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O EXÍLIO E O REINO - ALBERT CAMUS
Seis contos de Camus. Em comum, todos descrevem uma solidão e seu momento decisivo. MULHER ADÚLTERA é o mais curto. Uma mulher viaja com seu marido vendedor. Norte da Africa. Frio. Ela sai da cama de noite e vai sozinha ver o céu. Um conto sensual. O RENEGADO é o que menos gostei. Confuso, é o pensamento de um homem que não entende o que fez. OS MUDOS. Houve uma greve numa fábrica de barris. Os empregados perderam. Agora voltam ao trabalho. A amizade que havia com o patrão se foi. Belo conto com um clima de filme de Jean Renoir. JONAS é muito bom! Um pintor não consegue ficar só. Amigos, pintores novatos, críticos, fãs, todos estão sempre abarrotando sua casa. O pintor ama a todos, é boa gente, mas acaba por perder seu dom. Seria este conto um retrato do que vivia Camus nos anos 50? É um texto belíssimo e aquele com maior profundidade existencial. Não se pode criar sem solidão, mas também não se pode viver só. ----------------- O HÓSPEDE fala de um professor, contente com sua vida, que deve escoltar um assassino árabe até a polícia. Ele liberta o prisioneiro e isso destroi sua vida. Uma aula de concisão este conto. Por fim temos A PEDRA QUE CRESCE, e que surpresa! Ele se passa na região de Miracatu-Registro e Iguape. Camus visitou esses lugares e achou o Brasil um páis triste, melancólico, opressor. Aqui, um engenheiro francês vai a Iguape construir uma represa. Se surpreende com a quantidade de japoneses em Registro ( meu pai teve um sítio lá perto, em 1980 a região ainda era como Camus a descreve em 1955 ). Chuva, lama, miséria, políticos... O francês acaba participando da vida religiosa do lugar e o fim é quase sublime. --------------------- Ler Camus é sempre bom. Ao contrário de Sartre, sempre inumano, ele tem um profundo amor real pelas pessoas. Deve ter sido um grande cara.
A QUEDA - ALBERT CAMUS
É um dos últimos livros de Camus e, ao contrário de O ESTRANGEIRO, nada nele me decepciona. Lembro ter lido aos 16 anos e não ter entendido nada. Tudo que eu captei foi o mal estar do personagem. Agora, tanto tempo depois, 44 anos!!!!, entendo o que o personagem sente e fala. ------------ O livro nada mais é que o vômito de um homem, tudo que lemos é sua fala diante de alguém que ele encontra, por acaso, e com quem acaba por se abrir. São três encontros em Amsterdã. ---------------- Por que Amsterdã? Talvez pelo seu cenário, cenário que Camus descreve. Um imenso nada cinzento, uma planície vazia, um povo impessoal, um lugar morto. O homem que fala começa por se mostrar como um juiz, depois um hedonista e por fim um penitente. Ele é livre por não ter vínculos afetivos, prega a imoralidade sexual, o encontro casual sexual anônimo, o ser aquilo que se é. Mas vemos que não é só isso, ele carrega culpas que não confessa, ele é humano. Camus percebe os erros da filosofia racionalista, mas também não aceita o pensamento espiritualista, ele ousa se colocar fora, na margem. Viver é estar sempre em perigo e a vida não vale tanto assim. Somos sós perante a vida e escolhemos o tempo todo: ser submisso ou ser livre. Julgamos todos ao redor e somos julgados. Camus escreve algumas frases que se prestam à 2023: somos julgados e anulados se não seguirmos o meio em que estamos inseridos. Devemos falar como nosso grupo, sem nem mesmo usar palavras alheias ao código de censura instituído. Quando ousamos pensar ou falar algo que coloca o grupo em risco, em dúvida de sua verdade, somos imediatamente excluídos. O mundo moderno é feito de juízes. ------------------- Mas ele saiu do grupo. Ousou falar " Graças a Deus" no meio de um grupo de intelectuais. O ódio o perseguiu. Foi embora então. Entregou-se ao sensulismo, ao sexo pelo sexo, aos contatos transitórios. A vida é o corpo e o corpo é livre. Depois houve a guerra. Depois ele foi um juiz também. E se puniu afinal. ------------------ Tudo isso dito numa só fala. Verborragia francesa. Um belo livro.
O ESTRANGEIO, ALBERT CAMUS, O QUE É?
Não me lembro se já escrevi sobre este livro, se já, com certeza minha visão sobre ele é hoje outra. Isso é o bom da releitura, ela é viva, muda. Dito isso, falo que Camus não teve tempo de sair da adolescência. Este livro nada mais é que o relato sobre o cara que fui aos 17 anos, sem tirar nem por. Tempo, o da adolescência, em que voce percebe o mundo que lhe foi dado e não o aceita. Não consegue estabelecer conexão com quase nada, a não ser, de forma narcísica, com a pobre coisa que voce é. Camus erra feio ao obrigar Mersault a matar. É uma concessão ao explícito. Ele mata como quem atravessa uma rua, sem nada de muito importante nisso, mata por tédio e por estar irritado com o sol. O livro seria melhor e mais impactante sem isso. Como eu o faria também ser absolvido pela lei. Mersault sairia da prisão sentindo já saudade da prisão. -------------------- O final do livro é muito fraco e mais uma vez, apelativo. Ele sente paz e alegria. Paz no sacrifício. Vira um cristão? --------------- Entenda, eu gosto de Camus, muito mais que de Sartre, a quem eu odeio. Ao contrário de Sartre, Camus nunca foi um burguesinho vaidoso travestido de rebeldinho para poder comer as estudantes de filosofia ( Sartre é apenas isso, sua filosofia é digna da lata de lixo e na verdade já está lá ). Camus, ao contrário, era real e mesmo que eu ache este livro uma obra falha, mas nunca chata, Camus agrada por não ter criado um tipo. Ele é o que é. E entenda por favor, Camus não é Mersault. --------------------- No mundo de 2023, ao contrário do que voce pode pensar, não há mais muitos Mersault. Ele é típico dos anos 60 e 70. Reli achando que ia topar com o tipo de jovem que mata alunos numa escola sem motivo algum, mas nada. Mersault mata e vive em solidão, no vazio de uma relação sexual gelada, um trabalho bobo e a praia deserta. O jovem que mata numa escola está cheio de opiniões absurdas, grupos sinistros, vozes que o perturbam, medos, pesadelos, ansiedade. Esse assassino de 2023 pode parecer frio e sem porque, mas ele é uma bomba de ruído. Mersault, perto dele, é um muito antigo monge do Nepal. -------------------------- Tanto sucesso fez este livro, lançado nos anos 50, Nobel para Camus, porque ele falava de um certo enui-cansaço, de uma geração que surgia. Não a de Camus, mas sim a nascida pós segunda guerra. A primeira geração a viver no mundo mais "fácil" da tecnologia. A geração que nasceu e foi jogada em um mundo que mudava sem cessar e que por isso resistia a vínculos. O livro se tornou central não por ser uma obra de arte, não é, ou uma ficção genial, também não é, Camus não é criativo, mas sim por acertar um diagnóstico, diagnóstico que hoje não cabe mais. ---------------- Em 2023 não somos indiferentes, somos hiper excitados, exatamente o oposto. Nossa aparente indiferença é a dos cansados. É isso.
O PRIMEIRO HOMEM - ALBERT CAMUS
Foi em 1984 que se publicou, pela primeira vez, este livro póstumo de Albert Camus. Os manuscritos foram encontrados no carro onde o autor morreu, em 1960. Era a primeira escritura do texto em que Camus trabalhava quando sofreu o acidente fatal. Por isso, é bom avisar, é um livro não trabalhado. Sentimos que Camus iria e deveria ter trabalhado mais sobre a escrita. Vejam só! Há trechos que parecem excessivamente chorosos, sim, chorosos! E eu tenho a certeza que ao reler, Camus os limaria, faria um polimento, eliminando a emoção da primeira escrita bruta. Pois o tema lhe é bastante emotivo: é a infância de Jacques, um argelino-francês que não é nem africano e nem europeu. É a auto biografia de Camus! -------------- O primeiro capítulo é soberbo e isso faz com que o restante pareça pálido. O pai de Jacques, recém chegado ao país, noite chuvosa, tem de lidar com o parto da esposa e encontrar seu novo posto de trabalho. Esse capítulo possui suspense, drama, verdade, e muita dor. Esse pai morrerá jovem, na primeira guerra mundial, o filho, Jacques, ainda com quatro anos de idade, e o tema de Camus, belo, é a tentativa de reencontrar os rastros desse pai. Porque Camus sabe que ele é o pai, que para se conhecer é preciso conhecer o pai. Então, adulto, ele volta à Argelia e tenta ver, ouvir, travar contato com aquilo que seu pai pode ter deixado. No percurso somos mergulhados na pobreza atroz dos emigrantes franceses, colonos, que foram enviados para lá. Vemos que a questão da colonização é muito mais complexa e dolorida do que tentam nos fazer crer hoje. Os colonos franceses foram usados, enganados, massacrados, esquecidos, como foi o pai de Jacques. Sua luta, seus sonhos, seu trabalho, sua fome, foi em vão. --------------------- Albert Camus foi incomparávelmente melhor que Sartre porque Sartre foi apenas um nerd rico revoltado com seus pais. Nada mais que isso. Tudo em Sartre é uma simplória tentativa de negar sua origem, de chocar papai. Camus era muito mais sofrido, duro, sensível, bom, verdadeiro, real. Sartre brincava com palavras, Camus sofria a vida. Cada palavra em Camus é um rastro, cada palavra em Sartre é parte de um discurso puramente verbal. Este livro, bastante irregular,poderia ser uma obra prima, mas a vida não quis. Pena.
NO PALÁCIO DO REI MINOS - NIKOS KAZANTZAKIS
Kazantzakis foi indicado 8 vezes para o Nobel. Perdeu todas. Na sua última indicação, perdeu por um voto para Albert Camus. Numa entrevista, Camus falou que Nikos era 10 mil vezes melhor que ele. Camus tinha um coração de ouro. Nikos era apenas duas vezes melhor. ( penso no hiper vaidoso Sartre...um autor que sempre transpira ressentimento e maus sentimentos ). Zorba, obra mais conhecida de Nikos, foi best seller até os anos 70, é um livro maravilhoso. Lendo-o em 1988 pela primeira vez, ele me fez aceitar minhas raízes e entender o que significa ser um Homem. Penso que em 2022 Zorba seria cancelado. Não é porque ninguém o lê. O velho Zorba prega o amor incondicional a todas as mulheres. Chama-as de coitadinhas. E transa com furor. Imagino rostos delicados franzindo o cenho e bufando rosas. -------------- Kazantzakis era um SEEKER. Como diz a canção do WHO, ele procurava a verdade. Foi leninista, budista, cristão, freudiano, flertou com Allah, foi Bergsoniano. Escreveu muito. Inclusive livros para jovens adolescentes. Este é um deles. Se passa, claro, na Creta antiga. E fala de amor e liberdade. Há um autêntico prazer em poder ler uma narrativa, uma história que conta uma saga. Temos ânsia por sentido e narrar dá sentido à tudo. Nikos escreveu tanto porque ele criava sentidos. Vou dar este livro para duas alunas que amam ler. Sei que vão gostar. E sei que Nikos adoraria saber que em 2022 alguém o lê.
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