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CINDERELA EM PARIS ( FUNNY FACE ), UM FILME QUE É UMA AULA DE ESTÉTICA ( E UMA FESTA DE PRAZER )

   Ruy Castro em seu texto sobre Fred Astaire, dizia que na saída dos cinemas que exibiam seus filmes, era cômico ver as pessoas, ao voltar para casa, arriscarem passos de dança na rua. Infelizmente jamais terei a chance de ver isso, mas ao reassistir pela nona vez este filme, sinto aquilo que todos os filme de Astaire me dão: euforia. O número de horas de prazer que Fred Astaire me deu em toda minha vida, são incontáveis. FUNNY FACE é um dos seus ápices. ( Saudades da página inteira que a Folha ainda podia publicar quando de sua exibição na Globo, em 1989 ).
   Existem filmes que reverenciamos, amamos como se ama um fenômeno da natureza. Mas exsitem aqueles que amamos como a uma mulher. Amamos com carinho, amamos pelo prazer que nos dá, amamos e aprendemos a o conhecer, a lhe desvendar. Filmes que são festas de prazer inesgotáveis. E eles são infalíveis, basta que eu comece a vê-los para me sentir de novo nessa festa. CHARADA, UM TIRO NO ESCURO, HATARI, A CEIA DOS ACUSADOS, A RODA DA FORTUNA...e este filme.
   Mas ele não é só Astaire. Aliás o filme é mais de Audrey Hepburn que dele. E aí salta a vista o carinho que a Paramount sempre teve por ela. A carreira de Audrey no estúdio é irretocável. Eles souberam o que oferecer para ela, tiveram gosto, percepção. Assim como a RKO teve com Cary Grant ou a MGM com Clark Gable. Penso na tragédia que são as carreiras de gente como Halle Berry, Helen Hunt ou Jim Carrey, totalmente sem rumo, desperdiçados. Weeeellll...
    Este filme trata do mundo da moda. A fantástica Kay Thompson faz uma editora/dona de revista tipo Vogue ( na verdade o personagem é baseado em Diana Vreeland, O Diabo que Vestia Prada ). Pois bem, essa editora resolve lançar uma nova modelo, uma modelo com cara inteligente. Astaire é o fotógrafo Dick Ayers ( que é baseado no MAIOR fotógrafo de moda da história, Richard Avedon, que fez na verdade todas as fotos que aparecem no filme ). Num sebo de livros, eles irão topar com a intelectual Audrey, e o resto é música.
   Muitos críticos vestiram a carapuça, e se irritaram com a gozação que o filme faz em cima dos filósofos em moda na época. Audrey vai para Paris, pois seu sonho é conhecer um rei da filosofia, um tipo de Sartre. O que esses críticos não perceberam é que o filme também ri do mundo histérico da moda. A única coisa que Stanley Donen e seu roteirista defendem é nosso prazer. E nisso eles são de rara competência.
   O filme abre com letreiros, fotos de Avedon, que já são geniais. Poses de modelos, letras tipo Vogue, cores fortes. O filme inteiro é considerado uma aula no uso da cor. Repare na sequencia dentro da sala de revelação, ou na cena com os balões, o contraste do fundo cinza com as cores dos balões. E toda a magnífica sequencia em que Astaire fotografa Audrey nas ruas de Paris. Aliás, jamais Paris foi tão bonita. Todo o mito da cidade brilha no filme como em nenhum outro.
   As músicas são de George e Ira Gershwin. Uma coleção de hits e de hábil genialidade. Eu jamais vou me decidir sobre quem era melhor, se Cole Porter ou se Gershwin. Aqui temos S'Wonderful, uma das mais belas canções sobre o amor feliz, Funny Face, que grudou em mim fazem duas décadas e nunca mais saiu, Let's Kiss and Make Up! e talvez no melhor momento cantado do filme, a divina How Long Has This Been Going On ?... cantada com a voz pequena de Audrey. Apaixonante.
   Fred não dança muito aqui. Mas o pouco que faz dá ao filme o velho charme de seu estilo cool. Ele canta, e é impressionante como seu canto é moderno, elegante, atemporal. O filme tem ainda uma cena em clube exsitencialista francês, Audrey dança com dois bailarinos modernos. É uma cena para guardar: jazzy, cool, sensual.
   Stanley Donen era um mestre em nos dar prazer. CANTANDO NA CHUVA, SETE NOIVAS PARA SETE IRMÃOS e CHARADA são alguns de seus filmes. Ele tinha ritmo, gosto, humor fino e principalmente elegãncia. Seus filmes são compêndios de savoir faire.
   Se eu tivesse de ir para a tal ilha deserta, com apenas cinco filmes, eu escolheria filmes que me consolassem da solidão. Que fossem fontes de prazer, de leveza e de gosto. FUNNY FACE seria um deles.

GLAMOUR- DIANA VREELAND

   Saiu agora um livro, luxuoso claro, sobre glamour e elegãncia. São fotos, belíssimas, que trazem curtos e preciosos comentários de Diana Vreeland. Como? Voce não sabe quem foi Miss Vreeland? Vogue lhe diz algo? Ela é o diabo que vestia Prada. Captou?
   Para Diana, a elegãncia vive apenas em pensamentos e também em alguns animais. As pessoas, raras, que conseguem refletir esses pensamentos e essa animalidade têm elegância. O livro as exibe.
   As fotos são de Irving Penn, Richard Avedon e Cecil Beaton. São os três reis do glamour. Para os cinéfilos, lembro que Avedon foi feito por Fred Astaire em Funny Face ( filme que teve a consultoria visual do próprio Avedon ), e que o mais elegante filme da história, My Fair Lady, contou com a consultoria de Beaton ( além dos desenhos de figurinos e de cenários, feitos por Sir Cecil, único fotógrafo da história a ser nobilizado pela rainha ).
  Vreeland diz que as fotos de Beaton parecem emitir luz, como se fosem pedras preciosas. Há uma foto de Audrey, feita por Cecil, que realmente emite luz. Uma fria luminosidade branca vinda da mão e do rosto de Audrey.  Audrey que Diana chama de gazela, comparação que ficou famosa.
  A maioria dos fotografados viveu seu apogeu entre os anos de 1930/ 1950. Alguns podem dizer que é saudosismo de Diana, digo que não é. E explico o porquê.
  Tenho um gostoso saudosismo dos anos 70, mas sei muito bem que não foram anos de elegância. E nem do melhor cinema ou literatura. Foram anos de aventuras primais, de loucura adolescente, de exageros irresponsáveis e da melhor música pop. E é por isso que adoro os anos 70. Mas não foram elegantes. Pois bem, qualquer foto de rua, tirada em Londres, Milão ou New York, entre 1930 e 1965, mostra um glamour que não é fantasioso. Esse glamour se percebe na luz que emana dos postes, nos enormes automóveis, nas vitrines discretas e nas pessoas, com suas camisas engomadas, foulards, vestidos rodados e piteiras. Era uma vida mais lenta, mais posada, cuidada, e muito mais trabalhosa. Hoje se vestir é simples. Mesmo as marcas mais caras economizam em tecido, costura e detalhe; em 1950 havia uma profusão de cortes, pontos, tecidos e enfeites. Cabelos penteados, barbas bem feitas e calçadas para se flanar: elegãncia possível. Em 2011 vemos gordos de chinelos e bermudas sujas, mocinhas de shorts e cabelos desgrenhados e senhores de calça amassada e blusas "de marca" que não deveriam valer dois reais. Pagam quinhentos. ( Roupas simples e não-duráveis, que na verdade são sempre práticas, para que nos sobre tempo para a ação, o trabalho ).
   Mas, lógico, estou falando das ruas de então e de agora. E ver Copacabana em 1958 é aula de glamour ( há um livro com fotos do jovem Pelé que é de chorar de prazer. O cara, até ele, era um dandy... hoje temos o "elegante" Neymar ). O jovem Tom Jobim chega a irritar de tão glamouroso.
   No mundo da alta roda, os gurus da elegãncia atendiam pelos nomes de Audrey Hepburn, Cary Grant ou Fred Astaire. Audrey sempre se parece com um pensamento perfeito e irreal, Cary dá a sensação de ter acabado de sair do banho sempre, e Fred... bem, Fred não parece real, ele é como um elfo moderno. Hoje temos Lady Gaga, Justin Bieber e Chris Brown. Ah... e os cultores do passado, os muito fakes, tipo George Clooney ( que imita Cary Grant até no jeito de olhar, com o queixo para baixo e os olhos erguidos ), e uma infinidade de pseudo-Audreys.
   Tempo de ciência não pode ser tempo de elegância. Não há cientista que pense em cor ou em estilo. Pensam em efeito final, jamais em trajeto. Gozo não é elegante, a elegância vive na sedução.
   Acabei falando muito de roupa e de luz, mas voce sabe, esse glamour existe principalmente em atos, no modo de falar, no andar, naquele savoir faire e joie de vivre de quem sabe sempre onde está o melhor e o mais bonito. Na tal animalidade de gato, de cavalo, de pássaro ou de peixe. No belo pensamento transformado em movimento, em vida. Eis o glamour.