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CORAÇÃO DE CAÇADOR WHITE HUNTER BLACK HEART

Revi ontem. Tem uma coisa que não notei antes: Clint dá um show de atuação. Conhecendo John Huston como conheço, Clint Eastwood pega alguns trejeitos do velho diretor americano e une ao seu modo menos expansivo de ser. O que temos não é uma imitação. É uma reinterpretação de um grande diretor. Hoje confunde-se atuar com imitar. Imitação é macaquear, conseguir copiar maneirismos. Atuar é compreender a personagem e interpretar o que ela é ATRAVÉS DE SUA INTELIGENCIA. Se John Huston tivesse o corpo de Clint, a voz de Clint e estivesse em um filme de 1990, como ele seria? Na cena em que o mico bagunça um jantar formal, vemos por um momento John Huston em corpo e alma. ============== Parte da inteligência de Clint se deve ao fato de que ele não fez um filme ao modo John Huston. Há filmes de Clint que revelam alguma influência de Huston. Penso principalmente em Bronco Billy, um dos filmes mais tristes que já vi, filme que lembra Fat City, o filme mais melancólico de Huston. Mas aqui, em White Hunter, Clint vai no ritmo de Howard Hawks. O que o interessa é a relação de amizade entre o diretor e seu amigo escritor, o kid. Tanto trilha sonora como fotografia lembram, mais que lembram, Hatari!, filme icônico de Hawks. ====================== Clint será cada vez mais mito. Em mundo cada vez mais povoado por homens feitos de soja, Clint Eastwood será cada vez mais uma das últimas lembranças de virilidade calma, de hombridade elegante e de retidão moral. -------------------- Foi este filme que obrigou a crítica a começar a rever seus conceitos sobre o cara. É um grande filme.

CLINT EASTWOOD, ROTA SUICIDA

Fui ao cinema, em dezembro de 1977, ver este filme por absoluta falta de opção. Eu odiava Clint Eastwood sem jamais ter visto um filme seu. Ele era fascista. Defendia a execução de negros pobres. Batia em mulheres. E pior, era um idiota incapaz de falar duas frases coerentes. Well...claro que Clint não era nada disso, mas leitor fanático de críticos de cinema, eu acreditava naquilo que eles diziam. Clint Eastwood era um agente do mal. Seus filmes eram perigosos. Ele nos transformava em assassinos. ----------------------- Voce pode achar que exagero, mas peço que pesquise. Vá às críticas de Pauline Kael nos anos 70. Ela não ataca apenas os filmes, ela ataca o homem Clint Eastwood. O fato dele ser, durante toda a década de 70, o ator mais amado dos USA só piorava tudo. Ele era o líder fascista. Fim. ---------------- Acredite, THE GOOD THE BAD AND THE UGLY era esnobado por todo cara culto. Hoje é o filme mais amado dos anos 60, fico surpreso com sua popularidade, mas nos anos 70 era um filme lixo. Bonnie e Clyde era o grande filme de 1967. The GOOD nem era lembrado. --------------- Em 1977 eu havia assistido ANNIE HALL. Woody Allen era O CARA. O mundo dá voltas né? Hoje nos USA fingem não lembrar o quanto Woody foi amado pelas classes cultas. Warren Beaty sumiu também. Mas Clint...ele fará 91 anos na segunda feira dia 31. E o cara, o fascista, insiste em filmar. Vem mais um por aí. ------------------------- Rota Suicida é um filme muito, muito ruim. Não é porque adoro Clint que vou elogiar o filme. Ele não faz sentido algum e nem violento é. Um tira transporta uma testemunha por dois estados. E tem de lidar com centenas de atiradores, mafia e polícia, que tentam o impedir. O roteiro tem mais furos que os carros baleados. Clint havia acabado de filmar o maravilhoso JOSEY WALES quando fez esta bomba. Por que ele assumia tantos erros? -------------------- Porque ele sempre foi da escola HOWARD HAWKS. Filmar é diversão. Clint Eastwood ama filmar e no processo nada há de sofrido ou sagrado nisso. Ele quis filmar a relação de um tira e de uma prostituta, filmou, não deu certo, parte pra próxima. --------------- O filme, claro, fez sucesso, e isso sempre lhe deu liberdade para filmar. Mesmo com toda a crítica esbravejando. ------------------- Kael chegava a dizer que em todo filme Clint apanhava porque havia nele um "secreto e culposo instinto gay", e que as mulheres eram em seus filmes "nada mais que seres feitos para apanhar"... podem rir....é patético. Nada como o tempo para colocar a verdade em relevo. -------------------------- Clint Eastwood, tradicionalista e conservador até o osso da canela, se guiou sempre pelos velhos mestres. Filmava uma produção por ano, e se não havia nenhum roteiro bom a vista, filmava mesmo assim, algo de algum amigo iniciante. Nada de artístico nele, Clint fazia filmes. Cada filme era uma etapa numa obra que deveria ser vista no todo, no conjunto. Exatamente como Hawks, ele não tem UM graaaande filme, ele possui uma galeria de ótimos filmes e de alguns filmes que serão eternos. E de muitos que não se justificam se vistos como fim em si mesmo. Rota Suicida me deixou com dor na bunda em 1977 e me entedia hoje. -------------------- Fascista? Como diz o ditado: Nada é mais fascista que um dedo duro anti fascista. Que Eastwood chegue aos 100.

Red River (1948) ORIGINAL TRAILER



leia e escreva já!

RED RIVER. UM DOS MAIORES FILMES DA HISTÓRIA.

   Diz a lenda que Howard Hawks não move a câmera. Que ele monta a cena e pede sempre que o cinegrafista grave sem se mover. Há também outra lenda que fala que Hawks nunca pensava em fazer dois filmes parecidos ( isso até 1959 ). A segunda é fato, mas a primeira é desmentida por Red River. Feito em 1947, ele tem dois movimentos de câmera que ainda hoje, época da steady cam, são raros: um giro de 360 graus, onde todo o set e todo o grupo de atores é mostrado; e uma travessia de rio, onde vemos a ação de dentro de uma carroça. São dois momentos "não hawksianos" em um filme, brilhante e majestoso, onde toda a filosofia é 100% Hawks. Thanks God.
  John Wayne abandona uma caravana para se estabelecer no Texas. Há um salto de 12 anos, e agora, dono de um rebanho imenso, ele tem de levar o gado até St. Louis, 1.600 km de distância. No caminho ele começa a ficar muito agressivo, e seu pupilo, Montgomery Clift, entra em atrito com ele. Mais não conto, embora vontade não falte.
  A maioria dos leigos acha que "o novo modo de atuar" nasceu com Brando ou Dean. Na verdade nasceu com Montgomery Clift, aqui. Observe como ele nunca atua como Wayne. Assim como Marlon faria, ele emite as falas enquanto enrola um cigarro, brinca com o chapéu, pega algo do chão. Sua voz está sempre um tom abaixo, ele se esforça para não parecer atuar. Caso voce não saiba, Monty ainda tem um fã clube imenso, era amado por Brando e Dean, e teve sua carreira destruída pelo álcool e seus conflitos sexuais. Trabalhou com todos os grandes: Hitchcock, Kazan, George Stevens, John Huston, Zinneman, William Wyler, George Cukor. Em sua época, apenas John Ford e Billy Wilder nunca o usaram. Uma carreira de apenas 15 anos. Em 1963 ele já estaria destruído.
  Estranhamos no começo sua presença. Monty era pequeno, delicado, suave demais para um western. Parece que Hawks errou na escolha. Mas aos poucos percebemos o acerto. Nenhum ator da época era mais anti John Wayne que Clift. Inclusive no modo de atuar. O filme pedia por essa oposição. Hawks acertou no alvo. Wayne é pura força, virilidade, expansão, raiva explosiva; Monty é educado, completamente educado. Observa o modo como ele atira. A arma em sua mão é quase como uma raquete de tênis ou melhor, um florete. A mesma arma na mão de Wayne é um canhão.
  Dizem que John Ford tinha inveja de Hawks. Por causa deste filme, o único western que não era de Ford que Ford queria ter feito. Mais ainda: Ford dizia que John Wayne aprendera a atuar com Hawks e não com ele. Há fontes que dizem que ao assistir Red River, Ford comentou: " O filha da puta sabr atuar! ".  Rastros de Ódio só existe porque Red River existiu antes.
  Muita gente diz, e eu mesmo já falei isso, que os filmes de Hawks passam a sensação de que apenas se conversa, de que não há ação física de fato. Por isso Tarantino sempre o cita como diretor apreciado. Mas em RED RIVER a verdade fica mais evidente: A ação acontece, há muito movimento sim, mas os personagens são tão bem desenvolvidos e os diálogos são tão bons, que temos a sensação de que a ação não é tão importante. O que mais lembramos são dos tipos, dos caracteres, dos homens lá envolvidos. O filme tem estouro de boiada, ataque de índios, duelos, surras, correrias, travessias. Mas o que fica é Wayne esbravejando, Walter Brennan comentando a ação, Monty sendo diplomático com a troupe, e todo o resto, cada um com sua alma muito bem definida.
  Há bom humor em todo o filme. Hawks amava viver e ele é incapaz de ser pessimista. O filme não passa nem perto de ser uma comédia, porém ele crê no homem, faz fé em amizades, entende que o bem sempre dá um jeito de retornar. O final do filme não poderia ser melhor. Sorrimos com ele.
  Termino falando do feminismo real de Hawks. Até em seus westerns Hawks enfia uma mulher na história. E elas são sempre fortes, independentes, bocudas, e resolvem as bobagens onde os homens se perdem. Nenhum diretor explicita melhor o poder de civilizar que a mulher tem.
  Outro fato é a diferença entre os westerns de Ford e Hawks. Ford parece ter estado lá. Hawks é urbano, um gentleman. Ford é portanto muito mais crente, duro, machista, poético, ele crê no que filma. Para Ford um western é a vida real. Hawks é o contrário. Ele é sempre irônico, leve, democrático, nunca poético, evita o aspecto de saga naquilo que filma. Para ele, um western é um espelho da vida.
  RED RIVER é um filme imenso.
 

DOIS FILMES DE JOHN HUSTON. UM PERFEITO E OUTRO MUITO ERRADO. e ainda considerações sobre Truffaut e a política de autor.

   A turma de críticos franceses dos Cahiers, Truffaut, Godard, Rohmer, odiava John Huston. Nunca entendi porque. Ainda não entendo. Bem...eles também falava mal de todo filme inglês. Diziam que o cinema inglês era sempre quadrado. Sem "arte". Risível falar isso do cinema que no tempo dos Cahiers tinha Powell, Carol Reed e David Lean. Voltando à Huston...O Cahiers amava os filmes de John Ford e de Howard Hawks, então o motivo não era ideológico. Diziam que Hawks era um dos tais "autores completos", que em cada filme de Hawks se notava a mão de um "autor".
  Deus! Como eles eram bobos!!!! Hawks ria disso! Ele sabia que seu ideal de cinema era conseguir fazer filmes totalmente diferentes um do outro, e só na parte final de sua carreira, com os westerns tipo Rio Lobo, ele se entregou à um certo "autorismo", repetindo o mesmo filme diversas vezes. O Hawks de Scarface e Levada da Breca nada tem de autoral. É um grande fazedor de filmes.
  John Huston seria muito mais autor que Ford ou Hawks. Pois Huston além de dirigir, escrevia seus filmes, era um grande escritor. Hawks e Ford não faziam seus roteiros. Ford nem produtor era. Sim, John Ford, gênio que era, deixava sua marca em todo filme, mas ressalto isso para dizer como a teoria dos Cahiers era fraca. Se Ford ou Fritz Lang eram autores, então Huston também era.
  Nem vou entrar no mérito de que certos filmes, grandes filmes, têm como autor não seu diretor, mas sim o produtor. E O Vento Levou é um filme de David Selznick, só dele. Como produtor, ele escolheu todo o estilo visual e o roteiro do filme. Tudo na obra tem a mão dele. Nos anos 90, todos os filmes dos Weinstein eram filmes Weinstein. Pouco importava o diretor, eram filmes com a marca do estilo dos produtores. A série Bond 007 sempre foi de autoria de Broccoli e Saltzman e Jack Warner foi o verdadeiro autor de My Fair Lady. Um produtor de gênio aprova o roteiro, dá palpites na montagem, opta pela trilha sonora correta e chama os atores exatos para os papeis. Uma das tragédias do cinema atual é que os produtores são investidores, sabem nada de cinema e não amam a arte de fazer filmes. Querem ganhar dinheiro ou fazer uma marca forte. Só isso. Preferem passear em seu iate a ver um filme.
  The Asphalt Jungle é um filme perfeito. No Brasil se chama O SEGREDO DAS JOIAS. É cult hoje dizer que ele é o melhor filme de Huston. Não sei se é o melhor, mas é um Huston típico, autoral. Um grupo de bandidos de segunda classe fazem o grande roubo. Mas tudo dá errado. Eis o tema de Huston: o homem contra o destino. O indivíduo lutando contra o meio e sendo derrotado no final. Pra quem não sabe foi este o filme que lançou a moda de filmes de assalto. De RI FI FI de Jules Dassin, à OS ETERNOS DESCONHECIDOS de Monicelli, é aqui que a coisa começa.
  Huston usou grandes atores e não grandes estrelas. A produção é pequena. Sterling Hayden faz o pistoleiro do interior, bronco, e Sam Jaffe é o veterano que sabe tudo sobre planejar um assalto. Há ainda Louis Calhern no papel de sua vida, um advogado corrupto e Marilyn Monroe, em começo de carreira, como sua jovem amante. O filme não envelheceu um dia. O estilo é duro, viril, seco, a fotografia não tem nenhum glamour, as cenas fogem do sensacional, é quase neo realista. Não consigo lembrar de nada de ruim no filme. Durará para sempre.
  Já MOULIN ROUGE, filme sobre Toulouse-Lautrec, é quase uma bomba. Concordo com Pauline Kael: é quase inacreditável que o mesmo homem que fez The Asphalt Jungle, filme tão ágil e veloz, tenha feito esta maçaroca pesadona. Bem...no futuro Huston faria A Biblia, talvez o pior filme da história.
  Tenho a teoria de que Huston se atrapalhava quando conscientemente pensava estar fazendo arte. Ele se tornava pretensioso. Chato. Ok, The Dead, seu último filme, é arte consciente, mas foi um ponto fora da curva. Huston é maior quando lida com seu tempo e com assuntos urgentes, cotidianos, de jornal. A solenidade lhe cai muito mal. Apesar da fotografia de Oswald Morris, este filme é bobo, chato, deprimente. Huston quer celebrar Paris, a pintura e Lautrec, e tudo que nos dá é champagne azeda.
  Corra pra ver O SEGREDO DAS JOIAS e fuja de Lautrec.

PARAÍSO INFERNAL ( ONLY ANGELS HAVE WINGS ), O MUNDO DE HOWARD HAWKS

   Em dois minutos de filme estamos dentro do mundo de Howard Hawks: vemos um país fictício, uma praia que existe só em Hollywood, gente que não se parece com gente de lugar nenhum e um navio que chega ao porto, um navio que traz mais gente de ficção ao país da imaginação. Esse é o mundo do Howard Hawks maduro, aquele dos últimos vinte anos de vida. Este filme, de 1939, foi feito muito antes dessa fase em sua carreira, mas ele já anuncia o que seria o mais constante Hawks style.
  Uma americana desce do navio. Jean Arthur. E ela faz a típica mulher Hawksiana: Tem um passado meio marginal. É forte e independente. Fala o que pensa. E está sempre alegre, apesar da sombra que lhe faz companhia. Essa mulher conhece um grupo de homens. Neste filme, um grupo de aviadores. Eles arriscam a vida entregando cartas numa rota perigosa. É o mundo do melhor livro de Saint Exupéry, Correio Sul. Temos então mais outra marca de Hawks: o grupo de amigos que enfrenta o perigo estoicamente. E por ser um filme típico desse diretor, o filme não terá um alvo. Ele meio que se espalha em pequenos acontecimentos do dia a dia. Um dia a dia excepcional, mas é cotidiano para aqueles homens. Mundo masculino, porém sacudido por uma mulher tão forte quanto eles. Dentro desse mundo há um veterano em decadência física, Thomas Mitchel, um piloto acusado de covardia que deverá se redimir, Richard Barthelmess ( soberbo ), a esposa sexy desse piloto, Rita Hayworth ( nunca mais tão bonita ), e o chefe do grupo, o mais estoico e mais amargo entre eles, Cary Grant ( num papel pouco Cary Grant, e atuando de uma forma contida que convence e muito ).
  Se eu contar o que acontece no filme irei falar várias coisas. Mas nenhuma delas poderei chamar de o centro do filme. Howard Hawks não faz filmes com um centro. Rio Lobo, Rio Bravo, Red River, Hatari!, todos são filmes sem um centro, sem um enredo central. Todos são sobre grupos de homens. Todos são tratados sublimes sobre a amizade e a lealdade. John Ford, o diretor que mais invejava e admirava Hawks, tem sempre O Tema. Rastros de Ódio é sobre um cowboy indo resgatar uma menina. E assim são todos os seus filmes. Por isso Tarantino lembra tanto Hawks em modo de pensar um roteiro: ele também não tem um tema definido. São temas. Ou, para quem não gosta, é um monte de papo furado.
  Fala-se muito nos filmes de Hawks. Ele ama o diálogo. E essas falas não carregam mensagem alguma. É conversa. Apenas conversa. O sentido não está no que se fala. Ele está em como se fala e com quem se fala. O sentido é o ato de falar, não a palavra. Por isso eu amo tanto seus filmes. Ele não explicita nada, mas também não esconde. Seus filmes são o que vemos e só o que vemos. E que prazer eu sinto em os ver!
  A maior beleza é poder ver aquelas pessoas existirem. Alguém disse que em Hatari! sentimos amor por um café da manhã. A melhor cena do filme é ver John Wayne e seus amigos tomando café todas as manhãs. Concordo plenamente. Somos convidados àquele grupo. E nos sentimos bem dentro dele.
  Eu seria desonesto se falasse que Hawks nos ensina a ter coragem, a ser viril, a ter estoicismo. Isso é para Ford ou Huston. Hawks não quer ensinar, ele quer deixar um testemunho. Esses aviadores nos apaixonam. Antes o apaixonaram.
  Durante o filme, foi a segunda vez que o vi, a cópia é perfeita, cheguei a pensar: Que coisa! Este talvez seja agora meu filme favorito! Nenhum filme de Hawks será o favorito de ninguém. Isso porque eles não são SENSACIONAIS.  Mas vários filmes dele estarão entre os mais queridos. Pois eles são um remédio. Nos fazem bem.
  Eu realmente amo esse diretor.

SARGENTO YORK, O FILME MAIS VELHO DO MUNDO

   Em 1941 SARGENTO YORK tirou de Cidadão Kane o prêmio de melhor ator para Orson Welles. Graças a Deus. Gary Cooper ganhou e a crítica nunca perdoou o filme por isso. Howard Hawks também concorreu contra Welles pelo troféu de direção, mas ambos perderam. Ontem vi o filme. Adorei. Me diverti muito. Mas é possivelmente o filme mais velho hoje. Conto a história e voce vai entender por quê.
  O filme começa numa igreja. Dentro dela há a pregação de um pastor. É 1916. A história de York, por incrível que pareça, é uma história real. York existiu e fez o que o filme mostra. Pois bem....a pregação é atrapalhada por tiros lá fora. Alvin York e seus amigos, bêbados, dão tiros à toa. A mãe de York sente vergonha.
  Vemos a casa da família. Absurdamente pobres. É o Tennesse. Ripas de madeira. Chão de terra. York usa o arado numa terra pobre. Flerta com a vizinha. Briga num bar. Caça raposas. Resolve casar. Trabalha feito doido para comprar terra. Vence concurso de tiro. Mas é enganado pelo vendedor. Perde a terra e o dinheiro.
  Revoltado, ele pensa em matar. Mas aí acontece um milagre. Não o contarei. Mas é bastante crível. York começa a seguir a igreja, lê a Bíblia, segue a fé.
  Vem a primeira guerra e ele não quer matar. O Livro proíbe isso. No exército ele se revela um fenômeno no tiro. Tem uma crise moral. E é enviado ao front francês. Se torna um herói ao vencer sozinho uma brigada alemã. Ele captura 128 inimigos e mata 29 numa só batalha. Ao fim da guerra, famoso, cheio de propostas, inclusive de Hollywood, ele volta à sua família, pobre, para trabalhar.
  Alvin York é um matuto. Um redneck, um zé ninguém. Mas é ao mesmo tempo um coração bom, uma simples homem da natureza, um bom filho. Gary Cooper era muito velho para o papel, mas ele consegue o tornar caipira sem ser idiota e bom sem ser piegas. O atraso da sua cidade é tanta que York nunca ouvira falar de uma coisa chamada metrô e se espanta com a eletricidade. Mas...porque é o mais velho filme do mundo?
  Porque ele dá valor supremo a tudo aquilo que a modernidade mais odeia: mãe, lar, compromisso com o país, trabalho duro, religião organizada, Bíblia, Deus, vizinhança. Longo, lento, sem qualquer pressa, o filme não corre, não passa, ele flui como um rio lamacento. Hawks ama York, óbvio. O super sofisticado Hawks ama o matuto York. Sabemos que Hawks serviu na primeira guerra. Parece que ele conheceu o York real. E o admirou muito. Cada segundo de filme mostra esse amor.
  Meu pai amaria este filme.
  Pena não o termos visto juntos.

20TH CENTURY, A PRIMEIRA SCREWBALL COMEDY DA HISTÓRIA

   Feito em 1932, por Howard Hawks em apenas 3 semanas, este filme, 20th Century, continua brilhando como se feito a apenas 3 dias. É incrível como este roteiro, de gênio, não envelheceu um só dia, e mais impressionante ainda é a direção de Hawks e dois atores que merecem o nome de gênios.
   O filme é simples, muito simples. Ele trata de um casal. Um produtor de teatro hiper vaidoso e histérico e sua ex namorada, uma atriz sem talento que ele lançou ao estrelato. Rompidos, ela se torna estrela de cinema, e ele um falido. Ambos se encontram em um trem, o 20th Century e gritam um com o outro sem parar. Não espere amor romântico aqui. Eles interpretam o tempo todo. A vida real é para eles um palco, tudo que eles sentem e falam é exagerado, canastrão, fake. Hawks dirige do seu modo invisível, ele nunca tenta chamar atenção sobre si mesmo, o filme existe em função do roteiro e dos atores. Hawks é o oposto de Hitchcock, nada de truques, nada de surpresas, nada de grife.
  Assisto mais uma vez, e novamente sinto a euforia alegre que o filme emana. Mais ainda, há algo de profundamente inteligente em cada cena. Não a inteligência arrogante e insegura do teen, mas a tranquila inteligência confiante do profissional. Todas as falas não tentam ser engraçadinhas, elas são cômicas por serem histéricas. Não há um só ângulo de câmera ousado, esquecemos que isto é um filme, o vemos como uma história sendo contada. Nasce aqui a screwball comedy, típica comédia dos anos 30, que no brasil é chamada de comédia maluca, um erro de tradução ridículo.
  A screwball comedy é alegre. E é amalucada, não louca. Loucos são os Irmãos Marx e eles não fazem parte do gênero. Louco é W.C. Fields, e ele também não é do estilo screwball. Esse amalucado é aquele da menina emancipada que entra num escritório a 300 km por hora falando vinte frases em dois segundos. Primeira característica: É um estilo feminista. Não existe sem uma mulher forte, inteligente e ousada. Segunda característica: Todo filme se passa em um mundo claro, leve, sem pobreza explícita. Jejum de Amor, talvez o melhor do estilo, até fala de pobres, mas a pobreza não é filmada. São filmes para pessoas em crise sentirem alívio. Esse o objetivo. Terceiro fato: Não há casais casados. São ex casados, ex noivos, ex namorados ou desconhecidos. O centro é sempre o amor, mas é um amor irresponsável, solto, sem mel, sem melodrama, sem futuro.
  Podemos dizer que a comédia dos anos 40 passa a ser uma comédia de família, de casal, e nos anos 50 ela se torna farsa, troca de papeis, confusão de valores estabelecidos. Voce sabe que nos anos 80 ela é a comédia de escola, de universidade, de grupo social que se anarquiza, e nos anos 90 se torna a comédia dos imbecis, dos idiotas de bom coração, dos bebês adultos.
  20th Century é a primeira comédia à anos 30. E mais ainda, é a comédia que provou que o gênero não dependia mais daquilo que se usava no cinema mudo: o atletismo dos atores, quedas, tombos e murros.
  John Barrymore faz o produtor. Se voce já viu um dia, aqui no Brasil, Paulo Autran, Ney Latorraca, fazendo um tipo egocêntrico, voce agora sabe de onde eles pegaram cada expressão facial e cada trejeito de corpo. O que Barrymore faz é simplesmente uma das duas ou três maiores atuações em comédia da história. Não há como não se apaixonar por ele. Possesso, ele vive aquele ego imenso, maníaco, louco, feroz, melodramático e canastrão. Que tal conhecer ele mais um pouco?
  John Barrymore é descendente de uma família de atores que remonta ao século XIX. Irmão de Lionel Barrymore e Ethel Barrymore, todos lendas no teatro, dos 3 ele foi o mais famoso e o único que não ganhou seu Oscar. No cinema mudo John Barrymore foi super star ao nível Douglas Fairbanks e Valentino. Atuava em capa e espada e em dram como Jeckyl and Hyde. Passou ao cinema sonoro sem problema. No teatro era considerado o único americano digno de atuar em Hamlet ( opinião dos ingleses ). Dominou a Broadway, entrou em Hollywood como rei e mito. Entre 1932-1935 ele tem várias atuações fantásticas em filmes. Mas...havia a bebida. Morre alcoólatra e ao fim da carreira passa a fazer papeis indignos do seu gênio. Se voce quer o conhecer, é este o filme.
  Carole Lombard faz a atriz. E nada pode ser mais elogiável que o fato dela enfrentar Barrymore sem ser engolida. Lombard foi casada com William Powell e depois com Clark Gable. Morreu num desastre de avião em 1942. Era a atriz de comédias número um do mundo. Gable jamais a esqueceu.
  O filme, como toda boa história, completa um círculo perfeito. Ele termina onde começa. Eu adoraria que filmes como este voltassem á moda. Mas isso é impossível pelo fato de que não há mais quem tenha o gosto de os ver. Graças aos deuses estão vivos em fitas, dvds, blu rays ou memórias digitais.
  Como dizia Paulo Francis, enquanto houver inteligência no planeta, ele resistirá.

CLINT EASTWOOD, O HOMEM QUE TINHA TUDO PARA FRACASSAR

   Clint nasceu em 1930. Ele faz 90 anos hoje, 31 de maio. Ele é da geração anterior à Pacino, De Niro etc. Ele é da geração Paul Newman, Redford e Steve McQueen.
   Não era articulado como Newman. Não era bem relacionado como Redford. Nem tinha a cara de rebelde de McQueen. Era apenas bonito. Muito alto, muito bonito. Como centenas em sua geração. Tinha voz ruim. E não era de teatro, era, pior que tudo, da TV. Se hoje vir da TV ainda atrapalha, nos anos 50 ser ator de série de TV era um anti currículo. Ele era ator em Rawhide. Mais uma das muitas séries de western de então. Durou de 1956 à 1965. Nessa época Clint esteve em alguns filmes de cinema B. Mr Ed, numa ponta. Um filme de sci fi, com uma fala. Seu destino parecia ser a TV. Fazer mais algumas séries de western. E depois, por volta dos 40 anos, sumir.
  Mas houve uma primeira guinada. Em 1964 ele vai fazer um filme na Itália. Com um tal de Leone. Entenda: fazer western na Itália em 1964 seria como hoje ir fazer uma ficção científica na India. Pura decadência. Leone não era Fellini. Não era Antonioni. Era um ninguém. E faroeste na Itália só podia ser uma piada. Vergonha. Porém o filme fez sucesso. Por uma intuição, uma coincidência, ele bateu com o espírito da época. Era amoral. Era violento. E Clint era misterioso, calado, quase irreal.
  Entretanto nos USA continuava um zé ninguém. Foi trabalhar com Don Siegel, que também era um velho zé ruela. Clint já tinha 38 anos. Newman já era Paul Newman, Redford fazia Butch Cassidy e McQueen era o ator mais cool do mundo. Clint Eastwood era apenas o cara do faroeste italiano. Com Siegel fez Coogan. Bom filme. Ótimo na verdade. Mas era uma situação estranha. Ídolo na Itália. Ator de segunda em seu país.
  Então em 1971 veio Dirty Harry. No auge do movimento hippie, Clint e Don Siegel fazem um filme onde o herói é um policial. Que mata sem julgamento. E o vilão é um hippie. Pauline Kael e outros críticos caem matando: Clint é fascista. O filme é nazista. Kael iria perseguir Clint por toda a vida. Dirty Harry tinha tudo pra ser um fracasso. Não foi. Fez de Clint um ídolo nos USA e no mundo. O herói de paletó, cabelo lavado e sem barba, Magnum na mão, se tornava aceito no mundo louco de 1971.
  Mesmo assim todos apostavam: Ele não dura. James Caan é melhor. Apostem em Elliot Gould. Michael Sarrazin. Até mesmo Michael J. Pollard parecia ter um destino melhor. E mais irritante para quem não gostava dele, Clint Eastwood achava que sabia dirigir filmes!!!! Isso Kael não perdoava. Como esse ignorante podia se meter a fazer filmes?
  Parece absurdo tudo isso. Visto hoje é quase inacreditável, mas por volta de 1977 Clint era considerado o pior diretor da América. Um estúpido, inarticulado, que fazia filmes para caipiras dos cafundós do Alabama. Até Burt Reynolds tinha mais respeito. ( Os dois eram os campeões de bilheteria de então ). Um filme como Josey Wales, de 1976, mal foi resenhado. Era chamado de apenas mais um western daquele cara que não sabe dirigir. Clint já tinha 46 anos.
  Nos anos 80 ele se assumiu republicano e até prefeito foi. Eu lia jornal nessa época e não ia com a cara dele. Na verdade o odiava. Todo crítico o chamava de fascista, então não tinha como não o odiar. Quando ele fez Bird, em 1987, alguns críticos começaram a negar tudo o que diziam até então. O cara ouvia Jazz? Dizia ter visto Bird tocar? Mas como? Ele não era racista? Ele sabia ler? Será que vale à pena levar ele à sério?
  Coração de Caçador foi o filme que mudou a vida de Clint Eastwood. Aos 60 anos, a crítica via o óbvio: ele era o grande herdeiro do cinema de John Huston. ( Para mim ele é muito mais Howard Hawks ). Da noite pro dia parecia que haviam esquecido Dirty Harry. Agora era chique gostar de Clint Eastwood. Na relativa paz entre democratas e republicanos nos anos 90, Clint pode finalmente mostrar quem ele sempre fora. Um grande tipo. Um imenso caráter. O Gary Cooper de sua geração.
  O que veio depois voce já sabe. Dois Oscars como melhor diretor. A aceitação de Hollywood ( que desapareceu neste século intolerante ), a tranquilidade de uma carreira vencedora.
  Mas era pra não ter dado certo.

O HOMEM QUE EU QUERIA SER. CARY GRANT, MEU ATOR FAVORITO.

   Em 1986, quando Cary Grant morreu, aos 82 anos, Billy Wilder, sempre um mestre quando se trata de escrever a frase perfeita, mandou uma carta à viúva. A frase, simples, dizia: " E agora quem irá nos guiar? ". Vou contar aqui a vida de Archibald Alexander Leach, nascido em Bristol, filho de um alfaiate pobre. Mas antes um pequeno adendo.
  O primeiro ator em minha vida, aquele que lembro de querer ver tudo o que ele havia feito, foi Peter O'Toole. Isso quando eu tinha já 25 anos de idade. Antes eu admirava Peter Sellers, Vittorio Gassman, Kirk Douglas ,Erroll Flynn,   mas nenhum deles eu chamava de ídolo. O primeiro foi o irlandês O'Toole. Aos 25 eu queria ser ele. Achava ele o máximo de elegância e com verniz de artista. Cary Grant era para mim apenas um ator de filmes da Sessão da Tarde ( uns três de seus últimos filmes passavam nesse horário ). Aos 35 eu cultuava Clint Eastwood. Sua virilidade fria me atingia em cheio. Eu desejava possuir sua impassividade cool. Após os 40 me dividi entre Steve McQueen, um Eastwood mais cult, e Humphrey Bogart, o homão da porra. Mas com os dois há um problema: McQueen fez poucos filmes, seu estrelato durou apenas dez anos, e Bogey é feio, muito feio. Amo Bogey, como amo John Wayne, mas não quero ser nenhum dos dois. Eles não são focos de atração para as mulheres.
  Desde meus 35 anos aprendi a admirar Cary Grant. Ele tem estado sempre entre meus 5 atores favoritos. Minha ligação começou com Intriga Internacional, North By Northwest, o filme de Hitchcock mais divertido e engenhoso de todos. Hoje, na meia idade, eu tenho Cary Grant como o único ator que me emociona. Eu, como todos os homens que o amam, sinto que sua simples presença dignifica qualquer filme. Grant transmite força, controle, bom humor, classe, e ao mesmo tempo, algo de oculto, perigoso, agressivo, uma mácula secreta. Como dizia Hitchcock, Cary Grant é uma instituição. Um ícone. Crianças e adolescentes tendem a não ver nada demais nele. Preferem o explícito. De Niro, Brando, Nicholson, a escola pseudo realista. A neurose esfregada na cara. Para esses Cary Grant não terá o menor apelo. Para o admirar é preciso ter vivido. Captar o valor daquilo que ele é : Guia dentro da tempestade. Graça e leveza em meio à pressão.
  Cary nasceu Archie Leach e é inglês. Quando ele tinha 9 anos a mãe fugiu de casa e desapareceu. Cary se sentiu culpado e sua vida a partir desse momento é uma fuga. Aos 14 fugiu de casa e se uniu à um grupo de artistas de vaudeville. Excursionando pela Inglaterra, ele aprende a ser um malabarista, adquire sua habilidade corporal. Aos 16 ele embarca com o grupo para os EUA. Quando a gang volta para a Europa, ele fica. Sozinho nos EUA com 17 anos de idade.
  Sobrevive vendendo gravatas na rua. Anunciando shows em pernas de madeira. Pintando casas. Ao mesmo tempo frequenta o mundo teatral de New York, não o chique, o mundo do teatro popular. Consegue algumas peças e exercita um dos seus dons: faz bons contatos. Archie Leach começa a imitar os modos sofisticados dos ricos americanos, das famílias tradicionais. Seu sotaque cockney desaparece.
  Aos 21 anos vai para a California. Começa no cinema usando sua beleza. Seus primeiros filmes mostram Archie como o rapaz que será seduzido por uma vamp. Mae West e Dietrich fazem filmes com ele. Nesta altura ele já é Cary Grant, Archie Leach ficou no passado.
  Em 1935 ele faz Sylvia Scarlet, filme de George Cukor com Kate Hepburn. O filme é um fracasso, mas ele chama a atenção. No filme Cary Grant faz um papel que é aquilo que Archie Leach era: um cockney malandro, mal caráter, e absolutamente adorável. Assisti o filme a poucos dias. Cheio de momentos não tão bons, mas Cary e Kate brilham de um modo adorável. Para quem não sabe, o filme é sobre travestismo.
  1936 traz Cary transformado em astro. The Awful Thruth de Leo McCarey, uma comédia maluca, faz com que ele exploda. Eis o Cary dos anos 30: leve, elegante, engraçado, ágil. atlético, comediante não bobo, ingênuo nunca tolo, mestre no diálogo rápido, no olhar que diz tudo, no uso do corpo como instrumento solo. Se voce tem a falha vergonhosa de não conhecer Cary Grant assista esse filme ( aqui ele se chama CUPIDO É MOLEQUE TEIMOSO ), e ainda HOLIDAY, sucesso com George Cukor, onde ele faz um tipo de jovem dos anos 60 antes do tempo, e principalmente JEJUM DE AMOR, uma obra prima de Howard Hawks. Cary é aqui o mais esperto dos repórteres. Hawks fez o mais veloz dos filmes.
  Os sucesso se acumulam. Para quem não sabe, Cary Grant é até hoje o ator com melhor média de lucro da história. Imune a fracassos. Até 1966, ano em que ele se aposenta, aos 61 anos, Cary foi uma estrela. A número um entre os homens. Sempre no topo. Inteligente, se aposenta por saber que seus fãs não mereciam ver Cary Grant envelhecer.
  Casou 5 vezes, os dois primeiros duraram menos de um ano. Nunca dava entrevistas. Morou anos com Randolph Scott, o que sempre deu margem aos boatos de sua homossexualidade. Milionário, era sovina. Até o fim da vida cobrava 25 centavos por autógrafo. Fez cem sessões de LSD entre 1961-1966. Elogiava o ácido como o meio em que Archie encontrava Cary. Reencontrou a mãe, já rico e famoso, nos anos 40. Ela estava internada numa clínica psiquiátrica a mais de 20 anos. Ele a tirou de lá, mas sua mãe nunca o aceitou. Como consequência óbvia, Grant jamais confiou em mulheres.
  Seu último casamento foi com uma mulher 50 anos mais jovem. Foi ao lado dela que ele morreu, de derrame, sem sofrimento. Todas as suas esposas eram ricas e sofisticadas. Por ter sido pobre, Cary sabia a dor de não ter dinheiro. E dava às boas maneiras o valor que só dá quem viveu entre as maneiras ruins. Ele se fez sozinho. Ele se construiu. E manteve a persona até o fim. Nunca foi visto mal humorado. Nunca baixou a guarda. Seus filmes são como um presente que ele nos legou. Voce vê  Cary Grant e aprende a ser homem sem ser duro demais. Ser elegante sem parecer um boneco. Ser alegre sem passar futilidade. Ser forte. Muito forte. Mas sempre com graça.
  Uma vez ele deu um conselho à uma jovem atriz ( com quem esteve casado por 7 anos ), Nunca  deixe de sorrir em público. Principalmente quando estiver por baixo. As pessoas irão te atacar assim que perceberem uma fraqueza em voce. Não lhes dê essa chance.
  Esse era Archie Leach. Esse era Cary Grant.

HURRICANE, JOHN FORD. QUEM É O MELHOR DIRETOR DA HISTÓRIA DO CINEMA AMERICANO?

   A cada ano que o século XXI ganha, menos John Ford é lembrado. Politicamente correto, feminismo e anti-individualismo não casam bem com o cinema de Ford. Seu cinema é masculino. E elogia o indivíduo dentro da comunidade. Sim, a coisa é complexa. Ford ama o herói como ser à parte do mundo comum. Mas ao mesmo tempo, ele elogia a família, a pequena comunidade, e neste filme, a tribo.
  Produzido por Samuel Goldwyn em 1937, este imenso sucesso, tem efeitos especiais que ainda hoje não passam vergonha. Quando o furacão chega ele ainda nos emociona. Mas antes há uma história, e como o filme é de Ford, a narrativa é o centro e o motivo do filme existir.
  Há uma ilhota nos mares do sul. Nela vive uma tribo de nativos. E a França é a força colonizadora da ilha. Vemos a alegria da vida lá. Mas logo acontece um erro. Esse erro repercute em mais erros. E tudo sai de controle. O filme, que parecia ser apenas um agradável passeio turístico, vira uma tragédia sobre a injustiça e por fim uma aventura típica dos anos 30 : ação pacas.
  Jon Hall é o herói. O bom selvagem. Corta o coração ver o quanto ele é vítima da civilização. Dorothy Lamour é sua esposa. O vilão é Raymond Massey, ou seja, um vilão odiável. E temos ainda Thomas Mitchell fazendo um médico bêbado e desiludido e Mary Astor como a esposa do vilão. Não é preciso dizer que todos estão ótimos. Hollywood em seu sistema de estúdios errava pouco em casting. Cada ator fazia seus 3 ou 4 filmes por ano e se especializava em um tipo de personagem. Virava dono do tipo. Ver esse filme hoje é uma experiência invulgar. Começa devagar, mas em 10 minutos voce já está dentro da fantasia.
  Quanto ao melhor diretor americano...Creio que hoje Orson Welles ganharia se a eleição fosse entre críticos e cineastas. Talvez até mesmo Hawks ficaria à frente de Ford. Entre o público, os mais informados talvez votassem em Scorsese. Ou Copolla. Já o resto elegeria Fincher ou Tarantino. Ford não.
  Não me arrisco a votar. Ao contrário da Inglaterra ou da França, onde as escolhas são mais fáceis, os EUA têm tantos cineastas que viveram dez ou vinte grandes anos, que fica duro escolher.

HUMPHREY BOGART- 6 FILMES...LAURENCE OLIVIER- 1 FILME.

  Ando lendo um livro que em certo momento conta que o cinema popular mudou todo o conceito que se tinha do que seria arte. Foi através de filmes populares que se percebeu que o aparentemente comum poderia esconder coisas perturbadoras, profundas e originais dentro de si. Faço para mim mesmo um pequeno festival Bogart. Todos os filmes feitos entre 1941-1948.
THE BIG SLEEP ( A BEIRA DO ABISMO ) de Howard Hawks com Lauren Bacall e Martha Vickers.
A prosa de Raymond Chandler é considerada hoje alta arte, mas em 1944 era chamado de pulp, lixo. Bogart vira Philip Marlowe, detetive mais leve que Spade. O crime que ele investiga é apenas uma desculpa para um exercício típico de Hawks, ou seja, um filme que lança seu olhar sobre aquilo que quase ninguém repara: chistes, conversas fúteis, movimentos aparentemente banais. O centro de tudo é o flerte entre Marlowe e duas irmãs, uma ninfomaníaca e outra fria como gelo. O filme não tem uma só cena "sensacional", e ao mesmo tempo ele é inteiramente memorável.
KEY LARGO de John Huston com Lionel Barrymore, Lauren Hutton, Edward G. Robinson.
Um grupo de bandidos está isolado em um hotel na Florida. Um furacão se aproxima e Bogey é um ex-soldado que vai lá conhecer a viúva de um colega morto na Italia. A tensão cresce sem parar, os bandidos humilham e pressionam os outros hospedes. Huston faz um de seus filmes sérios e isso torna-o desagradável. O ar de denuncia, de simbolismo politico o destrói. Não é um grande filme, mas tem um final bem legal em termos de aventura.
O ÚLTIMO REFÚGIO de Raoul Walsh com Ida Lupino.
Maravilhoso filme! Bogey é um gangster que ao sair da prisão percebe que o mundo mudou, ele não é aceito pelo modo de se cometer crimes nos anos 40. É uma das melhores atuações da vida de Bogart. Nada glamuroso, ele mostra um rosto de raiva, aturdimento e inadaptação. Walsh foi grande diretor de épicos no cinema mudo. Depois se tornou mestre em aventuras e westerns. Sua carreira, sempre interessante, começa em 1922 e vai até 1964. Este é um filme imperdível.
PRISIONEIRO DO PASSADO de Delmer Daves com Lauren Bacall.
Os moderninhos adoram este filme. Talvez por ser tão absurdo. Bogey faz uma cirurgia para mudar de rosto e assim escapar da policia. O filme, maneiroso, cheio de toques esquisitinhos, é bem bobo, mas nunca fica chato.
UMA AVENTURA NA MARTINICA de Howard Hawks com Lauren Bacall e Walter Brennan.
Hawks em sua raiz mais típica, um filme onde coisas acontecem, mas nenhuma delas tem muita importância. O que interessa são as relações, os diálogos, e todos parecem comuns, banais. Mas não são. O que Hawks faz é dar relevo à vida nossa de cada dia, mesmo que o cenário pareça exótico, o que mostra é a vida de quem assiste o filme. Uma vida simples, de pouco alcance e mesmo assim encantadora, cheia de significado. Bogey, relax como nunca, é um pescador. Bacall uma prostituta. Brennan um bebum. Eles se envolvem em algo a ver com nazis. O filme é o oposto de Casablanca. Tem quase o mesmo elenco, mas se naquele o clima é de heroísmo e renuncia, aqui tudo é indecisão e preguiça.
O FALCÃO MALTÊS de John Huston com Mary Astor e Peter Lorre.
O mítico noir de Dashiell Hammett recebe tintas escuras na estreia de Huston como diretor. O foco é na relação entre Astor e Bogey, um duelo de mentiras. O filme foi revolucionário na época por ser amoral, ninguém é bom e nenhuma moral é esposada. Visto hoje fica longe de ser uma obra-prima, mas continua interessante, o nascimento de um tipo de filme dark que sobrevive até hoje.
HAMLET de Laurence Olivier
E aqui o anti-Bogart, o artista que se pensa artista, que arrota arte e filme Shakespeare em viés Freudiano. O filme, longo, solene, belo, pesado, rígido, nunca nos dá prazer. As imagens são lindas, mas o ritmo é frouxo e não há um segundo em que Olivier não grite: Olhem como sou incrível!

GÊNIOS DO CINEMA - GENE TIERNEY - FLYNN - BOGART - MACLAINE

   PATRULHA DA MADRUGADA de Edmund Golding com Errol Flynn, David Niven, Basil Rathbone e Donald Crisp.
Um dos melhores filmes de guerra já feitos. Na França de 1915, acompanhamos o dia a dia de uma base da RAF. Pilotos são mandados toda manhã para missões suicidas. Flynn, nunca melhor que aqui, comovente em seu estoicismo elegante, é o piloto que evita lamentações. Encara cada missão como um esporte e bebe como se fosse uma festa. Niven, excelente, é seu melhor amigo. O filme é pacifista e feito em 1938, encara a possibilidade de mais uma guerra. Este filme é nova versão de um filme anterior de Howard Hawks, feito em 1930. Sentimos ainda o foco que Hawks sempre dá a seus filmes, ou seja, a camaradagem entre homens que enfrentam uma missão dura. Nunca vi o original, mas imagino que seja mais lento e mais cheio de toques da vida comum. Golding foi um bom diretor e leva o filme para um tipo de drama que duvido que Hawks tenha tocado. É este um grande filme. As cenas de aviação são lindas, os aviões em malabarismos num céu sem fim e as manhãs em que eles decolam. Foi a última guerra em que os resquícios do cavalheirismo ainda existiam, creia, a cena com o alemão não é uma fantasia. Um belo filme sobre um valor esquecido: virilidade sem machismo.
   O PECADO DE CLUNY BROWN de Ernst Lubitsch com Charles Boyer e Jennifer Jones.
Este é uma obra-prima. O melhor filme de um dos grandes diretores do cinema. Lubitsch nasceu no império austro-húngaro e começou fazendo belos filmes chiques e maliciosos na Europa. Foi para Hollywood já famoso e poderoso e se tornou nos anos 30 um tipo de rei da Paramount. Mestre para diretores como Preminger e Billy Wilder, que o adorava. Morreu no fim dos anos 40 ainda antes dos 50 anos. Aqui ele tece uma sátira soberba ao sistema de classes inglês. O filme é maravilhoso. Os diálogos faíscam, os atores brilham, nosso prazer é completo. A história fala de um refugiado do nazismo que se aproveita da ingenuidade dos ingleses. Mas também fala de Cluny Brown, uma menina da classe trabalhadora, que sonha em ter uma vida melhor e ignora a divisão de classes. Seu pecado é ser da classe baixa, além de entender de encanamentos. O filme tem drama e humor e na verdade debaixo de todo riso ele é bem sério. Jennifer está adorável como sempre e Boyer dá uma aula de comédia elegante. Todo o filme é deslumbrante e serve como introdução a quem queria conhecer ao cinema de Lubitsch e também o cinema dos anos 30. Inesquecível. Já sinto desejo de o rever.
   A CONDESSA SE RENDE de Ernst Lubitsch com Betty Grable e Douglas Fairbanks.
Único fracasso de Lubitsch, é seu último filme. Ele estava doente quando o fez. Pura fantasia, conta a história de uma invasão a um reino da Itália. A condessa de Bergamo tenta convencer o invasor a partir e nisso é ajudada pelo fantasma de sua tatataravó. Há ainda um marido covarde. Não é ruim. Na verdade é leve, alegre, divertido. Uma atriz melhor melhoraria muito este filme.
  PASSAGEM PARA MARSELHA de Michael Curtiz com Humphrey Bogart, Claude Rains, Peter Lorre e Michele Morgan.
Mares em tempo de segunda guerra. Um navio francês recolhe náufragos. Ficamos sabendo sua história. São fugitivos da prisão. Irão se juntar à luta contra Hitler. O filme é completo. As cenas na prisão e a fuga no pântano são emocionantes. Fotografado por James Wong Howe, um mestre, ele tem riqueza visual. O elenco não podia ser melhor. É a turma de Casablanca metida em um navio. Uma aventura típica de Bogey, direta e muito bem feita. Ver Bogart na tela é sempre uma felicidade.
  ACONTECEU EM SHANGHAI de Josef Von Sternberg com Gene Tierney, Victor Mature, Walter Huston e Ona Munson.
Não dá pra ser pior. Este filme acabou de vez com a carreira de Sternberg. O descobridor de Dietrich, autor de cinco filmes originais e fantásticos nos anos 30, aqui, em 1941, encontra o desastre. É um filme mal feito, ridículo, feio, desagradável e hilário em seus diálogos inacreditáveis. Hoje virou cult, mas é bem ruim. Fala de um antro de jogo em Xangai. Centro de pecado, de sexo, de drogas. Tierney, inacreditavelmente linda, é uma inglesa rica que decai nesse centro de jogo. Vira prostituta. Huston é o pai. Ona é a cafetina, uma dona de bordel digna de carnaval. Mature faz um turco que seduz e usa mulheres...Nada faz o menor sentido. Creia, é pior do que voce imagina.
  CHARITY, MEU AMOR de Bob Fosse com Shirley MacLaine, Chita Rivera e Ricardo Montalban.
Bob Fosse já era famoso na Broadway quando fez este seu primeiro filme. Que foi um desastre de crítica e de bilheteria. Feito em 1968, Fosse só iria se redimir em 1972, com o super sucesso e os Oscars para Cabaret. A história é a de Noites de Cabiria. Bob Fosse sempre assumiu seu amor por Fellini, e presta a homenagem ao filme do italiano levando a saga da doce prostituta para a New York dos hippies. Em 1979 ele faria All That Jazz, o seu Oito e Meio. Shirley não é Giulieta Masina! A atriz de Cabiria não pode ser igualada. O desempenho da esposa de Fellini é o maior da história dos filmes. Ainda mais quando sabemos que Giulieta na vida real é uma mulher elegante e sofisticada. O oposto a Cabiria. Shirley é uma estrela e uma boa atriz, mas aqui seu desempenho vira caricatura e o filme afunda. Ela é uma prostituta que se apaixona pelos caras errados. Montalban é o ator famoso, e depois dele vem o desastre com um rapaz que parece de bom coração mas que tem preconceitos. O que de melhor há no filme, claro, são as canções de Cy Coleman. São todas belíssimas! E as cenas de dança, com a coreografia de Bob Fosse. O homem foi um gênio, o único até hoje a ter ganho no mesmo ano o Oscar, o Emmy e o Tony ( cinema, TV e teatro ). Além do Globo de Ouro ( tudo em 72, por Cabaret, Liza com Z e Pippin ). Todas as danças, leves, modernas, ousadas, sexy, são fantásticas e suas coreografias foram imitadas desde então. Repare na cena que posto acima. O modo como todo um modo de vida, uma moda, um comportamento é satirizado sem uma só palavra. E observe em como Fosse faz as mãos, os braços e até os dedos dançarem e falarem. É coisa de gênio!!!! O filme, cheio de falhas, tem de ser visto. E confesso que a cena final me fez derramar uma inesperada lágrima. Cabiria é uma personagem tão magnífica, que mesmo no filme errado, e com a atriz errada, ela acaba nos pegando. Veja este filme!

 

UMA DECLARAÇÃO DE AMOR À HAWKS - FULLER- PECK - MATTHAU- TOURNEUR

   A MULHER PROIBIDA de Frank Borzage com Joan Crawford, Margaret Sullivan, Melvyn Douglas, Robert Young e Fay Bainter.
O elenco não podia ser melhor, mas o filme é um drama dos anos 30 que exibe o pior da época. As coisas acontecem sem nada de crível nos sentimentos das pessoas. Um irmão, membro de uma família tradicional, se casa com uma dançarina. O outro irmão, casado, se apaixona por ela... As pessoas aqui amam e deixam de amar em questão de minutos. O roteiro é muito, muito ruim.
  MIRAGEM de Edward Dmyryck com Gregory Peck, Walter Matthau e Diane Baker.
Um verdadeiro pesadelo num filme que tem clima de doença. Um homem acha que trabalha a dois anos numa empresa de contabilidade. Mas começa a duvidar disso ao perceber que não se recorda de mais nada em sua vida. O filme acompanha sua busca pela memória. O tema é fascinante, mas o filme tem uma falha que quase o destrói: a coisa é tão complicada que quase desistimos de o entender. De qualquer modo, Matthau está excelente e acaba tudo sendo bem ok.
  O ESPORTE FAVORITO DOS HOMENS de Howard Hawks com Rock Hudson e Paula Prentiss.
O mundo que só existe na cabeça de Hawks está aqui! É um mundo onde as pessoas são todas elegantes e idiotas, adoravelmente idiotas. E essa elegância é a dos cavaleiros medievais, um código de honra e de comportamento onde a grosseria e a violência só nascem quando inevitável. Mais encantador de tudo, os filmes de Hawks interessam não pelo enredo, mas pelas pitadas de vida que são inseridas de minuto em minuto. Por exemplo, neste filme, um de seus filmes médios, vemos Paula Prentiss mergulhar, Rock Hudson tomar chuva, vemos ainda uma mocinha andar de moto, um homem com o zíper preso, um Martini sendo bebido...e por aí vai. Todas essas cenas, e muitas outras, que nada têm de engraçadas, de sensacionais ou de belas, são o segredo de Hawks. Ele filma a vida como ela pode ser e às vezes é; mas essas pitadas são colocadas dentro da fantasia de Hawks. Observe que em suas obras-primas, muitas, filmes como Rio Bravo, Levada da Breca, Hatari, todos têm enredo, ação, história, mas ao mesmo tempo o que nos pega é ver Wayne conduzir gado, Cary Grant gaguejar e uma turma de homens na África tomar café da manhã. Ninguém se parece com Hawks por causa disso: uma multidão de diretores filma ação ou comédia como ele, outra multidão filma a vida cotidiana como ele, mas nenhum outro mistura as duas coisas com o encanto que ele tem. Isso porque, vejo isso no livro de Peter Bogdanovich, Hawks realmente amava a vida e as pessoas. Era um gentleman viril, tipo de americano que fez a glória da América. Que prazer poder ver este filme e que maravilha eu ainda ter contato com a graça leve e educada deste universo.
  AS GARRAS DO LEÃO de Richard Attenborough com Simon Ward, Robert Shaw, Anne Bancroft.
Da série de bio da Folha este é o mais bacana. Nos anos 70, quando lançado, foi malhado, vejam só...Mas é um bom filme. Conta os primeiros 25 anos da vida de Winston Churchill. Sua relação fria com o pai, sua mãe festeira, e a ânsia que ele tinha por fama e por medalhas. Sua carreira futura seria uma vingança pelas injustiças sofridas pelo pai, que foi um político perseguido por seu próprio partido. Robert Shaw está sublime como o pai de Winston, um sifilítico, que morre isolado da vida pública. As cenas de ação são excelentes e o filme diverte e informa. Tem de ser visto!
  GOLPE DE MISERICÓRDIA de Raoul Walsh com Joel McCrea, Virginia Mayo e Dorothy Malone
Faz parte do volume 2 de um box de westerns. Este, do grande Walsh, o diretor que inventou nos anos 20 a linguagem do filme de ação, é um filmaço. Joel é um ladrão em fuga. Ele planeja seu último golpe, mas não confia nos comparsas. O cenário é ótimo, os atores perfeitos, as duas mulheres belíssimas e o roteiro tem ecos que iriam reverberar em Bonnie e Clyde. Um dos grandes faroestes já feitos e com um clima trágico maravilhoso.
  RENEGANDO O MEU SANGUE de Samuel Fuller com Rod Steiger
Fuller era venerado pelos europeus. Eu digo: menos. O filme pega o ponto de vista dos índios. É bom, duro e sério, mas às vezes cai no exagero. De qualquer modo, eis um faroeste diferente. Rod super interpreta.
  CHOQUE DE ÓDIOS de Jacques Tourneur com Joel McCrea e Vera Miles.
Joel é um durão que vira xerife numa cidade de mineiros. O filme conta sua luta contra eles. Um bom filme de um grande diretor. Tourneur dirigiu alguns dos melhores filmes noir, filmes de terror e faroestes. Seu estilo, sempre objetivo, era invisível. Mas dá pra notar que seu interesse era o destino. Seus heróis são sempre pessoas presas numa missão que não escolheram. Bom filme.
  O TESTAMENTO DE DEUS de Jacques Tourneur com Joel McCrea e Ellen Drew.
Este filme é vendido no box western, mas não é. Se passa no tempo dos westerns, é rural, mas não tem nada do faroeste. E é quase uma obra prima! Conta a vida cotidiana de uma cidadezinha nos tempos de 1880. Joel é um pastor e o filme observa a vida de toda a comunidade. Cenas que lembram Mark Twain, outras são puro John Ford. O final emociona e tudo caminha numa doce alegria temperada por algumas cenas amargas. Um filme original. Grata surpresa!!!!

ALAIN DELON/ CARY GRANT/ HAWKS/ DORIS DAY/ ANNE BANCROFT/ SPENCER TRACY/ AL PACINO

   O INVENTOR DA MOCIDADE ( Monkey Business ) de Howard Hawks com Cary Grant, Ginger Rogers, Charles Coburn e Marilyn Monroe.
É o primeiro fracasso de bilheteria de Hawks e um dos raros de Cary. Hawks vinha de 15 anos seguidos de sucessos quando resolveu fazer na Fox este roteiro de Lederer e Diamond. Os dois são roteiristas que trabalharam com Billy Wilder, e isso explica muito sobre o filme. O humor tem a grossura despudorada de Billy. Não tem o estilo humanista de Hawks. De qualquer modo o filme é tão louco que diverte, além do que o elenco é sensacional. Cary é um cientista que tenta criar a fórmula do rejuvenescimento. Um macaco cobaia mistura elementos e Cary bebe aquilo sem querer. Súbito ele volta aos 19 anos. Passa a ter o comportamento de um teen. Ginger é a esposa, que acaba por voltar aos 14 anos. Monroe faz uma secretária e este é dos seus primeiros papeis importantes. Ainda gordinha, ela é tremendamente sensual. O final, com Cary voltando aos 7 anos e amarrando um adulto na árvore para tirar seu escalpo é uma mistura de hilariedade com o incômodo do excesso de ridiculo. O filme se equilibra o tempo todo nesse fio, de um lado uma soberba alegria, de outro o ridiculo. As cenas com Ginger passam todas do ponto. Cary mantém a elegância. Um grande ator! Quer saber? Após seu encerramento deu vontade de ver outra vez. Nota 7.
   CARÍCIAS DE LUXO de Delbert Mann com Cary Grant, Doris Day e Gig Young.
Doris é a super-virgem. Desempregada, ela conhece o super rico Cary Grant. Ele tenta a seduzir com dinheiro. E consegue! Mas ela é virgem e defende sua honra. Bem, não poderia haver tema mais antigo. Imagino um cara de 15 anos vendo isso! Belos cenários e um Gig Young hilário como um paciente de um freudiano, não conseguem salvar o filme. Cary parece desinteressado, entediado ( este era o tempo em que ele descobria o LSD ). Nunca ninguém, naquela época, percebeu como Doris era sexy? A voz dela é de erguer defunto! Nota 4.
   STANLEY AND LIVINGSTONE de Henry King com Spencer Tracy, Walter Brennan e Cedric Hardwicke.
As convenções do filme de aventuras foram criadas por 3 grandes aventureiros da vida real: Raoul Walsh, Howard Hawks e Henry King. Todas as técnicas criadas pelos 3 são usadas até hoje. Pode-se enfeitar um filme o colocando no espaço, em outra dimensão ou fazer do mal o bem, mas o esquema é exatamente o mesmo. Aqui temos um dos melhores exemplos. Feito em 1939, o filme mostra Stanley, feito por um brilhante Spencer Tracy, partindo para a África desconhecida, em 1870, atrás do paradeiro de Livingstone. Em hora e meia o filme, com ritmo, tem um pouco de tudo: exploração do desconhecido, humor com o amigo do heróis, encontros inesperados, suspense e depois a edificação e o crescimento do herói. Ele retorna à sua terra como um homem melhor. Até uma cena de tribunal temos. Henry King foi um grande diretor. E como ser de seu tempo, dirigiu de tudo, westerns, comédias, dramas e musicais. Nota 8.
   O RIO DA AVENTURA de Howard Hawks com Kirk Douglas e Arthur Hunnicut.
O dvd tem belos extras. A voz do velho Kirk falando do filme, fotos de Michael Douglas aos 6 anos visitando o pai no set e Todd MacCarthy, um dos melhores críticos, falando do filme. Mas, surpeendentemente, a imagem não foi refeita e a foto está em mal estado. Feito em 1952, é o segundo maior fracasso da carreira de Hawks. O público da época estranhou esta aventura lenta, calma, primeira experiência do estilo Hawks de filmagem, que seria mais bem desenvolvida nos filmes seguintes. Como é esse estilo? Focar nos personagens e não na ação. Veja: aqui temos Kirk como um aventureiro no Oeste que vai com um grupo à procura de peles em terras inexploradas. Sobem o rio e encontram aventuras. Muitas. Mas todo interesse do filme é mostrar o cotidiano, o dia a dia, a personalidade de Kirk e de seus companheiros ( dentre eles um excelente Hunnicut fazendo um velho do mato ). Desse modo a sensação que fica é de pouca ação e de muito papo furado, o tal estilo Hawks. MacCarthy descreve bem, achamos o filme falho, mas quando termina queremos mais. Acabamos por gostar daquelas pessoas e desejamos sua companhia. É isso que acontece com os bons filmes de Hawks, o mais discreto dos mestres. O filme tem falhas sim, mas a gente acaba querendo mais. Nota 8.
   MOMENTO DE DECISÃO de Herbert Ross com Shirley MacLaine, Anne Bancroft, Tom Skerrit, Mychail Baryshnikov, Leslie Browne.
Este filme de 1977 tem um recorde. Junto com A Cor Púrpura, é o maior perdedor da história do Oscar. Foram 11 indicações e nenhum prêmio. Na época era moda falar mal dele. Ou melhor, os críticos o detestaram, o público adorou. Hoje a situação é a mesma. Não virou cult. Conta a história do reencontro de duas mulheres de meia idade. Amigas antigas, as duas foram grandes bailarinas. Uma largou tudo ao ficar grávida. A outra persistiu e se tornou estrela em NY. No reencontro se faz o balanço, a briga, a reconciliação. Eu adorei o filme. Assisti sem a menor expectativa e gostei muito. Me emocionei. Ele mostra com sagacidade a questão da idade, da fama e da solidão. E Anne está soberba! A diva é sempre humana, e a mulher é uma diva. A cena da briga entre ela e Shirley foi homenageada em Dancin Days, a novela. Gilberto Braga é um grande fã do filme. A fotografia de Robert Surtees impressiona muito. E vemos a estréia da super estrela e do sex symbol da época, Baryshnikov. Foi indicado a coadjuvante! Faz um bailarino hetero e playboy. Bom. Vemos Marcia Haydée nas cenas de dança, em seu auge como bailarina. Um lindo filme que teve o azar de concorrer nos ano de Annie Hall, Julia e Star Wars. Nota 8.
   UM MOMENTO, UMA VIDA ( Bobby Deerfield ) de Sidney Pollack com Al Pacino e Marthe Keller.
Assisti este filme no cine Astor, em 1978. Senti um profundo tédio. Revendo agora, senti um profundo desgosto. É o pior filme de Pollack, isso é aceito por todos, mas é também o pior de Pacino, e olhe que Pacino fez muito filme ruim. Uma sopa melosa e lenta, metida à filme de arte, sobre um famoso piloto da Fórmula 1. Ele perdeu suas raízes, virou um tipo de robot arrogante. Ao visitar um piloto acidentado na Suiça, conhece uma italiana doidinha que está morrendo...O filme evita o drama e vira um vazio. Tudo é seco e lento. Argh. Vemos James Hunt, Pace e Depailler nas cenas de corrida....que duram cinco minutos!!! Uma enganação...fuja! PS: Keller era um alemã que tinha corpo e rosto, bonito, de Valkiria. Como acreditar que frau Keller é uma italiana maluca????? Aff....ZERO!
   O SOL POR TESTEMUNHA de René Clement com Alain Delon, Maurice Ronet e Marie Laforet
Simplesmente o filme mais chique já feito. Itália em 1960 alcançou um nível de elegância sem ostentação que transparece em cada segundo do filme. Ronet descalço e sem camisa, parece o mais chique dos homens. Delon, com terno claro, com dock sides, com polo, sempre parece modelo da Vogue. Mas, eis o charme, tudo sem formalidade, sem afetação, com certo desleixo. Foi o auge do estilo mediterrâneo, que todos procuram e quase ninguém o revive. Clement consegue, ao seguir o livro de Patricia Highsmith, fazer um filme à altura de suas imagens. Ele é lindo e tem muito suspense. Gostamos de canalha Delon. O ator se confunde com o tipo. Houve ator mais diabólico e bonito? A refilmagem de 1999, de Minghella, colocou Matt Damon como Delon...aff!!! Jude Law era Maurice Ronet. O que era chique virou novo rico, parecia formal e Damon era um teen vestido de adulto. Aqui não! Até a carteira de Delon parece elegante! E temos o final, um dos mais inesperados da história. Um grande filme e um super sucesso de bilheteria. DEZ!!!!!!

GIORGIO, WILDER E HAWKS EM SP

   Alice Brill morreu. Ela tem uma série de fotos sobre uma feira na Oscar Freire que é uma coisa linda. Consegue captar a alma de uma cidade que não mais existe. Se voce puder ver suas fotos, mire o rosto das pessoas.
   No jornal se fala também de Giorgio Moroder. Lembro da primeira vez em que o escutei. Foi no rádio, em 1977. FIRST HAND, meu primeiro contato com techno. Acho Giorgio melhor que Kraftwerk. Depois desse LP de 1977, FROM HERE TO ETERNITY nada mais foi como era. O que mais me deixou besta na época foi a percussão. Eu demorei a sacar que aquela bateria não era uma bateria. Falo pra voces uma história: Vivendo em Berlin na época, Eno liga para Bowie, que acabara de chegar a capital alemã. Diz Eno, Bowie, liga na rádio X....voce vai ouvir o futuro....Bowie liga e escuta I FEEL LOVE. Era o futuro sim. Que dura até agora.
   Mostra de Billy Wilder. Cuidado! Wilder tem filmes ruins. Tem até um muito ruim ( FEDORA ). Dica minha para voce: PACTO DE SANGUE, CREPÚSCULO DOS DEUSES, SABRINA, TESTEMUNHA DE ACUSAÇÃO, QUANTO MAIS QUENTE MELHOR e IRMA LA DOUCE. Meu favorito hoje é Testemunha. Um suspense tão bom que parece Hitchcock. Dos gênios clássicos do cinema americano, Billy é o que menos gosto. Mas talvez seja aquele que o povo hoje mais gosta.
   Muito maior é Howard Hawks. Esse é prova de bom gosto em cinema. Se voce ama Hawks voce está no grau mais alto. Não lembro de um filme ruim dele. E são mais de 40. SCARFACE, SUPREMA CONQUISTA, LEVADA DA BRECA, PARAÍSO INFERNAL, JEJUM DE AMOR...esses só nos anos 30 e 40. Ele tem mais um monte nos anos 50 e 60. Escolher meu favorito é impossível. Ford tinha inveja de RIO BRAVO, Tarantino idolatra Jejum de Amor, Godard amava RED RIVER. O segredo de Hawks? Ninguém sabe dizer. Mas um de meus mais queridos filmes, HATARI, me mostrou algo. Hatari fala de um grupo de amigos que caça animais na África. Para um zoo. O filme tem belas cenas de ação e ótimos atores. Trilha sonora de sucesso e linda fotografia. Mas, após reve-lo pela quinta vez, notei que a coisa mais importante não era a captura do rinoceronte ou o namoro dos dois atores centrais. O principal era o café da manhã. O modo como o grupo se sentava à mesa e se servia. As conversas com café e cigarros. O papo furado. Alí estava o coração de Hawks. Ele é o diretor dos "tempos mortos", das cenas banais, da vida simples. E como é dificil fazer isso!!!! Não importa em Rio Bravo o duelo final. Importa a amizade de Wayne e Dean Martin.
   Indicar um filme? Nenhum. Para entender a grandeza desse gênio voce tem de ver ao menos dez filmes. E perceber que ele nada tem de artista, de poeta ou de intelectual. Ele é O Cinema.
   

O QUE É O CINEMA? - UMA VERDADE ESCRITA POR ANTHONY ROXY THE THIRD, EARL OF LADY TOWER'S FLAME

   Desculpem, mas a verdade é esta.
   Uma pessoa que não é muito amante de livros escolhe seus títulos pelo TEMA. Um livro que fale de seu trabalho ou de um lugar que ela quer conhecer ou um bio de um ídolo seu. Esse leitor NÂO está muito interessado em estilo. O que lhe importa é o que é DITO e não COMO é desenvolvido. Ele jamais irá se interessar por um livro sobre aquilo que ele não viveu ou viu. A ARTE passa a milhas de seu interesse.
   O mesmo como cinema. Há quem confunda um grande filme com um TEMA que lhe interesse. Desse modo é comum, banal e até vulgar ver psicólogos que acham Cisne Negro um grande filme, sociólogos que adoram Michael Moore e deprimidos que caem no conto do vigário de Von Trier. São bons filmes? Claro que não. São temas que apaixonam a alguns e esses alguns geralmente nada sabem de cinema. São pessoas incapazes de se interessar por um filme que não ESPELHE aquilo que ela vive. O que as seduz não é a ARTE do autor ou do roteiro, é apenas o tema. São analfabetas em termos de linguagem cinematográfica. 
   Nenhuma ARTE sofre mais com isso que a música. A maioria dos ouvintes é incapaz de apreciar música instrumental pelo simples fato de que a música sem palavras não tem um tema, um discurso. A extrema abstração musical nada lhes diz. Precisam que a música também reflita o mundinho onde vivem. Música em si não importa.
   Evito falar sobre ARTE com esses fariseus do mal-gosto. Sempre óbvios, serão fãs de filmes/ livros/ músicas que rodem sem parar sobre os mesmos assuntos. Pior, que sejam espelhos daquilo que eles são ou pensam ser. A LINGUAGEM da ARTE é um código sensível totalmente incompreensível a eles. Mais que isso, eles nem suspeitam de sua existência. 
   Por isso meu AMIGO, esqueça e fique frio.... Ou voce nunca leu algo sobre pérolas jogadas aos porcos?
   PS: Qualquer cinéfilo sabe. O verdadeiro nó que diferencia aqueles que sabem LER filmes daqueles que apenas percebem o óbvio está em Howard Hawks e Hitchcock . Filmes em que o tema não tem a menor importãncia, filmes quase abstratos em que o que importa é a combinação de ritmos, de imagens e de emoções. Eles nada tinham a DIZER, pois Hawks e Hitch não faziam livros. Eles faziam cinema puro, ARTE do movimento. Falavam por luz e sombra. Ação. 
   Sacou?

DJANGO LIVRE

   Os letreiros são de western-spaguetti e a trilha sonora usa temas de Bacalov e de Morricone, dois gênios das trilhas sonoras ( vi recentemente um documentário na tv Cultura, com a participação de Dave Holmes e da dupla Air, sobre trilhas sonoras. Eles diziam que as melhores trilhas foram feitas entre 65 e 75: John Barry, Henry Mancini, Lalo Schiffrin, Quincy Jones, John Willians, Michel Legrand, Nino Rota, Georges Delerue e Bacalov-Morricone ). Django é nome de um filme da época, um western-spaguetti com Franco Nero. Não se iluda, do Django original só ficou a trilha sonora e uma participação de Nero como um italiano que perde de Di Caprio no Mandingo.
   A unanimidade americana em torno deste filme é merecida, é um filme maravilhoso, mas ela expõe uma crise. Filmes como este, em 1965 ou em 1973, eram feitos de forma sucessiva. O que reafirma minha tese de que Dirty Dozen ou The Great Escape seriam hoje filmes de Oscar. Os amantes de cinema sentem saudades de grandes filmes divertidos, de filmes que misturam arte e Pop, que são inteligentemente entertainment. Fazer filmes de arte sobre o nada se tornou banal, fazer diversão soberba é cada vez mais raro. E a carreira de Quentin mostra isso, ele sabe filmar e sabe narrar.
  Entre os cinco filmes favoritos de Tarantino, pelo menos dois são obras-primas do diálogo: Onde Começa o Inferno de Hawks e Jejum de Amor, também de Howard Hawks. Outro fato mostrado em Django: Tarantino mantém viva a arte do diálogo. O filme tem cenas longuíssimas de diálogo. A amizade entre o alemão e Django é como a de Wayne e Dean Martin em Hawks, toda feita em longos e calmos diálogos. Como em Hawks, temos um mestre e um discípulo em bela interação.
  Alguns podem se incomodar pelo mundo que Tarantino mostra. O mundo dele é o mundo Pop. Nenhum filme dele mostra aquilo que se chama "mundo real". Bem, eu gostaria de perguntar: alguém mostra o mundo real? Dou exemplo. O mundo de Cosmópolis é real? Nunca vi ou vivi naquele mundo. O mundo dos filmes de Wes Anderson é real? O que é o mundo real? Todo filme não é a visão particular de um homem, ou de uma equipe, sobre um mundo que ele imagina? O mundo real de Tarantino, e de seus fãs, é o cinema. Como acontece com Hitchcock, ele cria um mundo baseado em suas paixões internas. E essas paixões são Pop. Para quem é fã, como eu sou, é o mundo onde vivo e onde me formei. O mundo colorido da cultura popular de consumo.
   O filme tem duas falhas, duas grandes falhas que quase o destroem. Uma é sua metragem. Ele termina e vai adiante mais meia-hora que são esquisitas. Parece que Quentin perde o tesão no final. Isso acontece por causa da segunda falha: o elenco.
   Christoph Waltz está magnifico! A criação dele é uma das coisas mais geniais que já vi. É um personagem que ficará na história. Day-Lewis levará o Oscar, mas Waltz está melhor, bem melhor. E temos Di Caprio, compondo um tipo dúbio, feito de sutilezas, de movimentos de sobrancelha, de gestos das mãos. E então, essas duas atuações desequilibram o filme. O herói, Django-Jamie Foxx, não está a altura dos dois. Quando Waltz morre o filme acaba.
   Mas é um grande filme, cheio de cenas memoráveis. Momentos como aquele da KKK, com um Don Johnson hilário, são jóias de diálogo, de criação de tipos e de filmagem. Tarantino não erra uma tomada. Repare como não ficamos reparando nos ângulos de câmera, nas bossas da direção. Esse é o estilo Hawks, a direção que conta a história sem jamais chamar a atenção sobre si-mesma ( estilo esse cada vez mais raro no cinema ). Nos ligamos na história, não na "obra".
   Por fim...o filme é um western, mas é um western-spaguetti. Tem o descompromisso com a veracidade, tem a violência estilizada e falsa, tem o humor dos westerns made in Italy.
   PS: Quentin Tarantino já falou de gangsters, de lutadores de kung fu, de mercenários da segunda-guerra, de vampiros...Ele está pronto para fazer um filme sobre suas raízes made in Italy. Mal posso esperar pra ver.

WYLER/ JACK NICHOLSON/ AL PACINO/ LUMET/ HAWKS/ RITT/ WOODY ALLEN/ HUSTON

   REBELIÃO NA INDIA de Henry King com Tyrone Power
Sobre um soldado mestiço, que na India inglesa tem de lutar contra seu irmão, irmão que organiza rebelião anti-colonial. Aventura de primeira. King foi um daqueles diretores pau-pra-toda-obra, um tipo de diretor que a partir da nouvelle vague deixou de existir. King mais de vinte sucessos, e mesmo assim continuou a fazer filmes como este: despretensiosos, bem feitos, inteligentes, eficientes. Nota 7.
   OS PINGUINS DO PAPAI de Mark Waters com Jim Carrey e Carla Gugino
Waters surgiu como promessa de bom diretor. Parece que já se perdeu. Carrey um dia teve ambição, já se foi. Eu sempre preferi o Jim Carrey sem pretensão, mas as comédias excelentes que ele fazia não existem mais. Os pinguins são simpáticos, mas o filme é um lixo. Chega a ser revoltante como um profissional pode escrever algo tão idiota. Nota ZERO.
   BEN-HUR de William Wyler com Charlton Heston
Houve um tempo que o filme tipo 'Avatar" era assim: uma aula de história com tinturas de ação e lição de moral. Caríssima produção, longuíssimo, imenso sucesso, montes de Oscars. Heston, apesar dos ataques de um certo idiota, foi um belo ator. Passa credibilidade a um papel muito dificil. A história todos sabem: os amigos que brigam: um é judeu, outro é romano. A ênfase não é na ação, é na lenda. Bonito. Nota 7.
   A HONRA DOS PODEROSO PRIZZI de John Huston com Jack Nicholson, Kathleen Turner, Anjelica Huston e William Hickey
Uma visão meio cômica/ meio trágica da máfia. Nicholson é um matador apadrinhado pela máfia. Ele se apaixona e se casa com uma matadora polonesa. Mas a vida é cheia de surpresas... O roteiro é brilhante, e Huston, aos setenta anos dirige como um garoto. O filme recuperou o sucesso para sua carreira, concorreu a vários Oscars e fez dinheiro. Nicholson está engraçado e melancólico, faz um ítalo-americano meio burro e muito bom profissional. Turner foi uma sex-symbol de verdade. No meio dos anos 80 ela era o máximo. Mas há ainda Anjelica, fazendo a ex-esposa vingativa e o absurdo Hickey, um velhíssimo chefão, numa caracterização irresistível. Fantástico vê-lo babar e gaguejar. Nota 8.
   SERPICO de Sidney Lumet com Al Pacino
Na suja NY dos anos 70, Pacino é Serpico, um cara que sempre sonhou em ser um policial. Mas, ao começar a trabalhar ele se depara com a corrupção no meio. Al Pacino em uma de suas grandes atuações. Serpico é um tira que usa barba, brinco, faz ballet e veste batas indianas. O filme começa como uma quase comédia ácida maravilhosa, mas Serpico vai pirando e Lumet quase se perde. No final o filme se reergue e seu fim é bastante amargo. Na sequencia Sidney Lumet faria Um Dia de Cão e a obra-prima Network. Que grande diretor ele foi ! Nota 7.
   DUELO NA CIDADE FANTASMA de John Sturges com Robert Taylor e Richard Widmark
Ótimo western. Fala de ex bandido, agora xerife, que é sequestrado por seu ex comparsa. A fotografia em cores de Robert Surtees é estupenda. As paisagens são de tirar o fôlego. Sturges teve quinze anos de sucesso, sabia fazer filmes de ação. Um western que indico para fâs e para aqueles que desejam aprender a gostar deste tipo de cinema viril e sincero. Nota 8.
   E AGORA BRILHA O SOL  de Henry King com Tyrone Power, Ava Gardner e Errol Flynn
Versão da Fox para O Sol Também se Levanta de Heminguay. É bacana o retrato da festiva Paris de 1926, a Espanha aparece cheia de sol, de touros e de fiestas, mas nada há no filme do senso de tragédia de Heminguay. Mesmo assim é um filme bom, fácil de ver e sempre interessante. Ava faz uma bela Lady Brett e Errol está ótimo como o escocês bêbado. Este filme seria a salvação de sua carreira se ele não tivesse morrido pouco depois. Nota 6.
   BOLA DE FOGO de Howard Hawks com Gary Cooper e Barbara Stanwyck
É um filme de Hawks que não se parece com Hawks. E é fácil saber porque: o roteiro é de Charles Brackett e de Billy Wilder. O filme tem muito mais o estilo grosso de Wilder que o modo fluido de Hawks. Fala de inocente linguista que se envolve com moça de boate e seu cafetão. O filme é ok, mas tem um ar de conto da carochinha para adultos que jamais funciona. Uma pena.... Nota 5.
   TESTA DE FERRO POR ACASO de Martin Ritt com Woody Allen e Zero Mostel
Na época do MacCathismo, um caixa de bar é convencido por seu amigo escritor -erseguido a ser seu testa de ferro. É a melhor interpretação da vida de Allen. O seu caixa de bar que vira "autor" em nada se parece com sua persona ( embora ele solte às vezes uma piada à Woody Allen ). Ritt era um famoso diretor do bem, seus filmes sempre falavam de injustiças. Foi perseguido pelo MacCarthismo na vida real, assim como vários componenetes deste filme. É uma obra desigual, tem bons momentos e outros fracos. O final é perfeito, ao ser interrogado pela comissão do senado Woody Allen lhes dá a única resposta cabível. Por essa cena vale o filme. Nota 5.
   O SEGREDO DAS JÓIAS de John Huston com Sterling Hayden, Sam Jaffe e Louis Calhern
Uma obra-prima. Há quem o considere o melhor filme de Huston. Não sei se é, mas é tão bom quanto Sierra Madre. Aula de ritmo, fotografia, posição de câmera, atuação. O filme termina e voce já sente vontade de o rever. Foi satirizado pela obra-prima da comédia italiana, Os Eternos Desconhecidos. Caso único de obra-prima satirizada por outra obra-prima. Deu cria ainda a ao menos um grande filme: Rififi de Jules Dassin. Sensacional. NOTA DEZ.

WOODY/ COPPOLLA/ VISCONTI/ YIMOU/ DE SICA/ HAWKS

VOCE VAI CONHECER O HOMEM DOS SEUS SONHOS de Woody Allen com Brolin, Banderas, Watts, Hopkins e Jones
Um dos mais amargos filmes de Woody. O filme serve como um lembrete das diferenças do Allen de 1976 e do Woody de 2010. Antes seus filmes eram centrados em politica, pretensões intelectuais e um saudável hedonismo. Hoje ele fala básicamente de dinheiro, poder e ambição. É como se Woody Allen não se sentisse mais a vontade neste mundo, seus filmes parecem tortos, desconfortáveis e pior, eles têm personagens chatos. Essa chatice é sintoma do não-afeto que Allen sente por eles ( neste filme a única excessão é a divorciada "crente". ) Quando vemos qualquer filme dele pré 1998, há um transbordamento de simpatia por seus personagens, ele ama cada um deles. Vendo este filme tenho a impressão de que Allen os abomina. O filme, mais um fiasco, é completamente desinteressante. Nota 3.
O ESTRANGEIRO de Luchino Visconti com Marcello Mastroianni e Anna Karina
Existem livros que são pegos pelo diretor errado. O Estrangeiro de Camus é um livro soberbo e Visconti é um dos mais cultos e talentosos diretores da história. Mas o estilo dos dois não combina. Camus pede um diretor muito mais seco, distante, frio; Visconti é sensível, exagerado, politico. O filme acaba não sendo nem Camus e nem Visconti. Marcello faz o que pode, mas todo o projeto nasceu errado. Nota 4.
UMBERTO D de Vittorio de Sica
Eis o mais triste filme já feito. Acompanhamos o cotidiano de um velho solitário e pobre. O filme é de uma realidade que beira o insuportável. De Sica inclusive nos mostra um velho nada simpático. Nenhuma cena é feita para chorar, nada é bonitinho ou meloso, o velho, sem casa e sem nenhuma esperança tenta se matar, e nesse momento, em que ele desiste do suicidio ao olhar para seu cão ( que nunca é um cão à Disney ), o filme chega a seu limite: nenhum filme me fez sentir tão triste. Ele é de uma tristeza não-poética, é uma melancolia desagradável, de rua quente, de fome e de solidão absoluta. Vittorio de Sica era além de um gênio, um anjo. O nascimento de um diretor como ele hoje ( e bem que os iranianos tentam ) é impossível. Ele crê no homem, ele ama o homem, ele conhece o que é a vida. Nota DEZ.
HATARI! de Howard Hawks com John Wayne e Elsa Martinelli
Um bando de homens recebe, na Africa, a visita de fotógrafa italiana. E é isso: Hawks filma esses homens bebendo, tomando café, caçando animais para zoos e paquerando a garota. Nada de importante acontece. É o misterioso estilo de Hawks, voce fica vendo o nada e se sentindo bem, como se voce fosse um convidado daqueles caras. Quando o filme termina não há nada para se dizer, mas voce se sente um deles. Hawks era ainda mais despretensioso que Ford, seus filmes parecem fáceis de fazer, parecem uma brincadeira. Ninguém nunca brincou tão bem. Não é a toa que todos os diretores o adoram, quem se interessa pela feitura de um filme sabe como é trabalhoso ser tão fácil. Nota DEZ.
O CLÃ DAS ADAGAS VOADORAS de Zhang Yimou
O diretor se empolgou após o excelente Herói e cometeu este filme frouxo. Trata-se de uma aventura que deveria ser empolgante e comovente, ela é fria e muito mal desenvolvida. O romance não nos importa e as lutas se parecem com ensaios. Pior, notamos que os atores não sabem nada de artes marciais. Uma desilusão. Nota 2.
TETRO de Coppolla com Vincent Gallo
Vendo este filme percebemos o quanto o preto e branco nos dá. A foto em P/B é mais densa, o filme se torna irreal e ao mesmo tempo muito mais urgente. Além do que, é chic! Coppolla não perdeu sua genialidade para enquadrar e criar clima, mas, infelizmente, o roteiro ( dele ) é apenas uma muito longa sessão de auto-expiação. Ele vomita dores, mas o que nos interessa aquilo? Tetro não é um personagem interessante, ele nada tem de brilhante, de original, de cativante. É como ser obrigado a assistir um filme bonito sobre um Fiat 174 qualquer. Todos dizem que Tetro é isso, Tetro é aquilo, mas o que vemos é um chato cheio de auto-piedade. De maravilhoso as cenas de filmes de Michael Powell ( nada hoje é mais in que amar Powell. Com justiça, o homem foi um dos maiores. ) Se servir para alguém sentir desejo de assistir um filme de Michael Powell já valeu. Nota 3.