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FEDERICO FELLINI - FAZER UM FILME

   O melhor do livro é a homenagem que Fellini faz a Totó, o genial cômico italiano. Por mais que se elogie Totó, ela é ainda maior.
 Não é um bom livro. A longa introdução de Italo Calvino é muito melhor. Calvino fala de suas memórias com o cinema dos anos 30 e consegue explicar porque o cinema americano desse tempo é tão mítico. O modo como ele descreve as estrelas e seu poder sobre nós é sublime.
 Mas Fellini tem outro tipo de abordagem. Ele escreve sobre seu ego, seus sentimentos e nunca sobre seus filmes ou sua vida. E assim, acaba por nos cansar. Uma pena. E felizmente ele reconhece que não consegue falar sobre os filmes porque ele só se recorda do que sentia enquanto os fazia, e não da história das filmagens em si.
 Já esquecia que além de Totó, Fellini conta sua experiência com LSD, frustrante, e seu respeito por Jung, um psicólogo que libera a união e não prega a divisão entre alma e corpo, sonho e realidade, desejo e medo.
 Lemos todo o filme e nada ficamos sabendo sobre o homem Fellini.
 O cara que fez 4 dos melhores filmes da história se esconde.

O JOGO DA IMITAÇÃO/ A TEORIA DE TUDO/ JAZZ/ MARCEL CARNÉ/ A STAR IS BORN/ BOYHOOD/ FANNY

O JOGO DA IMITAÇÃO de Morten Tyldun com Benedict Cumberbatch e Keira Knightley
Mesmo conhecendo a bio de Alan Turing fiquei chocado com o fim do filme. Imagino como se sente quem não a conhece. O filme é sensacional. Ele toca todos aqueles que se sentem esquisitos, todos os que foram perseguidos na escola, todos os diferentes. Ou seja, toca quase todos nós. Turing foi um gênio e o filme é digno dele. Suspense bem feito, drama e uma bela história. Adoraria ver este filme ser, como foi O Discurso do Rei alguns anos atrás. a grande surpresa inglesa do Oscar. Os dois se parecem muito. São filmes clássicos, muito ingleses, com um momento chave do século XX pescado do esquecimento. O melhor ator do ano é Benedict. E quem achar que caio em contradição, pois costumo criticar essa mania de confundir boas imitações com grandes desempenhos, que Benedict não imita Turing, ele cria uma personagem. Pois ao contrário de Capote ou de Ray, Turing tem um nada de videos para se imitar. Foi em vida uma pessoa obscura. 2015 é a melhor safra do Oscar desde o século XX, este é o filme que mais me emocionou, O Hotel Budapeste é o melhor filme. Qualquer dos dois que vencer será uma alegria para mim. Nota 9.
A TEORIA DE TUDO de James Marsh com Eddie Redmayne e Felicity Jones
Se Eddie vencer o Oscar será mais uma vitória do papel de doente. Impressiona como o Oscar ama gente interpretando doentes! O filme é legal, mas está muito atrás de O Jogo da Imitação, com o qual poderia se parecer. Tudo aqui é correto, como Hawking, que é um cara do bem. Mas o filme não causa impressão. Dois dias depois voce mal recorda uma cena. Felicity é na verdade a heroína. Excelente interpretação, ela foi uma santa em aguentar o casamento. O filme é dela. Nota 6.
WHIPLASH, EM BUSCA DA PERFEIÇÃO de Damien Chazelle com Miles Teller e JK Simmons
Um pensamento ruim me ocorreu durante o filme. O jazz desde os anos 50 virou isso...um fóssil estudado por chatos, nerds e infelizes. O que era uma expressão folclórica de vida, virou objeto de adoração semi-religiosa e de estudos devotados. But....o filme, simples, barato, é bom. E mostra algo de muito particular que só o jazz tem: nele não existe nada de bom ou de correto. Ou o cara é """do cacete"""ou é muito ruim. Para fazer parte da coisa voce tem de ser uma fera. Músicos bons, como no rock são quase todos, não sobrevivem no jazz. Porque aqui, mesmo aquele esquecido baixista da banda de Fletcher Henderson ou do trio de Benny Golson, era mais que excelente. No jazz, como na música erudita, não dá pra enganar. Porque aqui o simples barulho ou as notas simples inexistem. Para quem toca este filme é obrigatório. E mesmo para o resto, é um bom filme. Espero que ele mostre aos roqueiros o quanto bateristas discretos, jazzistas, como Charlie Watts ou Mitch Mitchell são bons. Ritmo, isso é tudo. Conseguir manter a batida, sem variação de velocidade ou de volume, matematicamente preciso, é isso. Posto acima um Buddy Rich, o mito. JK dá um show. Mas o garoto também é bom. Nota 7.
BOYHOOD de Richard Linklater com Ethan Hawke e Patricia Arquette
Somos uma geração, a minha, entre 40/50 anos, desastrada. Criamos filhos como amigos e eles queriam pais. O filme acompanha o crescimento de um menino. E Linklater, que entre seus filmes favoritos tem Truffaut e Bresson, evita todo momento de drama, exibe o banal e nesse banal o que há de mais bonito. O filme é leve, puro, otimista. O menino, que sorte, vira um cara legal. Mas eu queria que mostrassem mais a irmã! Ela parece mais interessante. Ethan faz Ethan Hawke, o cara gente boa. Patricia manda muito bem. Gorda, a sensual Alabama virou uma americana comum. Ponto pra ela! O melhor de Linklater ainda é Dazed and Confused, mas se ele vencer o prêmio de direção será bem legal. Ele é Wes, com seu amor por filmes franceses, são dos poucos caras a dar ar de liberdade ao amarrado e cabisbaixo cinema atual. Nota 8.
FANNY de Marcel Pagnol com Raimu, Pierre Fresnay e Orane Demazis
Por falar em cinema francês...Eis Pagnol, escritor, autor de teatro e diretor de cinema. O homem da Provence antes do lugar virar moda. A história aqui é de uma menina, grávida e solteira. O pai da criança a abandonou para virar marinheiro. Ela aceita a proposta de um homem mais velho, que assumirá o nenê. Mas o marinheiro volta...O filme é tosco, sem produção, primitivo. E encantador. É um tipo de filme tão arcaico que hoje fica parecendo muito fresco, novo, original. Assistir Fanny é como ver um documentário sobre um planeta que deixou de existir. O mundo de Cézanne e de Cassat. Um prazer. Nota 9.
CONTRABANDISTA A MUQUE de Christian-Jacque com Totó e Fernandel
Existe uma cidade na fronteira entre França e Itália em que ruas e casas marcam a divisão. O filme mostra desse modo o contraste entre os dois países. Totó é um contrabandista. Fernandel um policial. Um é bem italiano: malandro, preguiçoso, mentiroso. O outro é rigido, cumpridor das leis, burocrático e meio bobo. Divertido, o filme, de 1958, nos faz pensar que essas diferenças hoje seriam ilusórias. A Europa virou um grande caldeirão comum. Uma certa nostalgia surge, onde os italianos estão? Totó, um gênio como ator, nunca mais. Nota 7.
FAMÍLIA EXÓTICA de Marcel Carné com Françoise Rosay, Michel Simon, Jean-Louis Barrault, Louis Jouvet e Jean-Pierre Aumont.
No cinema clássico francês dois caminhos logo surgiram. O cinema simples de Renoir e o cinema elaborado de Carné. Prefiro Carné. Aqui temos uma rocambolesca comédia com os melhores atores de então. Como explicar a história? Tem um escritor que finge ser um pacato burguês, tem um doido assassino, tem um conquistador barato...e muito mais. Os diálogos, de Prévert, são brilhantes. É um filme Pop, feito para divertir, para entreter. Nota 7.
NASCE UMA ESTRELA de William Wellman com Janet Gaynor, Frederic March e Lionel Stander
Um grande clássico. A primeira versão da história da moça que quer ser estrela de Hollywood e se envolve com um ator decadente. Ela sobe, ele afunda. Tudo aqui funciona. O filme emociona, dá raiva, toca, fica. O mecanismo da imprensa surge crú. March está magnífico! Faz um alcoólatra com tintas de Barrymore sublime. Temos pena dele. E admiração. Gaynor jamais se torna doce demais. Ela ama March. Ama o cinema. E tem ainda Stander, um jornalista que é o mal em pessoa. Ele odeia March e goza em ver sua queda. Wellman faz o roteiro de Dorothy Parker voar. É um grande filme. Nota DEZ.

RESNAIS/ BERTOLUCCI/ HATHAWAY/ TOTÓ/ MARIO MONICELLI

   SIMBAD E O OLHO DO TIGRE de Sam Wanamaker com Patrick Wayne e Taryn Power
Ray Harryhausen produziu e escreveu. E, claro, fez os efeitos especiais. Que não encantam. Ray foi perdendo o jeito conforme o tempo avançava. Seu apogeu se deu entre 1960/1964...aqui estamos em 1977... Nota 2.
   ADRENALINA de Neveldine e Taylor com Jason Statham e Amy Smart
Voces sabem: injetam uma droga num matador profissional. Sua adrenalina não pode parar ou ele morre. Então ele corre, briga, bebe cafeína, faz sexo e briga. O filme é hilário! Tem um milhão de efeitos e todos os vicios do cinema atual: é vazio, sem pensamento, anti-estético e grosseiro. Mas tudo é perdoado por sua falta de pose. Ele se sabe idiota e admite sua popicidade teen. Isso o redime. Como condenar algo que me deu hora e meia de prazer? Nota 6.
   MR.MAGOO  de Stanley Tong com Leslie Nielsen e Kelly Lynch
 Se não é a pior comédia da história...chega perto disso. Leslie era ótimo, mas este filme é uma roubada! Em tempo: Inácio Araújo falou esta semana da boa fase que a comédia viveu nos anos 80. Ele citou Steve Martin, John Candy, Crystal, Murray...Comédias que ainda eram humanas, ainda tinham personagens com alguma profundidade. Ele se esqueceu de Leslie Nielsen. Este filme? Esqueça! Nota ZERO
   POLICIA E LADRÃO de Mario Monicelli e Steno com Totó e Aldo Fabrizi
Seria Totó o maior humorista da história do século XX? Nascido como um nobre italiano, tornado ator, o rosto de Totó, sua voz, os movimentos de seu corpo, são das coisas mais elaboradas, mais encantadoras da arte do riso. Aqui ele é um malandro que vive de golpes. Aldo Fabrizi é o policial que o persegue. Estamos na Roma de 1951. Uma cidade inacreditávelmente pobre. O filme é todo entre lama e favelas. E seu povo. Um pensamento: o povo mais anti-americano do mundo nunca foi o russo. É o italiano. Vemos o porque neste filme. Há um orgulho em se burlar a lei, em não se fazer nada, um prazer no improviso, no diálogo cheio de duplos sentidos, na vagabundagem, na negação a produção e ao tempo como dinheiro. E ao final, o ápice do humanismo, o policial e o ladrão se reconhecem como atores de um mesmo drama, como faces da mesma verdade. Monicelli amava gente. Seu cinema é sempre um olhar amoroso a gente comum. A gente que luta para poder continuar a lutar. Este filme, em que pese o começo hesitante, é maravilhoso! Nota 9.
   VOCÊS AINDA NÃO VIRAM NADA! de Alain Resnais com Pierre Arditi, Lambert Wilson, Sabine Azéma e Michel Picoli
Por quinze minutos o filme parece ser fascinante. Sentimos na tela a inteligência de Alain Resnais. Ele que é um dos mais intelectualizados dos diretores da história. Aos quase cem anos de idade, vemos nesses minutos a promessa de invenção. Como aconteceu com Altman, que morreu mais jovem que 99% dos diretores, Resnais nos provoca e promete. Mas então tudo se arruina. O filme morre em diálogos frios e em truques que se repetem. O tédio chega avassalador. Impossível suportar. Chato, chato e chato. Darei um 4 para Resnais? Ou sairei pela tangente da covardia do sem nota? Não, darei a nota: 3.
   TRAMA MACABRA de Alfred Hitchcock com Bruce Dern, Barbara Harris e Karen Black
É o último filme do mestre e eu lembro das críticas da época: péssimas. Os críticos tinham prazer em falar da pobreza do roteiro e da indigência das imagens. Well...visto hoje, neste tempo de roteiros pobres e imagens banais, este filme parece menos ruim. Mas continua a ser comum. Na verdade ele é como um bom episódio de alguma série de tv. Toda a primeira parte é bem chata, a parte final se encontra em ação interessante e bom suspense. O mestre havia morrido para o cinema em 1964 com Marnie. Deu um suspiro em 1972 com o ótimo Frenesi. Este deve ser evitado. Nota 4.
   EU E VOCÊ de Bernardo Bertolucci
Ainda não estreou aqui. Bernardo achou um jovem ator que tem a cara do Malcolm McDowell da Laranja Mecânica de Kubrick. E o filme é esse rosto. Confesso ser suspeito para falar deste filme. Eu fui aos 15 anos como aquele jovem. Ele usa cabelo longo e tem espinhas. Nas férias finge ir a excursão da escola. Na verdade ele se isola no porão de sua própria casa. Lá, com comida estocada, roupas e bebida, ele pensa poder ser feliz. Mas uma meia-irmã, junkie, surge e muda tudo. O filme termina ( ele é curto ), com David Bowie -Space Oddity. Bertolucci continua adolescente. Isso é emocionante. Ele olha para o garoto como cúmplice. Em 1968 ele filmou Partner, retrato do adolescente de então. Um filme esquizóide e hiper-radical. E desde então ele tem nos dado esses retratos de adolescentes e de seus tempos. Não sei se este jovem é um cara de 2013. Como falei, eu fui como ele e não fui/sou um adolescente de 2013. É um filme modesto, sem compromisso, franciscano, pobre. E que apesar de ter tanta coisa para me agradar me deixou entediado. Fácil saber porque. Se o garoto tem um rosto que funciona, a irmã é uma mala-sem-alça, feita por atriz limitada e pouco marcante. Quando ela surge o filme desaba. Já que o jovem me lembrou McDowell, bem que Bernardo podia ter conseguido uma "Maria Schneider". Nota 6.
   A LEGIÃO SUICIDA de Henry Hathaway com Gary Cooper e David Niven
Hathaway foi um dos grandes diretores de aventura do cinema. Nos anos 30, ele, Wellman e Curtiz criaram toda a forma, todo o molde que seria usado naquilo que até hoje é o filme de aventuras. Um herói solitário e nobre, a ação que irrompe súbita, as façanhas, o humor do amigo do herói, a "mocinha" que o ajuda, o vilão frio e trapaceiro. Esqueça a modernidade, este filme prega o colonialismo desavergonhadamente. Filipinas. Americanos ensinam os "nativos" a se defender. Cooper, sempre elegante e sempre com sua voz firme e o olhar alegre, é um médico que serve o exército. O filme tem assassinatos, doenças, rivalidades, brigas e emboscadas. A ação é muito boa. Uma bela diversão à antiga. Nota 7.

OS ETERNOS DESCONHECIDOS - MARIO MONICELLI

Lí o texto de André Barcinski sobre este filme e me deu vontade de o rever. Que belo presente de natal !
Filme amado por Woody Allen, Scorsese e por Soderbergh, narra a história de bando de miseráveis que armam um plano de assalto perfeito. O filme é então uma sátira aos milaborantes filmes de crime. Mas é muito mais. Porque não é nos erros que se faz o humor desta obra-prima, é no cotidiano desses tipos tão verdadeiros, nada excêntricos, e tão adoráveis.
Vittorio Gassman é o galã. Galo inflado, se vê como homem inteligente e belo. Marcello Mastroianni é um pai sensível, sempre às voltas com o bebe que chora. Renato Salvatori é um jovem malandro das ruas, apaixonado pela irmã de outro ladrão, a jovem Claudia Cardinale. O irmão, siciliano com rosto de eterna briga, um " tá olhando o que?" nos olhos, é hilário. Temos ainda as cenas na prisão, todas bufonas, italianadas, faiscantes.
Mais personagens surgem : o velhinho que passa o tempo a comer, e Totó, o grande gênio Totó, como o mestre de arrombamento de cofres, um pretensioso. Totó foi provávelmente o maior ator cômico do mundo ( e incluo Tati e Keaton nisso ). Seu rosto é obra de intuição de mestre.
Esse bando de perdedores faz o roubo e o que acontece então deixo para voces descobrirem. Basta que eu diga que o final é perfeito. Termina como devia terminar e termina em chave de surpresa.
Monicelli morreu aos 93 anos se jogando da janela do hospital. Riu por último. O mundo não terá outro igual. Para ele a vida era hilária por ser tosca, mal feita, sem razão.
Eu o chamo de mestre.