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AMBROISE VOLLARD FALA DE SEUS ENCONTROS COM RENOIR
O amigo marchand, talvez o comerciante de arte mais mítico da história, escreve sobre suas conversas com Renoir. Agradáveis, reveladoras, solares. Como todo gênio, Renoir trabalha muito e ama seu trabalho. Para quem pensa que Renoir era um tipo de "amante da vida", uma surpresa: feliz ele foi, mas seu amor era pela pintura e ela tomava 99% do seu coração. Católico, Renoir dizia que os protestantes eram sombrios, enfadonhos, e que só conseguiam fazer coisas uteis. ( Não acho que ele estivesse errado. A alegria sensual em países como Alemanha ou USA é sempre um tipo de afronta ). Renoir, o homem que fez uma revolução, se mostra um conservador. Ele detesta carros, trens, a arte que vem depois dele, odeia a pressa, fábricas, barulho. Cercado de mulheres, principalmente a ex modelo que virou esposa, ele luta contra as visitas que não param de chegar, os compradores, a falta de tempo. Reumático, vemos o artista em sua cadeira de rodas, com os filhos Jean, o grande Jean Renoir, e Claude, que seria fotógrafo de cinema dos grandes. ------------------ Para quem não entende onde a revolução de Renoir: as cores. Eram consideradas erradas, fortes demais, não naturais. O desenho, era chamado de ruim, fraco, sem habilidade. Os temas eram chamados de vulgares. Mas ele logo venceu. Na maior parte de sua vida, quase 80 anos, foi rico. --------------------- Renoir foi o primeiro artista que chamei de favorito. Isso quando eu tinha 15 anos. Os nus voluptuosos conquistaram, óbvio, um adolescente que era meio tarado. As mulheres eram bonitas, alegres, felizes, radiantes. No livro Renoir não esconde o prazer de pintar uma bunda que reflete a luz. Seu horror era a pele opaca, sem brilho, sem cor. Depois eu descobri Gauguin, Matisse, Klee, mas Renoir foi o primeiro. ------------------- Outro fato interessante é pensar em como a pintura foi importante em certa época da história. E não foi por falta de riqueza na literatura ou na música. O impressionismo acontece no tempo de Flaubert, Mallarmée, Rimbaud, Debussy, Ravel, Bizet, isso para falar apenas da França. Entre 1860-1930, durante 70 anos, a pintura foi centro da vida intelectual. De Ingres e Delacroix até Picasso e Braque. Depois, talvez o cinema, as revistas, a popularização das câmeras fotográficas, mataram a pintura como arte central. Os novos pintores tentaram então expressar a alma ou o inconsciente e perderam o público. ------------------ Hoje volto a valorizar Renoir e não só eu. Ele se reabilita como clássico. Como monumento. Quem já viu uma tela de Renoir cara a cara sabe o efeito que ela causa. As cores parecem explodir, o desenho se move, ela nos chama, nos seduz, hipnotiza. E nos faz feliz. Era tudo o que ele queria. E venceu. Arte viva. Sensual, tem cheiro, canta, impressiona.
H.L.MENCKEN FALA O QUE VOCE SENTE MAS TEM VERGONHA DE FALAR
Leio Mencken falando das "artes menores": pintura, escultura, arquitetura, dança, teatro, poesia. Sim, voce leu certo. E ele explica o porque dessa sua opinião. ------ Homens das cavernas desenhavam e pintavam. E o que deixaram, segundo os próprios artistas, é fascinante. Eles também dançavam e faziam algum tipo de batuque com tambores e talvez flautas de osso. Esses homens edificaram casas e totens. E logo criaram cerimônias teatrais-religiosas. Por milhares de anos isso foi tudo. ------------- Claro que todas essas artes evoluíram. Há uma diferença abismal entre Rubens e uma pintura tribal. Mas o que Mencken diz é que a pintura tribal ainda é válida para quem as dá valor. Já a música romana ou mesmo a medieval é rudimentar. Vale apenas como aquilo que é: lembrança primitiva. Mesmo para aqueles que a estudam. Mas não se engane, o motivo principal de Mencken as desprezar tem ligação com o TEMPO de fruição. ----------- Quem fica mais de 5 minutos diante de um quadro está se exibindo. Essa a verdade. As artes plásticas dependem em 100% da vaidade de quem as sustenta. Numa exposição o que vemos são exibicionistas à procura de seus iguais. Tudo lá é um engodo. --------------- O mesmo ocorre com a poesia. Segundo Mencken, não há uma só pessoa alfabetizada que um dia não tenha feito uma poesia passável, principalmente na infância. Assim como não há um pianista de fim de semana que não consiga criar uma pop song, mesmo que sem querer. Mas construir um romance ou uma sinfonia é um trabalho estafante, inervante e abnegado. É para muito poucos. E só ocorre em civilizações que atingem seu apogeu. ------------------ Para Mencken, Prosa e Música são as maiores artes também porque são as que exigem mais do receptor. Para ler um romance ou ouvir Bach é preciso silêncio, tempo e uma certa dose de cultura. Um poema pode ser dito aos berros no metrô e uma pintura requer uma olhada de 30 segundos. Há muito charlatão que posa de pintor ou de poeta, alguns até ganharam o Nobel. Mas um romancista ruim não engana ninguém. Principalmente a ele mesmo. Ele trabalha duro. Trabalha muito. E sabe exatamente onde chegou. ---------------------- Mencken fala também que teatro e cinema mal podem ser chamados de arte. Assim como a ópera mal é música. São produtos feitos para multidões e por isso são sempre vulgares. E é nesse ponto que eu discordo de Mencken. A vulgaridade do cinema e do teatro, se comparados ao romance e à música, se deve ao fato não de serem feitos tendo em vista um grande público, mas principalmente por dependerem da figura do ator. E TODO ator é um pavão. Então, Checov pode ter escrito o mais sincero texto para umas 50 pessoas. Mas em 2021 ele dependerá da boa vontade de um diretor vaidoso e do talento de um ator estrela. Se Beethoven também depende de uma orquestra, no teatro ou no cinema, a obra depende da cara, da voz, da luz, da velocidade de uma produção feita, normmalmente, por centenas de pessoas sem nenhum talento. Ter podido existir arte no cinema, não vou citar nomes, é quase um milagre. O teatro é bem mais vulnerável. Um grande filme está preservado. Ibsen terá de ser salvo toda noite. Acabará por ser morto em palcos da Praça Roosevelt. ------------- Eu adoro Mencken. E apesar de amar Klee ou Kandisnki, sim, eles não podem ser comparados a Tolstoi ou Henry James.
O CORPO DA LIBERDADE - JORGE COLI
A editora Cosac não existe mais, compro este volume em sebo, belo sebo rico. Coli, em linguagem limpa, fala de um período da arte que é pouco lembrado por aqueles que só pensam em renascença e impressionismo, o tempo do final do classicismo até Manet, este, o primeiro impressionista. Ingres, David e Delacroix são os mais citados. Mas o melhor texto, o livro é feito de textos separados, ensaios, é sobre Manet, Edouard Manet, este, claro, conhecido por todos. Aliás Manet é mais um que foge ao chavão de que todo gênio deve ser infeliz. Ele era um piadista feliz, simpático, sorridente, de palavras gentis.
Jorge Coli tenta mostrar, num texto final, o nascimento do espírito modernista. Quase me convence. Não sei se ele está certo, mas é sedutor. Para ser moderno seria preciso ser livre, e para ser livre é preciso produzir algo de completamente inédito, mesmo que isso seja merda. A mídia dará destaque, o sucesso virá apenas para o transgressor, não para o talento. Hummm....talvez...não sei...eu perguntaria que tipo de sucesso seria esse.
De qualquer modo, valeu!
Jorge Coli tenta mostrar, num texto final, o nascimento do espírito modernista. Quase me convence. Não sei se ele está certo, mas é sedutor. Para ser moderno seria preciso ser livre, e para ser livre é preciso produzir algo de completamente inédito, mesmo que isso seja merda. A mídia dará destaque, o sucesso virá apenas para o transgressor, não para o talento. Hummm....talvez...não sei...eu perguntaria que tipo de sucesso seria esse.
De qualquer modo, valeu!
LEONARDO DA VINCI - WALTER ISAACSON
Isaacson é autor de uma muito vendida bio de S. Jobs. Ele diz, logo no início, que tudo o que guardamos na net será perdido em no máximo 50 anos, mas que o que Da Vinci escreveu, milhares e milhares de páginas não publicadas, permanecem conosco 500 anos depois de sua morte. Leonardo escrevia muito, cadernos enormes onde vemos desenhos de cadáveres ao lado de fórmulas para evitar enchentes, flores ao lado de esquemas solares, rascunhos de pinturas com modelos de armas. Leonardo amava o mundo e sua curiosidade não tinha um limite. Se ele via o azul do céu, ele queria saber porque ele é azul, se via uma bolha de sabão, queria entender porque ela é redonda. Nesse desejo de saber, ele antecipou muito, publicou nada e deixou algumas pinturas geniais.
Leonardo nunca organizou nada para publicar. O seu prazer era descobrir, saber, entender e planejar. Os cadernos, um deles é hoje de Bill Gates, são uma mistura caótica de tinta e giz. E são lindos de se ver. Canhoto, ele escrevia de trás pra frente, era mais fácil e evitava que a mão sujasse a escrita. Gay, andava pelos palácios com roupas rosa, roxas e escarlate. Não foi um artista sofrido, foi feliz. Respeitado pelos nobres italianos e pelo rei da França, era vegetariano, amigo de Maquiavel, vaidoso e inquieto.
O livro se foca em analisar suas obras. Não só as pinturas, mas a engenharia, a medicina, a arquitetura, a astronomia, a química. Ele não acreditava em magia e nem em astrologia, e o livro derruba mitos populares sobre o gênio. Inclusive sobre a palavra gênio. Da Vinci foi um gênio, e o gênio é alguém que une arte com ciência, matemática com teatro. E que nunca desiste de tentar aprender, saber, descobrir. O gênio cria e imagina e aprende. Faz e no fazer existe todo seu prazer. Leonardo escrevia e criava para si mesmo. Sua vida é a vida de um aluno genial.
O tempo de Leonardo, a Itália de 1450-1519, é tempo de luta, de guerra, de traição, mas é também o tempo de arquitetura, ciência e filosofia. Da Vinci foi o centro-vórtice desse mundo. Mais que Michelangelo, seu rival e oposto em tudo, é ele quem conjuga tudo o que seu tempo teve de melhor. E nada do pior.
Vivia cercado por discípulos, amigos, amantes, odiava a solidão, amava falar, trocar informações, não tinha vergonha de perguntar. A vida é pouco dramática e por isso a opção pela biografia das obras. É um belo livro.
Leonardo nunca organizou nada para publicar. O seu prazer era descobrir, saber, entender e planejar. Os cadernos, um deles é hoje de Bill Gates, são uma mistura caótica de tinta e giz. E são lindos de se ver. Canhoto, ele escrevia de trás pra frente, era mais fácil e evitava que a mão sujasse a escrita. Gay, andava pelos palácios com roupas rosa, roxas e escarlate. Não foi um artista sofrido, foi feliz. Respeitado pelos nobres italianos e pelo rei da França, era vegetariano, amigo de Maquiavel, vaidoso e inquieto.
O livro se foca em analisar suas obras. Não só as pinturas, mas a engenharia, a medicina, a arquitetura, a astronomia, a química. Ele não acreditava em magia e nem em astrologia, e o livro derruba mitos populares sobre o gênio. Inclusive sobre a palavra gênio. Da Vinci foi um gênio, e o gênio é alguém que une arte com ciência, matemática com teatro. E que nunca desiste de tentar aprender, saber, descobrir. O gênio cria e imagina e aprende. Faz e no fazer existe todo seu prazer. Leonardo escrevia e criava para si mesmo. Sua vida é a vida de um aluno genial.
O tempo de Leonardo, a Itália de 1450-1519, é tempo de luta, de guerra, de traição, mas é também o tempo de arquitetura, ciência e filosofia. Da Vinci foi o centro-vórtice desse mundo. Mais que Michelangelo, seu rival e oposto em tudo, é ele quem conjuga tudo o que seu tempo teve de melhor. E nada do pior.
Vivia cercado por discípulos, amigos, amantes, odiava a solidão, amava falar, trocar informações, não tinha vergonha de perguntar. A vida é pouco dramática e por isso a opção pela biografia das obras. É um belo livro.
GUSTAV KLIMT, AQUELE MUNDO QUE PERDEMOS.
Viena não foi o mundo. Não era o mundo. Não é o mundo. Viena era um mundo de burgueses muito ricos que amavam a Kultura. Um grupo de judeus que lutava para ser e ter o melhor da Europa. Viena era católica. E tinha o rigor dos luteranos. Era sensual. E hipócrita. Bonita e dourada. Acima de tudo, Viena era Wittgeinstein, Mahler, Freud e Klimt. Essa cidade não irá ser repetida. Morreu em 1914.
Klimt pintava mulheres. Porque as mulheres são Tudo. A coisa era religiosa: a Arte era aquilo que iria salvar o homem. Era a única coisa real que nos poderia reencontrar o inefável. E a mulher era o símbolo da beleza. E do mal. Ele cria a Mulher Fatal. A mulher como manipuladora de homens. O convite à morte. E a porta para a Vida. Toda arte é erótica - esse o lema de Klimt.
Seus quadros são montanhas de símbolos. Ouro e sexo. Deuses e morte. Mas sempre a afirmação da vida. Klimt ama seu jardim. Com o tempo será chamado de "decorativo", superficial, secundário. Hoje é central. O tempo é seu amigo.
Em seu tempo foi famoso. E ficou rico. Fazia duas estradas: retratos para os ricos judeus, pinturas provocantes e escandalosas para as galerias. Mas não pense que os retratos eram simples comércio: são geniais. Klimt pintou alguns dos quadros mais eróticos do mundo. E as mulheres mais belas de seu tempo ( inclusive a irmã de Wittgeinstein ).
Dânae é a mulher mais linda já pintada. Digna de Zeus.
Dúbio e misterioso o mundo que deu vida à Klimt.
Sorte ainda termos seus quadros.
( Escrito após a leitura de um dos livros da Taschen sobre o artista. )
Klimt pintava mulheres. Porque as mulheres são Tudo. A coisa era religiosa: a Arte era aquilo que iria salvar o homem. Era a única coisa real que nos poderia reencontrar o inefável. E a mulher era o símbolo da beleza. E do mal. Ele cria a Mulher Fatal. A mulher como manipuladora de homens. O convite à morte. E a porta para a Vida. Toda arte é erótica - esse o lema de Klimt.
Seus quadros são montanhas de símbolos. Ouro e sexo. Deuses e morte. Mas sempre a afirmação da vida. Klimt ama seu jardim. Com o tempo será chamado de "decorativo", superficial, secundário. Hoje é central. O tempo é seu amigo.
Em seu tempo foi famoso. E ficou rico. Fazia duas estradas: retratos para os ricos judeus, pinturas provocantes e escandalosas para as galerias. Mas não pense que os retratos eram simples comércio: são geniais. Klimt pintou alguns dos quadros mais eróticos do mundo. E as mulheres mais belas de seu tempo ( inclusive a irmã de Wittgeinstein ).
Dânae é a mulher mais linda já pintada. Digna de Zeus.
Dúbio e misterioso o mundo que deu vida à Klimt.
Sorte ainda termos seus quadros.
( Escrito após a leitura de um dos livros da Taschen sobre o artista. )
DO ESPIRITUAL NA ARTE - KANDINSKY
Abstração. Para Kandinsky ela acontece quando um pintor copia uma floresta, um rosto ou uma cena no mar. Pois a realidade é abstraída da pintura e ela finge ser uma floresta, um rosto ou uma cena no mar.
Concreta. A pintura de Kandinsky não deveria, segundo ele, ser chamada de abstrata. Pois ela nada abstrai, ela é concretamente aquilo que ela é: cor e forma.
Mas se um pintor tira de uma paisagem seu motivo para pintar, de onde vem o motivo da nova pintura? Segundo Wassily Kandisnky, da alma. Uma pintura concreta reflete a alma de quem a pinta, isso se ela for pintada com verdade e entrega absoluta.
Kandinsky criou sozinho aquilo que conhecemos como pintura abstrata. Mais radical que Picasso ou Matisse, ele deu a pintura sua liberdade: uma tela é feita de cor e de forma, nada mais que isso. A cor canta uma emoção, a forma dita um ritmo. Diante de seus quadros vemos a verdade.
Este livro foi escrito por Kandinsky em 1912. Nele ele explica e defende sua arte. E elogia a música. Para ele, toda arte quer ser música. Porque a música é a mais espiritual de todas as artes. Inexplicável e etérea. Ela nada copia da natureza, ela é pura alma. A pintura que ele faz, ao não copiar nada da natureza, se aproxima da linguagem musical por meio de cor e forma. Suas telas cantam.
Kandinsky é para mim o maior artista plástico do século XX. E penso que só Paul Klee chega perto dele. O russo pintou a música da alma, e o suíço o sonho do espírito.
Concreta. A pintura de Kandinsky não deveria, segundo ele, ser chamada de abstrata. Pois ela nada abstrai, ela é concretamente aquilo que ela é: cor e forma.
Mas se um pintor tira de uma paisagem seu motivo para pintar, de onde vem o motivo da nova pintura? Segundo Wassily Kandisnky, da alma. Uma pintura concreta reflete a alma de quem a pinta, isso se ela for pintada com verdade e entrega absoluta.
Kandinsky criou sozinho aquilo que conhecemos como pintura abstrata. Mais radical que Picasso ou Matisse, ele deu a pintura sua liberdade: uma tela é feita de cor e de forma, nada mais que isso. A cor canta uma emoção, a forma dita um ritmo. Diante de seus quadros vemos a verdade.
Este livro foi escrito por Kandinsky em 1912. Nele ele explica e defende sua arte. E elogia a música. Para ele, toda arte quer ser música. Porque a música é a mais espiritual de todas as artes. Inexplicável e etérea. Ela nada copia da natureza, ela é pura alma. A pintura que ele faz, ao não copiar nada da natureza, se aproxima da linguagem musical por meio de cor e forma. Suas telas cantam.
Kandinsky é para mim o maior artista plástico do século XX. E penso que só Paul Klee chega perto dele. O russo pintou a música da alma, e o suíço o sonho do espírito.
ESTUDOS SOBRE ARTE- GOETHE
Não preciso falar do estilo de Goethe, é sempre prazeroso e admirável; mas preciso contar que este livro é árduo. Ler sobre as opiniões de Goethe sobre arquitetura e pintura, escultura e estética, é em seu melhor entender que mesmo uma mente titânica como a do alemão, erra e erra muito; e por outro lado observar que todos somos vítimas de nosso tempo; por maior que seja nosso espírito ele se molda a sua época.
Goethe começa elogiando a correção dos gregos, depois elogia o exagero gótico e por fim retorna a clareza dos antigos. Beleza para ele é equilíbrio, perfeição é exatidão e nobreza vem do saber fazer. Talvez seja isso mesmo, mas as ideias se repetem a exaustão. E depois ele se contradiz, conscientemente, ao elogiar o caráter alemão gótico.
Certo é que ele mantém sempre seus olhos em Atenas e isso evita sua confusão.
Nada prazeroso, este é um livro que, vergonha minha, já joguei fora.
Goethe começa elogiando a correção dos gregos, depois elogia o exagero gótico e por fim retorna a clareza dos antigos. Beleza para ele é equilíbrio, perfeição é exatidão e nobreza vem do saber fazer. Talvez seja isso mesmo, mas as ideias se repetem a exaustão. E depois ele se contradiz, conscientemente, ao elogiar o caráter alemão gótico.
Certo é que ele mantém sempre seus olhos em Atenas e isso evita sua confusão.
Nada prazeroso, este é um livro que, vergonha minha, já joguei fora.
MICHELANGELO by MARTIN GAYFORD
Essa biografia de Michelangelo, lançada recentemente pela Cosac, tem um problema terrível! Ela nos causa uma horrível obsessão. Portanto, fujam dela! Como café, a beleza ou o banho frio, ela vicia. E muito!
Eu não consigo parar de ler. Estou na metade e tenho de fazer força para lembrar de outras atividades. Escrevo isto na esperança de me libertar. ( Mas já sinto saudades do livro...)
A escrita de Gayford é leve, agradável, e consegue ao mesmo tempo nunca parecer fútil ou superficial. Ele não doura, mas também seduz. Dá a justa medida do biografado. Não cai em erros que vemos em tantas bios: a de endeusar o homem o transformando num tipo de profeta inefável. ( Freud por Peter Gay é o exemplo pior. ) Michelangelo criou arte genial, mas nem sempre. Era um homem insuportável, mas nem tanto.
Grosseiro, agressivo, pão duro, cheio de culpa. E ao mesmo tempo arrogante, vulnerável e generoso. Gayford não faz dele um mártir. Nunca. Faz dele um cara como eu e como você. Apenas com uma diferença, ele tinha um talento que ninguém nunca mais teve. E a teimosia de lutar para o expressar.
Viveu muito. Numa época em que mesmo os ricos morriam aos 40 anos, ele viveu 90. E produziu até o fim. Nascido em família empobrecida, se via como um nobre caído ( não era ). Seu talento precoce o levou ao convívio com os poderosos. E lá virou uma celebridade.
Firenze e Roma. O que mais seduz e vicia é o elenco do livro. Além de Michelangelo temos os Medici, vários Papas, Maquiavel, Bramante, Botticelli, Pico dela Mirandola, Ficino, e seu rival, Leonardo. Mais ainda: os Borgia, Rafael, Lippi, Julio...Foi o explendor máximo da alma humana, a hora da virada, da mudança, da descoberta, da confiança plena. ( Segundo Yeats o mundo vira a cada 500 anos. 1500 foi o mais recente auge. 2000 o ponto baixo. 2500 o próximo auge. )
Um fato é que deverei mudar meu conceito sobre Beethoven. Foi Michelangelo o primeiro artista a não se submeter. Se Beethoven foi o primeiro a trabalhar para si mesmo, fazer só o que queria fazer, Michelangelo, apesar de trabalhar sob encomenda, fazia o acordado como queria e quando queria. Se quisesse.
Em vida foi o homem mais famoso do mundo. E depois de morto nunca teve um só momento de ostracismo. Nossa cultura sempre foi, e até a invasão do Islã, sempre será guiada por sua concepção do que deve ser o corpo humano perfeito. Ele inventou aquilo que entendemos como "belo talhe". E mais ainda, deu aparência física a nossa ideia de heroísmo e de santidade. Criou sozinho os sonhos que nos encantam até hoje.
Este livro é obrigatório. Se você quer diversão ele tem. História ele tem. E arte, muita arte.
Eu não consigo parar de ler. Estou na metade e tenho de fazer força para lembrar de outras atividades. Escrevo isto na esperança de me libertar. ( Mas já sinto saudades do livro...)
A escrita de Gayford é leve, agradável, e consegue ao mesmo tempo nunca parecer fútil ou superficial. Ele não doura, mas também seduz. Dá a justa medida do biografado. Não cai em erros que vemos em tantas bios: a de endeusar o homem o transformando num tipo de profeta inefável. ( Freud por Peter Gay é o exemplo pior. ) Michelangelo criou arte genial, mas nem sempre. Era um homem insuportável, mas nem tanto.
Grosseiro, agressivo, pão duro, cheio de culpa. E ao mesmo tempo arrogante, vulnerável e generoso. Gayford não faz dele um mártir. Nunca. Faz dele um cara como eu e como você. Apenas com uma diferença, ele tinha um talento que ninguém nunca mais teve. E a teimosia de lutar para o expressar.
Viveu muito. Numa época em que mesmo os ricos morriam aos 40 anos, ele viveu 90. E produziu até o fim. Nascido em família empobrecida, se via como um nobre caído ( não era ). Seu talento precoce o levou ao convívio com os poderosos. E lá virou uma celebridade.
Firenze e Roma. O que mais seduz e vicia é o elenco do livro. Além de Michelangelo temos os Medici, vários Papas, Maquiavel, Bramante, Botticelli, Pico dela Mirandola, Ficino, e seu rival, Leonardo. Mais ainda: os Borgia, Rafael, Lippi, Julio...Foi o explendor máximo da alma humana, a hora da virada, da mudança, da descoberta, da confiança plena. ( Segundo Yeats o mundo vira a cada 500 anos. 1500 foi o mais recente auge. 2000 o ponto baixo. 2500 o próximo auge. )
Um fato é que deverei mudar meu conceito sobre Beethoven. Foi Michelangelo o primeiro artista a não se submeter. Se Beethoven foi o primeiro a trabalhar para si mesmo, fazer só o que queria fazer, Michelangelo, apesar de trabalhar sob encomenda, fazia o acordado como queria e quando queria. Se quisesse.
Em vida foi o homem mais famoso do mundo. E depois de morto nunca teve um só momento de ostracismo. Nossa cultura sempre foi, e até a invasão do Islã, sempre será guiada por sua concepção do que deve ser o corpo humano perfeito. Ele inventou aquilo que entendemos como "belo talhe". E mais ainda, deu aparência física a nossa ideia de heroísmo e de santidade. Criou sozinho os sonhos que nos encantam até hoje.
Este livro é obrigatório. Se você quer diversão ele tem. História ele tem. E arte, muita arte.
PRA PABLO
"Tudo aquilo que conseguimos imaginar é real".
Pablo é o antídoto para Schoppenhauer, para o pessimismo. Ele é vital.
Pablo é solar. Ele vivia ao sol, torso nú, criando. Pegava pedra e fazia bicho. Pegava lixo e criava sonho. Mas tudo em Pablo é real. Nada nele parece etéreo. A criação mais absurda é de verdade. Tem peso. Pablo ama o peso, a solidez, a dureza do toque.
Seu sexo é aquele do fauno. Meio deus e meio besta. Deitado ao sol, pelado, ele exala desejo. Ama a carne. O cheiro. É um touro.
Nenhum artista é mais carnal que Pablo. E nenhum outro mergulhou mais fundo no onírico explícito. Ele viu que o sonho está no aparente. Aquilo que vemos é surreal. Ele pescava absurdos no comum.
Pablo era também cruel, duro, egoísta, vaidoso, isolado e sedento de elogios. Vingativo. Ele era ruim. Maldoso como todo criador é. Criar é um ato de vingança contra o comum, o ordinário, o tédio, o banal. O objetivo pode ser bom, mas a energia é aquela do mal.
Ninguém viveu tanto como Pablo.
Pablo é o antídoto para Schoppenhauer, para o pessimismo. Ele é vital.
Pablo é solar. Ele vivia ao sol, torso nú, criando. Pegava pedra e fazia bicho. Pegava lixo e criava sonho. Mas tudo em Pablo é real. Nada nele parece etéreo. A criação mais absurda é de verdade. Tem peso. Pablo ama o peso, a solidez, a dureza do toque.
Seu sexo é aquele do fauno. Meio deus e meio besta. Deitado ao sol, pelado, ele exala desejo. Ama a carne. O cheiro. É um touro.
Nenhum artista é mais carnal que Pablo. E nenhum outro mergulhou mais fundo no onírico explícito. Ele viu que o sonho está no aparente. Aquilo que vemos é surreal. Ele pescava absurdos no comum.
Pablo era também cruel, duro, egoísta, vaidoso, isolado e sedento de elogios. Vingativo. Ele era ruim. Maldoso como todo criador é. Criar é um ato de vingança contra o comum, o ordinário, o tédio, o banal. O objetivo pode ser bom, mas a energia é aquela do mal.
Ninguém viveu tanto como Pablo.
FIRENZE E ROMA
Tenho uma amiga que está cruzando a Itália. Ele me envia fotos de Roma e de Firenze. Nunca estive na Itália e olho as fotos.
Ela sabe fotografar. E sabe escolher seus alvos. Olho as fotos de noite, dentro da escola onde trabalho, numa pausa. Há uma colega ao meu lado em outro computador. São nove horas da noite e faz calor. O ventilador está ligado.
Uma sequência de fotos: túmulos. Dante. Machiavelli. Petrarca. Galileo. Michelangelo. ...alguma coisa acontece aqui.
Desce sobre mim. Os pelos de meus braços se erguem. O calor me meu rosto aumenta. Fico vermelho. Uma onda de frio varre o lugar onde estou sentado. Meus olhos se arregalam. Meu coração NÃO dispara. Estou calmo. E ao mesmo tempo emocionado. Uma emoção que não acelera. Abraça. Tento me controlar mas logo desisto. A sensação é deliciosa. Sou tomado. A visão do mármore que envolve Michelangelo me dá um desmaio que não me apaga, antes me ergue.
Continuo vendo as fotos nesse estado do sublime enlevo. Firenze se mostra e se abre para mim. Ela é fatal. Um pensamento: eu morreria em Firenze. E seria a mais bela morte. Pois eu renasceria em Firenze.
Palavras a partir daqui não mais podem ser ditas.
...
Ela sabe fotografar. E sabe escolher seus alvos. Olho as fotos de noite, dentro da escola onde trabalho, numa pausa. Há uma colega ao meu lado em outro computador. São nove horas da noite e faz calor. O ventilador está ligado.
Uma sequência de fotos: túmulos. Dante. Machiavelli. Petrarca. Galileo. Michelangelo. ...alguma coisa acontece aqui.
Desce sobre mim. Os pelos de meus braços se erguem. O calor me meu rosto aumenta. Fico vermelho. Uma onda de frio varre o lugar onde estou sentado. Meus olhos se arregalam. Meu coração NÃO dispara. Estou calmo. E ao mesmo tempo emocionado. Uma emoção que não acelera. Abraça. Tento me controlar mas logo desisto. A sensação é deliciosa. Sou tomado. A visão do mármore que envolve Michelangelo me dá um desmaio que não me apaga, antes me ergue.
Continuo vendo as fotos nesse estado do sublime enlevo. Firenze se mostra e se abre para mim. Ela é fatal. Um pensamento: eu morreria em Firenze. E seria a mais bela morte. Pois eu renasceria em Firenze.
Palavras a partir daqui não mais podem ser ditas.
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DUCHAMP- CALVIN TOMKINS....O ARTISTA NÃO É DONO DAQUILO QUE FAZ.
Como posso escrever um texto sobre um artista que desgostava de textos! Além do mais, um homem que não fazia discursos e que lutou a vida toda para ser anônimo! É muito duro escrever sobre ele sem o trair. Como transmitir a quem não leu o livro, brilhante, aquilo que Duchamp foi. É.
Talvez eu deva começar falando de Picasso. Picasso foi o gênio. Picasso era a personalidade gigante. O Homão. O arrogante. O super macho. O artista que tem a potência.
Talvez eu deva falar de Matisse. O trabalhador genial. O artista que labuta e produz sem parar. Eu também posso falar do sofrido van Gogh, do anti-social Gauguin, do sábio Chagall. Pois bem, Duchamp rompe com todos eles. TODOS eles.
Porque Duchamp não tolera egos imensos. Não suporta trabalho sem fim. Ele não gosta de esforço. Ele nunca sofre. Não rompe com a sociedade. E jamais tenta ser sábio. Ele não dá conselhos. Jamais tentou criar escola, filosofia ou moda. Não fugiu do mundo e não seguiu ninguém.
Então agora podemos começar a dizer o que ele foi. Quieto. Frio. Distante. Em paz. Calmo. Preguiçoso. Sem ambição. Solitário. Cheio de casos de amor. facilidade para fazer amigos, simpático. Otimista. Calado. Bonito. Modesto. Feliz.
Vamos adiante. Ao contrário de Picasso, ele diz que o artista não faz nada. Tudo o que ele faz é feito inconscientemente. O artista tem uma intenção, mas durante o processo acontece o acaso, e é esse acaso que dá vida à obra. Arte é a união do artista, de quem vê a obra e do ato sem intenção. Nenhum artista é senhor de sua arte.
Palavras não explicam a arte. Como também não explicam sentimentos. E a arte é como um sentimento. Todos os têm. Cada um a seu modo. Tudo o que o homem faz é arte. No contato com o povo é que essa arte se torna completa. Sua capacidade de dialogar com as pessoas faz dela uma obra para durar ou não. O artista é apenas um instrumento da arte.
O trabalho do artista não é criar, é pegar as coisas e ver o que elas querem ser. Os materiais escolhem com o artista. O artista, calmamente, tenta ouvir o que a vida e as coisas dizem.
Quando nada de novo há para ser dito se deve calar. A arte manda. O artista espera.
O sofrimento não faz de um artista melhor ou pior. O sofrimento, a vida do artista, nada tem a ver com sua arte. Ele produz apesar da dor, e não com a dor. Herói-artista. Isso não existe.
A arte falhou. Ela tentou criar um mundo. Esse mundo é da ciência. Ela venceu. Não há arte que possa rivalizar com uma viagem ao espaço.
Esse é Duchamp. Mas ele é mais que isso. E menos.
Nasceu numa família de classe média. Se dava com os irmãos e com o pai. Os irmãos, os dois, viraram artistas. Famosos. A mãe era muda. Dura e distante. O pai era caloroso. Dono do cartório da cidade.
Nada há de dramático na vida de Duchamp. Estudou em Paris. Pintava. Amigo de Picabia. De Roché ( o autor de Jules e Jim ). Namorava. Duchamp nunca perseguiu mulheres, elas o encontravam. Nunca quis a fama, ela veio. Saiu de Paris porque odiava os egos, as fofocas, o mundinho...e foi o primeiro europeu modernista a ir para New York. Ele intuiu que o futuro estava lá. Amou a cidade e ao fim da vida virou americano. Duchamp trouxe sozinho o modernismo para a América. Em 1912. Se tornou famoso primeiro em NY, e muito depois na Europa. Deu a faísca que acendeu a arte de Pollock ( que com sua pose de herói sofrido, logo esqueceu Duchamp ). Seus herdeiros são os Pop Art, o minimalismo, a arte americana feita a partir de 1960. Uma arte sem discurso, sem a figura do gênio sofrido, sem heróis.
John Cage, Motherwell, Merce Cunningham...a arte do acaso. O Zen.
Duchamp nunca falou sobre o zen. Mas ele era Zen. Sem o saber. Amante do silêncio, do estar só. Viajava sem bagagem. Vivia só com o necessário. Pouca ambição. Sabia usar o tempo. Tinha paciência. E jogava xadrez. Muito e bem. Venceu campeonatos.
O que era a arte para Duchamp afinal... ele nunca fala de religião. Diz que a arte é uma fé. E que a vida é uma fé. Quando você diz que sabe alguma coisa você tem fé em saber aquilo. Quando você faz você tem fé em que vai fazer. Tudo é uma fé.
Isso é o mais perto que ele chegou de falar de sua filosofia. Viver é ter fé. Deus ou o ateísmo não lhe interessam. São discursos e discursos são falsos. Dizer que Deus existe ou que não existe é ficar rodando em círculos de palavras. Não importa.
Duchamp era magro. Entretia a todos e não havia quem não gostasse dele. Poderia ter ficado milionário se aceitasse o jogo do espetáculo. Mas escolheu, e isso ele disse, ser dono de seu tempo. Dizia que o tempo era o maior investimento que um homem podia fazer.
Bem...nunca li sobre um artista que me parecesse tão simpático. Isento de pretensão, cheio de bom humor. Suas obras eram ironias, piadas, trocadilhos, surpresas. Ele deu voz a milhares de charlatões. Mas não teve culpa. Se vários pequenos Duchamp foram uma farsa, ele nunca foi. Produziu muito pouco porque foi honesto consigo mesmo. E quando nada tinha a dizer ia jogar xadrez, ficava anos sem fazer nada, como ele dizia: Respirava.
O autor do livro, Calvin Tomkins, é o mesmo de VIVER BEM É A MELHOR VINGANÇA. O delicioso livro sobre os Murphy nos anos 20. Este é tão delicioso quanto.
Man Ray foi outro grande amigo de Duchamp. E entre seus amores, um dos maiores foi a esposa de um embaixador do Brasil: Maria Martins. Duchamp viveu um caso forte com ela, que era escultora, festeira e muito chique. Ela daria uma ótima biografia!
Aos 62 anos Duchamp se casou oficialmente pela primeira vez. E foi feliz. Morreu em 1968, velho e famoso.
Acho que ele mudou, agora, minha forma de ver todas as artes.
Enfim...
Talvez eu deva começar falando de Picasso. Picasso foi o gênio. Picasso era a personalidade gigante. O Homão. O arrogante. O super macho. O artista que tem a potência.
Talvez eu deva falar de Matisse. O trabalhador genial. O artista que labuta e produz sem parar. Eu também posso falar do sofrido van Gogh, do anti-social Gauguin, do sábio Chagall. Pois bem, Duchamp rompe com todos eles. TODOS eles.
Porque Duchamp não tolera egos imensos. Não suporta trabalho sem fim. Ele não gosta de esforço. Ele nunca sofre. Não rompe com a sociedade. E jamais tenta ser sábio. Ele não dá conselhos. Jamais tentou criar escola, filosofia ou moda. Não fugiu do mundo e não seguiu ninguém.
Então agora podemos começar a dizer o que ele foi. Quieto. Frio. Distante. Em paz. Calmo. Preguiçoso. Sem ambição. Solitário. Cheio de casos de amor. facilidade para fazer amigos, simpático. Otimista. Calado. Bonito. Modesto. Feliz.
Vamos adiante. Ao contrário de Picasso, ele diz que o artista não faz nada. Tudo o que ele faz é feito inconscientemente. O artista tem uma intenção, mas durante o processo acontece o acaso, e é esse acaso que dá vida à obra. Arte é a união do artista, de quem vê a obra e do ato sem intenção. Nenhum artista é senhor de sua arte.
Palavras não explicam a arte. Como também não explicam sentimentos. E a arte é como um sentimento. Todos os têm. Cada um a seu modo. Tudo o que o homem faz é arte. No contato com o povo é que essa arte se torna completa. Sua capacidade de dialogar com as pessoas faz dela uma obra para durar ou não. O artista é apenas um instrumento da arte.
O trabalho do artista não é criar, é pegar as coisas e ver o que elas querem ser. Os materiais escolhem com o artista. O artista, calmamente, tenta ouvir o que a vida e as coisas dizem.
Quando nada de novo há para ser dito se deve calar. A arte manda. O artista espera.
O sofrimento não faz de um artista melhor ou pior. O sofrimento, a vida do artista, nada tem a ver com sua arte. Ele produz apesar da dor, e não com a dor. Herói-artista. Isso não existe.
A arte falhou. Ela tentou criar um mundo. Esse mundo é da ciência. Ela venceu. Não há arte que possa rivalizar com uma viagem ao espaço.
Esse é Duchamp. Mas ele é mais que isso. E menos.
Nasceu numa família de classe média. Se dava com os irmãos e com o pai. Os irmãos, os dois, viraram artistas. Famosos. A mãe era muda. Dura e distante. O pai era caloroso. Dono do cartório da cidade.
Nada há de dramático na vida de Duchamp. Estudou em Paris. Pintava. Amigo de Picabia. De Roché ( o autor de Jules e Jim ). Namorava. Duchamp nunca perseguiu mulheres, elas o encontravam. Nunca quis a fama, ela veio. Saiu de Paris porque odiava os egos, as fofocas, o mundinho...e foi o primeiro europeu modernista a ir para New York. Ele intuiu que o futuro estava lá. Amou a cidade e ao fim da vida virou americano. Duchamp trouxe sozinho o modernismo para a América. Em 1912. Se tornou famoso primeiro em NY, e muito depois na Europa. Deu a faísca que acendeu a arte de Pollock ( que com sua pose de herói sofrido, logo esqueceu Duchamp ). Seus herdeiros são os Pop Art, o minimalismo, a arte americana feita a partir de 1960. Uma arte sem discurso, sem a figura do gênio sofrido, sem heróis.
John Cage, Motherwell, Merce Cunningham...a arte do acaso. O Zen.
Duchamp nunca falou sobre o zen. Mas ele era Zen. Sem o saber. Amante do silêncio, do estar só. Viajava sem bagagem. Vivia só com o necessário. Pouca ambição. Sabia usar o tempo. Tinha paciência. E jogava xadrez. Muito e bem. Venceu campeonatos.
O que era a arte para Duchamp afinal... ele nunca fala de religião. Diz que a arte é uma fé. E que a vida é uma fé. Quando você diz que sabe alguma coisa você tem fé em saber aquilo. Quando você faz você tem fé em que vai fazer. Tudo é uma fé.
Isso é o mais perto que ele chegou de falar de sua filosofia. Viver é ter fé. Deus ou o ateísmo não lhe interessam. São discursos e discursos são falsos. Dizer que Deus existe ou que não existe é ficar rodando em círculos de palavras. Não importa.
Duchamp era magro. Entretia a todos e não havia quem não gostasse dele. Poderia ter ficado milionário se aceitasse o jogo do espetáculo. Mas escolheu, e isso ele disse, ser dono de seu tempo. Dizia que o tempo era o maior investimento que um homem podia fazer.
Bem...nunca li sobre um artista que me parecesse tão simpático. Isento de pretensão, cheio de bom humor. Suas obras eram ironias, piadas, trocadilhos, surpresas. Ele deu voz a milhares de charlatões. Mas não teve culpa. Se vários pequenos Duchamp foram uma farsa, ele nunca foi. Produziu muito pouco porque foi honesto consigo mesmo. E quando nada tinha a dizer ia jogar xadrez, ficava anos sem fazer nada, como ele dizia: Respirava.
O autor do livro, Calvin Tomkins, é o mesmo de VIVER BEM É A MELHOR VINGANÇA. O delicioso livro sobre os Murphy nos anos 20. Este é tão delicioso quanto.
Man Ray foi outro grande amigo de Duchamp. E entre seus amores, um dos maiores foi a esposa de um embaixador do Brasil: Maria Martins. Duchamp viveu um caso forte com ela, que era escultora, festeira e muito chique. Ela daria uma ótima biografia!
Aos 62 anos Duchamp se casou oficialmente pela primeira vez. E foi feliz. Morreu em 1968, velho e famoso.
Acho que ele mudou, agora, minha forma de ver todas as artes.
Enfim...
O mundo de 2015 ainda está atrás de Marcel Duchamp. E eu também.
Faz muito tempo que leio e vejo arte. E comecei como todo mundo começa, pelo mais simples. Renoir. Monet. Manet e Degas. Coloridos, bonitos de forma hoje convencional. O mundo alcançou o impressionismo em 1920. Todo o mundo. E esse mundo, todo, alcançou esse impressionismo e ficou estacionado aí.
Depois eu cheguei em Gauguin. Chagall. E Matisse. O mundo todo nunca chegou aí. Ainda. Mas o mundo do tal "bom gosto" chegou à eles por volta de 1930. Há algo de disforme neles. E isso começa a incomodar.
Só depois dos 30 anos comecei a me encantar por Kandinski e Klee, por Picasso e Braque. De certo modo me encantei pelo motivo errado. Pela liberdade de sentir. Errado. A coisa é mais profunda. Agora, com Duchamp, eu entendo.
A pintura sempre foi feita para a retina. E aqui estou falando aquilo que Duchamp diz. A tela fala à retina e apenas à retina. A retina apreende as duas dimensões da pintura e transforma essa imagem em informação que vira sensação ou sentimento. No pior dos casos vira narração. Pois bem, a arte moderna deve falar não à retina, mas sim ao homem inteiro. Olhamos e criamos sobre aquilo que é dado. O que vejo não é o que você vê. Eu vejo com meu todo, e vejo o que apenas eu posso ver.
A arte moderna, ora vejam, é a busca pela quarta dimensão, a dimensão daquilo que não se vê. Daquilo que nossa razão desconhece. Não aquilo que a retina pega, e sim aquilo que a intuição intui. O mundo de 2015 está longe disso.
Ainda.
Faz muito tempo que leio e vejo arte. E comecei como todo mundo começa, pelo mais simples. Renoir. Monet. Manet e Degas. Coloridos, bonitos de forma hoje convencional. O mundo alcançou o impressionismo em 1920. Todo o mundo. E esse mundo, todo, alcançou esse impressionismo e ficou estacionado aí.
Depois eu cheguei em Gauguin. Chagall. E Matisse. O mundo todo nunca chegou aí. Ainda. Mas o mundo do tal "bom gosto" chegou à eles por volta de 1930. Há algo de disforme neles. E isso começa a incomodar.
Só depois dos 30 anos comecei a me encantar por Kandinski e Klee, por Picasso e Braque. De certo modo me encantei pelo motivo errado. Pela liberdade de sentir. Errado. A coisa é mais profunda. Agora, com Duchamp, eu entendo.
A pintura sempre foi feita para a retina. E aqui estou falando aquilo que Duchamp diz. A tela fala à retina e apenas à retina. A retina apreende as duas dimensões da pintura e transforma essa imagem em informação que vira sensação ou sentimento. No pior dos casos vira narração. Pois bem, a arte moderna deve falar não à retina, mas sim ao homem inteiro. Olhamos e criamos sobre aquilo que é dado. O que vejo não é o que você vê. Eu vejo com meu todo, e vejo o que apenas eu posso ver.
A arte moderna, ora vejam, é a busca pela quarta dimensão, a dimensão daquilo que não se vê. Daquilo que nossa razão desconhece. Não aquilo que a retina pega, e sim aquilo que a intuição intui. O mundo de 2015 está longe disso.
Ainda.
BOÊMIOS.... DAN FRANCK. AQUILO QUE SOMOS HOJE. SÓ QUE NA IMITAÇÃO DA IMITAÇÃO DA IMITAÇÃO DA IMITAÇÃO...
Um andava com uma camisa feita de papel. Outro fez uma gravata de madeira. Todos tinham visual ultrajante. Todos passavam frio e muita fome. Mas não desistiam. Este livro fala deles. Cada capitulo, de duas paginas, fala um causo. Uma piada, um drama. Nisso lembra o livro do Ruy sobre Ipanema. Mas este é francês. Muito Paris.
Vai de 1900 até 1930. Começa com Picasso. O cubismo. E Apollinaire, o poeta. Em Montmartre. Primeiro choque: em estilo, palavras, as pessoas hoje, cem anos depois, imitam todos eles sem saber. Mesmo quem nunca ouviu falar de Max Jacob ou de Modigliani. Cocaína, absinto, ópio, arte. Se morria pela arte. Este livro explica Patti Smith e Mapplethorpe. Boêmios.
Triste é a parte final. Após cubismo, fauvismo e o dadá, vem o surrealismo, e esse movimento estraga tudo. Mete política e poder no meio. Porquê antes todos eram anarquistas. E estrangeiros. Os inimigos dizem isso, que todos são estrangeiros, que eles destroem a verdadeira França. E há a guerra de 14, que mata tantos...
Foujita, um japonês que se vestia de mulher e seduzia as damas burguesas. Man Ray, o fotógrafo americano que amou Kiki, a menina de rua que virou musa da época.
Jarry, o autor do Ubu, que andava armado e dava tiros em bares, na rua.
Tzara, líder do dadaísmo, onde nada fazia sentido e tudo era piada. As festas dadas, as mentiras como forma de arte.
É tanta gente. Brigas em bares, delegacias, peças que viram lutas, vaias, socos, fogo e tiros.
E as mulheres. Modelos, putas, dançarinas. Uma esfuziante fé na vida, mesmo sem comida, com piolhos, doença e criação. A vida como obra de arte.
Lá tudo isso ainda era de verdade. Porquê eram os primeiros. Não imitavam ninguém. Não queriam ser como boêmios. Eles eram Os boêmios. Faziam o que queriam da forma que podiam.
Picasso ficou rico. Foujita, Derain, Van Dongen, Matisse, Braque...todos ricos. Mas ainda duros. Como dizia Picasso: o ideal é ser pobre tendo dinheiro.
Livro inspirador!
Vai de 1900 até 1930. Começa com Picasso. O cubismo. E Apollinaire, o poeta. Em Montmartre. Primeiro choque: em estilo, palavras, as pessoas hoje, cem anos depois, imitam todos eles sem saber. Mesmo quem nunca ouviu falar de Max Jacob ou de Modigliani. Cocaína, absinto, ópio, arte. Se morria pela arte. Este livro explica Patti Smith e Mapplethorpe. Boêmios.
Triste é a parte final. Após cubismo, fauvismo e o dadá, vem o surrealismo, e esse movimento estraga tudo. Mete política e poder no meio. Porquê antes todos eram anarquistas. E estrangeiros. Os inimigos dizem isso, que todos são estrangeiros, que eles destroem a verdadeira França. E há a guerra de 14, que mata tantos...
Foujita, um japonês que se vestia de mulher e seduzia as damas burguesas. Man Ray, o fotógrafo americano que amou Kiki, a menina de rua que virou musa da época.
Jarry, o autor do Ubu, que andava armado e dava tiros em bares, na rua.
Tzara, líder do dadaísmo, onde nada fazia sentido e tudo era piada. As festas dadas, as mentiras como forma de arte.
É tanta gente. Brigas em bares, delegacias, peças que viram lutas, vaias, socos, fogo e tiros.
E as mulheres. Modelos, putas, dançarinas. Uma esfuziante fé na vida, mesmo sem comida, com piolhos, doença e criação. A vida como obra de arte.
Lá tudo isso ainda era de verdade. Porquê eram os primeiros. Não imitavam ninguém. Não queriam ser como boêmios. Eles eram Os boêmios. Faziam o que queriam da forma que podiam.
Picasso ficou rico. Foujita, Derain, Van Dongen, Matisse, Braque...todos ricos. Mas ainda duros. Como dizia Picasso: o ideal é ser pobre tendo dinheiro.
Livro inspirador!
A UTILIDADE DA BELEZA É A DE DESTRUIR O CONCEITO DE UTILIDADE
E tudo começou com Beardsley. Com uma linha sinuosa, desenhada a nanquim, preto sobre o branco. Um diabinho e uma mulher nua. Era o começo do fim do século XIX, e como protesto ao automatismo da vida industrial, eles criaram a noção de que só teria valor aquilo que fosse feito manualmente. A revolução seria a revolução da beleza. Se o mundo se tornava cada vez mais feio, sujo, aglomerado, cabia ao homem, a todo homem, se individualizar. Fazer de seu ambiente, de sua vida, testemunho de sua beleza individual. ( Me parece que hoje, burramente, o protesto se dá pelo culto ao feio. Como se não fosse feio aquilo que produzimos naturalmente ).
O que seria essa beleza? Para o art nouveau inglês, o belo seria noturno, negro, curvilíneo, pecaminoso e satânico. Whistler exemplifica bem esse estilo noturno. Mas Londres não foi solitária. Barcelona, Bruxelas, Paris, Berlin e principalmente Viena logo adotaram o estilo. Beleza para todos! Não vamos esquecer nunca que eles eram socialistas, sua ambição era coletiva e socializante.
Uma contradição! Um dos lemas era: Melhor fazer um cinzeiro em dez dias que dez cinzeiros em um dia! E realmente eles levavam até mais de dez dias para fazer um cinzeiro. E essa peça seria única, cheia de criatividade, beleza. E cara...O novo estilo, JUNGSTIL, começou a ser sinal de luxo, status, exclusividade. Mobilia, quadros, roupas, objetos, um simples saleiro, tudo era Jungstil. O jovem estilo. Nada acessível às massas que continuavam em sua pobreza feia do produto anônimo. Mas havia a arquitetura, e com ela a cidade poderia mudar, e com a mudança do ambiente o povo poderia adquirir o senso da beleza! Maravilhosas fachadas em Viena, em Paris, estações de metrô, postes de luz, gares de trens, bancos, jardins, tudo art nouveau, novo lema: Arte de Hoje para o Tempo de Agora!
A música do tempo: Debussy! Ravel ! Satie! Curvas, panos, tapetes, cortinas, luzes, ferro fundido, prata, ouro, vitrais, flores, veludo. Poetas do tempo: Rilke, Stefan George, Mallarmée, Valéry. Corpos nús, sexo, oriente, Grécia. Vapores...Luxo, sempre o luxo, a calma, a volúpia. Klimt, Mucha, Otto Wagner, Victor Horta.
Em Trieste, em 1905, Rilke e Joyce se cruzaram na cidade. E não se reconheceram, claro. Mas veja, uma cidade, média, viu dois gênios respirarem seu ar ao mesmo tempo. Um, Rilke, cultuando a negra pantera que trazia em seu movimento a beleza do sexo e da morte; o outro, Joyce, odiando tudo aquilo e querendo mostrar ao mundo o cuspe, a merda e a vulgaridade da vida real. E quem sabe, achar a beleza maior nessa verdade.
Para o Art Nouveau, a beleza era um fim em si. Para Joyce, a verdade era a beleza. Sempre a verdade.
Como todo movimento novo, ele logo ficou velho. Em dez anos, o esgotamento. E quando a primeira guerra veio, em 1914, culpou-se o Jungstil pela guerra. Falou-se que sua falta de moral, de fibra, sua preguiça seria o ambiente que levou o mundo ao Kaos! Jungstil passou a ser coisa decadente, suja, mortal...
Por 50 anos, até 1964 mais ou menos, TUDO referente a Klimt, Beardsley, Whistler, foi considerado de segunda categoria. Foi o tempo da ditadura da linha reta. Da Bauhaus, de Mondrian, aqui no nosso Brasil do chato Niemeyer. Sem ornamentos, sem enfeites, sem copiar a natureza. Linhas puras, aço e vidro, regras e réguas. A beleza substituída pela FUNCIONALIDADE. O objeto, a construção, deve cumprir sua função. Tudo o que não tenha uma utilidade é dispensável. ( Oscar Wilde: A arte e a beleza só o são quando completamente inuteis ).
Os anos 60 recuperaram a Jungstil. De repente o inutil voltou a ser cultuado. O mundo viu um renascimento do ornamento, do enfeite, do negro, do dúbio, do floral, do véu, o satânico, o exagero. A curva retomou seu posto de rainha de estilo. A vida como arte, o eu como construção consciente de beleza. Se voce quer que eu vulgarize, a música pop de Incredible String Band, Soft Machine, Gong, música floral, cheia de arabescos, surpresas, tintas e noites, discos como o Satanic dos Stones, Sgt Peppers, Forever Changes do Love. Capas, olhos árabes, vitrais art déco, música indiana, marroquina, flamenco...A beleza, a busca da beleza como única fé, a religião do BELO.
E hoje? E 2015?
Uma luta neste vale-tudo do mercado que é o mundo. Um planeta que virou um bazar de vidro e pedra. De um lado a hiper-funcionalidade. Beleza sendo conceito relativo, ou pior, futil. Estranhamente esse conceito se tornou quase religioso, pois ele no fundo nega a matéria. Se voce nega a beleza do olhar e do tato, voce está negando o mundo sensual, o mundo da matéria. Voce vive no mundo da função, do pensamento e do fazer imaterial. É quase um universo cego. O Brasil ama esse mundo. Por tradição somos ligados a cegueira. Prédios todos iguais, ruas sem ornamentos, funcionalidade que em nosso trágico caso, nunca funciona. Estamos no pior dos dois mundos.
E há a luta pela preservação da beleza. Que se transformou no culto ao prazer egoísta. Cultua-se o belo imaginando que a beleza vive no status. Na saúde. No chique. É uma tradição que inexiste no Brasil. Ou melhor, sobre- vive numa natureza que ensina a filosofia da beleza, do excesso, da curva exuberante. Mas nós odiamos essa beleza. Cuspimos nela. A sinuosidade de um riacho, canalizamos. Ele parece ser não funcional.
Para mim, beleza cura tudo. Essa a sabedoria dos gregos, dos católicos, dos românticos, dos art nouveau, dos fauve. A beleza dá sentido ao que parecia absurdo. Ela nos consola, nos guia, nos justifica. A curva pode mais que a reta. O sinuoso absurdo seduz.
John Keats, em 1810 estava certo:
a thing of beauty is a joy for ever.
O que seria essa beleza? Para o art nouveau inglês, o belo seria noturno, negro, curvilíneo, pecaminoso e satânico. Whistler exemplifica bem esse estilo noturno. Mas Londres não foi solitária. Barcelona, Bruxelas, Paris, Berlin e principalmente Viena logo adotaram o estilo. Beleza para todos! Não vamos esquecer nunca que eles eram socialistas, sua ambição era coletiva e socializante.
Uma contradição! Um dos lemas era: Melhor fazer um cinzeiro em dez dias que dez cinzeiros em um dia! E realmente eles levavam até mais de dez dias para fazer um cinzeiro. E essa peça seria única, cheia de criatividade, beleza. E cara...O novo estilo, JUNGSTIL, começou a ser sinal de luxo, status, exclusividade. Mobilia, quadros, roupas, objetos, um simples saleiro, tudo era Jungstil. O jovem estilo. Nada acessível às massas que continuavam em sua pobreza feia do produto anônimo. Mas havia a arquitetura, e com ela a cidade poderia mudar, e com a mudança do ambiente o povo poderia adquirir o senso da beleza! Maravilhosas fachadas em Viena, em Paris, estações de metrô, postes de luz, gares de trens, bancos, jardins, tudo art nouveau, novo lema: Arte de Hoje para o Tempo de Agora!
A música do tempo: Debussy! Ravel ! Satie! Curvas, panos, tapetes, cortinas, luzes, ferro fundido, prata, ouro, vitrais, flores, veludo. Poetas do tempo: Rilke, Stefan George, Mallarmée, Valéry. Corpos nús, sexo, oriente, Grécia. Vapores...Luxo, sempre o luxo, a calma, a volúpia. Klimt, Mucha, Otto Wagner, Victor Horta.
Em Trieste, em 1905, Rilke e Joyce se cruzaram na cidade. E não se reconheceram, claro. Mas veja, uma cidade, média, viu dois gênios respirarem seu ar ao mesmo tempo. Um, Rilke, cultuando a negra pantera que trazia em seu movimento a beleza do sexo e da morte; o outro, Joyce, odiando tudo aquilo e querendo mostrar ao mundo o cuspe, a merda e a vulgaridade da vida real. E quem sabe, achar a beleza maior nessa verdade.
Para o Art Nouveau, a beleza era um fim em si. Para Joyce, a verdade era a beleza. Sempre a verdade.
Como todo movimento novo, ele logo ficou velho. Em dez anos, o esgotamento. E quando a primeira guerra veio, em 1914, culpou-se o Jungstil pela guerra. Falou-se que sua falta de moral, de fibra, sua preguiça seria o ambiente que levou o mundo ao Kaos! Jungstil passou a ser coisa decadente, suja, mortal...
Por 50 anos, até 1964 mais ou menos, TUDO referente a Klimt, Beardsley, Whistler, foi considerado de segunda categoria. Foi o tempo da ditadura da linha reta. Da Bauhaus, de Mondrian, aqui no nosso Brasil do chato Niemeyer. Sem ornamentos, sem enfeites, sem copiar a natureza. Linhas puras, aço e vidro, regras e réguas. A beleza substituída pela FUNCIONALIDADE. O objeto, a construção, deve cumprir sua função. Tudo o que não tenha uma utilidade é dispensável. ( Oscar Wilde: A arte e a beleza só o são quando completamente inuteis ).
Os anos 60 recuperaram a Jungstil. De repente o inutil voltou a ser cultuado. O mundo viu um renascimento do ornamento, do enfeite, do negro, do dúbio, do floral, do véu, o satânico, o exagero. A curva retomou seu posto de rainha de estilo. A vida como arte, o eu como construção consciente de beleza. Se voce quer que eu vulgarize, a música pop de Incredible String Band, Soft Machine, Gong, música floral, cheia de arabescos, surpresas, tintas e noites, discos como o Satanic dos Stones, Sgt Peppers, Forever Changes do Love. Capas, olhos árabes, vitrais art déco, música indiana, marroquina, flamenco...A beleza, a busca da beleza como única fé, a religião do BELO.
E hoje? E 2015?
Uma luta neste vale-tudo do mercado que é o mundo. Um planeta que virou um bazar de vidro e pedra. De um lado a hiper-funcionalidade. Beleza sendo conceito relativo, ou pior, futil. Estranhamente esse conceito se tornou quase religioso, pois ele no fundo nega a matéria. Se voce nega a beleza do olhar e do tato, voce está negando o mundo sensual, o mundo da matéria. Voce vive no mundo da função, do pensamento e do fazer imaterial. É quase um universo cego. O Brasil ama esse mundo. Por tradição somos ligados a cegueira. Prédios todos iguais, ruas sem ornamentos, funcionalidade que em nosso trágico caso, nunca funciona. Estamos no pior dos dois mundos.
E há a luta pela preservação da beleza. Que se transformou no culto ao prazer egoísta. Cultua-se o belo imaginando que a beleza vive no status. Na saúde. No chique. É uma tradição que inexiste no Brasil. Ou melhor, sobre- vive numa natureza que ensina a filosofia da beleza, do excesso, da curva exuberante. Mas nós odiamos essa beleza. Cuspimos nela. A sinuosidade de um riacho, canalizamos. Ele parece ser não funcional.
Para mim, beleza cura tudo. Essa a sabedoria dos gregos, dos católicos, dos românticos, dos art nouveau, dos fauve. A beleza dá sentido ao que parecia absurdo. Ela nos consola, nos guia, nos justifica. A curva pode mais que a reta. O sinuoso absurdo seduz.
John Keats, em 1810 estava certo:
a thing of beauty is a joy for ever.
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