizes. ------------------ Bandas que fazem sucesso no seu primeiro disco são sempre vistas com desconfiança. As pessoas tendem a achar que houve favorecimento ou sorte. Elas destroem o mito da banda que sofreu e teve que lutar para finalmente aparecer. Bandas assim, felizes, atraem um monte de gente que deseja seu desastre. O Oasis, como o Guns and Roses, foi profundamente odiado por isso. Tudo deu certo para eles. Então deveriam pagar um preço. E pagaram. -------------- O segundo disco ainda seria um marco. Um colosso de criação de Noel. Mas depois, o buraco. Queda tão abrupta como aquela dos Doors ( outra banda que fez sucesso logo no começo ), brigas tão embaraçosas como as dos Beatles. Não era para durar. Ouvir este disco em 2021 é uma surpresa. Experimente.

MALCOLM MCLAREN - PARIS

No começo dos anos 90, ser chique era escutar coisas como Galliano, Incognito, Brand New Heavies, Swing Out Sister e principalmente Soul II Soul. Chamavam de acid jazz ou de new jazz, mas de jazz tinha nada e de acid pouco se sabe. Eu ouvia muito. Era minha praia. Uma doce mistura de soul music tipo Cutis Mayfield com rap e Barry White. Tudo com um banho de teclados moderninhos e baterias digitais. PARIS de Malcolm McLaren é o disco em que o "famoso por ser famoso" tenta se dar bem no estilo ultra plus chic. Se deu mal. O disco não vendeu e a crítica ignorou. ------- São duas horas de som. CD duplo. Duas absurdas, pretensiosas, longas horas. As letras são primárias. Mas servem pra uma coisa: nos lembrar de como todos nós eramos tolos em 1988 ou no caso, 1994. ------------ Mc Laren narra sobre as músicas. Ele conta, em seu modo mais narcisistico, sua vida em relação a Paris. Desde sua meninice, em que ele já sonhava com a cidade, até os anos 90, em que ele anda pelas ruas e se sente feliz. A tolice nasce desse amor bobo. Paris descrita como a cidade dos filósofos, Beauvoir, Grecco, BB, jazz etc etc etc. Chavões. Clichés. O pior dos anos 80: citar nomes como se fossem um tipo de reza. Exalar erudição de bula. McLaren não esquece nem de exaltar a sua roupa preta. So What? ---------- Ele ama Paris porque ele se vê nela. Nos anos 80 todo cara chique era assim. A gente era pretensioso pacas. E tinha a certeza de ser especial. Só porque, como faz McLaren, conhecermos Cocteau e Satie. ------------ Por outro lado: o som é bom. A música é uma soul music interessante e gostosa. Macia e suave. Mas, QUE COISA, a voz de Malcolm incomoda. Para narrar histórias e sentimentos sobre uma base sonora, o cara precisa ter uma voz sugestiva. Ser um Lou Reed, um Leonard Cohen, um Paolo Conte. A voz deve conter autoridade, história e ser instigante. De preferência timbre grave, rouco, potente. Pois bem, a voz de Malcolm parece a de um pato sem vitaminas. É fraca, é juvenil, é boba. Soa como a voz de uma pessoa burra. Isso é imperdoável. ----------------------------- Malcolm McLaren foi um dos primeiros caras a ser famoso por ser famoso. Ele era um empresário atrapalhado, um dono de loja sem função e depois um músico sem música. DUCK ROCK de 1982 foi um grande disco. Ele teve a esperteza de usar RAP e música africana antes de virarem mainstream. Depois não fez mais nada de valor real. ( Não vou falar do modo como ele fodeu os Sex Pistols....voce já sabe disso não é? ). ------------ Dos vários pecados de PARIS, este disco, a pior é botar numa faixa o nome de MILES DAVIS e ouvirmos um trompete que soa como....Clifford Brown. Miles tocando hot e não cool é como Bowie cantando RAP. Nada a ver. Qual a intenção? O solo é o mais anti Miles possível. Há mais, uma faixa chamada Satie que tem um monte de som. E Catherine Deneuve narrando uma coisa qualquer. A versão de Je Taime, do Serge é medíocre. Aliás, eis um cara com voz interessante: Gainsbourg. ------ Mesmo assim o disco é divertido. Dá pra ouvir comendo morangos. Bebendo Pastis. Carregando uma baguete no sovaco. Moral da história: SEMPRE DESCONFIE DE UM INGLÊS QUE DIZ AMAR A FRANÇA.

eu não gosto desta banda, mas eu gosto muito deste disco. A gente tem de falar sobre Achtung Baby, do U2, um dos cinco grandes discos da última grande década

Em 1991 nem o U2 aguentava mais o U2. Durante toda a década de 80 eles foram onipresentes. Com seus hinos simplórios, sua batida marcial, sua mensagem tão irlandesa. Não houve banda maior naquele tempo. Os anos 80 tiveram MJ e Madonna, Prince e Bruce Springsteen. Mas entre as bandas, nascidas na década, o U2 reinou sozinho. Bon Jovi e Duran Duran, Inxs e REM, ninguém chegava perto deles em sucesso. Eu os odiava. Eles tinham aquele ranço de bom mocismo, de consciência social que me enchia o saco. Pior lado da Irlanda: essa mania de se achar um monge pregador. Bono era patético. Mas em 1991, o próprio Bono estava farto de ser Bono. E fizeram aquilo que Bowie fizera quando se enjoara de ser Ziggy: foram para Berlin com Brian Eno. E lá se reinventaram. No mítico estúdio Hansa, onde Iggy gravou The Idiot e Bowie gravou Low e Heroes, Eno mostrou para o grupo seu modo de ver a música. Sons como "estratégia do acaso", timbres mais importantes que harmonias, ritmo quebrado, e acima de tudo, uma filosofia em que nada é tão sério. Brian Eno lhes deu aquilo que antes ele dera ao Roxy, ao Devo, aos Talking Heads, ao Ultravox: Ironia. O U2 que emerge dos Hansa Estúdios é muito mais complicado, enigmático, indefinido. A mais óbvia das bandas lança, aos 12 anos de carreira, um disco de extrema coragem, que deixa os fãs aturdidos e a crítica surpresa. Achtung vende 13 milhões de cds. Após a surpresa inicial, o mundo aceita. Em 1992, é o grande disco de um grande ano. Foi das muito raras vezes em que uma banda estabelecida se reinventa. Mais raro ainda: deu certo. Quando ouvi a primeira vez, na época, fiquei embasbacado. Era tão atual quanto Happy Mondays ou Stone Roses, melhor ainda, lembrava o Pop Will Eat Itself, minha banda favorita de então. Parecia tão jovem quanto Primal Scream ou Pixies. Fora One, uma balada insuportável, todo o disco balançava. Tinha cor, tinha ruído, era mixado com engenho ( The Flood ), tinha uma capa linda, clips fabulosos, e de repente entendi o milagre : O U2 PARECIA SEXY! Foi o que mais senti: a banda descobrira o sexo. Leio na net que em 2020 ele tem status de clássico. Um dos discos chave de anos brilhantes.

DRACULA DE BRAM STOKER, O FILME DE COPPOLLA. E AINDA HENRY MILLER.

     Ando indicando filmes para uma menina de 22 anos. Ela me pediu uma lista de filmes dos anos 90, década de seu filme favorito, Pulp Fiction. Errei feio ao indicar Henry e June. Ela odiou profundamente. Eu não via o filme de Philip Kauffman a uns 15 anos e me surpreendi com sua tola pretensão. É pedante. É aquele tipo de filme que vende "os bons tempos da arte em 1936". Henry Miller morreu. Nos anos 80 todo mundo lia Miller. Fazia parte. Ler Miller, assim como Bukowski, Anais, Jack Kerouac, Ginsberg, era "de lei". Era tão óbvio entre os bacanas que virou clichê. Com muito sacrifício eu li Tropico de Câncer. Achei fake. Estou errado? Talvez. Paul Bowles é o Miller mais profundo. Lawrence Durrell também. As cenas de sexo em Henry e June são broxantes. Fred Ward não faz Henry Miller. Parece um Humphrey Bogart infantil. O filme tem Uma Thurman e Maria de Medeiros, duas Pulp Fictioners. Tarantino as escolheu aqui?
   Dracula eu vi duas vezes. Em 1994 e depois em 1998. Nunca mais. Seria outro erro? Coloco o DVD. Cores vermelhas e guerra na Romenia. O conde perde sua noive e amaldiçoa a igreja. Já no século XIX, Keanu Reeves vai vender terras na Transilvânia. Gary Oldman o espera. Hoje todos aqueles efeitos de imagem são clichê. Na época eu fiquei abobado. Trem que passa sobre a tela enquanto se escreve uma carta. Três rostos que se fundem em um. Lobos que correm como sombra. A riqueza barroca das imagens era uma novidade. Era sedução pura.
   Mas, e em 2020? O que senti? Visceralmente eu grudo os olhos na terra e sinto: Eis uma narração perfeita. O ritmo e as falas. Nos primeiros trinta minutos é uma aula de cinema. Londres e Drácula, vitorianismo e inferno, beleza e horror, tudo em equilíbrio. Acima de tudo, a beleza. O senso de imagem que vem de alguém que conhece o cinema mudo. Sim, em 2020 os primeiros trinta minutos são ainda melhores do que minha memória lembrava.
   Então Gary Oldman passeia por Londres. É um papel muito difícil. Pois facilmente pode cair no ridículo. Ele tem de ser feio e sexy. Hiper romântico e jamais bobo. Teatral sem ser grotesco. E Gary consegue. Sua atuação é brilhante. Controlado. O tempo todo controlado. Winona era a estrela da época e ela não fede nem cheira. Podia ser muito melhor. Mas não compromete. Após seus primeiros 30 minutos, em Londres, o filme se torna menos sensacional. Continua interessante.
   E vem Anthony Hopkins como Van Helsing. No auge da fama de "maior ator do mundo", Hopkins pega o filme e tenta transformar no "Anthony Hopkins show". O filme desaba. É como se ele estivesse no filme errado. Seu rosto e gestos exalam vaidade. Ele se exibe. Ele exagera. Ele destrói todas as cenas. Dracula passa a ser dois filmes: O maravilhoso filme de Gary Oldman, e a comédia barata de Hopkins. Queremos que Dracula vença.
   O final é de um romantismo que resgata o romance. Dracula é um filme sobre o amor que vence o tempo. E ele se redime. É um grande filme que ainda me emociona. Muito.
   Nele está a raiz de uma incontável procissão de produtos culturais. A geração da menina de 22 anos cresceu revendo este filme sem nunca o ter visto. Ela adorou.

UM FILME RELEMBRANDO UM PASSADO QUE NUNCA HOUVE

   Pra muita gente nos EUA, o melhor filme de Richard Linklater é ainda o primeiro que ele dirigiu, este DAZED AND CONFUSED. Eu o vi pela primeira vez em 1998, na TV. Me causou espanto um filme tão despojado conseguir me seduzir. O tema é simples ao extremo, fala do último dia de aula de um grupo de alunos em 1976. Mas, ao contrário do que se espera, não é mais um filme piada, sobre jovens tarados ou nerds azarados. Ele procura ser "vida real". Não é engraçado, mas também não é drama.
  Revi este filme mais duas vezes já neste século. Sempre gostei. Muito. E ontem, mais uma vez, visitei aquele grupo de jovens. Estranho eu nunca ter notado o que notei ontem...
  O filme se passa no dia 28 de maio de 1976. A trilha sonora, excelente, tem Foghat, Alice Cooper, War, Dr. John, Kiss, Aerosmith ( era a nova banda do momento ) e um soberbo etc. As roupas são corretas: jeans muito justos com bocas muito largas, camisetas curtas, cabelos sem corte. Os carros estão lá: Fords e Chevys imensos. Mas...NÃO É UM FILME SOBRE 1976. É UM FILME SOBRE OS ANOS 90. Assim como o último filme de Tarantino se passa em 1968, mas fala sobre 2019, este filme de Linklater, visto hoje, nos dá saudade de 1995 e nos transporta ao dia 26 de maio de....1996.
  Quando ele começa eu logo penso: Não estou gostando mais deste filme...1976 não era assim...não havia tanta maconha...as pessoas não eram tão politicamente corretas....as gírias eram outras...e esses atores são velhos demais para esses papeis!!!
  Sinto um certo desconforto. Tudo parece fake. Isso dura cerca de 15 minutos, mas então a poesia seca do filme reaparece, e eu volto a gostar do que vejo. O filme é tão banal, tão simples, tão sincero, que não há como não se deixar pegar. Mas um novo ponto de vista se instaura: Por mais que Linklater queira falar sobre 1976, ele está nos anos 90. Não há como situar-se lá outra vez. E se vemos filmes realmente feitos em 76 vemos que nada se parece com Dazed and Confused. Há aqui a consciência de se estar em 90. Olha-se para 76 com um carinho que em 1976 não havia. Peter Frampton era brega. Era odiado. Hoje ele é cool.
  O filme é bom. É ótimo. É o American Graffitti da sua época. Os caras bebem cerveja. Beijam. Andam de carro. E fumam maconha. Ben Affleck, Mila Jovovich, Parker Posey aparecem no filme. Mas quem o rouba é Mathew McConaughey. Voce ouve ele falar "All Right", é basicamente sua única fala, e sente que uma estrela nasce ali. Ele faz o papel do cara que largou a escola pra trabalhar. Mega cool, é um texano que jamais fica nervoso e nunca tem pressa. Vence no bilhar e ganha as meninas. Mas parece não estar nem aí pra nada.
  Os anos 90 foram uma tentativa, feita por uma geração nascida entre 1962-1972, de reviver a década de 70. Tanto o rock de Seattle, como as bandas inglesas tipo Supergrass ou Blur, procuravam recuperar aquilo que eles imaginavam ter sido a década do hedonismo. Filmes de caras como Soderberg ou Tarantino bebiam na fonte do cinema B de 1971. Revisto ou escutado hoje, nada dos anos 90 lembra os anos 70. Nem mesmo o Aerosmith de 1998 se parece com o Aerosmith de 1978.
  Dazed and Confused é uma das mais bonitas tentativas de dar vida a um tempo que só existiu na imaginação saudosista. Os anos 70 são Tony Manero entrando numa disco. E se esse personagem de John Travolta for visto como cômico ou heroico...bem...é sinal de que a coisa se perdeu.

UM GRANDE DISCO: PARKLIFE - BLUR

   Lançado em 1994, no auge do britpop, este terceiro disco do Blur é melhor que o mais famoso What's The Story dos rivais plebeus do Oasis. Não que o disco do irmãos desunidos seja fraco, ele é histórico. Mas Parklife é muito mais aventuroso.
  Muito se disse na época que a crítica inglesa, sempre sensacionalista, queria forçar um embate tipo Stones x Beatles, entre as bandas de Londres e de Manchester. Mas, assim como nunca houve uma rivalidade entre Jagger e Lennon, os rivais dos Beatles eram todos americanos, a rivalidade entre Blur e Oasis sempre soou artificial. Os rivais dos Gallagher eram eles mesmos. E a referência do Blur nunca foram os Stones, eram os Kinks, o Yardbirds na fase Jeff Beck e Bowie.
  Parklife começa com dance music muito boa e termina com colagens à la Lodger de David Bowie. Suas melhores faixas são comentários sociais carinhosos ao modo Ray Davies, e a obra-prima Village Green sempre paira no horizonte de Damon Albarn.
  Albarn é o mais esperto dos caras de sua geração, e seu gosto é sempre exemplar. Blur transpira informação, e em que pese sua voz ruim, a gente se acostuma até com ela e acaba aceitando. O disco, caleidoscópio vermelho e azul, jamais poderia ser aceito nos EUA. É inglês, tão chá com leite como The Fall ou Pulp. E os Kinks pós 1966.
  O britpop nunca existiu. Era apenas um rótulo feito para vender como novo algo que era continuação tradicionalista. Oasis, Pulp, Verve e que tais eram apenas a manutenção do bom e velho rock inglês guitarreiro. Um bando de garotos nascidos no auge do pop que, como eu, souberam endeusar a música feita durante sua estadia no berço. Depois, aos 14-16 anos, viram o segundo auge inglês entre 77-83, com Bowie, Clash e The Jam e o resto é o resto.
  Se voce quiser ter em sua coleção só cinco discos desse tal brit, Parklife deve ser o primeiro a ser comprado. Depois pegue o Oasis de praxe, um Pulp e complete com o primeiro do Elastica. Tá feito.
  PS: Não, Primal Scream não é britpop. Mas são os Stones da coisa.

CAPITÃO FANTÁSTICO E OS HIPPIES DOS ANOS 90.

   Os hippies dos anos 60 eram drogados. E acreditavam na união. Tudo para eles era em grupo. Pensavam estar mudando o mundo. E mudaram. Talvez para pior.
  Os filhos desses hippies foram os materialistas dos anos 80. Eu fui um deles. Negaram os pais sendo realistas. Os anti românticos. Ciência, grana e pó.
  Nos anos 90 os irmãos mais novos dos caras dos anos 80 reabilitaram os hippies. Mas eram hippies pouco românticos. Estranhamente eram individualistas. No lugar de comunidades hippies, queriam seguir sozinhos pela estrada. As drogas não existiam como possibilidade de crescimento, mas sim como prazer. Os hippies queriam um mundo novo. Os caras dos anos 90 queriam um mundo melhor. Preservar e não destruir. Reciclar.
  Hippies originais plantavam e eram pacifistas. Os novos hippies caçavam e tinham uma postura de briga. As batas indianas substituídas por roupas camufladas.
  Este filme, bastante ruim, fala desses hippies. Um pai, que pensa ser liberal, e que na verdade é um ditador, cria seus filhos no mato. O filme fica em cima do muro. Não tem a coragem de o ridicularizar. Tenta agradar. Se torna ridículo.
  São hippies que trocaram flores por facas, Walt Whitman por Noam Chomsky, anarquismo por maoísmo. Eles passam o tempo lendo, lendo e lendo. Depois caçam e tocam violão. E roubam. Claro. Estão a um passo do terrorismo. E o filme, fofo, evita mostrar isso. É doente.
  Lixo.
  Me decepciona ver que há gente boba o bastante para levar tamanha porcaria a sério.

STRAIGHT OUTTA COMPTON, O MELHOR FILME DO "OSCAR 2016"

   Agora entendo a ira dos negros. Este filme é muito mais relevante, interessante e divertido que qualquer outro filme do Oscar. ( Ok, Mad Max é mais divertido e filosófico ). O diretor F. Gary Gray dirige de forma quadrada, não inventa nada, e nem precisa: a história é muito boa. É a história da última grande revolução da música, uma revolução tão grande que ainda hoje, 30 anos depois, os mais conservadores ainda têm dificuldade em chamar de "música" aquilo que é ritmo com poesia, a mais visceral das músicas.
  Lembro bem do NWA. Li uma matéria irada na Rolling Stone gringa, em 1989. O autor, num canto de página, chamava atenção para a revolução do gueto. Fogo e ira em shows. Como não se via desde....nunca. O RAP se firmara em 1985, RUN DMC, Beastie Boys, Public Enemy. Depois LL COOL J, Fat Boys, EricB e Hakim. Eu estava lá e vi tudo. Roqueiros odiavam rap. Odiavam muito. Achavam fácil de fazer ( nunca conseguiram fazer igual ). Falavam tudo aquilo que seus pais haviam falado sobre o rock 30 anos antes. Não percebiam que eles estavam muito, muito velhos, e pior, inofensivos. O rap os ofendia por jogar sua bunda molice em sua cara. Entre 1985-1995 nada no mundo era mais vivo, jovem, influente e interessante que o rap. E o NWA, dentro do rap, foi a mais odiada das bandas.
  O mundo mudou com eles. Você que tem menos de 40 anos não sabe disso. Mas o mundo antes do hip hop era outro. Cabelos, roupas, modo de falar, a cultura DJ, mix, modo de se mover, dança, cinema, graffitti, a fala, tudo foi mudado por eles. Do tênis que você usa, do modo como você dança, a camiseta que você veste, o jeito como se produz um disco, as letras, o sotaque do inglês de rua, cortes de cabelo, e principalmente, o modo agressivo e intrusivo como os negros aprenderam a se afirmar. O rap anunciou Obama, mas também abriu caminho para Chris Rock e Will Smith.
   O NWA inventou a mais odiada forma de rap, o gangsta. Dr, Dre, um gênio musical, com Ice Cube, Eazy E e REN, criou o som em 1987. Era pra dar tudo errado. Na era Reagan, eles falavam em matar a policia e no orgulho em ser traficante, gigolô e ladrão. ( Sim, eles abriram caminho para o funk brasileiro ). Afirmavam ter um pênis maior, armas maiores e mulheres mais gostosas. Esse discurso, amoral, e muito verdadeiro, eles se diziam jornalistas, caiu feito bomba no meio musical. Ice Cube disse que eles nada elogiavam, apenas diziam o que todo mundo falava. Os brancos é que não sabiam disso. Essa a verdade. O gangsta quando chegou no Brasil virou funk. O funk não faz o crime maior. Ele o traz para os holofotes.
  Em termos musicais DR. Dre tem um bom gosto impressionante. Ele une batidas de George Clinton com acordes de Disco Music. Isso é arte. Tanto como Duchamp ou Mondrian. Ele pega o detalhe ínfimo e lhe dá relevância e estatuto de museu. Muda o que entendemos por "músico". Um bom DJ é muito melhor que um bom guitarrista. Os dois repetem fórmulas. Mas o DJ é muito mais livre e aberto. ( Falo dos bons DJs. Existem os enganadores. Como existem os guitarristas banais ).
  Drogas, muito sexo, muita policia, grana, brigas. O filme flui. O elenco dá conta. O ator que faz Eazy E. domina o filme. Ele é excelente. Pra finalizar:
  Perto deste filme, que nada tem de genial, aviso, o filme do caçador, o filme do padre e o filme do menino nada têm a dizer. São pálidos. Se você quer ver um filme que faça diferença, este é o filme.

SÉRIES DE TV: MASH E SEINFELD, AS DUAS MAIS ICÔNICAS

   Mash. Lembro de quando eu tinha uns 12 anos. Ela era exibida na TV Bandeirantes. Sábado, dez da noite. Nunca fez sucesso aqui. Eu nunca assisti. Comprei um box agora. Comento.
   Para quem não sabe, MASH tem o recorde de audiência da TV americana ( se não considerarmos os jogos do futebol americano ). O último episódio, em 1983, bateu esse recorde. Ela começou em 1972 e logo estourou. Baseada no filme de Robert Altman, temos os mesmos personagens no mesmo ambiente. Um centro médico na guerra da Coréia. No lugar de Donald Sutherland entra Alan Alda, e no posto de Elliot Gould vem Wayne Rogers. Funciona. O humor continua amargo, niilista, atirando pra todo lado. Penso que esse humor seria impossível hoje. Não porque não se faça crítica, mas hoje a destruição tem um alvo. Aqui não há alvo. Se atira. E se destrói. Me surpreendo notando que a série de TV tem mais ligação com os Irmãos Marx. Hawkeye fala como Groucho. Passam o tempo bebendo, transando e afrontando a ordem militar. São hippies médicos. Às vezes a coisa fica bem triste. Uma série que caiu como uma luva nos anos 70.
   Assim como Seinfeld é a cara dos anos 90. Nada faz o menor sentido. Ou faz sentido demais....Há uma lógica dentro dessa loucura e a sacada de Jerry Seinfeld e de Larry David é levar o roteiro até seu fim lógico. Se uma bola é arremessada, vamos acompanha-la até ela parar. O modo como se arquiteta tudo é uma aula de escrita: cada história corre paralela a outra e ao fim todas trombam numa coda musical. Jerry não atua, observa e comenta; Kramer é genial, um clown assustador; Elaine é a amiga doida que todo mundo precisa e Jason Alexander faz o mais infame e ridículo dos amigos. A mistura funciona. São tão pouco charmosos que ficamos intrigados. Não fosse tão inspirada seria um desastre.
  Nas famosas listas de melhores da TV eu já vi Seinfeld ganhar como a melhor de todos os tempos. Já vi MASH vencer. E na última que vi Seinfeld era a segunda melhor e MASH a terceira. ( Venceu BREAKING BAD...deve cair com o tempo...).
  Em termos de humor, são os ícones.

RITUAL DE LO HABITUAL- JANE`S ADDICTION

O povo dos anos 80 levou Bowie e Ferry ao limite do pastiche e tudo ficou tão cool que nada mais podia ser cool. O cool virou fake. Todo mundo em 1985 com cara de Bryan, terninhos de David e pensando no 1958 style. 
Mas em Venice, Califórnia, essa frescura nunca deu.  Os caras ignoraram toda essa bobagem e continuaram com Jay Adams ( Voces precisam ver o filme sobre os Z ). Tinha lá o The X. E um filme como Breathless, do Jim MacBride, mostrava que nem tudo estava perdido. E fermentou. De repente essa turma 1985/1987 tava no lixo. No lugar do keyboard era a vez de um baixo estilingado. E as ruas voltaram a zunir. E as cores retornaram. O povo saiu do quarto e foi pra rua e pra praia.
Ritual de Lo Habitual é um dos hinos desse tempo. Desse último renascimento antes do tudo grátis do download que tirou o valor de tudo. Perry e Dave apareceram como dois ogros em 87. Nothings Shocked que eu comprei em 89 avisava mas ninguém levou a sério. Com Ritual eles tomaram o cetro. E o que hoje é banal ( tattoos e piercings, dreads e ganja, latinidad e perigo ) foi colocado no centro da coisa. Adeus paletós Armani. Adeus topetes e sapatos. Agora era todo mundo pelado. 1990. Bom tempo para se ter 18 anos! Revistas, zines, clips, bermudas e esportes. Foi aí que a moda foi tomada pelos esportes 4 ever. Surf, skate, esqui, basquete, futebol.
O disco é um testemunho. É som de malocagem. De molequeiro. Guitarra hendrixiana e bateria marleyense. E a voz de tomado, de duende daimon de Perry. O Lolla viria a seguir. Perry mudou o rock pra melhor. Depois a deprê da bundice voltaria. Mas enquanto o bruxo perryano deu as cartas a coisa foi foda.
Ritual é bom pacas.

VINTE ANOS DE PULP FICTION ( SIM, VI O PÂNICO ONTEM )

   Eu não sei se Pulp Fiction é o melhor filme dos últimos vinte anos, o que sei é que nenhum outro filme me deu tanto prazer.
 Lembro bem de quando o vi pela primeira vez. Foi em maio de 1995. Uma amiga me emprestou o filme e a trilha sonora. O impacto foi tão grande que me apaixonei por ela. Sim, pela menina. Desde a primeira cena até a última eu gozei um prazer que misturava esteticismo, humor, citações e amor ao cinema. Seus atores nunca mais foram os mesmos. Travolta, Jackson, Uma, Keitel, todos se tornaram ícones de um filme que passou a simbolizar uma geração, a minha. ( Bruce Willis passou ileso. De certo modo ele já era desde sempre o cara que fala "Zed is Dead")
 Diálogos do filme eram repetidos entre amigos, as músicas tocavam em festas, e assisti o filme 3 dias seguidos. Sempre com prazer. Cada vez maior. 
 Não sei se ele é o melhor porque me lembro de A Grande Beleza, Branca de Neve, os filmes dos irmãos Coen, me lembro de Todd Haynes, de Resnais, Cidade de Deus, e mesmo de Kill Bill. Mas eu tenho a certeza que já há quem olhe para o Oscar de 1995 e pense: O que???? Coração Valente venceu Tarantino? Ele é o nosso Citizen Kane.
 Porque tudo nele foi uma zebra. Ele passou em Cannes e causou espanto. Surpresa. Era um filme independente. Tarantino abriu caminho para uma onda de filmes jovens com ideias jovens. Onda que logo virou marola, mas que teve méritos enquanto durou. Produtores jogaram grana na mão de uma galera esperta na esperança de ter um novo Tarantino em produção. Nunca surgiu. Mas foi legal pacas.
 1994 foi um momento de TRANSIÇÃO no cinema. Antes de Matrix e antes dos X Men. Não havia a onda Marvel e nem a onda de efeitos exagerados. Um filme barato ainda podia render muita, muita grana. E Pulp Fiction ficou meses em cartaz. Não nos esqueçamos, John Travolta estava em baixa e Jackson era apenas um ator cult. Travolta, que adoro, teve a honra de fazer cenas icônicas para duas gerações, as cenas de Saturday Night Fever/ Grease e aqui. Hoje ele voltou a ser um ator "do passado". Mas é um cara que todo mundo que ama cinema respeita e tem carinho. É um grande cara. Neste filme ele está brilhante. Mas...quem não está? Há ator melhor que Samuel L. Jackson citando a bíblia? 
 No mundo de 2014 Tarantino é o Scorsese, o Eastwood e o Godard que nos resta. E não cito eles a toa. Pulp Fiction cita os três ( mais Leone, Woo, Hawks e uma porrada de filmes de Hong Kong ). Quentin é um nerd de cinema. Como eu. Ele ama o que faz e mais importante, tem prazer em filmar. Isso faz enorme diferença. Porque vivemos hoje a era de diretores que filmam como se estivessem em trabalho de parto. Ou em confissão numa igreja. Argh!
 Nos anos seguintes a 1994 virou moda falar que Tarantino era diretor de um filme só. Não quiseram ver que Jackie Brown era ótimo. Esperavam outro Pulp Fiction. Ora, jamais teremos outro Pulp como nunca veio outro Taxi Driver, outro Rio Bravo ou um novo Josey Wales. São filmes que espelham um momento do mundo e da vida de quem os escreve. São únicos. Quando Quentin lançou Kill Bill e afirmou para todos sua grandeza, provou que Pulp não era filho único, o momento já era outro e Kill Bill é filho deste século artificial. Virtual. 
 Pulp Fiction faz vinte anos e o mundo está completamente diferente. Em 1994 eu não tive como partilhar minhas impressões. O sucesso de Tarantino foi sem net. Nisso melhoramos. Adoro poder escrever aqui. Mas que filme feito em 2014 chega perto de seu poder? Da alegria jovem de uma descoberta? Da festa criativa que nos surpreendeu cena sobre cena? Cada tomada sendo uma aula de liberdade, de inventividade, de se ir sempre contra a expectativa. 
 Cada geração tem o filme que merece. Talvez esta tenha a tristeza dos filmes de Von Trier ou a cor fake dos filmes de Wes Anderson. Eu prefiro a viril auto-confiança de Quentin Tarantino.  Tenho orgulho de ser de sua fornada.