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ISABELLE - ANDRÉ GIDE
É este o segundo livro de Gide, autor francês ganhador do Nobel de 1947. Nobel digno, pois Gide é um dos escritores que deveriam voltar a ser lidos. Se hoje ele pouco é lembrado, saiba que até os anos de 1980, era Gide muito conhecido. Como Malraux e Colette, ele caiu fora da moda. Por que? Talvez por não ser " sensacional". Ele é calmo, competente, perfeito. Se em seu tempo foi chamado de "ousado", isso se devia a seu homossexualismo mal aceito então. O estilo que ele usa é sóbrio.------------------- Gide foi jovem amigo de Oscar Wilde, e como Gide viveu até 1952, isso me faz pensar no quanto Wilde ainda teria a viver não fosse seu destino trágico. Nascido para a frase bem feita, Wilde poderia ter ficado rico no cinema, escrevendo roteiros na Gaumont. Tivesse vivido 70 anos, ele morreria na década de 1930. Waaallll....divaguei à Paulo Francis. Voltemos a Gide. -------------------------- Neste livro ele mostra a tolice do romantismo. Um jovem vai à um castelo fazer uma pesquisa. Em meio aos habitantes excêntricos, ele vê uma foto e se apaixona pela moça desse retrato. Imagina como ela é e como viveu. Então a conhece. E cai no mundo real. -------------- Simples, otimamente bem escrito, divertido, o livro tem ainda uma contundente descrição ecológica do quanto a derrubada de velhas árvores pode ser um ato hediondo. Saiba, é um prazer ler essa novela. Procure.
O BEM AMADO - EVELYN WAUGH
Waugh foi um dos grandes escritores ingleses do século XX e até os anos de 1980 era muito famoso. Depois, como aconteceu com 90% dos escritores do mundo, ele sumiu dos cadernos culturais. Waugh era um satirista, na bela tradição britânica de Swift e Sterne. Dele já li tudo e releio este curto volume sobre a California. ---------------- Tendo ido à Hollywood nos anos 40. Waugh trouxe de lá as piores impressões. Ele não suportou tanta infantilidade. Os americanos do oeste lhe pareceram pouco mais que crianças bonitinhas, apenas isso. Tudo o que falavam, pensavam ou queriam era digno de um aluno de 7 anos razoavelmente dotado. Eram acima de tudo ingênuos, crédulos, faceis de manipular. Pois bem. Com esse pensamento, Waugh poderia escrever sobre o cinema de lá, ou a politica, ou um pseudo policial. Mas não. Ele foi no amago do humor muito negro, seu tema são os maquiadores de cadáveres. ---------------- A ação fala de um inglês, jovem, que vive por lá. Poeta, ele ganha a vida como funcionário de um cemitério de bichos. Esse jovem se apaixona por uma genial maquiadora de cadáveres humanos. Forma-se um triãngulo, pois ela é noiva de seu chefe, o gênio do embalsamento. Waugh usa esse ambiente para revelar o grotesco de uma sociedade que ama apenas o que parece bom, oposto radical da velha Europa, cínica, amoral, decadente, maliciosa, adulta, má. Sim, Waugh confessa que é um tipo de novela de Henry James maldosa. Ao final, como em James, a americana sofre por sua imaturidade e seu auto engano, e o inglês se revela um malandro sem sentimento algum. Ele se dá bem, pois explora a tolice dos americanos, e aos californianos resta apenas continuar sua vida "linda" de gurus, novas religiões, cadáveres sorridentes e cachorros humanizados. --------------- Waugh deve ter sido um cara mau, muito mau. Paulo Francis dizia que ele era. Sua obra, que eu amo, o confirma.
MY FAIR LADY. A TRILHA SONORA EM CD. PORQUE A LÍNGUA IMPORTA.
Muita gente diz ser impossível escolher seu disco, livro ou filme favorito. Não acho. Em cinema, tenho uns cinco ou seis filmes que trocam de posição entre meus favoritos. Mas são sempre esses cinco ou seis. MY FAIR LADY está sempre entre os seis e às vezes é o primeiro. É o filme mais feliz que já vi. Depois que comprei o dvd, em 2004, o assisti pelo menos uma vez por ano, geralmente perto do Natal. Foi assim em 2004, 05, 06...até 2017. Eu sempre assitia MY FAIR LADY para entrar no clima de fim de ano, para ser feliz. Não o assisto desde então, 2017, ano em que meu irmão morreu. O fato de não conseguir o rever diz muito sobre o que essa morte significou. Não estou luto, não vivo deprimido, me sinto razoavelmente feliz muitas vezes, mas o mundo de MY FAIR LADY é tão bonito, tão isento de violência, tão CIVILIZADO, que a dor amarga que senti não pode ser misturada à essa obra prima do cinema ( Talvez isso explique porque a atual geração não aceita filmes como este. Eles reprimem a beleza desde que nascem ). ------------- A primeira vez que assisti o filme foi bem antes de ter o dvd. Começo dos anos 90, na TV. E como acontece com todo filme que entra no clube dos favoritos, foi paixão à primeira vista. O filme tem tudo o que mais prezo na vida. Ele cria um mundo tão perfeito, tão "como o mundo deveria ser", tão civilizado, leve, elegante, engraçado, romântico, que voce se deixa ir longe, voce voa. Hoje ouço o cd com sua trilha sonora. A música é de Frederick Loewe, nome central na Broadway e no East End, e as letras são de Alan Jay Lerner, simplesmente o melhor letrista popular dos últimos 70 anos. As melodias são sublimes, mas as letras são uma obra prima de construção. Se voce entende inglês ficará extasiado com suas rimas e a quantidade de vocábulos usados. É trilha culta. É chique. É adulta, very adulta. --------------- No filme meu momento favorito é a famosa Rain in Spain, mas em disco nada supera Rex Harrison em I'm Ordinary Man. Paulo Francis assistiu MY FAIR LADY no palco, em Londres, 1958. Deus meu! Que mundo melhor era esse! Francis escrevia na Folha e tinha uma página inteira para falar que Rex Harrison inventara o modo "falado" de cantar ao fazer o papel de Professor Higgins nesta peça. Em Ordinary Man, Rex Harrison declama com música seu amor à vida de homem solteiro, longe das mulheres. A canção tem uma sessão gentil, suave, onde ele descreve sua rotina solitária, deliciosa, e em ritmo agitado ele conta como são as mulheres. É uma festa de se ouvir. --------------- Bernard Shaw escreveu a peça original, Pigmaleão, e o filme baseado na peça, MY FAIR LADY, é bem melhor que a obra de Shaw. Shaw foi solteiro toda a vida. Bem humorado, ele foi figura central na cultura inglesa entre 1890-1950. Hoje está meio esquecido ( Francis o venerava ). Talvez seja sua misoginia que o prejudique. ( Shaw era socialista, seu ostracismo não se deve a política ). O filme, como a peça, trata do amor à língua. Higgins prega a preservação da linguagem culta, refinada, correta. Fica claro que aquele que domina a língua domina o mundo. A decadência, o empobrecimento da língua traz e reflete o fim de uma cultura. Esse é um tema muito atual. A "guerra" mundial hoje é pelo controle da língua, da fala, da comunicação. ------------------------- Com regência de Andre Previn, poder escutar a dicção de Rex, a língua inglesa falada em modo correto, que não é aquele empolado da BBC, ver os modos gentis e viris desse grande ator, é um prazer inesquecível. Este é um cd a ser guardado no coração.
PAULO FRANCIS SABIA
Nelson Mota dizia que Paulo Francis foi morto pela Petrobrás. Um dia Francis publicou o óbvio, que na estatal só tinha ladrão. FHC, o príncipe, abriu um processo contra Francis. Em tempos pré internet, Paulo Francis ficou apavorado. Ele ia perder a causa e passar fome. Diz Nelson que isso destruiu sua vida e apressou a falência de seu coração. Foi um final de vida triste para o cara que mais fez minha cabeça. ------------- É bom momento para recordar aquilo que Francis falava do Partido Democrata americano sob Bill Clinton. Francis dizia que os anos Clinton destruíram definitivamente a América. Que a agenda do partido passara a ser sexo, drogas e lavagem de dinheiro, e que para isso, qualquer outro interesse era negligenciado. Para Francis, a América se tornara um "puteiro", e esse processo era fatal. ------------------ Infelizmente não saberemos jamais o que ele falaria sobre Obama, o presidente que tinha como mérito ter nascido negro e conseguir pegar moscas no ar. Provável que Francis sofreria processos por racismo. A cor de pele de Obama o blindava contra qualquer ataque. Se Clinton abriu o puteiro, Obama inaugurou a festança da mídia, uma relação de mútua adulação pornográfica e que me causava repulsa. Um "eu te elogio e voce me defende" imoral. Óbvio que Francis não gostaria muito de Trump, o chamaria de Jeca, mas penso que ele amaria a nostalgia da América dos tempos de Reagan. Se a Petrobrás não o tivesse matado, Joe Biden o faria. ------------- Faz falta demais gente como ele e como Millor. Era maravilhoso ler um jornal e na última página poder ver alguém contradizendo tudo aquilo que o mesmo veículo tentava nos vender. Francis era nosso Chesterton sem o catolicismo. Sua Roma era a cultura inglesa dos anos 40. Ex comunista, ele sabia das mentiras e das armadilhas tolas desse modo de pensar. Era chamado de reacionário, e mesmo assim era respeitado porque aquele era um tempo em que gente como ele estava tão longe do poder, era tão distante do dinheiro, que podia ser levada na brincadeira. Hoje Nelson o evitaria. ------------------ Minha úncia discórdia com Francis era Wagner. Ele amava o alemão e eu não o suporto. Dizia Paulo que jazz ele só conseguia ouvir bêbado e MPB era música de gente feia. Quando fumava maconha, sim ele fumava, ele ouvia Wagner e viajava. Eu preferiria Liszt para isso. ------------- Gore Vidal tinha alguns pontos em comum com Francis. Mas Vidal era ainda mais radical. Para ele a América começara a afundar com Roosevelt. O assistencialismo do New Deal traíra o país. Waaalllll......no momento em que Karnal e zeros como ele são os pretensos guias de uma geração, lamento muito que a escola de Francis e Vidal não tenha se renovado. Ou....
RICHARD WAGNER, O HOMEM QUE DEU ORIGEM AO "WAGUINÃO"
Richard Wagner foi uma estrela tão grande, que no Brasil seu sobrenome virou nome e Wagner passou a ser "Guinão" ou "Waguininho". Ele levou a idolatria a níveis nunca vistos e conseguiu até mesmo criar Bayreuth, um festival anual onde desde então suas óperas são encenadas. A cidade alemã vive em função de Wagner. O último e o maior dos românticos, Wagner levou aos limites o sonho do romantismo: seu ego cresceu às alturas de Napoleão e sua obra se tornou paradigma. Tudo que veio após Wagner era consequência de sua obra. Mesmo aqueles como Verdi e Brahms que eram seus oponentes. Mas o que exatamente ele fez? ------------------------------- No campo puramente musical, ele libertou a orquestra da submissão ao canto. Quando ouvimos Rossini ou mesmo Mozart, notamos, surpresos, o quanto a orquestra é submissa a voz. Toda a ópera existe em função do cantor. O acompanhamento fica ao fundo, em Rossini e nos italianos em geral, bem ao fundo. Wagner faz da voz humana mais um instrumento. Voz e orquestra dividem atenção. Outro fato: tudo é cantado em alemão. Apesar da Flauta Mágica ser em alemão, toda ópera, de todo país, tinha de ser em italiano. Isso foi revolucionário, pois foi um ato de rebeldia nacionalista. Wagner afirmou a existência da nação alemã. E como tema de sua obra, criou uma mitologia germânica, o passado medieval alemão, passado que só existiu na sua cabeça. Afirmando seu ego Wagner afirma a Alemanha. --------------------------------- Nietzsche a princípio viu em Wagner o Super Homem, o ser superior dono de seu destino. Mas eles logo brigaram. Nietzsche começou a perceber em wagner o culto da morte e não da vida. Não havia sol no alemão e Nietzsche passou ao lado dos italianos, os solares mediterrâneos. ------------------------- Paulo Francis amava Wagner e gostava de dizer que ouvir Wagner sob efeito de maconha era uma experiência "muito louca". Como todo wagneriano, Francis ouvia Wagner em qualquer ocasião. Servia para amor e para guerra. Desculpe Francis meu heroi, mas ao ouvir Wagner ontem, versão Karl Bohm, Sinfônica de Viena, o odiei muito. A música de Wagner é para mim insuportável. Não faz sentido! Faço minha as palavras de seus críticos de 1880: é somente barulho. Melodias rudes, secas, sem sentido, desenvolvimento atabalhoado, pianíssimos e fortes que se sucedem sem parar....Wagner ama variar o volume e parece uma criança brincando com o botão de High and Low. Não consigo prestar atenção em Wagner. Não me diz nada. É aborrecido. Okay, sei que sou um leigo, mas por Jorge!, consigo sentir em Prokofiev a arte em seu barulho e na riqueza de Dvorak suas linhas melódicas. Nada sinto de bom em Wagner. Nada. Tudo é exagero. Tudo é histeria. Tudo é....sinto muito....adolescencia. --------------------------------------------- Wagner sonhou em criar a arte total: na ópera tudo seria superlativamente misturado: música, teatro, arquitetura nos cenários, pintura, literatura no texto. Dizem que o cinema fez de seu sonho uma realidade. Tendo a concordar, Wagner faria filmes se tivesse nascido 50 anos mais tarde. E talvez resida aí sua fraqueza. Como algumas boas trilhas sonoras de grandes filmes, sua música talvez pareça mais viva quando no palco. É preciso cenário. É preciso luz. É preciso cor. Então não seria a música de wagner música pura, mas sim música de cena. Ele daria um genial diretor de musicais na Hollywood dos anos 50. E nisso vai meu elogio sincero.
ENQUANTO HOUVER CHAMPANHE, HÁ ESPERANÇA - JOAQUIM FERREIRA DOS SANTOS. UMA BIOGRAFIA DE ZÓZIMO BARROZO DO AMARAL
Seiscentas páginas sobre um colunista social? Há tanto assunto assim? Se for o Zózimo, há. Não que a vida dele tenha sido uma aventura. Ele nasceu rico, na zona sul do Rio, em 1941. Cresceu entre Jockey Clube e Gávea, Lagoa e Ipanema. Dinheiro novo? Não. Ele era chique. Falava francês como quem fala português. Voz educada, sempre bem vestido. Bonito. O livro começa bem, fala das origens da família, fala do pai, apelido Boy. Aquele tempo que adoro ler: Rio de Janeiro anos 50, a ilusão de que aquela era a cidade mais civilizada do mundo. Boy aprontava muito! É divertido de ler.
Depois o livro cai um pouco. O autor entra na armadilha. Mais um jornalista com saudade da bossa nova de daquele povo do começo da ditadura. Enche o saco ler de novo como aqueles caras eram legais. " A gente era preso mas dava risada"...Pois é.
Mas volta a ficar legal, o livro, quando volta à história do Zózimo. Coluna social era Ibrahim Sued. Quem é da minha geração sabe: Ibrahim era tão famoso quanto Chacrinha. Nasceu pobre e turco, ralou muito, virou rico e orgulhoso. Falava dos jantares. Das festas. E às vezes uma fofoca sobre grana de política. Antes ainda houve Jacintho de Tormes. Uma delícia. Mega esnobe. Texto à Oscar Wilde. Culto pacas.
Então em 1969 veio Zózimo. De berço nobre. Falava dos amigos. Carmen Mayrinck, Baby Pignatari, Guinle, Duda, dinheiro velho, dinheiro muito, alta educação. O diferencial de Zózimo? Ele fazia o povo sorrir. Sua coluna era pra começar do dia com um sorriso na boca. Além do que, ele falava do Rio inteiro, de como se devia viver, era guia de estilo. No JB. O livro é cheio de textos dele, o melhor escritor brasileiro em 3 linhas.
Fico feliz ao saber que Telmo Martino, meu jornalista favorito, era amigo e ídolo de Zózimo. Eu li Telmo no JT aqui em SP. De 1977 a 1981. Não houve nada melhor. Ele me civilizou. Telmo nos fazia rir e ao mesmo tempo nos fazia querer ser como ele: witty. Muito do que penso, escrevo e gosto tem a marca dele. Telmo Martino e Paulo Francis, meus gurus forever.
Voce acha que a rivalidade esquerda direita é muito forte hoje? Sabia que Millôr disse que não confiaria no Chico Buarque nem pra ir na esquina com seu cachorro? E que Chico cuspiu em Millôr? Pois é. Tá no Zózimo. Para ele, Brizola matou o Rio. Era um homem que odiava tudo que o Rio tinha de bom, e em seu governo desconstruiu a cidade. O Rio pós Brizola era outra. Suja, quebrada e sem identidade. Refém do tráfico. Zózimo não era direita. Nem esquerda. Era liberal. Circulava pelos dois lados.
No elenco do livro tem Miriam Leitão ( chamada de gata e de conservadora...??? ), Ricardo Boechat ( sim, ele mesmo, foi assistente de Ibrahim e de Zózimo ), Elio Gaspari, Augusto Nunes, Fred Suter ( uma figuraça, carioca e malufista, super esnobe, engraçado e mal humorado ), e mais aquela turma de playboys estrangeiros, atores e atrizes, milionários discretos e deslumbrados bregas.
Daí um dia, nos anos 80, Zózimo cansa. As festas agora são pobres. A bebida é de segunda, a comida é comum, as pessoas não sabem conversar. O trabalho vira um porre. Tudo sempre igual, as mesmas caras nos mesmos lugares. Muita cocaína nas festas. O pó tomou o lugar do caviar. As reuniões não eram mais nas casas, eram em boates. Surge a celebridade, o famoso, e Zózimo começa a beber, muito. Os capítulos finais são de decadência física. Vai para O Globo a peso de ouro. 45 mil dólares de salário. Mas o Rio morreu e ele com a cidade. Chega a dizer o impensável: Que cidade feia é esta? Zózimo vai morar em....Miami. ( Ele antes odiava Miami, ia 12 vezes por ano à Paris. Mas então, em 1992, viu que havia uma região na cidade americana que era exatamente aquilo que o Rio poderia ter sido... )
Houve um tempo em que jornalista tinha estilo, voce começava a ler e sentia: é texto de Francis. Isto é Telmo. É puro Sergio Augusto. Preciso dizer que isso acabou? Voce sabe quem é o colunista por suas opiniões, não pelo modo como ele escreve. Os textos são todos padrão, um robot escreveria tudo aquilo. O JB faliu. O Dia faliu. O JT faliu. A Folha da Tarde faliu.
Zózimo faria um site? Uma página no youtube? Sim. E faria muito sucesso. Seria seu sonho, poder publicar do bar. Sem ninguém amolando.
Por fim, em justiça ao Zózimo, não cito texto nenhum dele. Quero que voce pesquise. Ou melhor, compre o livro. Ótima leitura de tempos sem elegância.
Depois o livro cai um pouco. O autor entra na armadilha. Mais um jornalista com saudade da bossa nova de daquele povo do começo da ditadura. Enche o saco ler de novo como aqueles caras eram legais. " A gente era preso mas dava risada"...Pois é.
Mas volta a ficar legal, o livro, quando volta à história do Zózimo. Coluna social era Ibrahim Sued. Quem é da minha geração sabe: Ibrahim era tão famoso quanto Chacrinha. Nasceu pobre e turco, ralou muito, virou rico e orgulhoso. Falava dos jantares. Das festas. E às vezes uma fofoca sobre grana de política. Antes ainda houve Jacintho de Tormes. Uma delícia. Mega esnobe. Texto à Oscar Wilde. Culto pacas.
Então em 1969 veio Zózimo. De berço nobre. Falava dos amigos. Carmen Mayrinck, Baby Pignatari, Guinle, Duda, dinheiro velho, dinheiro muito, alta educação. O diferencial de Zózimo? Ele fazia o povo sorrir. Sua coluna era pra começar do dia com um sorriso na boca. Além do que, ele falava do Rio inteiro, de como se devia viver, era guia de estilo. No JB. O livro é cheio de textos dele, o melhor escritor brasileiro em 3 linhas.
Fico feliz ao saber que Telmo Martino, meu jornalista favorito, era amigo e ídolo de Zózimo. Eu li Telmo no JT aqui em SP. De 1977 a 1981. Não houve nada melhor. Ele me civilizou. Telmo nos fazia rir e ao mesmo tempo nos fazia querer ser como ele: witty. Muito do que penso, escrevo e gosto tem a marca dele. Telmo Martino e Paulo Francis, meus gurus forever.
Voce acha que a rivalidade esquerda direita é muito forte hoje? Sabia que Millôr disse que não confiaria no Chico Buarque nem pra ir na esquina com seu cachorro? E que Chico cuspiu em Millôr? Pois é. Tá no Zózimo. Para ele, Brizola matou o Rio. Era um homem que odiava tudo que o Rio tinha de bom, e em seu governo desconstruiu a cidade. O Rio pós Brizola era outra. Suja, quebrada e sem identidade. Refém do tráfico. Zózimo não era direita. Nem esquerda. Era liberal. Circulava pelos dois lados.
No elenco do livro tem Miriam Leitão ( chamada de gata e de conservadora...??? ), Ricardo Boechat ( sim, ele mesmo, foi assistente de Ibrahim e de Zózimo ), Elio Gaspari, Augusto Nunes, Fred Suter ( uma figuraça, carioca e malufista, super esnobe, engraçado e mal humorado ), e mais aquela turma de playboys estrangeiros, atores e atrizes, milionários discretos e deslumbrados bregas.
Daí um dia, nos anos 80, Zózimo cansa. As festas agora são pobres. A bebida é de segunda, a comida é comum, as pessoas não sabem conversar. O trabalho vira um porre. Tudo sempre igual, as mesmas caras nos mesmos lugares. Muita cocaína nas festas. O pó tomou o lugar do caviar. As reuniões não eram mais nas casas, eram em boates. Surge a celebridade, o famoso, e Zózimo começa a beber, muito. Os capítulos finais são de decadência física. Vai para O Globo a peso de ouro. 45 mil dólares de salário. Mas o Rio morreu e ele com a cidade. Chega a dizer o impensável: Que cidade feia é esta? Zózimo vai morar em....Miami. ( Ele antes odiava Miami, ia 12 vezes por ano à Paris. Mas então, em 1992, viu que havia uma região na cidade americana que era exatamente aquilo que o Rio poderia ter sido... )
Houve um tempo em que jornalista tinha estilo, voce começava a ler e sentia: é texto de Francis. Isto é Telmo. É puro Sergio Augusto. Preciso dizer que isso acabou? Voce sabe quem é o colunista por suas opiniões, não pelo modo como ele escreve. Os textos são todos padrão, um robot escreveria tudo aquilo. O JB faliu. O Dia faliu. O JT faliu. A Folha da Tarde faliu.
Zózimo faria um site? Uma página no youtube? Sim. E faria muito sucesso. Seria seu sonho, poder publicar do bar. Sem ninguém amolando.
Por fim, em justiça ao Zózimo, não cito texto nenhum dele. Quero que voce pesquise. Ou melhor, compre o livro. Ótima leitura de tempos sem elegância.
PAULO FRANCIS - DANIEL PIZA
Acho que para quem, como eu, conhece bem Francis, é um livro dispensável. Para quem quer começar a conhecer, ótimo.
Francis precisa de uma bia de 800 páginas. Há muito o que contar e falar sobre ele. Este tem apenas 120. O próprio autor diz ser este apenas um convite para que se escreva mais. No futuro.
Bom saber alguns dados da infância que eu não sabia: o apego a mãe que morreu quando ele tinha 14 anos. O pai distante e a educação em internatos: um dominicano e o pior. jesuíta.
Francis foi boa vida até os 27 anos. Queria ser escritor. Ou ator. Tentou ambos e falhou. Foi escrever em jornal. Sua geração modernizou o país. Depois o desgosto. 1964 os fez cair na real. A realidade da burrice humana. Francis foi trotkysta. Depois um desiludido. Por fim um liberal.
Defendeu Collor. Depois o atacou. Achava Itamar melhor que FHC. Lula lhe era uma piada. Sarney foi Sir Ney. Viu, antes de todos, que os militares não sabiam o que fazer, era uma ditadura improvisada, mal feita, sem plano. Uma direita estatizante.
A Petrobrás o matou.
Adorava Bernard Shaw. Huxley. Pepys. Orwell. Edmund Wilson. George Jean Nathan.
Amava Casablanca e Erroll Flynn. E Bergman.
E Wagner, Sinatra.
E as brigas, várias imensas: Tonia, Autran, Caetano, e mais um milhão ou dois.
A relação com a esposa e com seus gatos, o homem carinhoso, atencioso.
Um livro que se lê em duas horas, um livro que abre o apetite para ler mais Francis, e PF foi um homem que nos dava vontade de ler de tudo.
Não foi pouco.
Francis precisa de uma bia de 800 páginas. Há muito o que contar e falar sobre ele. Este tem apenas 120. O próprio autor diz ser este apenas um convite para que se escreva mais. No futuro.
Bom saber alguns dados da infância que eu não sabia: o apego a mãe que morreu quando ele tinha 14 anos. O pai distante e a educação em internatos: um dominicano e o pior. jesuíta.
Francis foi boa vida até os 27 anos. Queria ser escritor. Ou ator. Tentou ambos e falhou. Foi escrever em jornal. Sua geração modernizou o país. Depois o desgosto. 1964 os fez cair na real. A realidade da burrice humana. Francis foi trotkysta. Depois um desiludido. Por fim um liberal.
Defendeu Collor. Depois o atacou. Achava Itamar melhor que FHC. Lula lhe era uma piada. Sarney foi Sir Ney. Viu, antes de todos, que os militares não sabiam o que fazer, era uma ditadura improvisada, mal feita, sem plano. Uma direita estatizante.
A Petrobrás o matou.
Adorava Bernard Shaw. Huxley. Pepys. Orwell. Edmund Wilson. George Jean Nathan.
Amava Casablanca e Erroll Flynn. E Bergman.
E Wagner, Sinatra.
E as brigas, várias imensas: Tonia, Autran, Caetano, e mais um milhão ou dois.
A relação com a esposa e com seus gatos, o homem carinhoso, atencioso.
Um livro que se lê em duas horas, um livro que abre o apetite para ler mais Francis, e PF foi um homem que nos dava vontade de ler de tudo.
Não foi pouco.
DONOVAN- HUXLEY-ANTONIO CALLADO- LAURENCE OLIVIER- PAULO FRANCIS
No bosque do psicodelismo inglês nasceram muitos cogumelos envenenados. Syd Barret, Arthur Brown, Brian Jones são alguns. Mas também nasceram flores e Donovan é uma das mais primaveris. Tudo nele sempre foi inocência, ele é uma criança do Peace and love.
Começou como cantor folk de protesto, mais um fã de Dylan. Catch the Wind e Colors são dessa fase, 1965, e são lindas. Causa estranhamento o sotaque escocês que ele nunca escondeu. À partir do final de 1966 ele se torna psicodélico e o sucesso popular vem junto. Suas canções têm o perfeito equilíbrio entre Pop e Psico. As melhores, e são muitas, atestam talento genuíno. Ele fala de amor e sua voz transmite esse amor.
Mellow Yellow estourou inclusive no Brasil. Me recordo de escutar essa canção, linda e sexy, no rádio de casa enquanto minha mãe cozinhava. Eu tinha 4 anos. John Paul Jones fez os arranjos e MacCartney faz as vozes de fundo. Donovan é o mais alegre dos hippies. Sunshine Superman usa o Led Zeppelin antes que ele existisse. JP Jones está no teclado, Page na guitarra e é Bonham, aos 17 anos, na batera. Jeff Beck dá um show de acidez em Hurdy Gurdy Man. Mas, apesar do povo ilustre, é Donovan o dono de tudo isso. Um Shelley da época. Paul fez em sua homenagem uma de suas mais belas canções: Mothers Nature Son.
Dando uma arrumação em recortes. Antônio Callado escreve sobre Huxley no Brasil. Ele foi ao Xingú. E esteve na macumba do Rio. Huxley queria achar Deus. Achou a si-mesmo. E algo mais, sem nome. Para ele, a iluminação poderia nascer na hora da morte. Desde que não houvesse medo. Desde que fosse vivida a aceitação. Um grande homem.
Um recorte fala de excêntricos. Um psiquiatra escocês diz que eles são necessários. Sem eles não haveria avanço. O que faz de um cara estranho um excêntrico: o pouco se importar com a opinião geral. A facilidade em travar contatos e o amor à solidão. A Inglaterra tem uma multidão deles porque o sistema social reprimia muito toda individualidade. O excêntrico é aquele que foge disso e cria um mundo seu. Um esquizo do bem. Sem delírios.
Que beleza reler Francis falando de Olivier no dia de sua morte! Que bom que Laurence Olivier morreu a tempo de ainda ter espaço no jornal !
Começou como cantor folk de protesto, mais um fã de Dylan. Catch the Wind e Colors são dessa fase, 1965, e são lindas. Causa estranhamento o sotaque escocês que ele nunca escondeu. À partir do final de 1966 ele se torna psicodélico e o sucesso popular vem junto. Suas canções têm o perfeito equilíbrio entre Pop e Psico. As melhores, e são muitas, atestam talento genuíno. Ele fala de amor e sua voz transmite esse amor.
Mellow Yellow estourou inclusive no Brasil. Me recordo de escutar essa canção, linda e sexy, no rádio de casa enquanto minha mãe cozinhava. Eu tinha 4 anos. John Paul Jones fez os arranjos e MacCartney faz as vozes de fundo. Donovan é o mais alegre dos hippies. Sunshine Superman usa o Led Zeppelin antes que ele existisse. JP Jones está no teclado, Page na guitarra e é Bonham, aos 17 anos, na batera. Jeff Beck dá um show de acidez em Hurdy Gurdy Man. Mas, apesar do povo ilustre, é Donovan o dono de tudo isso. Um Shelley da época. Paul fez em sua homenagem uma de suas mais belas canções: Mothers Nature Son.
Dando uma arrumação em recortes. Antônio Callado escreve sobre Huxley no Brasil. Ele foi ao Xingú. E esteve na macumba do Rio. Huxley queria achar Deus. Achou a si-mesmo. E algo mais, sem nome. Para ele, a iluminação poderia nascer na hora da morte. Desde que não houvesse medo. Desde que fosse vivida a aceitação. Um grande homem.
Um recorte fala de excêntricos. Um psiquiatra escocês diz que eles são necessários. Sem eles não haveria avanço. O que faz de um cara estranho um excêntrico: o pouco se importar com a opinião geral. A facilidade em travar contatos e o amor à solidão. A Inglaterra tem uma multidão deles porque o sistema social reprimia muito toda individualidade. O excêntrico é aquele que foge disso e cria um mundo seu. Um esquizo do bem. Sem delírios.
Que beleza reler Francis falando de Olivier no dia de sua morte! Que bom que Laurence Olivier morreu a tempo de ainda ter espaço no jornal !
PALIMPSESTO, A BIO DE GORE VIDAL. COM ELENCO QUE VAI DE KENNEDY À GRETA GARBO, DE TENNESSEE WILLIANS À....JÂNIO QUADROS!
Tenho uma amiga americana. Ela é da velha tradição pentecostal. Ao contrário dos protestantes europeus, os americanos levam a religião muito a sério. O país foi fundado como refúgio religioso. Os puritanos ingleses, perseguidos, foram à América em busca da liberdade. Daí o mito da Terra dos Homens Livres. Uma bíblia sobre a mesa, eles liam, oravam e amavam essa terra sagrada. Gore Vidal é ateu. Mas entende esse caldo religioso ao falar dos Kennedy. Joe, o pai de John, era católico e irlandês. Um chefão mafioso, fez uma fortuna com contrabando, bebida, prostituição e cinema. Comia todas as atrizes dos anos 10 e 20. Seu filho John, culto, foi estudar na Inglaterra, tinha uma ambição sem fim. Seu sonho era vencer a Rússia e ser o presidente do Império Americano. Gore Vidal era amigo de John e de Jackie, a moça de sangue azul que casou com John e foi chifrada ostensivamente todos os dias. John queria a guerra. Kruschev não. Mas desde a segunda-guerra, quem manda nos EUA é o exército. O país vive por suas guerras. A Rússia, fraca, pobre, foi demonizada. Eles morriam de medo dos EUA, mas na América o povo era educado a crer que a Rússia ansiava pela guerra. Kennedy, antes de ser morto pela máfia da Flórida, ele havia quebrado todos os pactos de seu pai, mudara leis. Abria o caminho para o Vietnã. O orçamento militar triplicou em seu governo. E nunca mais pararia de crescer. Quem falasse em educação ou previdência era chamado de comunista. Vidal estudava a Suécia, o bem estar social, o fato de escolas e saúde serem grátis por lá. Mas, a propaganda americana desqualificava a Suécia: eles eram adeptos do amor livre, eram ateus, faziam suicídio, eram infelizes. Eram comunistas.
Gore Vidal estava lá. De sua biografia, nada é mais interessante que o mundo politico. Mundo que caiu cada vez mais até o absoluto vazio de hoje. Bobby Kennedy é pintado como uma besta completa. E Nixon como aquilo que podemos chamar de gênio do mal. Paranóico. Há Rockefeller, Lyndon Johnson, Reagan, os Clinton ( terrivelmente perseguidos e solitários ), seu primo Al Gore, Eisenhower, Roosevelt, o senador McCarthy, Goldwater. E em meio a todos eles, Jânio Quadros! Sim, Kennedy fica fulo com Jânio. Reclama que não há país onde eles tenha intervido menos que o Brasil e agora um idiota joga a presidência no lixo e deixa o caminho aberto para os militares brasileiros, um bando de covardes pidões. Pois é...
A familia Vidal foi centro da vida politica. O avô foi senador liberal, o pai também. O pai, que Gore adora, foi também um pioneiro da aviação. Fundou a TWA. A mãe, Nina, é odiada por Gore Vidal. Invejosa, fofoqueira, dada a se sentir uma mártir. E pelas fotos que vejo no livro, uma das mais belas mulheres do mundo.
O jovem Gore lê muito. E se apaixona pela única vez na vida por um colega. O amor é realizado, mas esse jovem será morto aos 20 anos em Iwo Jima. Durante toda a escrita desta bio, em 1995, aos 70 anos, Gore Vidal recorda seu amor perdido. Ele serve como fio condutor da história. E sabiamente Gore faz de sua bio um retrato de quem ele conheceu e não dele mesmo. Desmistifica certas pessoas ( Churchill era um bêbado burro, qualquer um em seu lugar venceria a guerra com a ajuda americana e uma Alemanha falindo dia a dia ), mas também, sempre com uma escrita aguda e bem humorada, eleva quem merece essa elevação.
Descreve o mundo europeu pós-guerra, sexo barato e farto, felicidade nas ruas, mesmo com a fome de italianos, a construção de um novo mundo que logo seria abortado na guerra fria. Gore lança o primeiro livro gay da América, A Cidade e o Pilar, vira roteirista de cinema, autor de teatro, escreve na TV ao vivo dos anos 50 e volta ao romance em 1962, quando passa a morar em Roma. Roma em 62: alegria, vida livre, gente passeando, beleza. Roma em 1993: crime, sujeira, medo. Muda-se para um casarão à beira de um penhasco, de frente ao Mediterrâneo. Gore Vidal se torna uma figura popular. Um tipo de comentador sobre tudo o que vale ser comentado. Adoro seu texto e amo suas opiniões sobre literatura.
Vidal conviveu muito com Tennessee Willians, Paul Bowles, Anais Nin, Saul Bellow, Christopher Isherwood, Leonard Bernstein, Jerome Robbins, Rudolf Nureyev...Gore fala que o romance, após o cinema e a TV deixou de ser diversão. Passou a ser uma chatice a ser estudado por professores sem imaginação e por estudantes sem paciência. Ele exibe no livro a lista de best-sellers do NY Times de 1964. Em primeiro lugar está Gore Vidal. Depois vem John Le Carré, Ian Fleming, Louis Aunchincloss e Leon Uris. Uma das últimas vezes em que os mais vendidos eram romances para adultos. Em que um romance adulto conseguia vender 3 milhões de exemplares. Daí para a frente, só sexo, exoterismo, biografias, e auto-ajuda. E contos de fadas travestidos de romance adulto. Gore também tem críticas duras à escrita de Heminguay ( seco e sem imaginação ), um autor que deu milhares de frutos ruins. Com Heminguay todo homem metido a macho e que saiba escrever quatro frases duras acha que pode ser um escritor. O romance americano se torna um tipo de confessionário, uma prosa sem aprofundamento, sem invenção, apenas um longo descrever da vida ''como ela é""", o que significa a morte do romance como arte. Até os 20 anos era isso que o jovem Gore queria, mas aconselhado a ler Henry James ele muda. James, e mais Edith Wharton, Stendhal, George Meredith, Anthony Trollope, passam a ser seus modelos. Uma escrita elegante, ferina, dúbia, cheia de cor. Proust também é muito citado.
Gore Vidal diz que o mundo sempre teve, e continua tendo, seus donos. As pessoas verdadeiramente ricas, cultas, e também duras, frias, impessoais. E o tal jet set, os ricos que se exibem, que vomitam poder para as massas, mas que na verdade nada mandam, nada sabem e nada importam. O que ocorre é que esse alto mundo está se misturando com o jet set. O alto mundo tem se empobrecido e o jet set se assanhado. Isso faz com que se antes o poder fosse sujo e delicado, hoje ele seja sujo e grosseiro. A aristocracia morre quando ninguém mais quer servir a aristocracia. Quando todos se acham protagonistas. Esse é o caminho aberto para o vale tudo e a falta de direção. Gore não defende a aristocracia, quem a defende sou eu. Ele apenas descreve um mundo em sua decadência. Kennedy foi o primeiro Jet Setter a se imaginar um aristocrata. Um aristocrata filho de um mafioso. Bela aristocracia!
Poderia falar de tanta mais coisa! As filmagens de Ben-Hur, roteiro de Gore, em que ele e o produtor conseguiram fazer com que Charlton Heston não percebesse que a história era um romance gay entre Ben e Messala. Uma história divertidíssima! Há ainda a firmação de que no cinema dos anos 20 e 30 todos os atores eram gays e todas as atrizes lésbicas. O que chamamos de GLAMOUR é uma atitude gay. Gore foi amigo de Greta Garbo já no exílio da diva, uma presença de carisma absurdo e completamente ""sapata""". Como eram Marlene, Kate Hepburn e Bette. E também Cary, Gary e Powell. Um mundo gay. Que influenciou os heteros de ontem e de sempre. Uma ironia.
Ler este belo livro é como ter uma alegre aula de cultura. Alta cultura e cultura pop. De politica e de história. Uma beleza.
Ler Gore Vidal é como ler o melhor de Paulo Francis. Que bom.
Gore Vidal estava lá. De sua biografia, nada é mais interessante que o mundo politico. Mundo que caiu cada vez mais até o absoluto vazio de hoje. Bobby Kennedy é pintado como uma besta completa. E Nixon como aquilo que podemos chamar de gênio do mal. Paranóico. Há Rockefeller, Lyndon Johnson, Reagan, os Clinton ( terrivelmente perseguidos e solitários ), seu primo Al Gore, Eisenhower, Roosevelt, o senador McCarthy, Goldwater. E em meio a todos eles, Jânio Quadros! Sim, Kennedy fica fulo com Jânio. Reclama que não há país onde eles tenha intervido menos que o Brasil e agora um idiota joga a presidência no lixo e deixa o caminho aberto para os militares brasileiros, um bando de covardes pidões. Pois é...
A familia Vidal foi centro da vida politica. O avô foi senador liberal, o pai também. O pai, que Gore adora, foi também um pioneiro da aviação. Fundou a TWA. A mãe, Nina, é odiada por Gore Vidal. Invejosa, fofoqueira, dada a se sentir uma mártir. E pelas fotos que vejo no livro, uma das mais belas mulheres do mundo.
O jovem Gore lê muito. E se apaixona pela única vez na vida por um colega. O amor é realizado, mas esse jovem será morto aos 20 anos em Iwo Jima. Durante toda a escrita desta bio, em 1995, aos 70 anos, Gore Vidal recorda seu amor perdido. Ele serve como fio condutor da história. E sabiamente Gore faz de sua bio um retrato de quem ele conheceu e não dele mesmo. Desmistifica certas pessoas ( Churchill era um bêbado burro, qualquer um em seu lugar venceria a guerra com a ajuda americana e uma Alemanha falindo dia a dia ), mas também, sempre com uma escrita aguda e bem humorada, eleva quem merece essa elevação.
Descreve o mundo europeu pós-guerra, sexo barato e farto, felicidade nas ruas, mesmo com a fome de italianos, a construção de um novo mundo que logo seria abortado na guerra fria. Gore lança o primeiro livro gay da América, A Cidade e o Pilar, vira roteirista de cinema, autor de teatro, escreve na TV ao vivo dos anos 50 e volta ao romance em 1962, quando passa a morar em Roma. Roma em 62: alegria, vida livre, gente passeando, beleza. Roma em 1993: crime, sujeira, medo. Muda-se para um casarão à beira de um penhasco, de frente ao Mediterrâneo. Gore Vidal se torna uma figura popular. Um tipo de comentador sobre tudo o que vale ser comentado. Adoro seu texto e amo suas opiniões sobre literatura.
Vidal conviveu muito com Tennessee Willians, Paul Bowles, Anais Nin, Saul Bellow, Christopher Isherwood, Leonard Bernstein, Jerome Robbins, Rudolf Nureyev...Gore fala que o romance, após o cinema e a TV deixou de ser diversão. Passou a ser uma chatice a ser estudado por professores sem imaginação e por estudantes sem paciência. Ele exibe no livro a lista de best-sellers do NY Times de 1964. Em primeiro lugar está Gore Vidal. Depois vem John Le Carré, Ian Fleming, Louis Aunchincloss e Leon Uris. Uma das últimas vezes em que os mais vendidos eram romances para adultos. Em que um romance adulto conseguia vender 3 milhões de exemplares. Daí para a frente, só sexo, exoterismo, biografias, e auto-ajuda. E contos de fadas travestidos de romance adulto. Gore também tem críticas duras à escrita de Heminguay ( seco e sem imaginação ), um autor que deu milhares de frutos ruins. Com Heminguay todo homem metido a macho e que saiba escrever quatro frases duras acha que pode ser um escritor. O romance americano se torna um tipo de confessionário, uma prosa sem aprofundamento, sem invenção, apenas um longo descrever da vida ''como ela é""", o que significa a morte do romance como arte. Até os 20 anos era isso que o jovem Gore queria, mas aconselhado a ler Henry James ele muda. James, e mais Edith Wharton, Stendhal, George Meredith, Anthony Trollope, passam a ser seus modelos. Uma escrita elegante, ferina, dúbia, cheia de cor. Proust também é muito citado.
Gore Vidal diz que o mundo sempre teve, e continua tendo, seus donos. As pessoas verdadeiramente ricas, cultas, e também duras, frias, impessoais. E o tal jet set, os ricos que se exibem, que vomitam poder para as massas, mas que na verdade nada mandam, nada sabem e nada importam. O que ocorre é que esse alto mundo está se misturando com o jet set. O alto mundo tem se empobrecido e o jet set se assanhado. Isso faz com que se antes o poder fosse sujo e delicado, hoje ele seja sujo e grosseiro. A aristocracia morre quando ninguém mais quer servir a aristocracia. Quando todos se acham protagonistas. Esse é o caminho aberto para o vale tudo e a falta de direção. Gore não defende a aristocracia, quem a defende sou eu. Ele apenas descreve um mundo em sua decadência. Kennedy foi o primeiro Jet Setter a se imaginar um aristocrata. Um aristocrata filho de um mafioso. Bela aristocracia!
Poderia falar de tanta mais coisa! As filmagens de Ben-Hur, roteiro de Gore, em que ele e o produtor conseguiram fazer com que Charlton Heston não percebesse que a história era um romance gay entre Ben e Messala. Uma história divertidíssima! Há ainda a firmação de que no cinema dos anos 20 e 30 todos os atores eram gays e todas as atrizes lésbicas. O que chamamos de GLAMOUR é uma atitude gay. Gore foi amigo de Greta Garbo já no exílio da diva, uma presença de carisma absurdo e completamente ""sapata""". Como eram Marlene, Kate Hepburn e Bette. E também Cary, Gary e Powell. Um mundo gay. Que influenciou os heteros de ontem e de sempre. Uma ironia.
Ler este belo livro é como ter uma alegre aula de cultura. Alta cultura e cultura pop. De politica e de história. Uma beleza.
Ler Gore Vidal é como ler o melhor de Paulo Francis. Que bom.
O DIÁRIO DE H.L. MENCKEN. EDITADO POR CHARLES A. FECHER
Para quem não sabe, Mencken foi na América dos anos 20 aquilo que todo jornalista gostaria de ser, o guia cultural de uma nação poderosa em seu apogeu. Paulo Francis gostava de se imaginar Mencken, principalmente na fase final de sua vida. Falando, com humor e malicia, sobre politica, história e artes em geral, Mencken foi o mais amado e odiado americano de seu tempo. A partir dos anos 30, quando a recessão toma o planeta, Mencken perde parte de seu imenso público. Em tempos de dureza seus ataques começaram a parecer excessivos. Ele odiava Roosevelt. Chamava o presidente de mentiroso, e dizia que Roosevelt inaugurava o começo do fim da América. Mencken não queria que os EUA ajudassem a Europa, que jamais se metessem em guerra nenhuma.
Algumas de suas previsões foram certeiras. Outras não. Ele subestima Faulkner. Ignora Heminguay. Para ele Faulkner é apenas um sulista mal educado e muito bêbado. Fitzgerald é visto como um chato. Um escritor muito bom, mas que desperdiçava seu talento com uma esposa louca, e com bebida em excesso. E quando bêbado Fitzgerald ficava chato, muito chato. Mencken tinha intimidade com Sinclair Lewis, o autor de Babbit, o primeiro americano a ganhar o Nobel. Mencken o aconselhou a não aceitar o prêmio. Lewis aceitou. Dreiser também foi íntimo de Mencken, assim como Willa Cather e uma multidão de escritores hoje esquecidos.
Mencken frequentava as mais poderosas familias do país. Os juízes do Supremo, ministros, candidatos a presidente. Amigo dos grandes editores, ao contrário do que se diz normalmente, nas brigas entre editor e autor, Mencken ficava sempre ao lado da editora. Ele dizia que os escritores eram mal agradecidos e traidores. Vale lembrar que o próprio Mencken era um autor. Lançou vários livros, 3 dos quais de muito sucesso.
Um de seus acertos, e que até hoje acho válido, é quando ele aconselha aos editores de jornal como enfrentar a queda das vendas face a emergência do rádio e do cinema. Ele diz que o jornal jamais poderá ser tão imediato, simples e fácil como o rádio. A solução seria elitizar os jornais. Dar me jornal aquilo que o rádio não pode dar, profundidade. Em 2013, face a internet, o jornal continua errando. Está condenado a correr sempre atrás. A cortejar o jeca.
Vale dizer que o diário começa nos 50 anos de idade de Mencken. Viúvo, ele sente essa necessidade de ter um diário a partir de seu luto. Hipocondríaco, seus melhores amigos eram os grandes cirurgiões de seu tempo. Quanto mais velho mais ele se queixa de dores. São longas páginas sobre doenças e amigos que se vão.
De qualquer modo é grande prazer poder se sentir íntimo do dia a dia de tal figura. Jantares, viagens e conferências. Ódios e afetos. Nada de sexo ( ele é a imagem da elegância discreta ). Mencken não gostava do cinema, pouco se importava com o teatro e música quase nada. Seu mundo era o da escrita, das conversas, dos contatos.
Faz falta alguém como ele escrevendo sobre o agora.
Algumas de suas previsões foram certeiras. Outras não. Ele subestima Faulkner. Ignora Heminguay. Para ele Faulkner é apenas um sulista mal educado e muito bêbado. Fitzgerald é visto como um chato. Um escritor muito bom, mas que desperdiçava seu talento com uma esposa louca, e com bebida em excesso. E quando bêbado Fitzgerald ficava chato, muito chato. Mencken tinha intimidade com Sinclair Lewis, o autor de Babbit, o primeiro americano a ganhar o Nobel. Mencken o aconselhou a não aceitar o prêmio. Lewis aceitou. Dreiser também foi íntimo de Mencken, assim como Willa Cather e uma multidão de escritores hoje esquecidos.
Mencken frequentava as mais poderosas familias do país. Os juízes do Supremo, ministros, candidatos a presidente. Amigo dos grandes editores, ao contrário do que se diz normalmente, nas brigas entre editor e autor, Mencken ficava sempre ao lado da editora. Ele dizia que os escritores eram mal agradecidos e traidores. Vale lembrar que o próprio Mencken era um autor. Lançou vários livros, 3 dos quais de muito sucesso.
Um de seus acertos, e que até hoje acho válido, é quando ele aconselha aos editores de jornal como enfrentar a queda das vendas face a emergência do rádio e do cinema. Ele diz que o jornal jamais poderá ser tão imediato, simples e fácil como o rádio. A solução seria elitizar os jornais. Dar me jornal aquilo que o rádio não pode dar, profundidade. Em 2013, face a internet, o jornal continua errando. Está condenado a correr sempre atrás. A cortejar o jeca.
Vale dizer que o diário começa nos 50 anos de idade de Mencken. Viúvo, ele sente essa necessidade de ter um diário a partir de seu luto. Hipocondríaco, seus melhores amigos eram os grandes cirurgiões de seu tempo. Quanto mais velho mais ele se queixa de dores. São longas páginas sobre doenças e amigos que se vão.
De qualquer modo é grande prazer poder se sentir íntimo do dia a dia de tal figura. Jantares, viagens e conferências. Ódios e afetos. Nada de sexo ( ele é a imagem da elegância discreta ). Mencken não gostava do cinema, pouco se importava com o teatro e música quase nada. Seu mundo era o da escrita, das conversas, dos contatos.
Faz falta alguém como ele escrevendo sobre o agora.
MONARQUIA, PAPA E TV.....bééééééééééééééééé.....
Estamos tendo a chance de fazer um flash-back à época medieval. O Papa Francisco está entre nós. Ele, assim como sua religião, só fazem sentido se vistas sob o ponto de vista pré-Lutero, pré-Calvino. O catolicismo é religião de Uma única verdade, Uma única Terra e um ùnico Líder. O Papa. Tudo que a igreja romana diz fora desse dogma é verniz. Assim como o Islã, também medieval, o catolicismo prega a conversão e a fé única.
Adoro Dante e Giotto. Talvez ser medieval seja um elogio. Mas em nosso tempinho transitório onde tudo pode ser verdade e nada é mentira, onde todos querem e ninguém se submete, Nada é mais "antigo" que um Papa.
Ou um herdeiro ao trono inglês. A familia real britânica é bastante "vira-lata". Se a compararmos com a espanhola eles caem a posição de sub-vira-lata. Houve um momento em que a familia real caiu no buraco. Não havia herdeiro. Para que uma familia católica não voltasse ao poder foi importada uma familia alemã, o ramo de primos em segundo grau, os Hannover. Essa a familia real inglesa, alemães. Desde George, pai de Vitória. Ele nem inglês falava. No meu século, o XX, houve até um herdeiro nazista, Eduardo, o irmão do rei gago feito por Colin Firth no Discurso do Rei. Olhar para Andrew é ver um cara de Hamburgo.
Caramba! Aprendi tudo isso com Paulo Francis e consegui escrever no estilo curto dele. Waaallll....
Voce já foi ver Da Vinci e Rafael em SP? Não? Então vá! Outra chance só na Itália.
Andei dando uma geral em séries de TV. Aquelas que "todo mundo" gosta. Todo mundo...hum...alguém fala mal delas? Acho que não pega bem né? Voce pode ser chamado de snob ou de brega, sei lá. Mas que é estranho é. Parece que ninguém se deu ao trabalho de as olhar com padrão elevado. São comparadas a filmes ruins ou a séries antigas que ninguém recorda. Ora, vamos lá! A fotografia continua a ser um lixo. O que mudou é que hoje 90% dos filmes também tem uma fotografia pobre, cheia de closes e cores frias. O que acontece é que esse povo, analfabeto estéticamente, vai comparar essas séries com o que? Outra coisa que se fala: Roteiros do caraca...hum....bons diálogos, é um fato. Mas é só isso. O único mérito é o de durar menos que um filme de cinema. São dez minutos de bons diálogos e o resto se repete na semana que vem. Também se fala que "grandes atores" migram para a TV. Kevin Bacon? Charlie Sheen? Sigourney Weaver? Hugh Laurie? São todos atores sem mercado em cinema. Vou acreditar nisso quando Brad Pitt, Johnny Depp ou Robert Downey fizerem uma série de TV. Antes dos 60 anos claro.
Abram os olhos e parem de crer na propaganda. TV continua a ser veículo de anúncios. O anunciante manda. E mesmo a "Meca da Arte", HBO, depende da vontade de suas centenas de donos de ações e dos anunciantes top. Quanto a FOX, Warner e Sony, elas fazem séries como vendem brinquedos, celulares ou tablets, criam um hype e mandam brasa. Tudo que vi nesses meses foram sets mal iluminados, atores falando baixinho, temas que variam entre doenças e serial killers e sempre um personagem neurotiquinho pra fazer tudo cheirar a coisa original.
Então tá Jeeves.
Tem gente que não lê pra poder ver Saramandaia. Tem gente que não assiste sua caixa de Fritz Lang pra poder ver a novela das nove. Tem gente que deixou de ler pra ver as séries da Universal. Tudo a mesma coisa. Só muda a lingua e a iluminação do cenário. Lixo.
Mas eles foram espertos. Em 1900 a burguesada queria posar de culta e chique. Como dormiam nas óperas de Wagner se criou Puccini para eles. Era ópera e lhes dava a ilusão de serem cultos e chiques. Espertamente a TV faz o mesmo. Vende lixo como se fosse "coisa fina". Puccini. Nem mesmo Rossini, é puro Puccini. Povo e críticos, esses cada vez mais tentando ser simpáticos, correm como ovelhas.
Béeeeeeeeee.....
Adoro Dante e Giotto. Talvez ser medieval seja um elogio. Mas em nosso tempinho transitório onde tudo pode ser verdade e nada é mentira, onde todos querem e ninguém se submete, Nada é mais "antigo" que um Papa.
Ou um herdeiro ao trono inglês. A familia real britânica é bastante "vira-lata". Se a compararmos com a espanhola eles caem a posição de sub-vira-lata. Houve um momento em que a familia real caiu no buraco. Não havia herdeiro. Para que uma familia católica não voltasse ao poder foi importada uma familia alemã, o ramo de primos em segundo grau, os Hannover. Essa a familia real inglesa, alemães. Desde George, pai de Vitória. Ele nem inglês falava. No meu século, o XX, houve até um herdeiro nazista, Eduardo, o irmão do rei gago feito por Colin Firth no Discurso do Rei. Olhar para Andrew é ver um cara de Hamburgo.
Caramba! Aprendi tudo isso com Paulo Francis e consegui escrever no estilo curto dele. Waaallll....
Voce já foi ver Da Vinci e Rafael em SP? Não? Então vá! Outra chance só na Itália.
Andei dando uma geral em séries de TV. Aquelas que "todo mundo" gosta. Todo mundo...hum...alguém fala mal delas? Acho que não pega bem né? Voce pode ser chamado de snob ou de brega, sei lá. Mas que é estranho é. Parece que ninguém se deu ao trabalho de as olhar com padrão elevado. São comparadas a filmes ruins ou a séries antigas que ninguém recorda. Ora, vamos lá! A fotografia continua a ser um lixo. O que mudou é que hoje 90% dos filmes também tem uma fotografia pobre, cheia de closes e cores frias. O que acontece é que esse povo, analfabeto estéticamente, vai comparar essas séries com o que? Outra coisa que se fala: Roteiros do caraca...hum....bons diálogos, é um fato. Mas é só isso. O único mérito é o de durar menos que um filme de cinema. São dez minutos de bons diálogos e o resto se repete na semana que vem. Também se fala que "grandes atores" migram para a TV. Kevin Bacon? Charlie Sheen? Sigourney Weaver? Hugh Laurie? São todos atores sem mercado em cinema. Vou acreditar nisso quando Brad Pitt, Johnny Depp ou Robert Downey fizerem uma série de TV. Antes dos 60 anos claro.
Abram os olhos e parem de crer na propaganda. TV continua a ser veículo de anúncios. O anunciante manda. E mesmo a "Meca da Arte", HBO, depende da vontade de suas centenas de donos de ações e dos anunciantes top. Quanto a FOX, Warner e Sony, elas fazem séries como vendem brinquedos, celulares ou tablets, criam um hype e mandam brasa. Tudo que vi nesses meses foram sets mal iluminados, atores falando baixinho, temas que variam entre doenças e serial killers e sempre um personagem neurotiquinho pra fazer tudo cheirar a coisa original.
Então tá Jeeves.
Tem gente que não lê pra poder ver Saramandaia. Tem gente que não assiste sua caixa de Fritz Lang pra poder ver a novela das nove. Tem gente que deixou de ler pra ver as séries da Universal. Tudo a mesma coisa. Só muda a lingua e a iluminação do cenário. Lixo.
Mas eles foram espertos. Em 1900 a burguesada queria posar de culta e chique. Como dormiam nas óperas de Wagner se criou Puccini para eles. Era ópera e lhes dava a ilusão de serem cultos e chiques. Espertamente a TV faz o mesmo. Vende lixo como se fosse "coisa fina". Puccini. Nem mesmo Rossini, é puro Puccini. Povo e críticos, esses cada vez mais tentando ser simpáticos, correm como ovelhas.
Béeeeeeeeee.....
FOLHA, 1995, AGOSTO E SETEMBRO
Está havendo uma limpeza na biblioteca da escola. Em meio a revistas rasgadas e muito pó encontro três exemplares da Folha de São Paulo. São de 1995, agosto e setembro. O que será que Paulo Francis disse nesse dia? Os textos seriam tão maiores quanto eu me lembro? Ou será que minha mente os esticou?
Especial de Domingo, dia 10. Um bando de intelectuais escreve sobre aquilo "Que não sabemos". Quanto texto!!! Letras miúdas, a página era mais larga. Cada folha de jornal tem o conteúdo de duas páginas de livro, em média. Nesse especial temos um antropólogo falando sobre o que Não Sabemos sobre a origem do homem ( muuuuuita coisa, na verdade tudo o que sabemos são hipóteses ), um virologista fala o que Não Sabemos sobre um virus e ainda temos um astrofisico, um médico, geofisico, literato, linguista e um imenso etc. Um biólogo que fala sobre a reprodução, Jacques Testard, é o que mais me surpreende. Ele confessa nada saber sobre a reprodução, não entende o porque de todo o processo. Ele ocorre, mas não sabe o que o faz acontecer. São seis vastas páginas.
Colunistas da Folha de Domingo: Verissimo e João Ubaldo Ribeiro. Que luxo!
No cinema passava Apollo 13, Coração Valente, Sábado, Rápida e Mortal. Dom Juan de Marco, A Morte e a Donzela, O Padre, Pocahontas. Maré Vermelha.
O Madredeus ia tocar de graça no Ibirapuera.
Uma crônica de Antonio Bivar sobre o Rio.
Matéria sobre um novo Kundera.
E uma imensa página de Paulo Francis. Falando sobre a cinemateca de New York, um novo livro sobre Kennedy, drogas, pena de morte, a China, ópera ( Puccini ), Truman Capote, Laurence Olivier. Caramba! Como era/é bom ler tudo isso! É como conversar com aquele tio culto-engraçado-viajado que todo mundo deveria ter e ninguém tem. Ele escrevia como esse tio falaria. Esse tio à mesa, já meio alto, discorrendo comentários sobre qualquer coisa que lhe viesse á mente.
Abro outro jornal. Agosto de 1995. Os 50 anos do final da guerra.
É um caderno especial. Uma edição que TODO MUNDO deveria ler. Abre com Francis falando sobre Winston Churchill. Ele fala com emoção. Voce percebe que ali Francis não escreve só com cérebro e bilis. Ele reverencia Churchill. Diz que ele venceu a guerra sózinho. E ainda mereceu o Nobel de literatura que ganhou. Suas memórias são uma das obras-primas do século.
Ao longo do caderno textos soberbos. O front russo, a guerra do Pacífico, Berlim em 1945.
Minha memória não mentiu. A Folha foi grande, foi cheia de coisas para se ler, preenchia uma manhã.
Saio de casa e vou comprar um livro escrito por Churchill. Acho num sebo as memórias de infância. Tradução de Carlos Lacerda. Capa de couro, edição original de 1961. Tá comprado.
Quase vinte anos depois, Francis ainda me educa.
Especial de Domingo, dia 10. Um bando de intelectuais escreve sobre aquilo "Que não sabemos". Quanto texto!!! Letras miúdas, a página era mais larga. Cada folha de jornal tem o conteúdo de duas páginas de livro, em média. Nesse especial temos um antropólogo falando sobre o que Não Sabemos sobre a origem do homem ( muuuuuita coisa, na verdade tudo o que sabemos são hipóteses ), um virologista fala o que Não Sabemos sobre um virus e ainda temos um astrofisico, um médico, geofisico, literato, linguista e um imenso etc. Um biólogo que fala sobre a reprodução, Jacques Testard, é o que mais me surpreende. Ele confessa nada saber sobre a reprodução, não entende o porque de todo o processo. Ele ocorre, mas não sabe o que o faz acontecer. São seis vastas páginas.
Colunistas da Folha de Domingo: Verissimo e João Ubaldo Ribeiro. Que luxo!
No cinema passava Apollo 13, Coração Valente, Sábado, Rápida e Mortal. Dom Juan de Marco, A Morte e a Donzela, O Padre, Pocahontas. Maré Vermelha.
O Madredeus ia tocar de graça no Ibirapuera.
Uma crônica de Antonio Bivar sobre o Rio.
Matéria sobre um novo Kundera.
E uma imensa página de Paulo Francis. Falando sobre a cinemateca de New York, um novo livro sobre Kennedy, drogas, pena de morte, a China, ópera ( Puccini ), Truman Capote, Laurence Olivier. Caramba! Como era/é bom ler tudo isso! É como conversar com aquele tio culto-engraçado-viajado que todo mundo deveria ter e ninguém tem. Ele escrevia como esse tio falaria. Esse tio à mesa, já meio alto, discorrendo comentários sobre qualquer coisa que lhe viesse á mente.
Abro outro jornal. Agosto de 1995. Os 50 anos do final da guerra.
É um caderno especial. Uma edição que TODO MUNDO deveria ler. Abre com Francis falando sobre Winston Churchill. Ele fala com emoção. Voce percebe que ali Francis não escreve só com cérebro e bilis. Ele reverencia Churchill. Diz que ele venceu a guerra sózinho. E ainda mereceu o Nobel de literatura que ganhou. Suas memórias são uma das obras-primas do século.
Ao longo do caderno textos soberbos. O front russo, a guerra do Pacífico, Berlim em 1945.
Minha memória não mentiu. A Folha foi grande, foi cheia de coisas para se ler, preenchia uma manhã.
Saio de casa e vou comprar um livro escrito por Churchill. Acho num sebo as memórias de infância. Tradução de Carlos Lacerda. Capa de couro, edição original de 1961. Tá comprado.
Quase vinte anos depois, Francis ainda me educa.
PAULO FRANCIS
A esposa de Paulo Francis lê uma carta. Essa carta foi escrita por Paulo a um amigo quando soube que sua gata, Alzira, estava morrendo. Francis não foi uma criança com bichos. Ele aprendeu a amar os animais com a idade. O documentário mostra então várias fotos de Paulo com Alzira. A esposa chora enquanto lê.
O filme é assim. Não foge da emoção, mas também não foge da polêmica. Ele foi sempre desse jeito. Chamava os nordestinos de preguiçosos e ao mesmo tempo sabia de cabeça dezenas de canções de Caymmi. Odiava Lula e também os milicos da revolução. Penso que ele era inteiro, conseguia ser si-mesmo na midia, o que hoje é impossível.
Paulo Francis começou a ser perseguido pela Folha quando a Folha se acovardou. Ansiosa para ser a número um, ela não podia aceitar alguém que batia tanto em tanta gente. Francis espirrou de lá. E a Folha virou esse balcão de RP que é hoje.
Então Paulo foi fazer o melhor programa de humor da história do Brasil, Manhattan Connection. Ele era Groucho Marx, os outros quatro eram Zeppo Marx. Ele cantava ópera, avacalhava todos os filmes ( "Não vi, não vou ver, e detesto"), citava filmes antigos, dava ataques azedos ao Brasil, indicava restaurantes em New York, se exibia. Caio era chamado de idiota, Nelsinho de menino ingênuo e o mediador de irrelevante. Quando Francis se foi o programa perdeu a alma e o porque.
Foi num desses domingos que Francis se "matou". Disse que os diretores da Petrobrás eram ladrões e tinham milhôes na Suiça. A empresa o processou. Com nosso dinheiro Francis foi processado em New York. Ele ficou apavorado e morreu do coração. Essa história simboliza a mudança do Brasil. O politicamente correto e o rabo preso.
Seria impossível ele ser publicado hoje. Se voce acha Mainardi ou Pondé incorretos, Francis foi bem mais. Ele falava em alto e bom som, sem nada de filosófico ou atenuante: a democracia é a ditadura dos medíocres, o nordeste mata o Brasil, Lula é uma besta, as universidades acabaram quando as mulheres puderam estudar, o rock é música feita por caipiras iletrados para jecas incivilizados, jazz só é suportável e faz sentido com whisky, vicio em drogas não existe, é mito, todo drogado quer se matar e passa a vida tentando.
A história mais engraçada é aquela do LSD. Paulo provou todas as drogas ( inclusive heroína ) e queria provar o ácido. Mas tinha medo de pirar e fazer merda. Então foi a seu médico, fechou a porta, deitou na maca e engoliu um ácido. Então falou ao médico: "-Agora tome conta de mim".
Francis odiava os democratas americanos, Tinha saudades dos velhos republicanos, povo que fez a fortuna da América. Mas odiava Bush. Para ele o governo ideal seria um tipo de monarquia meritória. Os melhores governando. Ele dizia que a democracia era a ditadura da ralé. Os melhores tendo de puxar o saco dos pulhas bons de voto. Votar era como escolher quem merecia ser seu feitor. O dono da fazenda jamais mudava.
Devorei Paulo Francis em todos os meus anos formativos. Me deu tanto que às vezes penso ser um mero continuador, mais pobre e muito menos corajoso, dele.
Adoraria vê-lo escrever hoje. Sobre Bin Laden, Obama, Lady Gaga e o mensalão. Chavez e Kirchner, Big Brother e Irã.... quer saber? Se Paulo se sentia um zumbi, num mundo sem classe e conforto, em 1995, acho que foi bem melhor pra ele ter partido antes do imbecilizante século XXI.
Procurem e assistam.
O filme é assim. Não foge da emoção, mas também não foge da polêmica. Ele foi sempre desse jeito. Chamava os nordestinos de preguiçosos e ao mesmo tempo sabia de cabeça dezenas de canções de Caymmi. Odiava Lula e também os milicos da revolução. Penso que ele era inteiro, conseguia ser si-mesmo na midia, o que hoje é impossível.
Paulo Francis começou a ser perseguido pela Folha quando a Folha se acovardou. Ansiosa para ser a número um, ela não podia aceitar alguém que batia tanto em tanta gente. Francis espirrou de lá. E a Folha virou esse balcão de RP que é hoje.
Então Paulo foi fazer o melhor programa de humor da história do Brasil, Manhattan Connection. Ele era Groucho Marx, os outros quatro eram Zeppo Marx. Ele cantava ópera, avacalhava todos os filmes ( "Não vi, não vou ver, e detesto"), citava filmes antigos, dava ataques azedos ao Brasil, indicava restaurantes em New York, se exibia. Caio era chamado de idiota, Nelsinho de menino ingênuo e o mediador de irrelevante. Quando Francis se foi o programa perdeu a alma e o porque.
Foi num desses domingos que Francis se "matou". Disse que os diretores da Petrobrás eram ladrões e tinham milhôes na Suiça. A empresa o processou. Com nosso dinheiro Francis foi processado em New York. Ele ficou apavorado e morreu do coração. Essa história simboliza a mudança do Brasil. O politicamente correto e o rabo preso.
Seria impossível ele ser publicado hoje. Se voce acha Mainardi ou Pondé incorretos, Francis foi bem mais. Ele falava em alto e bom som, sem nada de filosófico ou atenuante: a democracia é a ditadura dos medíocres, o nordeste mata o Brasil, Lula é uma besta, as universidades acabaram quando as mulheres puderam estudar, o rock é música feita por caipiras iletrados para jecas incivilizados, jazz só é suportável e faz sentido com whisky, vicio em drogas não existe, é mito, todo drogado quer se matar e passa a vida tentando.
A história mais engraçada é aquela do LSD. Paulo provou todas as drogas ( inclusive heroína ) e queria provar o ácido. Mas tinha medo de pirar e fazer merda. Então foi a seu médico, fechou a porta, deitou na maca e engoliu um ácido. Então falou ao médico: "-Agora tome conta de mim".
Francis odiava os democratas americanos, Tinha saudades dos velhos republicanos, povo que fez a fortuna da América. Mas odiava Bush. Para ele o governo ideal seria um tipo de monarquia meritória. Os melhores governando. Ele dizia que a democracia era a ditadura da ralé. Os melhores tendo de puxar o saco dos pulhas bons de voto. Votar era como escolher quem merecia ser seu feitor. O dono da fazenda jamais mudava.
Devorei Paulo Francis em todos os meus anos formativos. Me deu tanto que às vezes penso ser um mero continuador, mais pobre e muito menos corajoso, dele.
Adoraria vê-lo escrever hoje. Sobre Bin Laden, Obama, Lady Gaga e o mensalão. Chavez e Kirchner, Big Brother e Irã.... quer saber? Se Paulo se sentia um zumbi, num mundo sem classe e conforto, em 1995, acho que foi bem melhor pra ele ter partido antes do imbecilizante século XXI.
Procurem e assistam.
CONVITE PARA JANTAR. ADIVINHE QUEM VEM...
Paulo Francis era fã de Bergman. Ele dizia que o sueco era o único que às vezes conseguia atingir a altura da literatura. Mas ele amava também o cinema mais popular. Se divertia imensamente com ....E O VENTO LEVOU e as doces bobagens de Doris Day. Falava que Hollywood sabia fazer lixo que não ofendia a inteligência. Amava Peter Sellers e o inspetor Clouseau.
Mas o que desejo aqui destacar é a resposta que ele deu a Nelson Motta sobre PULP FICTION. Paulo até gostou de Pulp, mas fez uma pergunta muito esperta a Nelsinho. "-Você convidaria algum daqueles personagens para jantar?"
O sentido da pergunta não é moralista. Nem mesmo uma coisa do tipo: eles seriam divertidos? A questão é a seguinte: Seria interessante jantar com eles? Eles teriam algo a dizer?
Francis era assim. Perguntava aquilo que parecia simples, mas que ia ao fundo da coisa. Porque agora eu penso....
Não seria fantástico jantar, calmamente, com o aristocrata empobrecido de A SALA DE MÚSICA de Satyajit Ray? E os personagens de AMARCORD? Jantar com eles poderia mudar sua vida!
Penso no prazer de um faisão e conhaque com charutos ao lado do Henry Higgins de MY FAIR LADY. Nos dias que eu teria de conversa com o diretor em crise de OITO E MEIO. O Gregory Peck de TO KILL A MOCKINGBIRD, o Paul Newman de GOLPE DE MESTRE.
Eu não sei se são esses personagens fascinantes que definem um grande filme, mas eu adoraria jantar com o Michael Douglas de GAROTOS INCRÍVEIS ou o Clint Eastwood de CORAÇÃO DE CAÇADOR. E detestaria estar numa mesa com o cara de GRAN TORINO ou aquele de DIRTY HARRY.
Alguns atores têm uma quantidade imensa de personagens "convidáveis". Cary Grant deve ter mais de 30. Mas pensando bem, dá pra unir as duas paixões de Francis numa coisa só.
Não há nenhum filme que tenha uma maior quantidade de personagens "convidáveis" que FANNY E ALEXANDER, de Bergman. Seria uma dádiva dos céus jantar longamente ( Natal? ), com aquela familia inteira. Melhor ainda, passar longas férias com eles. ( E por falar em férias, imagine passar um verão com todos os personagens de Monsieur Hulot...um paraíso!).
Mas devo dizer que eu, acima de tudo, iria adorar poder receber para jantar, em mesa cheia de doces e vinho do Porto, o professor feito por Victor Sjostrom em MORANGOS SILVESTRES. Teríamos uma conversa sobre a memória, o tempo e o sentido de recordar. Falaríamos então sobre nossos pais, as mulheres e a estrada. Esse seria meu primeiro convidado. E de certo modo tenho o recebido desde quando o conheci.
Paulo Francis matou a charada.
Mas o que desejo aqui destacar é a resposta que ele deu a Nelson Motta sobre PULP FICTION. Paulo até gostou de Pulp, mas fez uma pergunta muito esperta a Nelsinho. "-Você convidaria algum daqueles personagens para jantar?"
O sentido da pergunta não é moralista. Nem mesmo uma coisa do tipo: eles seriam divertidos? A questão é a seguinte: Seria interessante jantar com eles? Eles teriam algo a dizer?
Francis era assim. Perguntava aquilo que parecia simples, mas que ia ao fundo da coisa. Porque agora eu penso....
Não seria fantástico jantar, calmamente, com o aristocrata empobrecido de A SALA DE MÚSICA de Satyajit Ray? E os personagens de AMARCORD? Jantar com eles poderia mudar sua vida!
Penso no prazer de um faisão e conhaque com charutos ao lado do Henry Higgins de MY FAIR LADY. Nos dias que eu teria de conversa com o diretor em crise de OITO E MEIO. O Gregory Peck de TO KILL A MOCKINGBIRD, o Paul Newman de GOLPE DE MESTRE.
Eu não sei se são esses personagens fascinantes que definem um grande filme, mas eu adoraria jantar com o Michael Douglas de GAROTOS INCRÍVEIS ou o Clint Eastwood de CORAÇÃO DE CAÇADOR. E detestaria estar numa mesa com o cara de GRAN TORINO ou aquele de DIRTY HARRY.
Alguns atores têm uma quantidade imensa de personagens "convidáveis". Cary Grant deve ter mais de 30. Mas pensando bem, dá pra unir as duas paixões de Francis numa coisa só.
Não há nenhum filme que tenha uma maior quantidade de personagens "convidáveis" que FANNY E ALEXANDER, de Bergman. Seria uma dádiva dos céus jantar longamente ( Natal? ), com aquela familia inteira. Melhor ainda, passar longas férias com eles. ( E por falar em férias, imagine passar um verão com todos os personagens de Monsieur Hulot...um paraíso!).
Mas devo dizer que eu, acima de tudo, iria adorar poder receber para jantar, em mesa cheia de doces e vinho do Porto, o professor feito por Victor Sjostrom em MORANGOS SILVESTRES. Teríamos uma conversa sobre a memória, o tempo e o sentido de recordar. Falaríamos então sobre nossos pais, as mulheres e a estrada. Esse seria meu primeiro convidado. E de certo modo tenho o recebido desde quando o conheci.
Paulo Francis matou a charada.
OTTO MARIA CARPEAUX, PAULO FRANCIS, MOZART, NELSON FREIRE, COWARD E BEBÊS
Alvíssaras! Hallellujas!!!! O maior dos pianistas toca em São Paulo a melhor das músicas! O inigualável Nelson Freire toca o concerto número vinte para piano e orquestra, de Mozart. Na sala São Paulo. Ouvir o concerto 20 de Mozart justifica toda uma vida. O gênio da Austria antecipa o gênio de Bonn. É música absoluta, existencial. Tudo o que se pode expressar de belo e de terrível em arte é dito nesse concerto. Que se inicia com os mais soberbos acordes. Já escrevi sobre esse concerto anos atrás. Digite Mozart aí ao lado e leia. Mas preciso dizer: ninguém que diga amar a música pode ser levado a sério se não houver vivenciado a honra de escutar esta peça. Se minha vida fosse mais elevada ela seria digna de um acorde desse concerto. Recordo que ao o escutar pela primeira vez, em 1979, pensei: "Deus existe!" Pois essa música nos dá a certeza de que um punhado de neurônios e de proteína não poderia criar tanta emoção. Se Deus não existe, então Mozart criou aqui a Sua melodia. Justifique a sua vida, vá ver e ouvir.
Sairam dois volumes com textos de Otto Maria Carpeaux. O famoso OMC. Carpeaux civilizou esta taba. Escrevendo em jornal e revista, ele formou o gosto de três gerações. Otto dá a sensação de ter lido tudo, visto tudo e escutado o que vale a pena escutar. Seu "História da Música Ocidental" é tudo aquilo que se deve ler para se iniciar nos segredos da grande música. Nestes volumes ele fala de escritores, filósofos, pintores, amigos, e outras coisas mais. Se voce quer dar um salto de qualidade em sua vida leia os dois. Foi OMC quem, com seus verbetes na velha Barsa, me abriu ouvidos para compositores e olhos para certos autores. O que me leva a pensar o seguinte: as pessoas ainda entram em enciclopédias, mesmo virtuais, para conhecer aquilo que não conhecem? Procurar quem são os maiores autores ou os grandes pintores? Ou precisa um professor, um amigo, ou pior, uma noticia de jornal, para que o garoto ouça o nome de alguém que ele já deveria ter conhecido por iniciativa própria. OMC vai ajudar muito esse garoto. Mas acho que quem irá lê-lo é aquele que já conhece aquilo sobre o que ele fala. Pena.
Publicaram um volume com colunas de Paulo Francis. Aconselhável para aqueles que entenderam a frase de Scott Fitzgerald que Pondé citou: "Inteligência é a capacidade de ter duas ideias divergentes ao mesmo tempo. E mantê-las." Francis era o máximo da inteligência. Já falei e repito, sem ele eu jamais teria sabido apreciar os atores ingleses ( Rex Harrison, Gielgud, Redgrave e Olivier ), ou autores como Waugh e Huxley. A única coisa que me irritava nele era sua idolatria a Wagner. Fora isso ele era perfeito.
Escrevi por aí que SP tinha a alegria de ter peça de Noel Coward em cartaz. Esqueça. Transformaram o mais fino dos ingleses em um tipo de "Sai de Baixo" de segunda. Harold Pinter não teve melhor destino. Seu beco sem saída, sua acidez, se transformaram em teatrinho de raivinha. Um saco.
Mas "Pina" de Wim Wenders ainda está em cartaz. Espero que voce mereça ter esse deslumbramento.
Leio na Veja que as pessoas viverão até os 100.
O que me irrita na esquerda é sua cegueira, e o que me irrita na direita é seu otimismo cor de rosa. Vamos viver até os 100? Quem vai pagar a conta? Os jovens irão ter menores salários? Ou as aposentadorias começarão aos 85? God!!! Um mundo cheio de velhos de 90 se comportando como adolescentes!!!! Pior, uma adolescência que irá dos 10 aos 90 !!!!! Bandas de rock com 100 anos de estrada e "Se Beber não Case" parte 38.... Socorro!!!!!
Meu professor fala que o feto é marcado para toda a vida por tudo aquilo que a mãe lhe fala e pelo som ambiente. Não tenho culpa de ter sido um feto vivendo no paraíso. Cantos de pássaros, galos de noite e Sinatra que meu pai ouvia de manhã. A depressão que sinto às vezes decorre de ter conhecido o paraíso e de hoje ter de me conformar com o apenas "legalzinho". Se hoje nossos bebês estão conhecendo a vida via Funk, carros que buzinam e anúncios barulhentos na TV; eu recebi as boas vindas ao som de conversas na sala, vozes de crianças na rua e Beatles mais Roberto Carlos no rádio de minha mãe.
Não consigo imaginar paraíso melhor.
Sairam dois volumes com textos de Otto Maria Carpeaux. O famoso OMC. Carpeaux civilizou esta taba. Escrevendo em jornal e revista, ele formou o gosto de três gerações. Otto dá a sensação de ter lido tudo, visto tudo e escutado o que vale a pena escutar. Seu "História da Música Ocidental" é tudo aquilo que se deve ler para se iniciar nos segredos da grande música. Nestes volumes ele fala de escritores, filósofos, pintores, amigos, e outras coisas mais. Se voce quer dar um salto de qualidade em sua vida leia os dois. Foi OMC quem, com seus verbetes na velha Barsa, me abriu ouvidos para compositores e olhos para certos autores. O que me leva a pensar o seguinte: as pessoas ainda entram em enciclopédias, mesmo virtuais, para conhecer aquilo que não conhecem? Procurar quem são os maiores autores ou os grandes pintores? Ou precisa um professor, um amigo, ou pior, uma noticia de jornal, para que o garoto ouça o nome de alguém que ele já deveria ter conhecido por iniciativa própria. OMC vai ajudar muito esse garoto. Mas acho que quem irá lê-lo é aquele que já conhece aquilo sobre o que ele fala. Pena.
Publicaram um volume com colunas de Paulo Francis. Aconselhável para aqueles que entenderam a frase de Scott Fitzgerald que Pondé citou: "Inteligência é a capacidade de ter duas ideias divergentes ao mesmo tempo. E mantê-las." Francis era o máximo da inteligência. Já falei e repito, sem ele eu jamais teria sabido apreciar os atores ingleses ( Rex Harrison, Gielgud, Redgrave e Olivier ), ou autores como Waugh e Huxley. A única coisa que me irritava nele era sua idolatria a Wagner. Fora isso ele era perfeito.
Escrevi por aí que SP tinha a alegria de ter peça de Noel Coward em cartaz. Esqueça. Transformaram o mais fino dos ingleses em um tipo de "Sai de Baixo" de segunda. Harold Pinter não teve melhor destino. Seu beco sem saída, sua acidez, se transformaram em teatrinho de raivinha. Um saco.
Mas "Pina" de Wim Wenders ainda está em cartaz. Espero que voce mereça ter esse deslumbramento.
Leio na Veja que as pessoas viverão até os 100.
O que me irrita na esquerda é sua cegueira, e o que me irrita na direita é seu otimismo cor de rosa. Vamos viver até os 100? Quem vai pagar a conta? Os jovens irão ter menores salários? Ou as aposentadorias começarão aos 85? God!!! Um mundo cheio de velhos de 90 se comportando como adolescentes!!!! Pior, uma adolescência que irá dos 10 aos 90 !!!!! Bandas de rock com 100 anos de estrada e "Se Beber não Case" parte 38.... Socorro!!!!!
Meu professor fala que o feto é marcado para toda a vida por tudo aquilo que a mãe lhe fala e pelo som ambiente. Não tenho culpa de ter sido um feto vivendo no paraíso. Cantos de pássaros, galos de noite e Sinatra que meu pai ouvia de manhã. A depressão que sinto às vezes decorre de ter conhecido o paraíso e de hoje ter de me conformar com o apenas "legalzinho". Se hoje nossos bebês estão conhecendo a vida via Funk, carros que buzinam e anúncios barulhentos na TV; eu recebi as boas vindas ao som de conversas na sala, vozes de crianças na rua e Beatles mais Roberto Carlos no rádio de minha mãe.
Não consigo imaginar paraíso melhor.
ILUSTRADA PÓS-TUDO- MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
50 anos de Ilustrada.
Meu primeiro jornal foi o JT ( Jornal da Tarde ). Telmo Martino foi meu primeiro jornalista herói. Neste livro falam dele: Telmo mostrou a São Paulo o que era um aristocrata de Botafogo. Ele tirava uma de tudo. Dava apelidos que pegavam. Detestava tudo que não era Botafogo. Eram os anos 70. E nessa época, culturalmente, SP não existia. O BR era Rio e Bahia.
Tarso de Castro foi pra Folha. E o ar começou a circular por lá. Depois vieram Nelson Rodrigues e Paulo Francis. E quando chegam os anos 80 vem a molecada da USP. Molecada mesmo. Gente de 22 anos botando banca de diretor. Podia-se escrever sobre tudo. Sem a pressão do mercadão. Como fala Pepe Escobar, era um jato na mão de um moleque.
Não havia infra. Não tinha nem máquina de escrever pra todo mundo. Nem ar condicionado. nem salário digno. Mas se trabalhava por tesão. Até 14 horas por dia.
Já falei muito sobre a cena paulista desse tempo. Meu bode de sair de noite hoje é o tédio de quem conheceu essa noite de 82/85. No Carbono voce assistia o filme Performance e depois dançava tecno. Enquanto um cara grafitava a parede ao seu lado e outro se picava no banheiro. Voce nunca sabia o que esperar daquela noite. Mas sabia que sempre ia acontecer. Era o despertar pós-repressão. Louca euforia. A gente tinha a absoluta certeza de ser absolutamente moderno. Ninguém era mais moderno que eu. Um ego do tamanho de uma estrela. E todo mundo queria fazer arte.
No Satã cuspiam repolho na gente. E alguns iam de dinner jacket ( voce chama de smoking? ). Rolavam umas poesias que eram vaiadas. Bandas punks e dancinhas pop. Gays montados e drogas a vontade. Na rua voce era abordado por bêbados decadentes. Video-makers. Tirava-se a roupa no porão. Vomitava-se. Depois do Satã tudo na noite me parece careta.
Mas havia o luxo dos jardins. E se é pra se ter luxo, tem de se ter garçon. Toda balada tem de ter garçon e chapelaria. E banda tocando no fim de noite. E café da manhã quando amanhece para os que ficaram. Antes de sair voce cria seu tipo. E o tipo que mais faz sucesso é o suicida terminal. Todos são Rimbauds.
Gente vinha de Paris ou de Toronto para cair na noite de SP. Era o underground do mundo. Um esgoto com cheiro de maconha e de Chanel 5. Quanta frescura!!!! Eu cheguei a sair com um ramo de orquídeas nas mãos!!! Pra que e porque? Pourquoi pas? Eu tava triste e era bacana ser triste e raivoso.
A Ilustrada ajudou a criar tudo isso. Os caras chegaram botando banca e todo mundo lia. Não havia internet, então voce lia o papel. E era bombardeado por informação afirmativa. Os caras partiam pro pau. Pau em Caetano, pau na tv, pau no cinema brasileiro, pau na mpb, pau puro. As reações eram a base de socos. Voce tinha de ler tudo isso. Voce não ia na internet procurar o que te interessa. Voce tinha de ver e absorver tudo. E os caras falavam muito. O texto era longo, com letras pequenas. E o design do jornal mudava todo dia. O título podia vir em japonês, colorido, no rodapé ou à esquerda. Podia até não ter título. E os que escreviam foram os melhores.
Fico assombrado com o fato de que alguns textos que li a mais de vinte e cinco anos ainda me acompanham. Tem no livro um texto de Flavio Rangel que saiu em julho de 78 !!!!! E eu me lembrava dele!!!! Fala do bebê de proveta e de Marx, Freud, Einstein. Do quanto o homem tem diminuido. Fala do bilhete que George Sanders ( ator ) deixou ao se suicidar ( "encheu" ). E tem uma frase que mudou minha cabeça: " Deus morreu, Marx morreu, Freud morreu, e eu mesmo não estou passando muito bem."
E nos anos 80 chegam os meninos recém formados. Caio Túlio Costa, Otávio Frias, Matinas Suzuki ( um gênio! ), Marcos Augusto Gonçalves, Inácio Araújo, Barbara Gancia, Pepe Escobar. Os caras botaram Foucault, Lacan e Hannah Arendt no jornal. Faziam crítica de um disco pop citando Cioran e Kierkegaard. Misturavam Clash e Blondie com Faulkner e Derrida. Era um jornalismo elitista, esnobe, ultra culto e diário. Quando Chet Baker morreu, Matinas podia escrever dezenas de laudas sobre seu amor por Baker. E como eles escreviam!!!!
Foi o tempo em que Humphrey Bogart se tornou moda. Assim como o cinema noir, a nouvelle vague e os livros policiais baratos. Mas eles misturavam esse pop com a turma alemã ( Adorno ), com as novas bandas inglesas ( foram eles que inventaram a moda de que Londres é o máximo ), a moda japonesa ( Comme les Garçons ) e a tecnologia de ponta. Era um futurismo que unia tempos. Tudo podia e eu ia junto. A Ilustrada era educação que pirava.
Eles atacavam o Estadão, o Rio, a Bahia, e adoravam jazz, cinema e beats.
Ruy Castro e Sergio Augusto vieram. Já veteranos, se sentiram em casa. Sergio foi o melhor crítico de cinema que já li. Me ensinou a amar musicais e westerns. Ruy contava histórias sobre BB, MM e CC. E sobre Billie Holliday e Frank Sinatra. Tudo podia desde que fosse trés chic!!!
Texto que não esqueci ( de agosto de 85 ) by Matinas Suzuki ( o grande ):
"Chamo de juveniilismo a um disperso, mas cada vez mais popular, movimento de negativismo que se espalha pelos jovens de SP."
E vai Matinas por montes de laudas discorrendo sobre a "moda" paulista de se ser melancólico, de se negar tudo, de se vestir de preto. Ele cita de Cyd Charisse à Lyotard, do rock londrino à Lebrun, e chega a bela conclusão: tudo é uma forma oca de sedução. E em mundo de sedutores, em que todos tentam seduzir, não pode haver contato real, pois inexiste o seduzido. E tome Helio Oiticica, Arrigo Barnabé, Julio Bressane. E tome eu lendo tudo isso, esse monte de referências e indo procurar saber o porque de Matinas citar Oiticica, quem era esse tal de Lyotard e porque Cyd era tão fascinante.
Coluna de Paulo Francis, 1986. Sei ela decorada.
" Adoro Pd James e Rendell, mas nada é melhor que Proust e Stendhal.....a humanidade não resiste a muita verdade.....amigos profundos só os temos na nossa geração.....leio a noite e gostaria de ir para o sul no inverno, isto é Saul Bellow, um poeta." Francis, meu patriarca, vai nesse texto de Fidel a Janio, de Edmund Wilson a Wall Street, de Eliot a Pinter. Quem lia isso? Eu lia, meus amigos da FIAM liam, todo mundo comentava todo dia. Uns odiavam, outros amavam, todos liam e reagiam. E Francis atacava baianos, Lula e o feminismo. O que ele teria a dizer de Tiririca e de Chavez?
Caetano na Folha falando de Francis: É uma bicha amarga. Bonecas travadas são danadinhas.
Como eu disse, se brigava muito. O mercado ainda não nos disciplinara.
Os dez melhores westerns por:
Paulo Francis: Warlock de Dymytrick ( vou escrever só o number one de cada um ), Sergio Augusto: Rastros de Ódios de Ford, Inacio Araújo: Onde Começa o Inferno de Hawks, Ruy Castro: O Homem que Matou o Facínora de Ford, Pepe Escobar: Johnny Guitar, José Trajano: Shane, Renato Pompeu: Winchester 73.
Perry White ( Casseta ) escrevia lá. Em 86 ele deu de título: AJOELHOU TEM DE GODARD.
E eis o irritante e glamuroso Pepe. O cara que é imitado por todo crítico moderninho até hoje.
Eu odiava Pepe Escobar. Tudo o que ele escrevia ia contra o que eu pensava. Basta ver isso:
Em julho de 84 ele diz que Michael Jackson é Jesus Cristo. Que o filho Dele voltou à Terra como neguinho gênio, com ginga e com mensagem de prazer. Hoje eu acho esse texto maravilhoso, mas na época eu não tinha o humor para entender. Pepe era assim. Ao escrever sobre o Clash citava anarquismo e Lenine, ao falar do The Who tascava um Cioran e um Camus. Para ele a noite de SP era como Londres em 67, aquela coisa Mick e Marianne Faithfull, a vida era meio Paris 1925, meio Montmartre e Cocteau.
Texto dele: " No principio era o tédio. Depois foi criado o Punk."
É fantástico o estilo de Pepe! Leiam:
"...Imagem congelada. Foco. Guitarrista abre linha de fogo. Mergulho na pressão. É a bateria. Executores/carrascos. Música nua acariciada por velocidade. Júbilo maníaco...."
Isso é crítica musical. É esse o modo de ouvir e sentir que mais me influenciou. Mesmo que naquele tempo eu tanto o odiasse ( porque não o entendia ).
Mais dele:
"...Johnny Rotten dissolve todas as contradições pelo abandono. Lautreamont e Rimbaud..."
E havia Nicolau Sevcenko. Isto ele escreveu em junho de 86. E me marcou para sempre ( também a decorei )
" Saiu... os corações mais trêfegos já podem se tranquilizar, podem jogar no lixo todo o estoque de valium e diempax, dar folga a unhas e cigarros. Já se pode trocar a insonia pelo pesadelo: até que enfim saiu o novo disco dos Smiths!......." E para falar desse disco Sevcenko fala de Nietzsche, de Yeats e de muito Oscar Wilde.
Vem Marcelo Coelho, que em entrevista de agora ( 2008 ) diz que a história realmente terminou. Que tudo em arte já foi feito, não há mais o que possa chocar. Que só nos resta a eterna repetição, citações sobre citações.....
E é IMPOSSÍVEL outro momento como a da Ilustrada dos 80. Pois além de a arte ter se tornado pura mercadoria, a pulverização da informação tornou inviável um tal agrupamento de talento.
O cara que quer ler sobre Clash vai ler só sobre Clash. Não vai querer saber nada sobre Adorno ou anarquismo. A informação é hoje só informação, não mais educação.
FIM DA HISTÓRIA.
Franceses, agora, fazem greves e protestos. Sempre eles.
Mas veja: eles não pedem uma nova politica, um novo mundo, uma revolução. Pedem que tudo fique como está. Eles pregam a não-mudança.
Em todo movimento, hoje, há o medo. Medo de sonhar e de errar.
A história acabou. O mundo é isso. Vivemos o máximo dos máximos. Todo o nosso caminhar era para chegar aqui.
Os anos 80 foram a constatação desse fim.
Lendo-os hoje os acho arrogantes, tolos, esnobes, anglófilos, e surpresa, escreviam mal, sem clareza.
Mas tinham coragem, brilho, idealismo, ingenuidade, fé no leitor, FÉ NA INTELIGÊNCIA DO LEITOR. O Jornal não devia ser útil. Devia ser vivo. E era. Como era.
Meu primeiro jornal foi o JT ( Jornal da Tarde ). Telmo Martino foi meu primeiro jornalista herói. Neste livro falam dele: Telmo mostrou a São Paulo o que era um aristocrata de Botafogo. Ele tirava uma de tudo. Dava apelidos que pegavam. Detestava tudo que não era Botafogo. Eram os anos 70. E nessa época, culturalmente, SP não existia. O BR era Rio e Bahia.
Tarso de Castro foi pra Folha. E o ar começou a circular por lá. Depois vieram Nelson Rodrigues e Paulo Francis. E quando chegam os anos 80 vem a molecada da USP. Molecada mesmo. Gente de 22 anos botando banca de diretor. Podia-se escrever sobre tudo. Sem a pressão do mercadão. Como fala Pepe Escobar, era um jato na mão de um moleque.
Não havia infra. Não tinha nem máquina de escrever pra todo mundo. Nem ar condicionado. nem salário digno. Mas se trabalhava por tesão. Até 14 horas por dia.
Já falei muito sobre a cena paulista desse tempo. Meu bode de sair de noite hoje é o tédio de quem conheceu essa noite de 82/85. No Carbono voce assistia o filme Performance e depois dançava tecno. Enquanto um cara grafitava a parede ao seu lado e outro se picava no banheiro. Voce nunca sabia o que esperar daquela noite. Mas sabia que sempre ia acontecer. Era o despertar pós-repressão. Louca euforia. A gente tinha a absoluta certeza de ser absolutamente moderno. Ninguém era mais moderno que eu. Um ego do tamanho de uma estrela. E todo mundo queria fazer arte.
No Satã cuspiam repolho na gente. E alguns iam de dinner jacket ( voce chama de smoking? ). Rolavam umas poesias que eram vaiadas. Bandas punks e dancinhas pop. Gays montados e drogas a vontade. Na rua voce era abordado por bêbados decadentes. Video-makers. Tirava-se a roupa no porão. Vomitava-se. Depois do Satã tudo na noite me parece careta.
Mas havia o luxo dos jardins. E se é pra se ter luxo, tem de se ter garçon. Toda balada tem de ter garçon e chapelaria. E banda tocando no fim de noite. E café da manhã quando amanhece para os que ficaram. Antes de sair voce cria seu tipo. E o tipo que mais faz sucesso é o suicida terminal. Todos são Rimbauds.
Gente vinha de Paris ou de Toronto para cair na noite de SP. Era o underground do mundo. Um esgoto com cheiro de maconha e de Chanel 5. Quanta frescura!!!! Eu cheguei a sair com um ramo de orquídeas nas mãos!!! Pra que e porque? Pourquoi pas? Eu tava triste e era bacana ser triste e raivoso.
A Ilustrada ajudou a criar tudo isso. Os caras chegaram botando banca e todo mundo lia. Não havia internet, então voce lia o papel. E era bombardeado por informação afirmativa. Os caras partiam pro pau. Pau em Caetano, pau na tv, pau no cinema brasileiro, pau na mpb, pau puro. As reações eram a base de socos. Voce tinha de ler tudo isso. Voce não ia na internet procurar o que te interessa. Voce tinha de ver e absorver tudo. E os caras falavam muito. O texto era longo, com letras pequenas. E o design do jornal mudava todo dia. O título podia vir em japonês, colorido, no rodapé ou à esquerda. Podia até não ter título. E os que escreviam foram os melhores.
Fico assombrado com o fato de que alguns textos que li a mais de vinte e cinco anos ainda me acompanham. Tem no livro um texto de Flavio Rangel que saiu em julho de 78 !!!!! E eu me lembrava dele!!!! Fala do bebê de proveta e de Marx, Freud, Einstein. Do quanto o homem tem diminuido. Fala do bilhete que George Sanders ( ator ) deixou ao se suicidar ( "encheu" ). E tem uma frase que mudou minha cabeça: " Deus morreu, Marx morreu, Freud morreu, e eu mesmo não estou passando muito bem."
E nos anos 80 chegam os meninos recém formados. Caio Túlio Costa, Otávio Frias, Matinas Suzuki ( um gênio! ), Marcos Augusto Gonçalves, Inácio Araújo, Barbara Gancia, Pepe Escobar. Os caras botaram Foucault, Lacan e Hannah Arendt no jornal. Faziam crítica de um disco pop citando Cioran e Kierkegaard. Misturavam Clash e Blondie com Faulkner e Derrida. Era um jornalismo elitista, esnobe, ultra culto e diário. Quando Chet Baker morreu, Matinas podia escrever dezenas de laudas sobre seu amor por Baker. E como eles escreviam!!!!
Foi o tempo em que Humphrey Bogart se tornou moda. Assim como o cinema noir, a nouvelle vague e os livros policiais baratos. Mas eles misturavam esse pop com a turma alemã ( Adorno ), com as novas bandas inglesas ( foram eles que inventaram a moda de que Londres é o máximo ), a moda japonesa ( Comme les Garçons ) e a tecnologia de ponta. Era um futurismo que unia tempos. Tudo podia e eu ia junto. A Ilustrada era educação que pirava.
Eles atacavam o Estadão, o Rio, a Bahia, e adoravam jazz, cinema e beats.
Ruy Castro e Sergio Augusto vieram. Já veteranos, se sentiram em casa. Sergio foi o melhor crítico de cinema que já li. Me ensinou a amar musicais e westerns. Ruy contava histórias sobre BB, MM e CC. E sobre Billie Holliday e Frank Sinatra. Tudo podia desde que fosse trés chic!!!
Texto que não esqueci ( de agosto de 85 ) by Matinas Suzuki ( o grande ):
"Chamo de juveniilismo a um disperso, mas cada vez mais popular, movimento de negativismo que se espalha pelos jovens de SP."
E vai Matinas por montes de laudas discorrendo sobre a "moda" paulista de se ser melancólico, de se negar tudo, de se vestir de preto. Ele cita de Cyd Charisse à Lyotard, do rock londrino à Lebrun, e chega a bela conclusão: tudo é uma forma oca de sedução. E em mundo de sedutores, em que todos tentam seduzir, não pode haver contato real, pois inexiste o seduzido. E tome Helio Oiticica, Arrigo Barnabé, Julio Bressane. E tome eu lendo tudo isso, esse monte de referências e indo procurar saber o porque de Matinas citar Oiticica, quem era esse tal de Lyotard e porque Cyd era tão fascinante.
Coluna de Paulo Francis, 1986. Sei ela decorada.
" Adoro Pd James e Rendell, mas nada é melhor que Proust e Stendhal.....a humanidade não resiste a muita verdade.....amigos profundos só os temos na nossa geração.....leio a noite e gostaria de ir para o sul no inverno, isto é Saul Bellow, um poeta." Francis, meu patriarca, vai nesse texto de Fidel a Janio, de Edmund Wilson a Wall Street, de Eliot a Pinter. Quem lia isso? Eu lia, meus amigos da FIAM liam, todo mundo comentava todo dia. Uns odiavam, outros amavam, todos liam e reagiam. E Francis atacava baianos, Lula e o feminismo. O que ele teria a dizer de Tiririca e de Chavez?
Caetano na Folha falando de Francis: É uma bicha amarga. Bonecas travadas são danadinhas.
Como eu disse, se brigava muito. O mercado ainda não nos disciplinara.
Os dez melhores westerns por:
Paulo Francis: Warlock de Dymytrick ( vou escrever só o number one de cada um ), Sergio Augusto: Rastros de Ódios de Ford, Inacio Araújo: Onde Começa o Inferno de Hawks, Ruy Castro: O Homem que Matou o Facínora de Ford, Pepe Escobar: Johnny Guitar, José Trajano: Shane, Renato Pompeu: Winchester 73.
Perry White ( Casseta ) escrevia lá. Em 86 ele deu de título: AJOELHOU TEM DE GODARD.
E eis o irritante e glamuroso Pepe. O cara que é imitado por todo crítico moderninho até hoje.
Eu odiava Pepe Escobar. Tudo o que ele escrevia ia contra o que eu pensava. Basta ver isso:
Em julho de 84 ele diz que Michael Jackson é Jesus Cristo. Que o filho Dele voltou à Terra como neguinho gênio, com ginga e com mensagem de prazer. Hoje eu acho esse texto maravilhoso, mas na época eu não tinha o humor para entender. Pepe era assim. Ao escrever sobre o Clash citava anarquismo e Lenine, ao falar do The Who tascava um Cioran e um Camus. Para ele a noite de SP era como Londres em 67, aquela coisa Mick e Marianne Faithfull, a vida era meio Paris 1925, meio Montmartre e Cocteau.
Texto dele: " No principio era o tédio. Depois foi criado o Punk."
É fantástico o estilo de Pepe! Leiam:
"...Imagem congelada. Foco. Guitarrista abre linha de fogo. Mergulho na pressão. É a bateria. Executores/carrascos. Música nua acariciada por velocidade. Júbilo maníaco...."
Isso é crítica musical. É esse o modo de ouvir e sentir que mais me influenciou. Mesmo que naquele tempo eu tanto o odiasse ( porque não o entendia ).
Mais dele:
"...Johnny Rotten dissolve todas as contradições pelo abandono. Lautreamont e Rimbaud..."
E havia Nicolau Sevcenko. Isto ele escreveu em junho de 86. E me marcou para sempre ( também a decorei )
" Saiu... os corações mais trêfegos já podem se tranquilizar, podem jogar no lixo todo o estoque de valium e diempax, dar folga a unhas e cigarros. Já se pode trocar a insonia pelo pesadelo: até que enfim saiu o novo disco dos Smiths!......." E para falar desse disco Sevcenko fala de Nietzsche, de Yeats e de muito Oscar Wilde.
Vem Marcelo Coelho, que em entrevista de agora ( 2008 ) diz que a história realmente terminou. Que tudo em arte já foi feito, não há mais o que possa chocar. Que só nos resta a eterna repetição, citações sobre citações.....
E é IMPOSSÍVEL outro momento como a da Ilustrada dos 80. Pois além de a arte ter se tornado pura mercadoria, a pulverização da informação tornou inviável um tal agrupamento de talento.
O cara que quer ler sobre Clash vai ler só sobre Clash. Não vai querer saber nada sobre Adorno ou anarquismo. A informação é hoje só informação, não mais educação.
FIM DA HISTÓRIA.
Franceses, agora, fazem greves e protestos. Sempre eles.
Mas veja: eles não pedem uma nova politica, um novo mundo, uma revolução. Pedem que tudo fique como está. Eles pregam a não-mudança.
Em todo movimento, hoje, há o medo. Medo de sonhar e de errar.
A história acabou. O mundo é isso. Vivemos o máximo dos máximos. Todo o nosso caminhar era para chegar aqui.
Os anos 80 foram a constatação desse fim.
Lendo-os hoje os acho arrogantes, tolos, esnobes, anglófilos, e surpresa, escreviam mal, sem clareza.
Mas tinham coragem, brilho, idealismo, ingenuidade, fé no leitor, FÉ NA INTELIGÊNCIA DO LEITOR. O Jornal não devia ser útil. Devia ser vivo. E era. Como era.
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