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SONHO E SERRA DO MAR
Alguns momentos em minha infância foram reais, hoje eu sei, mas durante anos me pareceram ser sonhos. O mais fantástico foram as cenas que eu lembrava do filme SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO, de 1932, cenas que vi na TV, talvez aos 4, 5 anos de idade, e que cresci, até os 45 anos, pensando ter sonhado aquelas cenas.
Pois bem...sempre que desço a Serra do Mar, seja pela Anchieta ou pela Imigrantes, tento entender de onde tirei as imagens, mágicas, que guardo daquela descida. Vejo dentro da minha memória uma estrada sinuosa, que passava roçando nas folhas das árvores. Um caminho onde eu sentia o cheiro da mata e ouvia, muito de perto, sons de insetos e de pássaros. O carro percorria as curvas com vidros abertos, o bafo úmido da floresta invandindo nossos corpos. Lembro de cachoeiras onde dava quase pra molhar as mãos.
Descendo a Serra, lugar que mais amo no mundo, sinto prazer, mas ao mesmo tempo fico intrigado: sonhei esse outro caminho?
Vejo no Youtube um video da velha estrada de Santos, aquela que Kipling conheceu. Aqui está meu sonho! Minha mãe assiste comigo e me conta: Sim, até os seus 11 anos era esse o caminho que fazíamos. Seu pai preferia usar a Anchieta, mas todas as vezes que fomos no carro de outras pessoas elas foram por aí, por ser mais bonito. A viagem levava quase 3 horas, contando tudo, e quando voce tinha 7 anos, a primeira vez que voce viu o mar, descemos por aí, de noite, chovendo, numa Kombi. Nunca senti tanto medo....Voce desceu comendo bolachas e rindo.
Houve um domingo, eu tinha 9 anos então, em que subíamos para São Paulo, de taxi. Cheio de sono e calor, eu vi macacos nas árvores e enormes pássaros voando tão perto....em certo trecho os galhos caídos de uma árvores roçavam os vidros do velho Chevrolet. Crianças quando felizes sentem essa alegria na barriga. Como um calor suave. A falta de passado faz isso. A satisfação é nova, estala de tão perfeita. Eu fechei os olhos e dormi ouvindo os pneus rolando. Desde então essa é minha imagem da felicidade perfeita.
1977-1969-2014-SEMPRE...
Não lembro da loja. Sei que foi em Pinheiros. Na Teodoro Sampaio. Em 1977 ela era uma rua mais decente, ainda tinha algumas lojas bem legais e não existiam camelôs. A esquina com a Pedroso de Morais era bonita, tinha a doceira Docinho. Todas as travessas eram silenciosas, residenciais, ainda não havia comércio na Mourato e na Lacerda. Só a Fradique tinha movimento. Fazia sol, era fim de verão. Saímos do bar do meu pai e compramos dois discos. Abbey Road foi escolhido por ter Come Together. E Let It Bleed por causa da crítica que Ezequiel Neves havia escrito. Voltamos para o bar e ficamos esperando a carona de nosso pai. No escritório que ele tinha a gente rabiscou na porta a data e o nome dos dois discos. Essa porta, com os anos, acabou cheia de escritos. Esse foi o primeiro.
Na sala, ao sol, só na manhã do dia seguinte, a gente os escutou no 3 em 1 da Sharp.
Lembro que achei o lado 1 dos Beatles muito bom e o lado 2 decepcionante. Com o tempo adorei. O disco dos Stones achei esquisito. Não gostei muito. Meu irmão, que coisa, gostou dele de primeira. Numa manhã, inesquecível, em que ouvi Let It Bleed de meu quarto, enquanto Edú o escutava na sala a todo volume, descobri que aquele era o disco.
Existem discos que me são tão vitais quanto meus pulmões. Siren do Roxy Music, Led Zeppelin - Houses of The Holy, o Transformer, Pin Ups de Bowie. Nenhum mudou minha vida como Let It Bleed mudou. Durante o resto de 77, e agora lembro que errei a data, ele nao foi comprado no fim do verão, mas sim em agosto, eu o escutei sozinho em casa, toda tarde, em frenética excitação. Estudava datilografia às 4 horas e sempre descia a rua até a escola cantando Let It Bleed. 1977 definiu a eternidade da minha mente, foi o alicerce, foi o acordar da infância, foi ver o mundo. O disco da capa do bolo e da roda foi sua trilha.
Hoje, 28 de novembro de 2014, ele completa exatos 45 anos de vida. Em agosto foram 37 anos comigo. O mesmo vinyl errado ( o selo do lado A está colado no lado B ). Sulcos que me trouxeram blues, sexo, euforia, beleza, raiva. A guitarra de Keith nunca soou tão cortante, o timbre suave e ao mesmo tempo forte, cheia de silêncios, de respiros. A bateria nunca foi tão jazzy, Charlie em plena forma. E Mick, ainda longe da mania dos falsetes, cantando como Mick, um preto. É meu disco favorito? Não sei. É aquele que mais me traz lembranças fortes.
Em dezembro desse mesmo ano fomos à praia. No Caravan vermelho de meu pai fomos cantando, eu e meu brother. Ele cantava Country Honky e eu Let It Bleed. A Serra passava voando pela janela, o fim da tarde parecia uma festa e a praia teria gosto de vida.
Como voce pode notar, Let It Bleed é mais que um disco. Não há como falar dele apenas como música. Ele, como um terreno fértil onde coisas crescem e respiram pelos anos passados, solo úmido, solo rico, brota e traz frutos e sementes que se espalham dentro e fora de mim.
Se a música é a lingua do cosmos, este disco alicerça uma mansão estelar.
Na sala, ao sol, só na manhã do dia seguinte, a gente os escutou no 3 em 1 da Sharp.
Lembro que achei o lado 1 dos Beatles muito bom e o lado 2 decepcionante. Com o tempo adorei. O disco dos Stones achei esquisito. Não gostei muito. Meu irmão, que coisa, gostou dele de primeira. Numa manhã, inesquecível, em que ouvi Let It Bleed de meu quarto, enquanto Edú o escutava na sala a todo volume, descobri que aquele era o disco.
Existem discos que me são tão vitais quanto meus pulmões. Siren do Roxy Music, Led Zeppelin - Houses of The Holy, o Transformer, Pin Ups de Bowie. Nenhum mudou minha vida como Let It Bleed mudou. Durante o resto de 77, e agora lembro que errei a data, ele nao foi comprado no fim do verão, mas sim em agosto, eu o escutei sozinho em casa, toda tarde, em frenética excitação. Estudava datilografia às 4 horas e sempre descia a rua até a escola cantando Let It Bleed. 1977 definiu a eternidade da minha mente, foi o alicerce, foi o acordar da infância, foi ver o mundo. O disco da capa do bolo e da roda foi sua trilha.
Hoje, 28 de novembro de 2014, ele completa exatos 45 anos de vida. Em agosto foram 37 anos comigo. O mesmo vinyl errado ( o selo do lado A está colado no lado B ). Sulcos que me trouxeram blues, sexo, euforia, beleza, raiva. A guitarra de Keith nunca soou tão cortante, o timbre suave e ao mesmo tempo forte, cheia de silêncios, de respiros. A bateria nunca foi tão jazzy, Charlie em plena forma. E Mick, ainda longe da mania dos falsetes, cantando como Mick, um preto. É meu disco favorito? Não sei. É aquele que mais me traz lembranças fortes.
Em dezembro desse mesmo ano fomos à praia. No Caravan vermelho de meu pai fomos cantando, eu e meu brother. Ele cantava Country Honky e eu Let It Bleed. A Serra passava voando pela janela, o fim da tarde parecia uma festa e a praia teria gosto de vida.
Como voce pode notar, Let It Bleed é mais que um disco. Não há como falar dele apenas como música. Ele, como um terreno fértil onde coisas crescem e respiram pelos anos passados, solo úmido, solo rico, brota e traz frutos e sementes que se espalham dentro e fora de mim.
Se a música é a lingua do cosmos, este disco alicerça uma mansão estelar.
LITORAL E VALE DO PARAIBA- FOTOS DE IATA CANNABRAVA, TEXTO DE MARGARIDA GORDINHO
Termino esse delicioso livro. Montes de fotos, de 2012, das cidades do litoral de SP. Tudo que foi tombado. Santos tem dezenas de coisas interessantes, mas Lorena, Bananal, Pindamonhangaba...que beleza! Eu amo essa mata invadindo tudo. Entrando pelas entranhas, pelas rachaduras, pelas pedras. Fazendas de uma estonteante beleza. Ruas pacatas. E sempre a Serra ao fundo. E a chuva que vem.
Comprado na Fnac, editado pela Secretaria de Cultura, eis um lindo presente de Natal.
Comprado na Fnac, editado pela Secretaria de Cultura, eis um lindo presente de Natal.
VELEJANDO O BRASIL- GERALDO TOLLENS LINCK
Estrangeiros quando conhecem o Brasil, principalmente australianos e americanos, estranham o fato de como os brasileiros ignoram o mar. Não estou falando da praia, falo do mar. O brasileiro adora ficar sobre a areia, torrando ao sol, jogando bola ou bebendo, mas ele não faz nada com o mar. Esses turistas se surpreendem. O brasileiro, e 3/4 de nós moramos à beira-mar ( até 100 km de distãncia é beira-mar ), não mergulha, não surfa, não faz esqui e não navega. Franceses, americanos, australianos, alemães e suecos têm o mar como amigo, irmão e o usam como o melhor dos playgrounds. O brasileiro, que tem mar que não acaba mais, o ignora. Prefere o asfalto.
´ É como se o mar não fosse nosso. Como se o Brasil terminasse na beira da areia e as águas fossem terra estrangeira. Se temos a tendência histórica de ver a terra brasileira como algo fora de nossa posse, o mar é então um continente "do outro", dele não queremos saber. Dessa forma, todo navegador de águas brasileiras logo percebe que 90% dos veleiros e iates que ele cruza são de navegantes estrangeiros. Europeus deslumbrados, australianos aventureiros e americanos livres. Brasileiros ficam na areia.
Lojas náuticas, iates clubes e clubes de mergulho ainda são vistos como coisa de imigrante rico. Não há país no planeta que ignore de forma mais estúpida aquilo que ele tem de mais precioso, o mar. Pessoas que deveriam estar adquirindo saúde, experiências e independência no mar, preferem gastar tempo e dinheiro em bares de cidades grandes e academias de malhação fechadas. Burrice.
Linck sai do Rio Grande do Sul e margeia a costa até o Oiapoque. Leva um ano no percurso. É um livro escrito em 1977, e dá dor no coração ler a descrição que ele faz do mais belo litoral do mundo : Aquele que liga Bertioga a Angra dos Reis. O trecho antes de São Sebastião é descrito como "virgem", sem dono, um paraíso de praias desertas, de rios de cristal e cachoeiras magníficas. Pescadores e aventureiros vivendo à beira mar. Linck diz que nada é mais belo que esse trecho de mar, que atinge seu apogeu na Ilha Grande e em Angra. No caminho ele vai falando de piratas que lá viveram, de descobertas e dos peixes e pássaros. O barco é descrito em seu cotidiano, nas noites de estrelas, nas manhãs quentes e nas tempestades sem fim. Voce se sente dentro do barco, navegando, indo história adentro, vendo os fortes dos holandeses em Pernambuco, os areais do nordeste, a foz do Amazonas, os sons das ondas e as dicas sobre navegação.
Indios ainda havia no nosso litoral, e jangadas, assim como ermitões alemães e franceses. Linck prevê que se o homem for sábio, lá por 2007 não se usará mais petróleo no mundo...Mal ele poderia adivinhar que em termos de energia não mudamos nada desde 1977.
Um delicioso livro ideal para o verão. E que além de dar prazer, nos faz pensar naquilo que podemos viver e não percebemos. Na liberdade que podemos ter e ignoramos. No que de melhor possuimos e esquecemos. Rumo ao mar, Brasil !
´ É como se o mar não fosse nosso. Como se o Brasil terminasse na beira da areia e as águas fossem terra estrangeira. Se temos a tendência histórica de ver a terra brasileira como algo fora de nossa posse, o mar é então um continente "do outro", dele não queremos saber. Dessa forma, todo navegador de águas brasileiras logo percebe que 90% dos veleiros e iates que ele cruza são de navegantes estrangeiros. Europeus deslumbrados, australianos aventureiros e americanos livres. Brasileiros ficam na areia.
Lojas náuticas, iates clubes e clubes de mergulho ainda são vistos como coisa de imigrante rico. Não há país no planeta que ignore de forma mais estúpida aquilo que ele tem de mais precioso, o mar. Pessoas que deveriam estar adquirindo saúde, experiências e independência no mar, preferem gastar tempo e dinheiro em bares de cidades grandes e academias de malhação fechadas. Burrice.
Linck sai do Rio Grande do Sul e margeia a costa até o Oiapoque. Leva um ano no percurso. É um livro escrito em 1977, e dá dor no coração ler a descrição que ele faz do mais belo litoral do mundo : Aquele que liga Bertioga a Angra dos Reis. O trecho antes de São Sebastião é descrito como "virgem", sem dono, um paraíso de praias desertas, de rios de cristal e cachoeiras magníficas. Pescadores e aventureiros vivendo à beira mar. Linck diz que nada é mais belo que esse trecho de mar, que atinge seu apogeu na Ilha Grande e em Angra. No caminho ele vai falando de piratas que lá viveram, de descobertas e dos peixes e pássaros. O barco é descrito em seu cotidiano, nas noites de estrelas, nas manhãs quentes e nas tempestades sem fim. Voce se sente dentro do barco, navegando, indo história adentro, vendo os fortes dos holandeses em Pernambuco, os areais do nordeste, a foz do Amazonas, os sons das ondas e as dicas sobre navegação.
Indios ainda havia no nosso litoral, e jangadas, assim como ermitões alemães e franceses. Linck prevê que se o homem for sábio, lá por 2007 não se usará mais petróleo no mundo...Mal ele poderia adivinhar que em termos de energia não mudamos nada desde 1977.
Um delicioso livro ideal para o verão. E que além de dar prazer, nos faz pensar naquilo que podemos viver e não percebemos. Na liberdade que podemos ter e ignoramos. No que de melhor possuimos e esquecemos. Rumo ao mar, Brasil !
O LUGAR FELIZ
A primeira vez em que desci a Serra do Mar foi de Kombi. Chovia, era fim de tarde e a viagem durou cinco horas. Cinco horas na Serra, apenas. Porque nós fomos pela estrada velha, o Caminho do Mar. Naquela época esse caminho ainda era aberto aos carros. Não consigo lembrar porque meu pai foi por lá, acho que ele errou a entrada da Anchieta. Eu tinha sete anos de idade e na Kombi iam meu pai, minha mãe, meu irmão e mais uma tia, e três primos. Minha mãe gritava em cada curva dada. Aquela estrada tinha pista e mão dupla, só cabia um carro por via, e pior, não havia guard-rail. Se o carro derrapasse era adeus... Os vidros embaçaram, escureceu. Mas chegamos em São Vicente. Era 1971.
Quando subimos a Serra, dez dias depois, e agora pela Anchieta ( não existia a Imigrantes ), pude então ver, assistir o que a viagem me mostrava. Descobri aquele lugar. As nascentes que pude ver da estrada, água correndo branca, o cheiro das árvores que se abraçam umas nas outras, os abismos perdidos e de onde eu via pássaros que levantavam vôo. Aquele caminho era cansativo, longo e muito perigoso, mas passávamos dentro da Serra, costurando as encostas, sentindo o lugar. Próximos da mata e dentro da vertigem da sua vida.
Depois as viagens foram pela Anchieta, até que em 75 veio a Imigrantes. Agora eu corria longe das árvores, e me acostumei a admirar a Serra de longe. Não havia mais como sentir seu cheiro e nem se percebiam suas corredeiras. Mas eu me hipnotizava com o verde dos montes imensos e com a luz do sol banhando as encostas que iam mudando de cor a todo momento. Eu olhava a cidade lá embaixo, o mar visível no entardecer e pensava: "Sou feliz!" Por pior que minha vida pudesse estar, lá, na Serra, eu sempre fui muito feliz. Eu deixo de ser eu, perco minha certeza, me torno parte de outra coisa.
E ao terminar a descida havia o mangue. A longa e plana região dos caranguejos, da lama negra, do cheiro de barro e de água parada, dos pássaros de pernas compridas. Árvores baixas e o calor na pele aumentando. Uma euforia, vontade doida de sair do carro e correr pra dentro do mangue, me sujar na lama, me perder, pirar. Sentia como se o que estava lá fora me convidasse, um convite a viver, a me perder, a me deixar de mim. E no meu rosto um sorriso, os olhos abertos, um brilho.
A Serra é o lugar mais lindo do mundo. Eu não vi o mundo todo, não vi nada, mas a Serra é mais linda que o resto do mundo. Lá tem pegada de bandeirante, tem resto de indio, tem sombra de bicho que não mais existe. Mortes e cantos de vida, insetos e humidade, aranhas e macacos. Ela me apequena, me espanta sempre, me canta. E anuncia o mar.
O mundo dos homens jamais vai conseguir canalizar o mar. Não construirão uma estrada sobre ele lhe domando e matando. O mar é o mesmo. Quando César andou na Europa, era o mar como o vejo hoje. E era a Serra essa Serra. Aquele pássaro que voa agora era o mesmo que voou enquanto na Grécia Hesíodo cantava. Esse pássaro voava do mesmo modo e emitia o mesmo grito. E a curva daquela encosta era como a vejo hoje. A Serra esteve aqui ao mesmo tempo que Buda e Jesus estiveram aqui.
Eu passo pela Serra e sempre me sinto feliz. Ela me espera, ela me abençoa e ela é do mar.
Quando subimos a Serra, dez dias depois, e agora pela Anchieta ( não existia a Imigrantes ), pude então ver, assistir o que a viagem me mostrava. Descobri aquele lugar. As nascentes que pude ver da estrada, água correndo branca, o cheiro das árvores que se abraçam umas nas outras, os abismos perdidos e de onde eu via pássaros que levantavam vôo. Aquele caminho era cansativo, longo e muito perigoso, mas passávamos dentro da Serra, costurando as encostas, sentindo o lugar. Próximos da mata e dentro da vertigem da sua vida.
Depois as viagens foram pela Anchieta, até que em 75 veio a Imigrantes. Agora eu corria longe das árvores, e me acostumei a admirar a Serra de longe. Não havia mais como sentir seu cheiro e nem se percebiam suas corredeiras. Mas eu me hipnotizava com o verde dos montes imensos e com a luz do sol banhando as encostas que iam mudando de cor a todo momento. Eu olhava a cidade lá embaixo, o mar visível no entardecer e pensava: "Sou feliz!" Por pior que minha vida pudesse estar, lá, na Serra, eu sempre fui muito feliz. Eu deixo de ser eu, perco minha certeza, me torno parte de outra coisa.
E ao terminar a descida havia o mangue. A longa e plana região dos caranguejos, da lama negra, do cheiro de barro e de água parada, dos pássaros de pernas compridas. Árvores baixas e o calor na pele aumentando. Uma euforia, vontade doida de sair do carro e correr pra dentro do mangue, me sujar na lama, me perder, pirar. Sentia como se o que estava lá fora me convidasse, um convite a viver, a me perder, a me deixar de mim. E no meu rosto um sorriso, os olhos abertos, um brilho.
A Serra é o lugar mais lindo do mundo. Eu não vi o mundo todo, não vi nada, mas a Serra é mais linda que o resto do mundo. Lá tem pegada de bandeirante, tem resto de indio, tem sombra de bicho que não mais existe. Mortes e cantos de vida, insetos e humidade, aranhas e macacos. Ela me apequena, me espanta sempre, me canta. E anuncia o mar.
O mundo dos homens jamais vai conseguir canalizar o mar. Não construirão uma estrada sobre ele lhe domando e matando. O mar é o mesmo. Quando César andou na Europa, era o mar como o vejo hoje. E era a Serra essa Serra. Aquele pássaro que voa agora era o mesmo que voou enquanto na Grécia Hesíodo cantava. Esse pássaro voava do mesmo modo e emitia o mesmo grito. E a curva daquela encosta era como a vejo hoje. A Serra esteve aqui ao mesmo tempo que Buda e Jesus estiveram aqui.
Eu passo pela Serra e sempre me sinto feliz. Ela me espera, ela me abençoa e ela é do mar.
DIÁRIO DE UMA VIAGEM DA BAÍA DE BOTAFOGO À CIDADE DE SÃO PAULO ( 1810 )- WILLIAM HENRY MAY
José Mindlin na introdução a este pequeno livrinho, fala da sua dificuldade em obter a única cópia ( estava em Londres ), deste relato. Não existem narrativas sobre São Paulo até então. Tudo o que há, relatos franceses e espanhóis, são descrições de "ouvir dizer", nada escrito por quem lá esteve. Portugal, até 1808 não permitia a entrada de estrangeiros no Brasil, se pego, um francês ou um espanhol seria morto.
Mas o que se falava de São Paulo até 1808? Que era a cidade "da República". Uma cidade que pagava seus tributos à coroa em dia, mas que tinha leis próprias, costumes seus, que não admitia ser governada. Diziam que seu povo era composto por bandidos. Lenda....
W. Henry May não era um aventureiro. Era um burocrata da coroa inglesa. Saindo do Rio, ele, em navio inglês, vai até a Ilha Grande, de lá à Santos, então São Paulo e na volta São Sebastião. É um relato simples, didático e muito verdadeiro. O que esse inglês, vivendo no apogeu do poderio real britânico, diz sobre nossa terra?
Nada sobre o Rio, de onde ele vem. Mas dá pra perceber que ele não gostou do Rio. A Ilha Grande tem elogios por sua beleza, as montanhas, a luz sobre o mar. Ele elogia o governador da Ilha, um português afetuoso, aberto, generoso. Um comentário: " Portugueses não sabem arrumar suas casas ", ele repara nas ruas limpas, mas fala das casas bagunçadas, mal decoradas.
Surgem dificuldades para entrar em Santos. O estreito de Bertioga os assusta. A cidade é vista como pantanosa, confusa, suja. Vão para São Paulo. Navegam por rio até Cubatão, cidade cheia de cana de açúcar, de lavoura. Se impressionam com a beleza da Serra do Mar, suas imensas montanhas, seu verde. Sobem pela estrada pavimentada em zigue e zague. Lombo de burros. Admiram e elogiam os tropeiros que descem levando café. Gente limpa, educada, forte.
No alto da Serra. Se impressionam. Campos de capim, caça, clima ameno. Diz que às vezes a paisagem lhe recorda a Inglaterra, montes e rios, sol e árvores grandes. Chegam a São Paulo.
Na primeira visão da cidade se lembram da Itália. Para onde se olha se vêem belas montanhas e riachos claros e frescos. O clima é saudável e as ruas são asseadas. Estranham o povo. Nas igrejas os paulistas se comportam como se estivessem em peça de teatro francês. Fazem gestos amplos, conversam, se penitenciam. Para os inlgeses, os paulistas não levam a religião a sério. Dizem que o povo dorme toda a manhã e no resto do dia só pensam em namoros, flertes, traições. As mulheres lhes parecem pouco sérias.
Mas adoram a paisagem, a luz do sol, caçam pássaros, caçam veados, topam com cobras. E voltam.
Descem a Serra e em Santos tomam o navio rumo ao Rio. Mas antes páram na Ilha de São Sebastião ( Ilha Bela ). Se apaixonam pelo lugar. É um povo que trabalha muito, as mulheres não páram de fazer renda, os homens cuidam da lavoura. As casas são pobres, humildes, mas o entorno tem ares de paraíso. A Ilha lhes deixa uma imagem de sonho.
O relato, curto demais, se lê em uma hora. Mas quanta coisa pra pensar.
Mudamos tanto assim? Cadê a paisagem italiana? Que tipo de cidades construímos? Me parece que jogamos no lixo a tal paisagem toscana e no lugar nada fizemos digno de louvor.
PS: Perguntei a minha mãe se era real ou fantasiosa uma lembrança que tenho de minha infância. Nasci no Morumbi, perto de onde é agora a Tv Bandeirantes. Da porta da cozinha de casa eu podia ver, com nitidez, como se fosse logo na esquina, o pico do Jaguaré. Esse pico, pra quem não sabe, fica a cerca de 15 quilômetros em linha reta, de onde eu o via. Toda manhã eu admirava o sol sobre o verde de suas encostas e no inverno o admirava cercado pela neblina fria. Isso era mesmo assim ou foi fantasia minha? Pergunto e minha mãe o confirma. Da cozinha se avistava o pico do Jaguaré e da rua, à esquerda, se olhava o alto da avendia Paulista. Não sei se a Itália é assim. Mas era uma visão sem preço.
Mas o que se falava de São Paulo até 1808? Que era a cidade "da República". Uma cidade que pagava seus tributos à coroa em dia, mas que tinha leis próprias, costumes seus, que não admitia ser governada. Diziam que seu povo era composto por bandidos. Lenda....
W. Henry May não era um aventureiro. Era um burocrata da coroa inglesa. Saindo do Rio, ele, em navio inglês, vai até a Ilha Grande, de lá à Santos, então São Paulo e na volta São Sebastião. É um relato simples, didático e muito verdadeiro. O que esse inglês, vivendo no apogeu do poderio real britânico, diz sobre nossa terra?
Nada sobre o Rio, de onde ele vem. Mas dá pra perceber que ele não gostou do Rio. A Ilha Grande tem elogios por sua beleza, as montanhas, a luz sobre o mar. Ele elogia o governador da Ilha, um português afetuoso, aberto, generoso. Um comentário: " Portugueses não sabem arrumar suas casas ", ele repara nas ruas limpas, mas fala das casas bagunçadas, mal decoradas.
Surgem dificuldades para entrar em Santos. O estreito de Bertioga os assusta. A cidade é vista como pantanosa, confusa, suja. Vão para São Paulo. Navegam por rio até Cubatão, cidade cheia de cana de açúcar, de lavoura. Se impressionam com a beleza da Serra do Mar, suas imensas montanhas, seu verde. Sobem pela estrada pavimentada em zigue e zague. Lombo de burros. Admiram e elogiam os tropeiros que descem levando café. Gente limpa, educada, forte.
No alto da Serra. Se impressionam. Campos de capim, caça, clima ameno. Diz que às vezes a paisagem lhe recorda a Inglaterra, montes e rios, sol e árvores grandes. Chegam a São Paulo.
Na primeira visão da cidade se lembram da Itália. Para onde se olha se vêem belas montanhas e riachos claros e frescos. O clima é saudável e as ruas são asseadas. Estranham o povo. Nas igrejas os paulistas se comportam como se estivessem em peça de teatro francês. Fazem gestos amplos, conversam, se penitenciam. Para os inlgeses, os paulistas não levam a religião a sério. Dizem que o povo dorme toda a manhã e no resto do dia só pensam em namoros, flertes, traições. As mulheres lhes parecem pouco sérias.
Mas adoram a paisagem, a luz do sol, caçam pássaros, caçam veados, topam com cobras. E voltam.
Descem a Serra e em Santos tomam o navio rumo ao Rio. Mas antes páram na Ilha de São Sebastião ( Ilha Bela ). Se apaixonam pelo lugar. É um povo que trabalha muito, as mulheres não páram de fazer renda, os homens cuidam da lavoura. As casas são pobres, humildes, mas o entorno tem ares de paraíso. A Ilha lhes deixa uma imagem de sonho.
O relato, curto demais, se lê em uma hora. Mas quanta coisa pra pensar.
Mudamos tanto assim? Cadê a paisagem italiana? Que tipo de cidades construímos? Me parece que jogamos no lixo a tal paisagem toscana e no lugar nada fizemos digno de louvor.
PS: Perguntei a minha mãe se era real ou fantasiosa uma lembrança que tenho de minha infância. Nasci no Morumbi, perto de onde é agora a Tv Bandeirantes. Da porta da cozinha de casa eu podia ver, com nitidez, como se fosse logo na esquina, o pico do Jaguaré. Esse pico, pra quem não sabe, fica a cerca de 15 quilômetros em linha reta, de onde eu o via. Toda manhã eu admirava o sol sobre o verde de suas encostas e no inverno o admirava cercado pela neblina fria. Isso era mesmo assim ou foi fantasia minha? Pergunto e minha mãe o confirma. Da cozinha se avistava o pico do Jaguaré e da rua, à esquerda, se olhava o alto da avendia Paulista. Não sei se a Itália é assim. Mas era uma visão sem preço.
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