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O CAIS DAS SOMBRAS, UMA OBRA PRIMA DE MARCEL CARNÉ

Primeiro os créditos iniciais: Schufftan e Alekan são os diretores de fotografia. Alekan inclusive foi homenageado por Wenders em seu filme sobre os anjos em Berlin. Schufftan formou uma legião de diretores de fotografia e nos EUA criou escola. Mais: o cenógrafo é Alexandre Trauner, talvez o maior mestre da cenografia para filmes. Jacques Prévert no roteiro e eis o filme. --------------- Primeira cena e voce já entra no clima: noite, uma estrada cheia de neblina. Um caminhão freia porque há um homem no meio do caminho. Carona. É Gabin em mais um papel mítico. Usa uniforme de soldado, está fugindo, veio da Indochina, colônia francesa. Um cão na estrada, Gabin faz o caminhão desviar, quase briga entre ele e o condutor, fazem as pazes, um Gitanes então. Gabin desce em Le Havre, o cão o segue. Uma cabana grande, bar e hotel, um barraco à beira mar, neblina. O dono do lugar o ajuda, lhe dá comida. Uma mulher, Michele Morgan aos 16 anos fazendo a femme fatale. Boina, capa de chuva transparente, lindissima. A cena em que ela se volta, close, de antologia. Eis o filme noir. Os dois se apaixonam, mas há Michel Simon, seu "padrinho", há um rico metido à gangster, há a fome. Não há vilão mais asqueroso que Michel Simon! Seu rosto, feio como o crime, queixada, olho de cobiça, voz de mentiroso, todo filme com Simon, e são muitos, é uma aula em como ser nojento, como ser repulsivo, mesmo quando ele é o heroi!!!! Pois bem...Gabin herda as roupas e os documentos de um morto da praia, conhece um capitão, irá fugir para a Venezuela ( em 1938 se emigrava muito para lá ). Mas há o amor, antes o amor. Uma noite de amor. E uma ida ao parque, brincar. Os dois descobrem que a vida não é tão ruim, talvez a sorte tenha mudado. Mas ele mata Simon, com um tijolo e tem de partir, sem ela. Na rua, tiros, Gabin morre, foi o playboy que se faz de gangster...Um beijo enquanto ele morre na rua. Ela ficará só. O cão foge do navio, corre pelas ruas, é o fim. ------------------- Conciso, direto, sem nenhuma fala ou cena que sobre, é um filme perfeito. Há obras primas que não são perfeitas, posso citar dezenas, e há filmes perfeitos que não são obras primas. Pois um perfeito para ser obra prima tem de ter um universo inteiro dentro de si. A obra prima, em qualquer das artes, inventa um mundo onde ele reside, ela é centro desse mundo e se torna a onipresença desse kosmos. Ao ver uma obra prima em filme, entramos no mundo daquele filme, um mundo que só existe lá e que TEM DE existir para sempre. Já o filme perfeito, apenas perfeito, não tem uma cena a mais, não mostra falha, jamais hesita, é inexorável. Este filme é as duas coisas, um mundo de neblina e de azar, e de beleza triste, e também uma absoluta concisão perfeita, por isso irretocável. E há Gabin, mais uma vez...desta vez doce, quase bom, sensível e perdido, um desertor, um sozinho. Carné não tem medo algum, ele nos dilacera. O filme é um prazer amargo, um dos meus favoritos, obrigatório.

NESTE MUNDO E NO OUTRO, FILME DOS ARCHERS

Feito logo ao fim da segunda guerra mundial, ESTE MUNDO E NO OUTRO é mais um filme da dupla Powell Pressburger e como em todos os seus filmes, é original, inquieto e cheio de toques arriscados. Um avião está caindo em chamas e seu piloto, único sobrevivente, sem paraquedas, se despede da vida conversando com uma americana que o escuta via rádio. O avião cai e explode e o piloto morre. Ou não... Ele, feito por David Niven, acorda numa praia e aturdido, percebe lentamente que não morreu. Apaixonado pela americana que o escutou à morte, ele e ela vão a julgamento no tribunal do céu: terão o direito de enganar a morte? Sim, pois o enviado da morte errou, deixou-o escapar e por isso esse é um caso único. Ao final, tudo chega a sua conclusão durante uma operação cerebral a que ele é submetido. -------------------- O filme fez grande sucesso em seu tempo e é bastante cultuado, mas não é dos meu Powell favoritos. Há algo nele que me incomoda e penso ser a escolha do elenco. David Niven é ótimo como lordes de classe elevada, aqui, como apaixonado, ele não nos toca. Kim Hunter é a americana, e não sentimos que alguém venceria a morte por ela. Mas....mesmo assim há uma profusão de coisas que nos impressionam: a fotografia de Jack Cardiff ( pra quem não sabe, Jack foi o maior mestre de foto colorida da história ), os cenários originais, a ousadia de Powell em filmar algo tão fantasioso e tão pouco apelativo. Observe como não há uma só cena onde Powell filme por filmar. Toda e qualquer cena possui a marca da tentativa de criar. ---------------- Wim Wenders baseou-se aqui em sua ideia de mostrar que somente a vida humana é colorida, o outro mundo é todo em preto e branco. --------------- Talvez seja este o melhor filme para se entrar no mundo dos The Archers, nome que definia a dupla Powell ( direção e roteiro ) e Pressburger ( roteiro e produção ).

ANJOS, FANTASMAS E ESPÍRITOS

   Michael Almereyda é um famoso diretor de teatro inglês atual. Nos extras do filme que acabei de ver, ele narra um texto soberbo sobre a atriz Gail Russel e o ator Ray Milland. Tão informativos quanto poéticos, comecei a perceber que há algo de muito estranho alí. Pois bem, na última parte do extra, ele fala algo que cala fundo no meu coração: Virginia Woolf dizendo, em 1926, auge do filme sem som, que a invenção do cinema trouxe uma experiência inédita até então: a de se ver fantasmas. Pela primeira vez nós estávamos vendo gente que era pura luz, aparições irreais, espectros. Almereyda desenvolve isso, e além de mostrar que com o correr do tempo o que vemos são pessoas realmente mortas, o que deixa a observação de Virginia ainda mais verdadeira, nós, diante de um filme, somos os fantasmas, os anjos, os espíritos.
 O extra mostra então cenas de filmes sobre almas, e dentre eles, Asas do Desejo, o filme magia de Wim Wenders. A câmera rodopia entre as pessoas naquilo que imaginamos ser o modo angelical de ver a vida. Pois então, o que somos nós, ao ver um filme, senão anjos vendo algo sem ser percebido? Se as imagens do filme são de uma realidade de espectros, sem solidez, nós as vemos como anjos, olhamos mas não podemos tocar, falamos mas não somos ouvidos, torcemos mas não podemos influir.
  Incrível não? Eu jamais havia notado que vendo um filme estou no lugar de um anjo vendo a Terra. Vejo, mas não estou lá. Me coloco numa dimensão à parte. Torço. Rezo. Quero. Mas não posso agir. Os atores não podem me ver. Meu desejo não mudará o roteiro. A vida no filme acontece lá e eu vivo aqui. Olho. Rodopio. Os anjos de Berlin sou eu.
  Mas incrível ainda é uma cena do filme em que esses extras estão. Ray Milland e Gail Russel andam por uma rua inglesa de 1942. A câmera foca neles, acompanha seu passeio posicionada na frente do dois. Ao fundo vemos uma rua de paralelepípedos, casas de comércio, umas poucas pessoas vivendo seu dia a dia. A cena não tem nada de extraordinário. Uma simples cena de diálogo em um filme. Mas quando vejo essa cena, não sei o porque, penso: Espera! O que houve? Estou vendo magia aqui! Esse lugar...essa gente...são...fantasmas! Belos fantasmas, cotidianos fantasmas...que se passa? Estou hipnotizado...
  Pensei ser esse apenas um lapso meu. Mas não é que nos extras Almereyda mostra essa cena, tão banal, como momento em que a teoria dele se prova? São fantasmas. Estão mortos. São intocáveis. Mas eu os vejo como espectros de luz. Vivos. Vivendo uma vida deles, só deles. Em um local que é COMUM MAS AO MESMO TEMPO É FANTÁSTICO.
  O filme se chama O SOLAR DAS ALMAS PERDIDAS e é nele que pela primeira vez se ouviu Stella by Starlight, uma canção de Victor Young que se tornou ícone do jazz ( vc já a ouviu com Miles Davis, Charlie Parker, Sinatra, Ella, Chet... ). Nunca pensei que fosse uma canção de um filme sobre fantasmas. O roteiro fala de um casal que se muda para um casa que tem dois fantasmas. E, como diz Almereyda, é um filme muito ruim com cenas maravilhosas. Ele é todo errado, esquisito, com momentos ridículos, mas ao mesmo tempo tem duas atuações sobrenaturais ( Gail e Ray ) e os fantasmas ainda dão grande incômodo. Foi o primeiro filme da história a tratar o sobrenatural não como aventura ou comédia, mas como um fenômeno sério. Grande sucesso em seu tempo, 1944, merece ser visto por aquilo que nos provoca. E em dvd, pelo extra.
  Com ele assisti também O SOLAR DE DRAGONWYCK, primeiro filme de Joseph L. Mankiewicz, que não vale à pena, e THE GHOST AND MRS MUIR, também do mesmo diretor e que vale muito à pena. Muir é uma viúva que vai morar numa casa na praia e lá conhece o fantasma do capitão que lá vivia. É romance total e tem Gene Tierney hiper bonita e Rex Harrison estreando na América. Ver Rex é sempre prazer supremo. O filme é dos três, o melhor. Não tem nada de ruim ou menos que bom.
  Ah sim, o filme que contém a cena fantástica e os extras, O SOLAR DAS ALMAS PERDIDAS, não é de Mankiewicz. É de Lewis Allen, um diretor classe B. Ray Milland ganharia o Oscar no ano seguinte por FARRAPO HUMANO, de Wilder.

CINEMA

Vejo alguns filmes...e sinto saudades do tempo em que formava minha coleção e via pelo menos uma obra-prima por semana...
   O GOLEM DE LIMEHOUSE de Juan Carlos Medina com Bill Nighy, Olivia Cooke e Douglas Booth.
Nada mal. Fala de uma série de crimes em Londres, 1880. Bom clima vitoriano, um bom ator e um final interessante.
   CORPO E ALMA de Ildiko Enyeki
Da Hungria, um filme que fala do flerte de um casal que trabalha num matadouro. Cenas de vacas sendo mortas e personagens zumbis. Pretensioso, glacial, chato, bobo.
   OS BELOS DIAS DE ARANJUEZ de Wim Wenders
E a carreira de todos os grandes revolucionários dos anos 60-70 tem terminado assim: filmes muito baratos, assuntos de auto reflexão, chatice onanística. Um casal conversa à mesa em um belo jardim. Falam de sexo. E é só isso.
   O GERENTE NOTURNO de esqueci de quem com Hugh Laurie, Tom Hiddleston, Tom Hollander
Thriller tolíssimo, veloz, rápido, cheio de bossas, sobre um ex soldado que toma conta de gente num hotel. Deus! Eu sei que o cinema acabou, mas suas cinzas não precisam ser tão opacas!
   PIRATAS DO CARIBE, A VINGANÇA DE SALAZAR
Esta série começou bem. Trazia Erroll Flynn para o século XXI. Para isso, dividia Flynn em duas partes: seu lado canastrão-carismático era de Depp, ótimo, e o lado heroico era feito pelo outro ator ( quem? ). Mas este filme dá vergonha. Depp passa do ponto e faz um tipo de imitação barata de um Bozo drunk. O roteiro é de uma pobreza infantil e a produção parece barata, vulgar. Chega!
   PARIS PODE ESPERAR de Eleanor Copolla com Diane Lane, Arnaud Viard e Alec Baldwin.
Que filme simples e que filme bom! Mais uma Copolla em um filme ótimo de olhar e delicado de observar. Não podia ser mais simples. Diane Lane, ainda bonita, é a esposa de Alec. Ele não tem tempo livre e deixa seu sócio, Viard, levar sua esposa a Paris. Eles vão de carro, e ele alonga a viagem parando em toda cidade do caminho. E é só isso. Lindas paisagens, flerte sutil, comida e vinho e leveza plena. É um grande filme? Claro que não! Mas a gente vê e crê naquilo tudo. Pode assistir.
   CLUBE DOS CINCO de John Hughes com Molly Ringwald, Ally Sheedy e Judd Nelson.
Que boa surpresa! O filme ainda é relevante! Teens tratados como gente em um filme que os ama e os compreende. Os atores estão excelentes, Ally apaixonante e as falas se tornaram icônicas. Não se faz mais um filme assim porque o cinema não é mais assim. Mas os jovens ainda são. Eu sempre gostei deste filme, mas nesta terceira vez eu o adorei.
   UM MILHÃO DE ANOS ANTES DE CRISTO de Hal Wallis
Uma raridade. Um filme de 1940 com um tema caro aos dias de hoje: monstros e trogloditas em ação sem falas. E é só isso. Incrível é que os efeitos são bons ( para a época ).
   A BRIGADA DO MAL de Andrew V. McLaglan com William Holden.
Nos anos 60 era moda fazer filmes assim. Sobre grupos de homens em uma missão arriscada. Todos esses filmes são filhos dos Samurais de Kurosawa. Este é bem banal. Um grupo de rebeldes deve criar disciplina para lutar contra os nazis. Hoje eles seriam um grupo de heróis de HQ.
   JARDIM DO PECADO de Henry Hathaway com Gary Cooper, Richard Widmark e Susan Hayward.
Produção classe A em um western standard. Cooper e Widmark vão ao México salvar o marido de Hayward, que está preso numa mina  de ouro. Tem índios, tem romance e tem Cooper. Mas há pouco Widmark e falta um bom vilão.
   O HOMEM COM A MORTE NOS OLHOS de Burt Kennedy com Henry Fonda.
As séries de TV de western mataram os faroestes de cinema. E saturaram os fãs. Houve um tempo em que 23 séries estavam no ar semanalmente nos EUA!!! Mas filmes ruins como este também ajudaram. Um filme dos anos 70 que imita a violência dos spaguetti western. É triste, chato, sem porque.
  

DWAYNE- BILL CONDON- PETER BOGDANOVICH-WIM WENDERS- GUY RITCHIE- LAWRENCE- GUERRA

   UM AMOR A CADA ESQUINA de Peter Bogdanovich com Imogen Poots, Owen Wilson, Jennifer Aniston, Rhys Ifans, Will Forte, Cybill Shepard.
A produção é de Wes Anderson e de Noah Baumbach. Tem participação, como ator, de Tarantino. Ou seja, a nata do cinema de 2015 dando uma força para Peter, o grande diretor revelação de 1971 com A Última Sessão de Cinema. E que depois fez algumas excelentes comédias doidas, como aquelas que se faziam nos anos 30. Mas aqui nada funciona. É triste ver os atores se esforçando ao máximo para dar vida a personagens tão fake. Na comédia doida tudo é fantasia, tudo é exagerado, mas havia nelas uma inteligência, nas falas, que tornava tudo "verdadeiro". Pelo exagero se chegava à verdade final das relações. Aqui as pessoas são apenas loucas. Elas correm, gritam, mentem, fogem, voltam, e fazem com que nos sintamos indiferentes. Não chegam a ser antipáticos, são apenas chatos. Penso que deveríamos achar Imogen fofa. Ela é apenas bobinha. Owen deveria ser charmoso. É apenas oco. E a pobre Jennifer deveria ser divertida. É apenas sem peso. Triste ver um filme que pensa ser chique, leve, amoral, cínico, ser apenas infantil, truncado, espertinho e ingênuo. Um fiasco! ( Atenção a Imogen. Ela será uma estrela ).
   A ESTRADA 47 de Vicente Ferraz com Daniel de Oliveira
Bom tema: o brasileiro na guerra de Hitler. Penso que Ferraz tentou construir um clima à Kurosawa. A estética a serviço do absurdo. A guerra vista como confusão, medo, dor e niilismo completo. Mas falta muito para se chegar perto do mestre japonês ( ou de Naruse ), o filme não nos envolve. Histeria e frio que nunca vira narração.
   LADY CHATTERLEY'S LOVER de Jed Mercúrio com Holliday Grainger e Richard Madden.
Filme da BBC que foi exibido em setembro de 2015. Os filmes de TV da BBC nada mudaram. A Globo os exibia nos anos 70. Eram bem interpretados, solenes, adaptações de livros escritos no período vitoriano ou eduardiano. A única mudança foi nas cores dos sets: antes eram marrons e dourados, agora abusam do azul pálido e do cinza. Continuam sendo filmes bem feitos e meio mortos. Sem fibra e sem paixão. A antítese dos filmes de Boorman, Loach, Anderson, Schlesinger ou Losey.
   EVERYTHING WILL BE FINE de Wim Wenders com James Franco, Charlotte Gainsbourg, Rachel McAdams
Os primeiros dez minutos são ótimos. Neve e mais neve no Canadá do norte. Um homem atropela uma criança. Ele é escritor e é casado. E daí vem a crise... De admirável o fato de termos um filme "de arte" que não apela para sexo explícito, cenas de violência chocante ou um discurso calcado na velha ladainha de raiva adolescente. É adulto, lento, pausado, com imagens fortes, bem pensadas e nunca gratuitas. Mas é também insuportavelmente lento, escuro, triste e sussurrado. Não se pode dizer que não deu certo, ele é exatamente aquilo que Wenders imaginou.
   TERREMOTO, A FALHA DE SAN ANDREAS de Brad Peyton com Dwayne Johnson, Carla Gugino,  Ioan Gruffud e Paul Giamatti.
É bom poder dizer que este Terremoto é muito melhor que aquele de 1974. Não é uma refilmagem, mas tem o mesmo tema. Aqui os efeitos são ótimos, a ação vem na hora certa, nunca como única meta, mas sim como consequência, e ficamos muito satisfeitos com a diversão que ele nos dá. Sim, somos uma geração que se diverte vendo o fim do mundo...Quem sabe não sejamos no fundo uma geração descrente do mundo sólido e das cidades como centro da vida....Relaxe, enjoy!
   MR. HOLMES de Bill Condon com Ian McKellen, Laura Linney.
Já falei deste filme abaixo. Holmes está senil e luta para recordar a resolução de um crime de 30 anos atrás. Enquanto isso faz amizade com um menino e cria abelhas. Um bom filme com atuações ótimas. O final é bastante memorável.
  O AGENTE DA UNCLE de Guy Ritchie com Henry Cavill, Armie Hammer e Alicia Vikander.
Esperto, chique, divertido e charmoso. Tudo que imaginamos ter sido viver entre 1958-1965. Essa foi a época dos mais luxuosos filme. E foi o tempo do bom gosto. O filme tenta copiar esse tempo. E consegue! Os atores são bacanas, a trilha sonora imita Schiffrin e Barry, e Guy até diminui sua velocidade. Tipo do filme que te deixa de boas e faz com que você se sinta mais civilizado.

TO THE WONDER- TERRENCE MALICK

   O amor consagrado no lugar onde ele nasceu. Ao alto da catedral o mais fantástico espetáculo se abre a vida. O mar pleno cinzento. A maravilhosa. Sim, o Milagre é sempre o Amor. E todo amor é como Ver.
   Para sempre. O Amor morre? Como pode morrer a maior das forças?
   Procurando Deus, procurando o Amor. Encontrando o amor e deixando ele partir. Não encontrando Deus e jamais O vendo partir.
    Do mar de onde menestréis cantaram o Amor a terras devastadas pela sujeira. A angustia da América de espaços que não se acabam. O imenso céu vazio. Como preencher?
    A câmera segue os corpos. Roda por entre. Capta. Ocasionalmente Asas do Desejo. Mas este filme de Malick é um pecado, pois é chato, quase insuportável. Asas nunca é chato. Nos eleva. Este nos aborrece.
    Os cortes hipnóticos falham e assim não encontramos.
    O Amor faz de dois Um. Deus sempre Um. Eu me torno ela quando a amo. Eu deixo de importar, vale somente ela. Deus como Tudo e Todo.
    Pena.

NUMA MESA DE BAR

   Blind Willie Johnson. Wim Wenders realizou um dos mais impactantes clips da história. Ele imaginou como seria um clip de WJ, se no tempo de WJ houvesse uma MTV. E eu falo: se existisse WW em 1920.
   Pessoas brancas não passam impunes pelo blues. Isso eu converso num bar, quase drunk, com amigos que sabem o que o blues é. O clip é de uma beleza aterradora.
   Son House é o ídolo de Jack White. JW não passou impune.
   Não era pra ser assim. O blues era pra ter ficado no gueto. Era pra ter morrido. Mas por ser de verdade ele é imortal. Voce sabe baby, tudo o que é de verdade é pra sempre.
   Se engane não. Nada disso é criação do tal mercado. Quando o rock estourou o mercado queria Chubby Cheker, Pat Boone, Brenda Lee. E o Elvis mansinho. Não era pra ter acontecido Little Richard.
   Se engane não. Era pra ter acontecido apenas Hermans Hermits. Dave Clark Five. E Beatles. Não era pra um bando de ingleses toscos se apaixonarem por Muddy e Bo e Hooker. Mas era isso, era blue.
   Na mesa do bar eu conto que uma garrafa de gim é mais perigosa em casa que uma 38 na rua. Me dizem que falei uma frase de blues. Ora, faz tempo que sei que mulheres são invenções do diabo que nos levam pro céu. Ou criações divinas que nos exibem o inferno. Faz tempo que sei o que é acordar e não saber pra onde ir. Repito desde sempre a muito blue frase de Keith: Quando morrer irei pro céu porque passei a vida in hell...Ele é o branco mais blue do mundo baby.
   O melhor na música são esses acidentes. Coisas que não era pra ter sido, mas é. E que têem de engolir. E então ficam tentando pasteurizar e domar. A coisa fica viva. De verdade. Um bando de negros caipiras moldou a alma de caras como eu. E a sua. E a de Wim, Scorsese....etc. Do interiror do interior para SP 2012: um milagre baby, um milagre. Deus existe, veja-O no clip de Poor Boy...Amém.

LORAX/ BETTE DAVIS/ NICHOLAS RAY/ SIRK/ STATHAM/ WENDERS

   O INTOCÁVEL de Boaz Yakin com Jason Statham
Adoro os filmes de Jason. Não são hiper produzidos, eles têm ação real e Jason luta como um chinês. Sabe se mover e tem leveza. Aqui ele é um lutador a beira do suicidio que é salvo ao se involver com uma menina chinesa que está sendo usada por mafiosos russos. Nada de especial no roteiro, mas a ação é de primeira. Uma diversão sem culpa. Nota 6.
   O LORAX de Chris Renaud
É bom. Como todo desenho, tem uma mensagem certeira. No futuro tudo é de plástico e tudo é bonito e limpo. Mas por detrás disso, há um mundo destruído e morto. O ar é vendido por uma corporação que deseja manter tudo como está. Bem... como escrevi em outro lugar, crianças hoje carregam a missão de nos resgatar. Vejam o que fizemos kids! Reajam, pois nós desistimos. Eis a mensagem. É uma bela mensagem, claro. Melhor isso que o niilismo acomodado dos filmes adultos. Mas caramba! Um dia voltarão a fazer desenhos  bobos e infantis? Nota 6
   PETER PAN  de Wilfred Jackson e Disney
Mítico. São dezenas de mensagens cifradas, montes de possibilidades poéticas. O menino que não quer crescer e a menina que não pode deixar de crescer. Alguém se vê neles? Bem vindos ao mundo de 2012. Não é uma obra-prima, mas é um ícone. Nota 8.
   UM AMOR DE TESOURO de Andy Tennant com Mathew McConaughey, Kate Hudson e Donald Sutherland
Um casal brigado acha tesouro. Mas tem de disputar a descoberta com rivais "do mal". O cenário é estupendo. O filme é um café. Voce vai em um restaurante com sua namorada, vê umas vitrines e por fim assiste este filme. Um café: gostoso e tirado às dúzias toda hora. Mathew é simpático. Em tempos de melhores filmes pop ele seria rei. Kate envelhece mal. Sua mãe era melhor em tudo aquilo que ela tenta fazer. Donald apenas está lá. O filme não é ruim, é bobo. Nota 4.
   ALMAS MACULADAS de Douglas Sirk com Rock Hudson, Dorothy Malone e Robert Stack
Um repórter alcoólatra se envolve com casal de aviadores de circo. São aqueles pilotos que se exibem em circos, fazem corridas e se arriscam. O filme mostra a condição patética do repórter. Ele ama sem ser amado, é desprezado pela mulher que ele ajuda. Se destrói. Mas ao final, é ele quem dá a volta por cima. Não é dos melhores Sirk, mas tem um Rock Hudson bem dirigido ( quem falou que ele era mal ator? ) e aquele clima fatalista que esse excelente diretor sabia tão bem criar. Nota 7.
   PINA de Wim Wenders
Assisto mais uma vez e gosto mais ainda. Acachapante. A primeira cena com Stravinsky já te deixa zonzo. O filme não é apemas bom. Ele é uma aula emocionante sobre arte. O limite, a expressão e o risco. Pina Bausch ousava, errava, repetia, acertava. Os dançarinos-atores são magos. Cenas com água, humor com cachorro que late, mulheres que caem, retratos de sofrimento e de alegria. O filme te derruba, te impressiona. Os corpos vão ao limite. A alma se entrevê. Lindo. Nota 9.
   AMARGA ESPERANÇA de Nicholas Ray com Farley Granger e Cathy O'Donnell
Famoso filme de Ray que antecipa a Nouvelle Vague. Godard amava este filme e há muito de Acossado nele. Sobre um ladrão que não consegue sair do mundinho podre onde ele vive. Mas o filme não é centrado em roubos ou em tiros, o que vemos é uma hiper triste história de amor. Amor tragédia, fadado ao absoluto fracasso. Nos incomoda ainda. É invulgar, original e melancólico. Nota 7.
   MULHER MARCADA de Lloyd Bacon com Bette Davis e Humphrey Bogart
Atenção. Não é um tipico filme de Bogey. Ele aparece pouco e faz um promotor do bem. O filme é de Bette, ainda bonita e sexy, que faz uma prostituta que é usada por gangster. O que vemos é sua conscientização. O filme é esquemático e sem muito apelo. Mas é um prazer ver Bette em ação. Uma diva imensa, a única que poderia trombar com Kate Hepburn e vencer. Um filme curto, grosso e direto. Típico Warner anos 30. Nota 6.

O DESEJO DE PINTAR - CHARLES BAUDELAIRE

   Mario Vale, pintor e desenhista, executa belas imagens e ainda traduz o poeta francês, primeiro homem de nosso tempo, neste livreto bonito e puro. São textos em prosa com alma de poesia, ou poemas não acabados. Vale pega-os, verte-os e pinta-os. Nós os lemos. E se os lermos com vagar, entramos na coisa.
   Baudelaire foi o primeiro flanêur. Como costumo fazer em meus dias tontos, ele andava pelas ruas de Paris, aterrado, abismado e maravilhado. Em meio a podre febre moderna, recolhia fragmentos de beleza, e eternizava essa beleza secreta e morta em textos que propunham o spleen. Duende. Doente.
   Chineses usam gatos como relógios. Percebem as horas nas pupilas brancas dos felinos quietos. Porque o tempo é uma pupila de gato chinês: sempre o mesmo e só usa o relógio-nosso quem é escravo do tempo.
   E o amor faz de nós, enfim, livres do senhor das horas.
   Um anjo-poeta perde a sua aura. Rico poema prosado, em que há reflexos da atual teoria Benjaminiana da perda da aura da arte e ainda dos anjos de Asas do Desejo, o mais Baudelaire dos filmes, feito estranhamente pelo hiper-alemão Wenders. O anjo perde a aura e contente vive a sujeira do mundo real.
   Baudelaire tinha medo e asco do pó e da velocidade. Era um dandy. Cáspite!!! O homem era um dandy, um poeta sem asas e um flanêur!!!! Ele era o nobre possível em tempos que abominam tudo o que é especial.
   Vê paisagens em janelas fechadas e ama a morte. Foi Baudelaire a base de Freud para o impulso da morte. Para o poeta, a morte é amor, amor é desejo de morrer sob o olhar de quem amamos. Todo apaixonado é um suicida. Crer em psicanálise é acreditar em Baudelaire.
   Para ele, voce cria a verdade ao criar a fantasia. Fantasia que é muito mais real que aquilo que vive fora de nós. Porque na verdade o fora não vive. Quem pode provar a verdade de qualquer coisa que não seja nossa?
   Então ele anda pela vida recolhendo imaginações e vendo a si-mesmo em tudo. Sua poesia é desejo de provar a vida. Impossível. Quem nunca desejou pintar....viveu?

WYLER/ EASTWOOD/ CRONENBERG/ STURGES/ CAPRA/ SODERBERGH/ PINA/ CARY GRANT

   SUBLIME TENTAÇÃO de William Wyler com Gary Cooper, Teresa Wright e Anthony Perkins
Concorreu  a seis Oscars em 1956 e perdeu todos. Mas é um muito bom filme realizado pelo mais profissional dos diretores da América. Wyler tem uma impressionante lista de filmes, de sucessos e de prêmios. Aqui ele fala de uma familia de Quacres, que nos EUA da época da guerra civil, se recusam a lutar. O filme é lindo de se ver, cor e cenários são imagens ideais de um passado bucólico. Mas esse bucolismo é manchado pelo mundo. Perkins, muito jovem, está comovente como o filho que parte para a guerra. Ainda sem os tiques de Norman Bates, ele realmente prometia ser um novo tipo de ator, frágil, hesitante. Cooper prova mais uma vez ser um grande ator. Vemos em seus olhos a confusão de um pai que não sabe mais como agir. Cinema grande, vasto e muito satisfatório. Nota 8.
   OS ABUTRES TÊM FOME de Don Siegel com Shirley MacLaine e Clint Eastwood
No México, Clint encontra uma freira e a salva de ser violentada. Juntos, eles cruzam um deserto e lutam contra as tropas de Maximiliano. A trilha sonora é de Ennio Morricone e a foto de Gabriel Figueroa. Tem um jeitão de western italiano, um ar de não seriedade, de pastiche. Uma diversão apenas ok, feito em tempo em que tanto Clint como Shirley não eram levados a sério. Nota 6.
   UM MÉTODO PERIGOSO de David Cronenberg com Michael Fassbender, Keira Knightley e Viggo Mortensen
O elenco é bom, mas o roteiro de Hampton é banal. Caretésimo, se parece muito com aquelas séries solenes que a BBC fazia nos anos 70. No fundo, se a gente trocar os nomes dos personagens, é a velha história do filho que quer ser independente do pai. E do pai que, com sua autoridade ameaçada, passa a exigir obediência do filho. Tudo recheado por sofrido caso de amor. A criatividade passou muito longe daqui. Enfadonho. Nota 4 dada ao belo trabalho dos 3 atores.
   MOÇA COM BRINCO DE PÉROLA de Peter Webber com Scarlet Johansson e Colin Firth
Revisto agora se revela uma quase ridicula recriação de um momento crucial na história da arte: a gênese da mais famosa pintura de Vermeer, o mais valorisado dos pintores. Firth, que como provou em O DISCURSO DO REI, é um dos melhores atores em atividade, nada tem a fazer aqui. O pintor é tão real quanto o é o Jung de Fassbender. Tem a profundidade de um boneco de palha. Scarlet nunca esteve tão bonita, na verdade o filme é dela. Lento, sem emoção, monótono. Nota 1.
   CONTRASTES HUMANOS de Preston Sturges com Joel McCrea e Veronica Lake
Recém lançado em DVD, mostra o talento esfuziante de Sturges.  Um diretor de filmes escapistas, resolve fazer uma obra relevante. Parte então à estrada, para conhecer e viver a vida dos pobres. Mas seus empregados seguem sua estrada e ele não consegue ser um pobre. Acaba conhecendo uma aspirante a atriz e é preso quando sem documentos é confundido com assassino. Na prisão é que ele dará valor a seu trabalho, em uma cena simples e inesquecível. Este filme foi homenageado pelos Coen em E AÍ MEU IRMÃO...Preston Sturges vive hoje um momento especial, sua obra é finalmente reavaliada. Nota 9.
   ESSE MUNDO É UM HOSPÍCIO de Frank Capra com Cary Grant
Uma dupla de adoráveis velhinhas mata seus hóspedes com veneno. Grant é o sobrinho delas que não sabe o que fazer. Relançado agora, a Veja elogiou muito, assim como o Estado. Apesar de eu ser fã de Cary Grant, eu não gosto deste filme. É exagerado, nervoso demais, passa do tom. Capra voltara da segunda guerra mudado. Se antes seus filmes eram odes otimistas ao homem comum, aqui ele se mostra confuso. Cary parece estar em filme de Hawks, sua atuação maluca não se casa com a dos outros atores. Nota 3.
   SAN FRANCISCO de WS Van Dyke com Clarck Gable, Jeannette MacDonald e Spencer Tracy
Imenso sucesso dos anos 30, é um filme quase insuportável. Uma baboseira sobre dono de bar que se apaixona por moça "certinha" que quer ser cantora. Gable faz seu papel padrão, um machão sorridente e levemente mal caráter. Jeannette canta demais. E Tracy faz um padre que a aconselha. O filme se redime em seu final, a cidade de SF é destruída pelo terremoto de 1906. Os efeitos, por incrivel que pareça, ainda impressionam. O terremoto é mostrado com cortes espertos, paredes que caem e multidões em pânico. Funciona e muito bem. Mas até chegar a esse final emocionante o filme é um nada. Nota 3.
   IRRESISTÍVEL PAIXÃO de Steven Soderbergh com George Clooney, Jennifer Lopez, Don Cheadle e Luiz Gusman
A trilha sonora de David Holmes é um show em si mesma. Uma recriação das trilhas cool dos anos 70, ela mistura Schiffrin com Hayes e funk tipo Clinton. Estupenda! O roteiro é sobre um ladrão de bancos que se envolve com policial feminina. Clooney está excelente. Ainda em sua fase galã, ele dá uma aula de estilo. Adoro esse tipo de filme que Soderbergh sabe tão bem fazer. O filme tipo "espertinho", uma recriação de Steve McQueen com Peter Yates e Norman Jewison. Foi com este filme que a carreira de Steven foi salva. Revisto agora, ele ainda diverte, Nota 7.
   PINA de Wim Wenders
Quando Wenders acerta ele faz filosofia ( ASAS DO DESEJO ), ou poemas visuais ( PARIS TEXAS ). Aqui ele faz uma filosofia poética em movimento. O cinema de agora pode ser salvo se assumir seu caráter de pesquisa visual. Os ótimos HUGO e O ARTISTA enfatizaram esse fato. O futuro está na imagem e não em dramaturgia.  Este filme nos convence do futuro possível. O deslumbre de imagens que se movem. O cinema jamais poderá se renovar ao repetir os passos de tanta gente que já esgotou a linguagem dos dramas e dos simbolos. Ele sobreviverá em seu aspecto de espetáculo plástico. Seja o movimento sem palavras ( eis a modernidade corajosa e radical de O ARTISTA ), seja em sonho de beleza ( o jogo de Scorsese em HUGO ). Wenders lança a opção do movimento puro. Poesia possível. Nota 9.

OTTO MARIA CARPEAUX, PAULO FRANCIS, MOZART, NELSON FREIRE, COWARD E BEBÊS

   Alvíssaras! Hallellujas!!!! O maior dos pianistas toca em São Paulo a melhor das músicas! O inigualável Nelson Freire toca o concerto número vinte para piano e orquestra, de Mozart. Na sala São Paulo. Ouvir o concerto 20 de Mozart justifica toda uma vida. O gênio da Austria antecipa o gênio de Bonn. É música absoluta, existencial. Tudo o que se pode expressar de belo e de terrível em arte é dito nesse concerto. Que se inicia com os mais soberbos acordes. Já escrevi sobre esse concerto anos atrás. Digite Mozart aí ao lado e leia. Mas preciso dizer:  ninguém que diga amar a música pode ser levado a sério se não houver vivenciado a honra de escutar esta peça. Se minha vida fosse mais elevada ela seria digna de um acorde desse concerto. Recordo que ao o escutar pela primeira vez, em 1979, pensei: "Deus existe!" Pois essa música nos dá a certeza de que um punhado de neurônios e de proteína não poderia criar tanta emoção. Se Deus não existe, então Mozart criou aqui a Sua melodia. Justifique a sua vida, vá ver e ouvir.
   Sairam dois volumes com textos de Otto Maria Carpeaux. O famoso OMC. Carpeaux civilizou esta taba. Escrevendo em jornal e revista, ele formou o gosto de três gerações. Otto dá a sensação de ter lido tudo, visto tudo e escutado o que vale a pena escutar. Seu "História da Música Ocidental" é tudo aquilo que se deve ler para se iniciar nos segredos da grande música. Nestes volumes ele fala de escritores, filósofos, pintores, amigos, e outras coisas mais. Se voce quer dar um salto de qualidade em sua vida leia os dois. Foi OMC quem, com seus verbetes na velha Barsa, me abriu ouvidos para compositores e olhos para certos autores. O que me leva a pensar o seguinte: as pessoas ainda entram em enciclopédias, mesmo virtuais, para conhecer aquilo que não conhecem? Procurar quem são os maiores autores ou os grandes pintores? Ou precisa um professor, um amigo, ou pior, uma noticia de jornal, para que o garoto ouça o nome de alguém que ele já deveria ter conhecido por iniciativa própria. OMC vai ajudar muito esse garoto. Mas acho que quem irá lê-lo é aquele que já conhece aquilo sobre o que ele fala. Pena.
   Publicaram um volume com colunas de Paulo Francis. Aconselhável para aqueles que entenderam a frase de Scott Fitzgerald que Pondé citou: "Inteligência é a capacidade de ter duas ideias divergentes ao mesmo tempo. E mantê-las." Francis era o máximo da inteligência. Já falei e repito, sem ele eu jamais teria sabido apreciar os atores ingleses ( Rex Harrison, Gielgud, Redgrave e Olivier ), ou autores como Waugh e Huxley. A única coisa que me irritava nele era sua idolatria a Wagner. Fora isso ele era perfeito.
   Escrevi por aí que SP tinha a alegria de ter peça de Noel Coward em cartaz. Esqueça. Transformaram o mais fino dos ingleses em um tipo de "Sai de Baixo" de segunda. Harold Pinter não teve melhor destino. Seu beco sem saída, sua acidez, se transformaram em teatrinho de raivinha. Um saco.
   Mas "Pina" de Wim Wenders ainda está em cartaz. Espero que voce mereça ter esse deslumbramento.
   Leio na Veja que as pessoas viverão até os 100.
   O que me irrita na esquerda é sua cegueira, e o que me irrita na direita é seu otimismo cor de rosa. Vamos viver até os 100? Quem vai pagar a conta? Os jovens irão ter menores salários? Ou as aposentadorias começarão aos 85? God!!! Um mundo cheio de velhos de 90 se comportando como adolescentes!!!! Pior, uma adolescência que irá dos 10 aos 90 !!!!! Bandas de rock com 100 anos de estrada e "Se Beber não Case" parte 38.... Socorro!!!!!
   Meu professor fala que o feto é marcado para toda a vida por tudo aquilo que a mãe lhe fala e pelo som ambiente. Não tenho culpa de ter sido um feto vivendo no paraíso. Cantos de pássaros, galos de noite e Sinatra que meu pai ouvia de manhã. A depressão que sinto às vezes decorre de ter conhecido o paraíso e de hoje ter de me conformar com o apenas "legalzinho". Se hoje nossos bebês estão conhecendo a vida via Funk, carros que buzinam e anúncios barulhentos na TV; eu recebi as boas vindas ao som de conversas na sala, vozes de crianças na rua e Beatles mais Roberto Carlos no rádio de minha mãe.
   Não consigo imaginar paraíso melhor.

500 DIAS COM ELA/ MINHA VIDA DE CACHORRO/ SETE HOMENS E UM DESTINO/ SOPRO NO CORAÇÃO

PARIS TEXAS de Wim Wenders com Harry Dean Staton, Nastassja Kinski
Um filme que dói. O amor morre e a estrada se abre. Ser herói é sempre ser só. Isso é verdade ou um consolo? O filme homenageia Ford e todo o cinema da América. Mas é alemão. Tão alemão como é Mann ( os dois Mann, Thomas e Heinrich ). O amor sempre termina e fica este homem andando sem rumo e esta mulher exibida numa tela. Mas ficou um rastro, uma criança. Wenders fez filmes imensos. É o cara. Nota DEZ. Um dos filmes que definiram aquilo que sou. Eu sou Travis.
SETE HOMENS E UM DESTINO de John Sturges com Yul Brynner, Steve McQueen, James Coburn e Charles Bronson
Este filme dá raiva. Queriam transformar Horst Buchholz ( quem? ) em star. Então o filme tem esse péssimo Horst demais e tem McQueen de menos... Baseado em 7 Samurais de mestre Kurosawa, é um western pop com uma das trilhas mais famosas da história ( Elmer Bernstein ). Boa diversão. Não é o oeste de Ford ou de Anthony Mann, mas é muito ok. Nota 7.
500 DIAS COM ELA de Marc Webb com Joseph Gordon Levitt e Zooey Deschanel
O filme segue aquilo que Nick Hornby diz : a vida pode se tornar uma tristeza com essa ração de música pop triste. Neste filme, o cara é fã de Smiths. Conhece sua amada ouvindo o som de Morrissey e Marr no elevador. A partir daí rola o romance dos dois em flashback. O filme é uma chatice. Os dois são exatamente o tipo de gente que menos gosto, dois fofinhos. Viciado em deprê, o cara passa o filme inteiro tentando nos fazer sentir pena. Sentí tédio. Quem gosta disto ? É um tipo de filme de Eric Rhomer para iletrados. Por medo de ousar se usa um narrador para explicar o filme, assim como se datam os flashbacks para não confundir. Sinal dos tempos : um filme para estudantes espertos que é pudico e envergonhadérrimo. Sua única boa cena é ao som de Bookends de Simon e Garfunkel. Ao som de Bookends até jogo de canastra se torna poesia. Mas é, apesar de tudo, um filminho bem intencionado. O Annie Hall de 2009. Mas é chaaaaatoooooooo!!!!!!! Nota 3.
ANNA KARENINA de Julien Duvivier com Vivien Leigh e Ralph Richardson
Livros banais podem dar bons filmes. Livros bons podem ser suplantados pelo cinema ( Wonderboys é um filme melhor que o livro de Chabon ). Hammet, Chandler, Du Maurier, Pasternak, Elmore James, são todos autores médios ( sim, acho Pasternak médio ) que foram melhorados nas telas. Grandes peças podem dar filmes geniais ( cito UM BONDE CHAMADO DESEJO e QUEM TEM MEDO DE VIRGINIA WOLFF, duas peças de antologia e dois filmes históricos. ) Mas obras-primas da literatura nunca dão grandes filmes. A exceção, única, é OLIVER TWIST de David Lean, que é melhor que o livro ! Lord Jim de Conrad virou um filme chato, Dom Quixote é ridiculo e Moby Dick se tornou aventura normal. Sem falar em O Morro dos Ventos Uivantes, filmado até por Bunuel e sempre dando filmes ruins. Anna karenina nunca deu certo nas telas. Vira um tipo de romance aguado, vazio, sem aquilo que Tolstoi lhe deu de melhor : Força Divina. Vivien seria uma excelente Anna, mas o Vronski deste filme é um brioche de vento. Se voce nunca leu o livro pode até se divertir com seu visual bonito. Mas de Tolstoi não tem uma vírgula. Nota 5.
MINHA VIDA DE CACHORRO de Lasse Halstrom
Em 1985 a Suécia nos revelava este diretor sensível. O filme se tornou famoso, concorreu até a Oscars de direção e roteiro. Depois Lasse viveria nos EUA e dirigiria filmes como Chocolate e Gilbert Grape. Este filme, sobre um garoto desajeitado e sua família, será para quem o assistir hoje, uma maravilhosa surpresa. Peço para que todos voces o procurem e assistam. Precisa ser assistido porque é um filme que faz bem. A poesia e a alegria vivem neste filme ( e a dor também ). Se voces querem saber o que espero de um filme vejam este. É engraçado e faz chorar. O menino está comovente e a vida com seu tio é a vida que todos nós precisaríamos viver. Dá vontade de rever assim que termina e dá vontade de ir à rua e gritar : Viva a Suécia ! È uma obra-prima dos filmes sobre a infância ( e NADA tem de infantil ). Lindo. Nota DEZ.
MONTE CARLO de Ernst Lubistch com Jeanette MacDonald e Jack Buchanan
O mundo de Lubistch. Distante de nós. De todos os grandes é ele que está mais distante. Seu tipo de filme jamais poderá ser refeito, é filho de um mundo ainda iludido. É Vienna antes de Hitler, é mundo de romance tipo bolo de noiva, de canções maliciosas, de piscadas de olhos, de ligas de seda, de cafés e de cerveja. Não há violencia, não há deselegancia, nada de pressa. O tema é o romance, e não há qualquer pretensão a verdade ou a arte. O objetivo é divertir com classe. Delicioso, mas sinto que sua lingua se apaga ano a ano.... nota 7.
O TENENTE SEDUTOR de Ernst Lubistch com Maurice Chevalier, Claudette Colbert e Miriam Hopkins
Mundo de soldadinhos de chumbo. Romance sempre feliz, risos, dinheiro, reis de carochinha, flores e música de cervejaria. Uma bolha de sabão, leve, linda e que estourou. Nota 6.
A LEI DOS CRÁPULAS de Jules Dassin com Gina Lollobrigida, Yves Montand, Marcello Mastroianni, Pierre Brasseur
Numa vila italiana todos são maus. Não apenas maus, muito maus. Roubam, traem, mentem, enganam. Jules Dassin foi um dos grandes. Na América fez no mínimo 3 obras-primas. Eram filmes policiais e de denuncia social. Foi perseguido pelo Macarthismo e sua carreira continuou na Europa. Filmou na França, Inglaterra, Itália e Grécia. Continuou irriquieto, ousado e genial. É dos meus favoritos. Este é seu filme mais fraco. Os personagens são todos tão maus que o filme nos repugna. Gina é linda, mas incapaz de segurar o filme. Montand está cafa e excelente. A vila é maravilhosa, mas o filme é esquisitíssimo. Nota 6.
SOPRO NO CORAÇÃO de Louis Malle com Lea Massari e Daniel Gelin
Um dos mais originais filmes já feitos. Viva Malle ! Penso que se o mundo tivesse sido feito por Malle seria um lugar muito feliz. Todos seus filmes, tão variados, pregam a anti-culpa. Não existe culpa em seus filmes. Aqui acompanhamos um adolescente fã de Charlie Parker. Seus irmãos, sua primeira transa, o padre, o pai médico, uma doença no coração. Esses temas em outras mãos fariam do filme drama. O garoto não se dá com o pai, os irmãos vivem o perturbando, a mãe tem um amante, ele está doente. Mas, com Malle, tudo é brilho, tudo é leveza e todos são felizes ( sem serem jamais tolos ). É um cinema feito de coragem, de cultura e é sempre pop. Louis Malle não era bem aceito pela nouvelle vague porque apesar de seus temas serem modernos, seus filmes são feitos para serem entendidos. Não há nada de hermético, de enigmático, de intelectual. Mas é alta arte. E aqui ele tem a coragem de tocar no tema mais espinhoso que existe : o incesto. Filho e mãe. Não vou dizer o que ocorre, mas digo que nada parece chocante ou violento. Malle enfrenta o desafio de filmar algo muito pesado com leveza, e estranhamente ele consegue. O filme perturba por isso, nada é como esperamos. O final é sublime. Assisti este filme em 1982, no cine Iguatemi. Ele fora censurado em 1972 ( junto a LARANJA MECANICA e O ÚLTIMO TANGO ) e liberado em 1980, na abertura do presidente João Figueiredo. Adorei-o e fiquei estranhamente eufórico com sua alegria, sua energia e por perceber a absolvição de todo pecado que Malle nos dava. Quase trinta anos depois o revejo e percebo que ele permanece novo, ousado, vivo, e perturbador. É um filme para sempre. Louis Malle foi o único diretor francês de sua geração a dar certo em Hollywood. Viveu por lá de 1979 até 1993, fazendo bons filmes e alguns sucessos de bilheteria. Casou-se com a disputada Candice Bergen e terminou sua brilhante carreira na França, com filmes ainda ousados e lindos. Num país que nos deu Clair, Clouzot, Clement, Cocteau, Godard, Chabrol, Resnais, Renoir e Carné, ele é talvez o mais dotado, com absoluto talento para o drama, a comédia e o suspense. Louis Malle foi perfeito e SOPRO NO CORAÇÃO é único, não se parece com nada e é absolutamente feliz. Nota DEZ !!!!!!!!!!!!!

PARIS TEXAS - WIM WENDERS

Odisseu volta para casa. Tanto tempo depois que ninguém mais o reconhece. Apenas seu velho cão, que morre ao lhe lamber a mão. A ODISSEIA se fixou em nós. Todo herói desde então é Odisseu.
Em 1956 John Ford fez RASTROS DE ÓDIO. Um homem parte para resgatar uma criança. Volta anos depois. E após cumprir sua missão, parte, só. O filme se tornou mito entre cinéfilos. De Godard à Bertolucci, todos o amam. Em 1976 Scorsese homenageia Rastros de Ódio fazendo TAXI DRIVER. Travis Bickle é o John Wayne de 76. E em 1984 Wenders homenageia Rastros com PARIS TEXAS. Num personagem chamado Travis, que também parte só no final, e que une filho à família antes disso. O filme é devastador. Quem um dia amou e perdeu esse amor e sonhou com esse amor irá morrer ao ver este filme. Mas, como os filmes de Ford e Scorsese, não é um filme sobre amor. Ele é sobre o heroísmo. Em Ford é o herói puro, arquétipo de virilidade. Em Martin Scorsese ele é um homem que já não serve ao mundo. No universo de 1976, o herói está por fora, é um perdedor, não tem função. PARIS TEXAS mostra esse herói completamente alienado de sí-mesmo. O mundo não precisa mais dele como em Ford, o mundo não mais o ignora como em Scorsese, agora é o próprio herói que se perde´dentro de seu interior. Ele se nega.
Porque heróis, todos, morrem. Porque heróis, todos, se não morrem se isolam. Vagam pelo deserto, longe de tudo, enfrentando a maior das provas, a solidão. O herói precisa não existir, e ressurgir, quando preciso for, para iluminar os outros.
Mas ele nunca se ilumina. Ele não é bom. O que ele faz não é pelos outros. Nem por sí-mesmo. Ele faz porque tem de fazer. Para poder morrer.
Este filme é o que espero de todo filme grande. Vida. Um filme que fale da vida. Da verdade da vida. Da dor da vida. Da fragilidade da vida. Mas este é mais. É heróico.
Harry Dean Staton foi um herói ao encarnar este papel. Seu rosto surrado é heróico. Nastassja Kinski é heróica na cena do espelho. Quinze minutos sem um só corte... Ry Cooder fez a trilha sonora dos heróis e Sam Shepard escreveu diálogos que ecoam cowboys, beatnicks e perdidos. E Wenders mergulhou no vazio, no risco, no abismo...
É um filme de verdade, dilacerado, desesperado, e estranhamente bonito.
Digna homenagem ao mais heróico dos diretores ( Ford ). Quem se habilita ?