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DOM GIOVANNI NA SICÍLIA - VITALIANO BRANCATI
Vejo uma lista dos países mais importantes para a história do planeta. A Itália venceu Índia, Egito e Grécia, países que vêm a seguir. Ao contrário deles, a Itália teve dois apogeus, como Roma e depois por mais de duzentos anos, na Renascença. Não vou falar do porque dessa preponderância, vou focar em apenas um aspecto que todos repetem mas que poucos param para refletir sobre: o humanismo italiano. A arte e a filosofia do país, o povo na rua, a música, tudo é voltado para o homem, a mulher, o povo. O italiano gosta de gente e por isso se desnuda. Não há cinema que mostre mais despudoradamente o que é uma pessoa, seus medos, desejos, seu ridículo, sua força, seu drama e sua graça. Na literatura se sucede o mesmo. ------------------ Veja este livro de 1941. Sicília. Giovanni é um quarentão que vive com três irmãs. Ele dorme e fora isso, passa o tempo todo pensando em mulheres. Mas entenda, ele pensa tanto que foge delas. Duro, distante, frio, ele não consegue falar com as mulheres que sente amor. Transa com prostitutas e seus amigos, todos eles, sentem o mesmo que ele. ---------------- Até que um dia isso muda e casado com uma mulher bela e rica, ele se muda para Milano. Emagrece, se torna ativo, apressado, um novo homem. Mas continua sendo um siciliano: fechado, desconfiado, inseguro. O enredo é esse, e lendo o livro pensamos em filmes de Monicelli, Germi, Zurlini, Lattuada, Comencini. O Brasil onde cresci era território de filmes italianos e quem gostava de cinema via toneladas de filmes feitos na Itália. O romance faz algo que é muito made in Italy: os personagens são vivos, muito vivos e completamente banais. Russos quando desnudam uma personalidade nos fazem sentir que aquela alma é excepcional, ingleses nunca desnudam, sugerem, e franceses logo começam a divagar e esquecem do personagem. Italianos não! Todos aqui são comuns, vulgares, simples, nada de especial e por isso mesmo são INTERESSANTES, RESPIRAM, SÃO PROFUNDAMENTE CONVINCENTES. Giovanni é real como eu e como voce e ao mesmo tempo é único, como eu e voce. Ele nada tem de "cósmico", "dramático", "filosófico", ele é apenas ridículo, como todos nós o somos. ------------------- Voce lê com prazer sincero e se interessa pelo destino de todos aqueles seres tão familiares. Que delícia de leitura!!!!!
TALVEZ SEJA MEU MELHOR TEXTO. SOBRE O MUNDO DE AGORA.
Voce se apresenta ao mundo quando nasce: Olá. Meu nome é Paulo. E hoje lhe gritam no ouvido: NÃO! SEU NOME NÃO É PAULO.
Eu sou um menino. NÃO! VOCE É UM SER HUMANE QUE IRÁ TER TODOS AS VARIANTES SEXUAIS EM SI.
Eu sou filho do meu pai e da minha mãe. NÃO! A FAMÍLIA É UM ANTRO DE NEUROSES. A PRIMEIRA REPRESSÃO, O MAL DA SOCIEDADE.
Eu sou cristão. NÃO! CRISTIANISMO É UMA FICÇÃO. VOCE NÃO É CRISTÃO NÃO!
Eu sou brasileiro. NÃO! NÃO SEJA FASCISTA! SER DE UM PAÍS É UM CRIME.
Eu sou branco. NÃO! VOCE É UM BRANQUELO RACISTA.
Eu sou o resultado da história de meus antepassados. NÃO! A HISTÓRIA É UMA SUCESSÃO DE CRIMES HEDIONDOS. DEVE SER APAGADA.
Eu sou um ser-humano, o mais nobre dos seres. NÃO! UM FILHOTE DE RATO VALE MAIS QUE VOCE.
Eu sou um habitante do mais belo dos planetas. NÃO! VISTA DE LONGE A TERRA É UM NADA, VOCE É UM NADA.
----------------------------------------------- ..... mas então o que eu sou? ------------- VOCE É UM MUTANTE, UMA COISA EM CONSTRUÇÃO E NÓS, NÓS VAMOS TE AJUDAR A SER CONSTRUÍDO!!!!!!!!! PORQUE SOMOS BONS. ESTAMOS COM VOCE. ------------------- Gostaram do diálogo? Terrível não é? Mas vivemos todos, no Ocidente, dentro dessa loucura absoluta. Eu sempre, aqui e na vida lá fora, me posicionei contra tudo isso, mas sempre tive uma ideia vaga dos motivos por trás desse DISCURSO DO NÃO!. Imaginei que pudesse ser um misto de ressentimento, vingança, drogas, má ideologia. Então escutei a fala de posse da Melloni, nova Ministra da Itália e me deu uma outra visão. Sim, os motivos são todos esses, mas eles são sintomas usados por quem tem um objetivo. Basta pensar em duas coisas: PRIMEIRO: Uma pessoa que é obrigada, por pressão, a ter vergonha do que é e a procurar se reinventar é uma pessoa DESAMPARADA, ela precisa de ajuda. Ela será sempre VULNERÁVEL. Pois eram todas essas certezas que foram aniquiladas que lhe davam caráter, um prumo, força moral. SEGUNDO. O desamparado procura força fora de si, e o mais PERVERSO é que quem lhe ajuda é o mesmo que o destroi. O discurso de quem lhe finge ajudar é mais ou menos este: FAÇA PARTE DE NOSSA TURMA. NÃO SEJA UM NADA! SEJA COMO NÓS! E o que seria ser como esse nós? Um CONSUMIDOR VORAZ, MUTÁVEL, INSATISFEITO. UM DESTINATÁRIO DE PROPAGANDA, UM ALVO, UM OBEDIENTE ENGULIDOR DE MODISMOS. Ninguém é mais obediente que alguém sem certeza nenhuma. ------------------- Nem falarei aqui da criação de bilhões de deprimidos. De suicidas, De assassinos sem motivo. Falo do que a ministra disse. Esses desamparados tentam ser felizes viajando sem parar para lugares que nem queriam conhecer. Comprando o novo estilo visual que será largado em seis meses. Assinando um milhão de canais. Bebendo tudo que pode ser bebido e comendo tudo que pode ser comido. Fazendo todo tipo de terapia maluca, indo a palestras idiotas, lendo livros que nada dizem. Tendo um apartamento de 50 metros quadrados mas com toda maquininha fashion. Correndo, dando socos na academia, suando, se drogando, fazendo sexo, consumindo coisinhas que dão mais prazer na cama, remédios para a libido. Restaurantes, drogas, mais drogas, novas drogas, velhas drogas. Consumindo, consumindo, consumindo, e vivendo com um medo mortal de que o dinheiro não dê e que ele tenha de largar seu estilo de vida e então precise parar, sentar e pensar. ------------------ O mundo do CONSUMO odeia Melloni porque ao falar de Deus, Família e Nação ela recorda às pessoas que existem coisas mais importantes que ser um hipster, ver a HBO ou ir às aulas da monja Coen. Melloni é um perigo pois ela tenta quebrar o círculo. Ruir o sistema. Fazer com que as pessoas ao menos desconfiem do erro geral: a criação proposital da FALTA DE SENTIDO DA VIDA. ------- Se ela terá sucesso ou não depende de mil variantes. Mas que seu discurso é muito mais sério que aquele do idiota da Colombia na ONU...ah...isso é.
ESPAÇO DENTRO DE CASA
Henry James escreveu no começo do século XX suas lembranças da Itália. Um dos fatos mais interessantes é quando
ele discorre sobre o espaço interno nas antigas casas de lá.
James, escrevendo bem como sempre, descreve a alegria e a beleza de se andar dentro de casa. Ele não nega a beleza
superlativa da paisagem campestre da Toscana ou da Emília, mas nada supera a emoção espiritual de se andar por
uma longa galeria ou poder tomar posse de uma sala imensa. Não há em todo o mundo nada que se compare remotamente
à imensidão das janelas e sacadas da Itália em seu explendor. Cômodos repletos de armários do tamanho de uma sala.
Afrescos, tapetes, estátuas, vitrais, tudo criando a emoção de uma renovada descoberta.
Estar sentado num sofá e observar a luz do outono cair sobre uma mesa, distante, no portal de outra sala. O eco
dos seus próprios passos. O cheiro de objetos escondidos. A cada passo uma nova luz.
Henry James percebe, claro, a decadência estética da nova Itália. O mal gosto das roupas, as novas casas minúsculas,
o campo sem flores. Ele imagina o quanto as pessoas de 1700, 1750, ficariam espantadas com a feiúrua da Roma de
1905. Mas, ao mesmo tempo, ele não deixa de se encantar com a fartura das cores italianas, as sombras do fim de
tarde...
Para voce que me lê, é claro que não tenho como falar da emoção de andar na minha casa. Ela é pequena. Mas peço
para que voce relembre...como era andar pela sua casa quando voce tinha 4, 5 anos de idade. A sensação de todo dia
estar a explorar um lugar que era sempre o mesmo e sempre outro. A luz na sala que mudava da manhã para a tarde, de
abril para outubro. O canto escuro debaixo da escada, o interior do guarda roupa, o quintal com insetos desconhecidos.
O espaço dentro de casa é o nascedouro do mundo dentro de voce mesmo. Admirar o tamanho de uma sala é dar à sua
alma o espaço que ela precisa. Ecos de quem se explora, sombras de quem se procura conhecer.
LEONARDO DA VINCI - WALTER ISAACSON
Isaacson é autor de uma muito vendida bio de S. Jobs. Ele diz, logo no início, que tudo o que guardamos na net será perdido em no máximo 50 anos, mas que o que Da Vinci escreveu, milhares e milhares de páginas não publicadas, permanecem conosco 500 anos depois de sua morte. Leonardo escrevia muito, cadernos enormes onde vemos desenhos de cadáveres ao lado de fórmulas para evitar enchentes, flores ao lado de esquemas solares, rascunhos de pinturas com modelos de armas. Leonardo amava o mundo e sua curiosidade não tinha um limite. Se ele via o azul do céu, ele queria saber porque ele é azul, se via uma bolha de sabão, queria entender porque ela é redonda. Nesse desejo de saber, ele antecipou muito, publicou nada e deixou algumas pinturas geniais.
Leonardo nunca organizou nada para publicar. O seu prazer era descobrir, saber, entender e planejar. Os cadernos, um deles é hoje de Bill Gates, são uma mistura caótica de tinta e giz. E são lindos de se ver. Canhoto, ele escrevia de trás pra frente, era mais fácil e evitava que a mão sujasse a escrita. Gay, andava pelos palácios com roupas rosa, roxas e escarlate. Não foi um artista sofrido, foi feliz. Respeitado pelos nobres italianos e pelo rei da França, era vegetariano, amigo de Maquiavel, vaidoso e inquieto.
O livro se foca em analisar suas obras. Não só as pinturas, mas a engenharia, a medicina, a arquitetura, a astronomia, a química. Ele não acreditava em magia e nem em astrologia, e o livro derruba mitos populares sobre o gênio. Inclusive sobre a palavra gênio. Da Vinci foi um gênio, e o gênio é alguém que une arte com ciência, matemática com teatro. E que nunca desiste de tentar aprender, saber, descobrir. O gênio cria e imagina e aprende. Faz e no fazer existe todo seu prazer. Leonardo escrevia e criava para si mesmo. Sua vida é a vida de um aluno genial.
O tempo de Leonardo, a Itália de 1450-1519, é tempo de luta, de guerra, de traição, mas é também o tempo de arquitetura, ciência e filosofia. Da Vinci foi o centro-vórtice desse mundo. Mais que Michelangelo, seu rival e oposto em tudo, é ele quem conjuga tudo o que seu tempo teve de melhor. E nada do pior.
Vivia cercado por discípulos, amigos, amantes, odiava a solidão, amava falar, trocar informações, não tinha vergonha de perguntar. A vida é pouco dramática e por isso a opção pela biografia das obras. É um belo livro.
Leonardo nunca organizou nada para publicar. O seu prazer era descobrir, saber, entender e planejar. Os cadernos, um deles é hoje de Bill Gates, são uma mistura caótica de tinta e giz. E são lindos de se ver. Canhoto, ele escrevia de trás pra frente, era mais fácil e evitava que a mão sujasse a escrita. Gay, andava pelos palácios com roupas rosa, roxas e escarlate. Não foi um artista sofrido, foi feliz. Respeitado pelos nobres italianos e pelo rei da França, era vegetariano, amigo de Maquiavel, vaidoso e inquieto.
O livro se foca em analisar suas obras. Não só as pinturas, mas a engenharia, a medicina, a arquitetura, a astronomia, a química. Ele não acreditava em magia e nem em astrologia, e o livro derruba mitos populares sobre o gênio. Inclusive sobre a palavra gênio. Da Vinci foi um gênio, e o gênio é alguém que une arte com ciência, matemática com teatro. E que nunca desiste de tentar aprender, saber, descobrir. O gênio cria e imagina e aprende. Faz e no fazer existe todo seu prazer. Leonardo escrevia e criava para si mesmo. Sua vida é a vida de um aluno genial.
O tempo de Leonardo, a Itália de 1450-1519, é tempo de luta, de guerra, de traição, mas é também o tempo de arquitetura, ciência e filosofia. Da Vinci foi o centro-vórtice desse mundo. Mais que Michelangelo, seu rival e oposto em tudo, é ele quem conjuga tudo o que seu tempo teve de melhor. E nada do pior.
Vivia cercado por discípulos, amigos, amantes, odiava a solidão, amava falar, trocar informações, não tinha vergonha de perguntar. A vida é pouco dramática e por isso a opção pela biografia das obras. É um belo livro.
NUNCA TREZA À MESA - ORIETTA DEL SOLE
Adultos ainda pegam um livro para ter prazer...Pergunto: Você lê um livro sem nenhum outro interesse a não ser sentir satisfação no ato da leitura...
Vejo gente lendo livros "leves" que na verdade são livros "de aprender". Aprender a ser feliz, a ser otimista, a encontrar o amor, a ganhar dinheiro. Os best-sellers atuais trazem quase sempre algo de " útil " encartado. É como se um livro fosse obrigado a ensinar ou a provar algo.
A literatura policial era a última a ser entretenimento sem culpa, mas agora até eles trazem na rabeira o dever de "denunciar" ou de "esclarecer". E a literatura infantil, que já foi terra da repressão educativa, e que depois, graças a gente como Lewis Carroll e James Barrie, se tornou o mundo do prazer sem razão; volta a ser lugar de educar e de ensinar. Um livro para crianças tem de ser um livro que agregue valor a vida da tal criança.
Então eu digo vivas à Harry e à Frodo!
Este livro, de Orietta, é apenas um belo livro de uma italiana rica que morou no Uruguai, na Argentina e em SP. Ela fazia arte e recebia gente para comer. Era fútil portanto. E o livro é fútil. E por isso eu gosto. Ele é bonito.
Cairei em contradição ao dizer que ela nos dá dezenas de receitas de massa. Mas há um adendo: são receitas caseiras, chiques, mas démodé. O foco não é ensinar a cozinhar. É agradar o leitor.
Livros são caros. Eu exijo que me tragam prazer. O prazer pode ser filosófico, o prazer de saber, de entender e de descobrir. Mas há também o mais nobre prazer " prazeroso", o gosto em ser agradado.
Que mais livros bobos sejam editados então.
Vejo gente lendo livros "leves" que na verdade são livros "de aprender". Aprender a ser feliz, a ser otimista, a encontrar o amor, a ganhar dinheiro. Os best-sellers atuais trazem quase sempre algo de " útil " encartado. É como se um livro fosse obrigado a ensinar ou a provar algo.
A literatura policial era a última a ser entretenimento sem culpa, mas agora até eles trazem na rabeira o dever de "denunciar" ou de "esclarecer". E a literatura infantil, que já foi terra da repressão educativa, e que depois, graças a gente como Lewis Carroll e James Barrie, se tornou o mundo do prazer sem razão; volta a ser lugar de educar e de ensinar. Um livro para crianças tem de ser um livro que agregue valor a vida da tal criança.
Então eu digo vivas à Harry e à Frodo!
Este livro, de Orietta, é apenas um belo livro de uma italiana rica que morou no Uruguai, na Argentina e em SP. Ela fazia arte e recebia gente para comer. Era fútil portanto. E o livro é fútil. E por isso eu gosto. Ele é bonito.
Cairei em contradição ao dizer que ela nos dá dezenas de receitas de massa. Mas há um adendo: são receitas caseiras, chiques, mas démodé. O foco não é ensinar a cozinhar. É agradar o leitor.
Livros são caros. Eu exijo que me tragam prazer. O prazer pode ser filosófico, o prazer de saber, de entender e de descobrir. Mas há também o mais nobre prazer " prazeroso", o gosto em ser agradado.
Que mais livros bobos sejam editados então.
O FIM DAS NAÇÕES ( E PORQUE CÉLULAS DE TERROR SÃO SEDUTORAS )
Vejo um filme italiano, com o grande ator Totó, e um filme francês, com o mítico Raimu. E percebo, daqui do século XXI, que a França e a Itália não têm mais razão de ser. Usamos esses nomes como uma saudade, ou pior, como marca de produto. Existe hoje a comida italiana, assim como o vinho francês. Se vende para um turista a fantasia do romance na Itália ou de uma semana na Provence...Mas é tudo uma ficção. Porque assim como a Inglaterra é hoje apenas uma rainha e um sotaque, os dois países europeus são apenas uma memória na mente de pessoas razoavelmente cultas.
Totó é todo um modo de falar e de gesticular que não mais existe. Seus valores, que são a amizade, a vagabundagem, a malandragem e o coração de manteiga não mais existem. Como se foi aquela nação de gritadores, de casas atulhadas, de montes de crianças e de tempo livre. O mesmo na França. Parecida com a Itália e ao mesmo tempo seu oposto, a França das longas conversas, das discussões, do jogo de bocha e das mentiras sem fim se foi. Hoje os dois são países higienizados, de arte sem sabor, sem sal e pimenta, e onde tudo parece uma Miami de coisas antigas recém pintadas. As originalidades de cada canto se foram. Viúvas de véu preto faleceram. Como faleceram os moleques de lábia afiada e os poetas de paletós imundos. Isso se vê em tudo. Cada vez é mais dificil ver um filme tipicamente italiano, ouvir uma canção bem francesa ou até mesmo perceber o caráter que fazia do calccio uma coisa diferente do futebol arte da França. É tudo o mesmo. ( E imigrantes logo absorviam o forte sabor do país. Não esqueçamos que o time francês de 82 tinha mais da metade composta de imigrantes ).
O mesmo se dá aqui e em todo o mundo. Dificil achar um brasileiro. Não que eu saiba o que isso seja, mas eu sei que ele, o brasileiro, não é como um peruano ou um chicano de L.A. Mas fica tudo cada vez mais parecido. Isso é bom ou ruim?
Diziam, com suprema ingenuidade, que a globalização traria paz ao mundo. Que quando as diferenças específicas de cada país fossem esquecidas, todos se veriam como humanos, apenas humanos. Não é isso que vejo. O fim das especificidades trouxe o crescimento da individualidade. Se não existe mais o caráter original e único que me unia a meu concidadão, o sentimento de solidão aumenta e com ele o ""cada um por si"". O país de cada um passa a ser seu eu, somente o eu, e esse eu guerreia o tempo todo contra os estrangeiros, todos os outros.
Sem as festas populares folclóricas, sem os mitos da comunidade, sem o gestual e a história particular de um lugar, tudo o que resta é eu e minha história pessoal. ---Que horror!!!!!
Não é por acaso que jovens desiludidos se unam a células terroristas. Elas prometem aquilo que as nações não mais oferecem: uma identidade, uma fé e irmãos com corações em comum. O homem precisa ter uma raiz. Itália sem alho e sem Totó, França sem creme de leite e sem Raimu não são um país. São apenas um lugar.
Totó é todo um modo de falar e de gesticular que não mais existe. Seus valores, que são a amizade, a vagabundagem, a malandragem e o coração de manteiga não mais existem. Como se foi aquela nação de gritadores, de casas atulhadas, de montes de crianças e de tempo livre. O mesmo na França. Parecida com a Itália e ao mesmo tempo seu oposto, a França das longas conversas, das discussões, do jogo de bocha e das mentiras sem fim se foi. Hoje os dois são países higienizados, de arte sem sabor, sem sal e pimenta, e onde tudo parece uma Miami de coisas antigas recém pintadas. As originalidades de cada canto se foram. Viúvas de véu preto faleceram. Como faleceram os moleques de lábia afiada e os poetas de paletós imundos. Isso se vê em tudo. Cada vez é mais dificil ver um filme tipicamente italiano, ouvir uma canção bem francesa ou até mesmo perceber o caráter que fazia do calccio uma coisa diferente do futebol arte da França. É tudo o mesmo. ( E imigrantes logo absorviam o forte sabor do país. Não esqueçamos que o time francês de 82 tinha mais da metade composta de imigrantes ).
O mesmo se dá aqui e em todo o mundo. Dificil achar um brasileiro. Não que eu saiba o que isso seja, mas eu sei que ele, o brasileiro, não é como um peruano ou um chicano de L.A. Mas fica tudo cada vez mais parecido. Isso é bom ou ruim?
Diziam, com suprema ingenuidade, que a globalização traria paz ao mundo. Que quando as diferenças específicas de cada país fossem esquecidas, todos se veriam como humanos, apenas humanos. Não é isso que vejo. O fim das especificidades trouxe o crescimento da individualidade. Se não existe mais o caráter original e único que me unia a meu concidadão, o sentimento de solidão aumenta e com ele o ""cada um por si"". O país de cada um passa a ser seu eu, somente o eu, e esse eu guerreia o tempo todo contra os estrangeiros, todos os outros.
Sem as festas populares folclóricas, sem os mitos da comunidade, sem o gestual e a história particular de um lugar, tudo o que resta é eu e minha história pessoal. ---Que horror!!!!!
Não é por acaso que jovens desiludidos se unam a células terroristas. Elas prometem aquilo que as nações não mais oferecem: uma identidade, uma fé e irmãos com corações em comum. O homem precisa ter uma raiz. Itália sem alho e sem Totó, França sem creme de leite e sem Raimu não são um país. São apenas um lugar.
HORAS ITALIANAS- HENRY JAMES, UM TURISTA ESPECIAL
Impossível ler esse livro, coletânea de textos sobre viagens a Itália escritos por James entre 1877 e 1890, sem pensar no quanto mudou nossa noção do que seja um turista. James reclama muito das invasões que alemães e belgas promovem em Veneza e Firenze, mas o que esses homens de 1880 procuravam? Quem esteve na Europa neste século sabe que lá existem coisas chamadas Estações de Águas. Pois era isso o que o turista mais banal queria naqueles velhos tempos, um clima melhor para passar o inverno, águas medicinais e também poder conhecer gente diferente, exótica. Os italianos eram, com os espanhóis, os grandes exóticos europeus. As pessoas iam a Roma para usufruir do calor, conhecer esse povo tão romântico e claro, ver o Papa.
Henry James é um turista culto. Ele se encanta com a elegância dos venezianos, se empolga com a decadência glamurosa do país e comenta a pobreza da Itália. Mas o que ele quer é a arte, e em arte a Itália é berço e mãe. Giotto, Ticiano, Bellini, Tintoretto, Henry James escreve belas páginas sobre a arte nobre, etérea, incomparável dos mestres latinos. Nisso somos hoje como ele foi. Pessoas mais cultas ainda vão a Itália para ver Giotto ou Rafael, pessoas comuns vão para fazer compras e comer.
Não há em 1880 essa moda de comprar aquilo que só o país tem. Vinhos ou massas da Itália são apreciados, mas ninguém viaja por isso. E o hábito do restaurante ainda era só para gourmets. Se comia fora, mas não era algo de muita importância. Flanar a pé, vendo as casas e as pessoas, sendo visto e cumprimentado, essa era a experiência central. Isso se perdeu, poucos se dão a chance de andar a esmo por Roma ou Milão, cidades que existem para serem andadas. Mas as obras, as mesmas que James viu e amou ainda estão lá, e alguns ainda percorrem milhas e milhas para as ver.
Apaixonado por Veneza, a lúgubre e decaída cidade, James escreve, em seu estilo de longos parágrafos elípticos e musicais, três capítulos sobre Veneza, centro e sabor do livro. Eles nos levam para dentro da mente do autor, a seus sentidos e gostos.
Mestre central das letras, é um prazer raro poder ler um gigante escrevendo sobre assunto inesgotável. A Itália é para sempre, Henry James a acompanha.
Henry James é um turista culto. Ele se encanta com a elegância dos venezianos, se empolga com a decadência glamurosa do país e comenta a pobreza da Itália. Mas o que ele quer é a arte, e em arte a Itália é berço e mãe. Giotto, Ticiano, Bellini, Tintoretto, Henry James escreve belas páginas sobre a arte nobre, etérea, incomparável dos mestres latinos. Nisso somos hoje como ele foi. Pessoas mais cultas ainda vão a Itália para ver Giotto ou Rafael, pessoas comuns vão para fazer compras e comer.
Não há em 1880 essa moda de comprar aquilo que só o país tem. Vinhos ou massas da Itália são apreciados, mas ninguém viaja por isso. E o hábito do restaurante ainda era só para gourmets. Se comia fora, mas não era algo de muita importância. Flanar a pé, vendo as casas e as pessoas, sendo visto e cumprimentado, essa era a experiência central. Isso se perdeu, poucos se dão a chance de andar a esmo por Roma ou Milão, cidades que existem para serem andadas. Mas as obras, as mesmas que James viu e amou ainda estão lá, e alguns ainda percorrem milhas e milhas para as ver.
Apaixonado por Veneza, a lúgubre e decaída cidade, James escreve, em seu estilo de longos parágrafos elípticos e musicais, três capítulos sobre Veneza, centro e sabor do livro. Eles nos levam para dentro da mente do autor, a seus sentidos e gostos.
Mestre central das letras, é um prazer raro poder ler um gigante escrevendo sobre assunto inesgotável. A Itália é para sempre, Henry James a acompanha.
LER É PRAZER, SEMPRE
Tem muita gente que se esquece que ler é um prazer. Claro que existe a leitura de estudo, de trabalho, essas muitas vezes não são um prazer, mas ler tem de ser um prazer, sempre. Não pense que amo um autor dito dificil como Proust por esnobismo. Nunca li Proust ou Henry James por dever de currículo. É puro prazer. Lê-los é ouvir música. Tem ritmo, harmonia, dom de fazer sonhar e muito prazer. São belos. Uma beleza que não exclui a dor, a melancolia, mas é arte que dá sentido e beleza à dor e a melancolia. É por isso que não consigo ler autores que sei serem grandes, como Dostoievski ou Kafka, eles não me dão prazer. Os admiro, muito, reconheço sua genialidade, mas me guio pelo prazer. O meu prazer. E se Stendhal e Tolstoi me dão prazer, porque não preferir ler seus livros que ainda não li?
No cinema me guio pelo prazer a anos. Se um filme, mesmo dito "bom", não me der algum tipo de prazer adeus! Não tenho tempo a perder com "obrigações morais". Foi-se o tempo em que via Resnais ou Rosselini por dever erudito. Blá! Não troco todo o Rivette por um Hawks. E creia, se elogio Bergman ou Ozu é porque sinto muito prazer em ver quase tudo o que eles fizeram ( mas não tudo ). Prazer não forçado, prazer sensorial, poético, prazer estético.
Escrevo tudo isso para dizer que o verão voltou, e que no calor e nesse sol lindo, essa minha tendência se reafirma ainda mais. Livros e filmes que são festa, luz, alegria, calor. Prazer em ver, ouvir, ler e falar. Dolce far niente, joie de vivre. Nestes meses voces lerão sobre livros prazerosos, filmes que dão vontade de amar, cores, brilhos que nunca excluem a vida real, antes a amplificam.
Porque o prazer aumenta a vida, a exagera, torna tudo extravagante. E o anti-prazer encolhe, diminui, apequena, deixa tudo mesquinho. A luta entre a força e o fraco.
"Um Amigo Romano", escrito por um cara chamado Luca Spaguetti é o antipasti deste verão. O livro não é grande coisa. Mas tenho um fraco por tudo que fala de Itália. Ler esse livro é como conhecer um romano meio bobo. Fã da Lazio, de James Taylor e dos EUA. E de comida, claro. O cara tem prazer em quase tudo! Ah sim, ele é personagem de Comer,Rezar e Amar, aquele livro que virou filme. Como ninguém acreditava que ele fosse real, escreveu seu próprio livro. Romano até a medula, é legal saber que moleques romanos jogam peladas em São Pedro ou junto a Michelangelo. E o amor abismal que eles têm, ainda, pela América.
Livrinho pra abrir o verão, lido entre malas, mudanças e correria. Vale.
SOBRE O INFINITO, O UNIVERSO E OS MUNDOS- GIORDANO BRUNO, A PAIXÃO PELO ILIMITADO
Bruno foi queimado em Roma, 1600. Sem abrir mão de sua crença, Bruno olhou para os céus, tendo a plena certeza de que tudo é infinito. Porque o Papa tanto o detestava? O que havia de tão terrível em sua filosofia? Ele jamais deixa de crer em Deus, jamais abraça a fé protestante. Qual seu pecado?
Ele foi monge e abandonou a igreja quando desenvolveu sua filosofia ( da qual já falo ). Sua vida passa a ser uma viagem constante: Suiça, Alemanha e Inglaterra. É na ilha que ele escreve sua maior obra, "Sobre o Infinito". Pensando que a Itália já fosse segura, ele vai à Veneza, dar aulas para um nobre. Traído, é entregue a Roma, condenado e queimado vivo.
Giordano Bruno foi um homem típico da renascença. Ele unia ciência a arte, magia a religião, filosofia e poesia, bem-viver e bem-pensar. Em si havia a sede de saber e de fazer. O homem renascentista é sempre um homem de ação, um insatisfeito que faz coisas. Um pensador que mede a vida pelo tamanho do homem. E para Bruno, tudo era infinito. Espaço, criatividade, Deus, a memória, tudo infinitamente sem forma, sem tamanho e sem volume.
Em seu livro, escrito em forma de diálogo, Aristóteles é atacado. E com ele, toda a filosofia da idade média cai por terra. Bruno afirma que se Deus é onipotente, então seu poder é ilimitado. Se seu poder não tem limites, então ele só deseja e só pode criar o que não tem limites. Não haveria sentido em que um Ser ilimitado criasse algo limitado. Portanto o universo é infinito. Mais que isso, existem infinitos sóis e infinitas Terras. Gente em outros mundos. O universo é infinito e dentro dele existem mundos finitos. Todo esse pensamento é radicalmente contrário ao que se difundia na era medieval. Bruno afirma ainda que nada termina, as coisas se transformam. O que é será sempre sob outra forma. Não existe alto e baixo, todo lado que se olhe é infinito. A Terra não é o centro privilegiado do universo, ela é apenas um dos mundos possíveis. Mundos vários, vida que muda, universo sem fim e sempre vivo.
Mas Bruno não desvaloriza o homem. Para ele, a mente humana é tão infinita quanto a mente divina. Na imaginação, na sensibilidade, o homem atinge o infinito. Deus está em todas as coisas, inclusive na mente do homem, mente que é sem forma e sem fixidez como é o universo. O homem tem a obrigação moral de usar essa capacidade divina de sua mente. Em seu espírito vive o infinito e a infinita capacidade de criar e de entender.
Vale dizer que o volume começa com uma carta que Bruno envia ao ilustríssimo senhor de Castelnau. Poucas vezes em minha vida li algo de tão belo, de tão nobre e de tão alto grau de sabedoria. E é isso que mais se sente ao ler Bruno: Quando Roma fez arder a carne daquele homem, se queimava um nobre, um justo, um ser privilegiado.
" Daí sucede que não arredo pé do árduo caminho...."
Giordano Bruno é infinito.
Ele foi monge e abandonou a igreja quando desenvolveu sua filosofia ( da qual já falo ). Sua vida passa a ser uma viagem constante: Suiça, Alemanha e Inglaterra. É na ilha que ele escreve sua maior obra, "Sobre o Infinito". Pensando que a Itália já fosse segura, ele vai à Veneza, dar aulas para um nobre. Traído, é entregue a Roma, condenado e queimado vivo.
Giordano Bruno foi um homem típico da renascença. Ele unia ciência a arte, magia a religião, filosofia e poesia, bem-viver e bem-pensar. Em si havia a sede de saber e de fazer. O homem renascentista é sempre um homem de ação, um insatisfeito que faz coisas. Um pensador que mede a vida pelo tamanho do homem. E para Bruno, tudo era infinito. Espaço, criatividade, Deus, a memória, tudo infinitamente sem forma, sem tamanho e sem volume.
Em seu livro, escrito em forma de diálogo, Aristóteles é atacado. E com ele, toda a filosofia da idade média cai por terra. Bruno afirma que se Deus é onipotente, então seu poder é ilimitado. Se seu poder não tem limites, então ele só deseja e só pode criar o que não tem limites. Não haveria sentido em que um Ser ilimitado criasse algo limitado. Portanto o universo é infinito. Mais que isso, existem infinitos sóis e infinitas Terras. Gente em outros mundos. O universo é infinito e dentro dele existem mundos finitos. Todo esse pensamento é radicalmente contrário ao que se difundia na era medieval. Bruno afirma ainda que nada termina, as coisas se transformam. O que é será sempre sob outra forma. Não existe alto e baixo, todo lado que se olhe é infinito. A Terra não é o centro privilegiado do universo, ela é apenas um dos mundos possíveis. Mundos vários, vida que muda, universo sem fim e sempre vivo.
Mas Bruno não desvaloriza o homem. Para ele, a mente humana é tão infinita quanto a mente divina. Na imaginação, na sensibilidade, o homem atinge o infinito. Deus está em todas as coisas, inclusive na mente do homem, mente que é sem forma e sem fixidez como é o universo. O homem tem a obrigação moral de usar essa capacidade divina de sua mente. Em seu espírito vive o infinito e a infinita capacidade de criar e de entender.
Vale dizer que o volume começa com uma carta que Bruno envia ao ilustríssimo senhor de Castelnau. Poucas vezes em minha vida li algo de tão belo, de tão nobre e de tão alto grau de sabedoria. E é isso que mais se sente ao ler Bruno: Quando Roma fez arder a carne daquele homem, se queimava um nobre, um justo, um ser privilegiado.
" Daí sucede que não arredo pé do árduo caminho...."
Giordano Bruno é infinito.
FLORENÇA, UM CASO DELICADO- DAVID LEAVITT
Em 1966 houve uma grande enchente em Florença. O Arno transbordou e pinturas, esculturas, livros, todos ficaram debaixo das águas barrentas. Na época o senador Edward Kennedy estava lá. Ele ficou abismado com o que viu: milhares de jovens, voluntários vindos de todo o mundo, debaixo d'água, em fila, salvando a arte de Florença. No frio de novembro, sob chuva, eles vinham de todo lugar, sem dinheiro e sem planos, para tentar dar vida ao que se perdia. Acampavam no campo, comiam o que os italianos lhes podiam dar, eram aventureiros. O livro de David Leavitt termina narrando essa saga. E começa com um dado: apesar de ser uma cidade média ( em termos brasileiros ela tem o tamanho de Santos ), Florença possui um quarto de toda a arte superior do mundo. Isso mesmo, em pintura, arquitetura e escultura, de cada quatro obras-primas do mundo, uma está na pequena Firenze. Daí a ocorrência da Síndrome de Stendhal, mal que foi descrito em 1980, tendo por base uma lembrança do autor francês quando lá esteve. Que sintomas são esses? Falta de ar, vertigens e confusão mental. Às vezes, desmaio. Confundido pela profusão de obras acachapantes, a personalidade do pobre visitante, acostumado a mediocridade segura, se aturde e como que se desfaz. A pessoa tem então uma cruel percepção de sua insignificância. Perde a persona.
David Leavitt é um autor quarentão gay militante. Seu livro não é a história da cidade. O que ele conta é o porque dela atrair tantos ingleses "esquisitos". O motivo é simples. Na época vitoriana, ser gay era crime na Inglaterra. Voce podia incluisve ser dedurado e preso. Na Itália, desde sempre, atos homossexuais eram tolerados. Dessa forma, levas e levas de ingleses, desde 1860, aportaram na cidade. Dentre 800.000 habitantes, 200.000 têm origem ou cidadania inglesa ou americana. É a vida desse mundo, feito de fofocas, arte e vagabundagem que Leavitt trata. Se na Inglaterra, arte era o que tinha utilidade ou relevância social, na Florença dos estetas, arte é gozo.
O livro mostra, deliciosamente, a vida de seus duques e condes italianos, amorais que se unem aos ingleses desbundados. Festas e decadência. Tudo a sombra do David de Michelangelo.
A mais bela cena do livro é sobre a segunda-guerra. A população da cidade escondeu as obras de arte em sitios e palácios da periferia para as salvar dos bombardeios. Leavitt nos conta a história de um grupo de soldados americanos, que ao adentrar um palácio vazio, para pernoitar, se surpreende. Um deles entra num quarto e grita: "Giotto!!!", outro da cozinha berra: "Há um Donatello aqui!!!", e por fim o sargento, lá do porão, ri e comemora: " A Primavera de Botticelli!!!!!" É uma história verídica.
Aldous Huxley odiou Florença. Reclamava dos sodomitas e das lésbicas. Logo se mudou para Roma. Forster escreveu seu melhor livro lá. Mas ficou pouco tempo. Henry James tinha uma relação de amor e ódio com a cidade. Mas também preferia Roma. Lawrence idem. O que Leavitt nos revela é que a cidade tem um efeito maléfico sobre a inspiração. Cercado de tanta arte, o autor desiste de produzir com uma sensação de não valer a pena tentar. Daí a grande quantidade de "artistas" que "quase" foram grandes que lá moraram. Os realmente grandes logo partiam.
Florença viveu duzentos anos de grandeza e cinquenta de soberba genialidade. E depois, apenas lembranças. Tudo na cidade é melancólico. Há nela um ar de "perda de inocência". Os ingleses, que mesmo após décadas na cidade continuavam com seus chás e jardins sem história, viviam como em teatro, criando tipos e compondo um cotidiano que logo seria feito biografia. Uma imensa quantidade de auto-biografias saiu da cidade. De certo modo o livro de David é mais uma. Pequena e boa.
PS: O jardim inglês é sem história porque ele é feito de grama, arbustos e rosas. O jardim italiano é feito de fontes, estátuas e caminhos. O percurso narra uma história dentro do jardim. Quando os ingleses compravam uma villa a primeira coisa que faziam era destruir o jardim italiano e fazer um inglês. Esse foi o maior sintoma de seu auto-encarceramento. Eles fugiam das prisões inglesas, mas carregavam a Inglaterra na cabeça. Transavam com adolescentes italianos, mas detestavam alcachofras, azeite e saladas, e aniquilavam vinhedos para construir uma quadra de tênis.
Bem, uma coisa os britãnicos trouxeram de melhor: os cães. Italianos achavam estranhíssimo o amor que os ingleses davam a seus cães. Para italianos, cães só prestam se forem úteis. Não são melhores que um burro ou uma cabra. Para ingleses, e alemães, são seres que devem ser amados. E amados por serem companheiros. Nessa visão conflitante se revela toda a diferença entre saxões e latinos. Os individualistas saxões e os hiper-sociáveis latinos, uns com suas etiquetas e cachorrinhos, outros com suas festas e grupos de amigos. Firenze vive essa mistura. Fascinante.
David Leavitt é um autor quarentão gay militante. Seu livro não é a história da cidade. O que ele conta é o porque dela atrair tantos ingleses "esquisitos". O motivo é simples. Na época vitoriana, ser gay era crime na Inglaterra. Voce podia incluisve ser dedurado e preso. Na Itália, desde sempre, atos homossexuais eram tolerados. Dessa forma, levas e levas de ingleses, desde 1860, aportaram na cidade. Dentre 800.000 habitantes, 200.000 têm origem ou cidadania inglesa ou americana. É a vida desse mundo, feito de fofocas, arte e vagabundagem que Leavitt trata. Se na Inglaterra, arte era o que tinha utilidade ou relevância social, na Florença dos estetas, arte é gozo.
O livro mostra, deliciosamente, a vida de seus duques e condes italianos, amorais que se unem aos ingleses desbundados. Festas e decadência. Tudo a sombra do David de Michelangelo.
A mais bela cena do livro é sobre a segunda-guerra. A população da cidade escondeu as obras de arte em sitios e palácios da periferia para as salvar dos bombardeios. Leavitt nos conta a história de um grupo de soldados americanos, que ao adentrar um palácio vazio, para pernoitar, se surpreende. Um deles entra num quarto e grita: "Giotto!!!", outro da cozinha berra: "Há um Donatello aqui!!!", e por fim o sargento, lá do porão, ri e comemora: " A Primavera de Botticelli!!!!!" É uma história verídica.
Aldous Huxley odiou Florença. Reclamava dos sodomitas e das lésbicas. Logo se mudou para Roma. Forster escreveu seu melhor livro lá. Mas ficou pouco tempo. Henry James tinha uma relação de amor e ódio com a cidade. Mas também preferia Roma. Lawrence idem. O que Leavitt nos revela é que a cidade tem um efeito maléfico sobre a inspiração. Cercado de tanta arte, o autor desiste de produzir com uma sensação de não valer a pena tentar. Daí a grande quantidade de "artistas" que "quase" foram grandes que lá moraram. Os realmente grandes logo partiam.
Florença viveu duzentos anos de grandeza e cinquenta de soberba genialidade. E depois, apenas lembranças. Tudo na cidade é melancólico. Há nela um ar de "perda de inocência". Os ingleses, que mesmo após décadas na cidade continuavam com seus chás e jardins sem história, viviam como em teatro, criando tipos e compondo um cotidiano que logo seria feito biografia. Uma imensa quantidade de auto-biografias saiu da cidade. De certo modo o livro de David é mais uma. Pequena e boa.
PS: O jardim inglês é sem história porque ele é feito de grama, arbustos e rosas. O jardim italiano é feito de fontes, estátuas e caminhos. O percurso narra uma história dentro do jardim. Quando os ingleses compravam uma villa a primeira coisa que faziam era destruir o jardim italiano e fazer um inglês. Esse foi o maior sintoma de seu auto-encarceramento. Eles fugiam das prisões inglesas, mas carregavam a Inglaterra na cabeça. Transavam com adolescentes italianos, mas detestavam alcachofras, azeite e saladas, e aniquilavam vinhedos para construir uma quadra de tênis.
Bem, uma coisa os britãnicos trouxeram de melhor: os cães. Italianos achavam estranhíssimo o amor que os ingleses davam a seus cães. Para italianos, cães só prestam se forem úteis. Não são melhores que um burro ou uma cabra. Para ingleses, e alemães, são seres que devem ser amados. E amados por serem companheiros. Nessa visão conflitante se revela toda a diferença entre saxões e latinos. Os individualistas saxões e os hiper-sociáveis latinos, uns com suas etiquetas e cachorrinhos, outros com suas festas e grupos de amigos. Firenze vive essa mistura. Fascinante.
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